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Marisa Amaro Malvestio - Enfermeira, Mestre e

Doutora em Enfermagem, membro da Comissão

APH
Nacional de Urgência e Emergência do Cofen.
malvestio.revistaemergencia@gmail.com

Sobre
Quando abro minhas redes sociais a tela se conhecido) pelo modelo de atenção, mas mobiliza
enche de cores que se misturam. São colegas fortemente as entidades de regulamentação da
vestidos de vermelho, azul, verde, preto e laran- profissão para seu reconhecimento.

nós
ja, que se espalham pelas cidades, pelas rodo-
vias e pelos céus. Fico pensando em quantos INTERDISCIPLINAR
somos, quem somos e o que estamos fazendo. Será que estamos no caminho certo? Em uma
Sabemos pouco sobre nós. E isso não é bom. prospecção sobre o nosso sistema de saúde para
Como mostra um estudo da Fiocruz a força de 2030, a Fiocruz já aponta, de forma semelhante
trabalho é um ativo importante para o sucesso Nossos condutores formam a segunda principal a outros estudos internacionais, que o trabalho
dos sistemas de saúde. Isso porque as ativida- força de trabalho na assistência (42,4%), mas, in- em saúde terá características cada vez mais co-
des em saúde são fortemente dependentes de felizmente, mesmo após seu reconhecimento pro- letivas, reverberando a lógica de que o cuidado
mão de obra qualificada, têm uma repercussão fissional, não contam com registro adequado no e a prática são interdisciplinares. Quando se fa-
social elevada e uma gestão complexa, que vai CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de la de necessidades do paciente e dos sistemas,
desde a formação em diferentes níveis, até a Saúde), onde são contabilizados dentro das ocu- o território profissional é superado e inovações
discussão sobre modelos de vinculação, com- pações que englobam, genericamente, os moto- são necessárias para resultados melhores. Sim,
posição de competências para cada atividade, ristas. No geral, o que se observa é uma redução nesse sentido, estamos no caminho certo e es-
distribuição no território e mecanismos de reten- de auxiliares de enfermagem e um crescimento na tamos inovando.
ção, dentre outros aspectos. Sem profissional de participação de técnicos, enfermeiros, condutores Entretanto, estudos internacionais pós-pande-
saúde, não tem saúde. E não adianta só incorpo- e médicos, vinculado ao crescimento da cobertura. mia mostram que já há sinais de que a oferta de
rar tecnologia. Diferente de outras áreas, quanto Mas é suficiente? profissionais para setores de emergência está
mais inovação é incorporada, mais mão de obra Para além dos números das ocupações finalís- caindo e com elevadíssima rotatividade, o que
qualificada precisamos. Sem saber sobre nós, ticas, chama a atenção a presença de ocupações é cruel para os serviços, pois custos sobem en-
deixamos de lado uma oportunidade imensa de administrativas e de outras profissões da saúde no quanto a qualidade cai. Riscos, falta de valoriza-
transformar nossos resultados. SAMU. Na CRU, competências em tecnologia, te- ção, exigências para credenciamento, cargas de
Dados sobre o SAMU mostram que, em 2019, lefonia e administração garantem funcionalidades trabalho elevadas, trabalho em final de semana,
alcançamos 85,0% da população brasileira, em estruturais por 24h. Para além da centralidade na vínculos precários e burnout se somam à valori-
67,3% das cidades do país. Isso foi feito com figura do médico, outros profissionais em novos zação do tempo com a família e estão afastando
CRU (Centrais de Regulação das Urgências) e papéis surgem diante da demanda e da expansão novos candidatos. Isso nos afetará também? Não
3.648 recursos móveis distribuídos, entre ambu- do papel da CRU como recurso-chave da rede de sabemos. Assim como também não sabemos se
lâncias terrestres, motolâncias, embarcações e urgência. Estudos mostram inovações em Brasília, temos profissionais suficientes para operar todos
unidades aeromédicas. Nesse mesmo ano, se- com equipes especializadas em atendimentos em os recursos móveis disponíveis ou o que fazem
gundo o Sistema de Informações Ambulatoriais saúde mental, (com psiquiatras, psicólogos, enfer- esses profissionais, sua demografia e como são
do SUS, nossas equipes atenderam 19,0 mi- meiros e assistentes sociais) e, também, no Rio treinados. Seguimos no escuro.
lhões de solicitações de socorro na CRU, com Grande do Sul, que inovou com protocolo de aciona- É emocionante ver o orgulho que cada profis-
4,2 milhões de atendimentos de básico e 892 mento automático de ambulâncias por enfermeiros sional demonstra ao vestir as diferentes cores de
mil atendimentos de avançado. para enfrentar o aumento na demanda e o déficit de seus uniformes, mas pouco sabemos e pouco te-
Em estudo, ainda no prelo, mostro que, se- profissionais médicos. Nos recursos móveis, alguns mos feito para garantir que eles existam agora e
gundo o CNES (Cadastro Nacional de Estabe- estudos mostram um protagonismo do enfermeiro no futuro, de forma sustentada. Precisamos de
lecimentos de Saúde), para tudo isso ser alcan- na composição de equipes em unidades terrestres um planejamento nacional da força de trabalho
çado e realizado, contávamos com 7.872 profis- básicas e avançadas, que não é previsto (e nem re- que considere nossas próprias forças e fraque-
sionais vinculados às CRU e 33.618 vinculados zas, nossas inovações e nossas necessidades.
BETO SOARES/ESTÚDIO BOOM

aos recursos móveis. Logo, somos mais de 41 O planejamento pode construir o caminho para
mil profissionais vinculados ao SAMU (Uau!), em que a demanda encontre oferta em todo o ter-
um arranjo muito diversificado de competências, ritório e que as práticas e a colaboração entre
que reúne profissionais de saúde em atividades profissionais sejam pautadas por projeções de
finalísticas, mas também, pessoal em áreas de dimensionamento, clara definição de escopo de
apoio operacional, administrativo, tecnológico, práticas e indicadores de gestão.
segurança e limpeza, dentre outros. Além do orgulho em alta, precisamos manter
Nas CRU do SAMU, médicos, telefonistas nossos olhos bem abertos. Com a ampliação
e operadores de radiochamada são 56,4% da da cobertura e o envelhecimento da população,
força de trabalho, mas compartilham a atuação a demanda por atendimento irá aumentar. Va-
com diferentes categorias da enfermagem, ou- mos precisar de mais gente para distribuir mais
tros profissionais de nível superior e muitas ocu- cuidado. Precisamos ir além da delimitação de
pações administrativas. Nos recursos móveis, a uma “composição mínima”, para tratarmos de
Enfermagem representa mais de 46% da força uma “composição necessária, suficiente e ino-
de trabalho. Apenas no SBV, técnicos e auxilia- vadora”, que traga os resultados de saúde que
res são mais de 51% da força de trabalho total. precisamos.
NOV/22 / JAN/23 Emergência 5

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