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Tradições Religiosas

Aula 1: Do Animismo ao Monoteísmo

Apresentação
Nesta aula, estudaremos as bases que deram origem à religião. Na primeira parte, explicaremos por que as pessoas,
normalmente, confundem experiência religiosa, religiosidade e religião e aprenderemos que esses três conceitos são
diferentes, apesar de se complementarem. 

Discutiremos a experiência religiosa e como ela foi primordial para o nascimento da religião institucionalizada. Para ajudar
nesse entendimento, abordaremos o animismo, como ele criou as bases para o nascimento dos rituais, e como estes
foram importantes para o nascimento da religião institucional graças à criação de sistemas de crenças que deram
significado para a vida no homem no mundo. 

Por fim, acompanharemos a evolução do sentimento e das formas de expressão da religiosidade. Percorreremos uma
trilha histórico-cultural que partirá da forma religiosa primordial, passará pelo nascimento no politeísmo e terminará na
expansão do monoteísmo pelo Ocidente graças à influência das religiões abraãomicas.

Bons estudos!

Objetivo
Analisar o nascimento e a construção da religião a partir de seus sistemas de crenças;

Relacionar a crença no sobrenatural com a organização das sociedades.

Religião

Bartolomeu I ao Papa: que as religiões construam pontes.



Líderes do catolicismo, budismo, islamismo e judaísmo juntos no vídeo do Papa sobre diálogo inter-religioso / Foto: Reprodução do Vaticano | Fonte: Canção Nova

Você já parou para pensar o que é a religião?

A palavra é muito usada, mas seu significado poucos conhecem. Sendo bem simplista, ela pode ser entendida como um
conjunto de crenças e práticas.

Você parou para refletir por que a maioria das pessoas acreditam e praticam rituais
religiosos?

Essa pergunta também é boa, e você deve fazê-la sempre que buscar compreender porque o homem procura ter contato com
o sobrenatural até hoje – apesar do surgimento do conhecimento científico.

A religião surgiu a partir da busca por respostas a perguntas que vão além do que é natural e físico. Ela tenta ressignificar a
natureza, transformá-la em outra substância que não a física.  

A religião, seja ela qual for, possui uma história, possui símbolos e uma teia de crenças e práticas que nos permite estudar e
entender boa parte do significado que ela possui para o praticante, para quem crê.

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No livro de Gênesis é dito que a terra, as

plantas e todos os animais, inclusive o
homem, foram criados por Deus.


Livro de Gênesis | Fonte: Anatolii Mazhora / Shutterstock

Na mitologia Grega, a terra é uma deusa



chamada Gaia e o céu é o deus chamado
Urano, que a fertilizou.


Cena da Grécia antiga | Fonte: Matrioshka / Shutterstock

Na mitologia Hindu, quem criou o mundo e



todas as coisas que nele existe foi o deus
Brahma.


Deus Brahma | Fonte: PunkbarbyO / Shutterstock
Essas são verdades que o crente não discute, ele aceita, mesmo não
entendendo como isso foi possível, como aconteceu.

As crenças – dogmas, doutrinas e teologias – são mantidas pelas instituições religiosas. São elas que definem as formas e as
normas que devem ser seguidas e obedecidas pelos fiéis quando praticam os rituais próprios da sua religião. É o ato de
participar da missa, do culto, de fazer as oferendas para os orixás etc. É na prática que se cria a identidade de grupo, que dá a
sensação de pertencimento e acolhimento.

A forma primordial da religião

Você já ouviu falar de experiência religiosa?

A experiência religiosa é anterior à religião. É ela que dá respostas para perguntas que não possuem uma explicação natural,
como, por exemplo: qual o sentido da vida? Por que existimos? Ela também nos ajuda a aceitar a morte porque permite uma
visão transcendental dá existência.

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A religiosidade também é anterior à religião.

Ela é a expressão da experiência religiosa. A religiosidade é manifestada nas orações, nas crenças, nos rituais, nos
símbolos etc. Ela é a a exteriorização da Fé, a crença na existência em um ser maior, transcendental, que controla e
ordena a vida das pessoas, que transforma o Caos em Cosmo.
A experiência religiosa expressa na religiosidade deu significado para
quem acredita e segue um credo.

Em todas as religiões, de uma madeira geral, no início de tudo havia o Nada ou a desorganização e a confusão primordial –
também chamada de Caos. Foi a Fé, o ato de acreditar em algo sagrado e sobrenatural, que deu ordem ao Caos e criou o que
chamamos de ordem cósmica.

A religião é a institucionalização da experiência religiosa e da


religiosidade.

É a repetição do ato de criação do Cosmo. Para ficar mais claro, um exemplo: só seguindo os ensinamentos da Bíblia e os
rituais criados pela Igreja Cristã se chega ao paraíso. Ou seja, ela criou padrões para se alcançar a transcendência. Sua maior
característica é a criação de um sistema simbólico claro para todos e capaz de explicar a vida e a existência pós-morte. Ela cria
uma cosmologia que deve ser seguida e repetida pelo fiel se quiser alcançar a graça de Deus.

O fiel deve ir à missa, seguir os Dez Mandamentos, realizar todos os sacramentos, não cometer os Sete Pecados Capitais e
obedecer aos preceitos defendidos pelo Vaticano. Essa explicação inicial é necessária para que o conceito de Sagrado, tão caro
às religiões, seja explicado.

O Sagrado faz parte da esfera religiosa, mas possui múltiplos significados, não importa se a religião é politeísta ou monoteísta.
Sagrado significa consagrar algo a uma divindade, ou que algo é consagrado a uma divindade, não importa qual seja.

Exemplo

Pode-se consagrar um rio, uma mata, o sangue de um sacrifício animal ou humano e qualquer outra coisa a um deus ou
deuses pedindo graças. Só para não deixar dúvidas, em algumas religiões, também há consagrações a entidades vistas como
malignas, todavia, nesses casos, a palavra Sagrado dá lugar a palavras como maldito ou impuro. Mas, apesar de possuir outro
nome, o ato não deixa de ser a consagração de algo ou alguém a uma divindade.

Existem coisas que são consagradas a divindades, mas também podem ser entendidos como Sagrado os cânticos religiosos,
os rituais, as oferendas e também as festas e cerimônias religiosas. Por último, mas não menos importante, pessoas podem
ser consagradas. 

Algumas pessoas foram e são cultuadas a ponto de serem vistas como divindades: imperadores romanos se tornaram deuses
e, Jesus Cristo, que era uma pessoa de carne e osso, hoje é visto como uma divindade imortalizada e tornado eterno.
 Representação do túmulo de Jesus vazio | Fonte: Romolo Tavani / Shutterstock

O que foi consagrado ou que é sagrado depende da experiência religiosa e da religiosidade de quem vivencia e pratica um
credo específico.

No Ocidente cristão – até os dias atuais – chamou-se de maldito ou pecado as várias formas de consagração feitas por outras
religiões. Basta pensar no que aconteceu com os judeus, maias, incas e astecas. Esses povos foram perseguidos e mortos
porque tinham uma forma de entender o Sagrado diferente do aceito como certo pela cristandade.


Atividade
1 - As religiões foram moldadas a partir de um sistema de crenças ordenadas de tal forma que o fiel é capaz de entender e
aceitar como verdade os ensinamentos prescritos dentro desse sistema. A partir dessa afirmação, escreva um texto
analisando a importância da experiência religiosa no processo de criação desses sistemas.


Animismo
Antes do surgimento das grandes religiões como o judaísmo, cristianismo e o islamismo, as pessoas já viviam experiências
religiosas, só não havia uma forma institucionalizada de vivê-las. Pedras, rios, vento, animais e outras coisas do meio físico ou
biológico poderiam mediar a relação entre o mundo natural e o mundo espiritual.

 Pinturas rupestres descobertas em Mali | Fonte: La entrada secreta


Podemos afirmar, no primeiro momento, que existiam deuses em todos os lugares, mas não podemos chamar essa forma de
viver a experiência divina de politeísmo.

Essa forma de entender o Sagrado é chamada no Ocidente de animismo. Esse termo foi criado pelos pesquisadores e
estudiosos das religiões para tentar explicar como e por que alguns povos do passado acreditavam na existência de seres
espirituais que lhes visitavam nos sonhos e lhes enviavam mensagens pelo vento.

Como isso acontecia? Por que isso acontecia? Porque aquele que acreditava, via a manifestação do Sagrado no vento, na
pedra, nos sonhos.

O animismo não era uma religião, era um ato de Fé nascido da crença,


na aceitação da existência de fenômenos e seres que não existem ou
não têm origem no mundo natural.

Essa forma de estudar e entender as expressões religiosas dos primeiros povos que habitaram a terra foi criada e moldada no
Ocidente, no século XIX, por estudiosos (teólogos, sociólogos e antropólogos) que possuíam toda uma tradição, uma cultura
pautada nas verdades pregadas pelo monoteísmo, principalmente as verdades cristãs.


O Politeísmo
Com o surgimento de grandes civilizações, como a Egípcia, a Grega e a Romana, a religiosidade, expressa na crença em vários
deuses, passou a se desenvolver e se expandir.

Ainda não havia uma forma propriamente institucionalizada de religião. As pessoas acreditavam em várias divindades. Cada
uma tinha uma característica e possuía um significado religioso único para quem a cultuava.

A forma animista de expressão religiosa não é a mesma das grandes religiões politeístas.

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A expressão religiosa politeísta era mais elaborada, possuía livros sagrados


e tinha no mito, na alegoria, e na filosofia sua razão de ser. A religiosidade,
expressa na forma de rituais e crenças também a tornava diferente.
Um bom exemplo é estudar os mistérios dionisíacos, órficos e elísios: os mistérios helênicos. Nós iremos discuti-los na aula 4.

 Henryk Hector Siemiradsky (1847-1902) Phrine the Poseidon's celebration in Eleusis -- oil on canvas 1889 | Fonte: Viático de Vagamundo

Outras características das grandes religiões politeístas são:

1 A existência de um panteão de deuses que de alguma forma se relacionam.

Os deuses possuíam personalidade própria. A diversidade de valores e motivações que guiavam as pessoas quando
2 realizavam determinados atos se originavam nos deuses. As pessoas poderiam ser usadas como instrumentos para que
seus desejos e caprichos se concretizassem.

O respeito aos outros deuses. As pessoas erguiam altares em casa e iam ao templo de um deus específico, mas
3 respeitavam e temiam os outros deuses.

As deusas eram cultuadas sem preconceito ou discriminação. O fato de serem mulheres não as tornava deusas
4 menores. Elas eram cultuadas com o mesmo fervor e a mesma reverência que os outros deuses.

A História dos Heróis Gregos, seus feitos e suas tragédias são bons
exemplos para se entender como os deuses manipulavam as
vontades dos seres humanos.
É fácil entender isso relembrando características e poderes dos deuses do panteão grego. Para citar alguns:

Zeus era o senhor dos raios. Afrodite, a deusa do amor e da Hera protegia os lares e os rituais
beleza. de matrimônio.

Dionísio era o deus do vinho. Ares, o deus da guerra. Atenas, a deusa da sabedoria e
grande estrategista na arte das
guerras.

Mas o que todos esses deuses têm em comum? Personalidade própria. Eles usavam seus poderes para manipular os homens
de acordo com suas vontades e seus interesses. Eles se apaixonavam, tinham ciúmes, inveja, lutavam pelo controle do panteão
e tomavam partido quando havia luta entre os povos que os cultuavam.

Se você já assistiu a algum filme ou leu um livro que trate do comportamento dos deuses gregos sabe do que falamos. Quem
os adorava via em suas atitudes e seus poderes uma forma de inspiração.

O Monoteísmo
O monoteísmo foi uma forma rara de expressão religiosa na antiguidade. Por quê? Porque é uma forma de expressão religiosa
dual. O que é dual? É entender o mundo a partir das diferenças entre o Bem e Mal.

Nas religiões monoteístas existe sempre um Deus bom, que criou todas coisas e uma entidade maligna, que existe somente
para destruir ou macular as coisas boas criadas por Deus.  

As principais religiões monoteístas são:


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O Judaísmo O Cristianismo

O Islamismo

Você sabia que essas três religiões possuem uma origem comum?

Todas dizem que suas origens remontam a Abraão, o primeiro patriarca do Judaísmo, por isso, elas também são conhecidas
como religiões abraâmicas. 

Talvez você possa estar se perguntando: se elas não negam que possuem uma origem comum, qual é o motivo de tantas lutas
entre esses três povos? Por que os cristãos perseguiram os judeus? Por que os islâmicos travam uma luta em nome de Deus
contra os cristãos? A resposta para essas perguntas encontra-se nos dogmas que cada uma dessas religiões possui.

Um dogma é uma visão fechada sobre algo. É não aceitar outros


pontos de vista sobre a forma de entender o mundo e o que o cerca.

Essas três religiões possuem dogmas que, apesar da origem comum, não aceitam outra interpretação religiosa das escrituras
sagradas que não as suas próprias. Mais ainda, todas as três se institucionalizaram de forma diferente. Ou seja, cada uma
possui um modo de interpretar e praticar.

As religiões monoteístas possuem, normalmente, uma visão linear da História. De uma forma geral, elas acreditam que
em algum momento Deus criou o mundo e todas as criaturas (Gênesis), mas que essa forma terrena durará por um
período específico de tempo e, após esse tempo, ela terá um fim, e todos os que seguiram os ensinamentos prescritos
por Deus viverão junto a Ele na eternidade.

 Tábuas dos dez mandamentos | Fonte: Inked Pixels / Shutterstock



A religião e o ordenamento social
A existência da religião foi e ainda é um fator essencial para a organização das sociedades. A religião ajudou a moldar e ainda
molda os comportamentos sociais por meio de seus dogmas, pela ética e pela moral oriunda dos seus ensinamentos
religiosos.

Mesmo um ateu segue, sem querer ou sem saber, regras de comportamentos ditadas pela ética e moral nascida da religião.

Observe um exemplo dentro do Cristianismo:

Exemplo

Quais são os Sete Pecados Capitais?


Gula, Preguiça, Ira, Soberba, Avareza, Luxúria e Inveja.

Esses pecados foram listados pela primeira vez no século IV pela Igreja Cristã. De lá para cá muito tempo se passou, mas até
hoje os comportamentos listados como Pecados Capitais são moralmente reprovados pela sociedade. Mesmo um ateu
reprova alguns, senão todos. A moralidade cristã ajudou a moldar o comportamento das pessoas, pois foi ela que serviu de
base para a definição do que é um comportamento certo e do que é errado na sociedade ocidental.

Alguns comportamentos vistos como virtuosos pela sociedade ocidental também tiveram um empurrão da ética e da moral
cristã para se difundirem.  

Provavelmente, você já foi elogiado por mostrar Humildade, Generosidade, Castidade, Paciência, Moderação, Caridade ou
Diligência. Saiba que esses comportamentos foram definidos como as Virtudes que deveriam ser perseguidas por todas as
pessoas que querem viver nas graças de Deus. 

É possível fazer a mesma afirmação para todas as sociedades. De uma forma ou de outra, a religião institucionalizada ajudou a
moldar os comportamentos e os costumes nas mais diversas sociedades.


Atividade
2 - A ética e a moral religiosa são bases estruturantes de quase todas as sociedades organizadas. No Ocidente (Europa e
Américas), a ética e a moral cristã ajudaram a moldar as relações sociais e os costumes. Ela é tão presente no dia a dia, que a
maioria dos ocidentais não percebem que fazem coisas, ou tomam decisões importantes, influenciados pela ética e pela moral
cristã. Você concorda com essa afirmação? Explique sua resposta.

3 - A religiosidade é expressa nas orações, nas crenças, nos rituais e símbolos. Ela é a expressão e a exteriorização da Fé, a
crença na existência em um ser maior, transcendental, que controla e ordena a vida das pessoas, que transforma o Caos em
Cosmo. Explique essa afirmação.

4 - Uma pergunta direta: estudar a Religião é importante? Justifique sua resposta.

Referências
Notas
DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni (org.). A Religião: o seminário de Capri. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. 2.ed. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes,
2008.

LAGENEST, J. P. Barruel de. Elementos de Sociologia da Religião. Petrópolis: Vozes, 1976.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Trad. Tânia Pellegrini. Campinas: Papirus: 2008.

OTTO, Rudolf. O Sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. Trad. Walter O. Schlupp. São
Leopoldo: Sinodal EST, 2007.

SILVA. E. M. Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de Estudos da
Religião. n.2, 2004, p. 1-14. Disponível em: https://www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf. Acesso em: 23 fev. 2019.

Próxima aula

Conceito de religião;

A visão antropológica da religião;

Aspectos da religião na atualidade.

Explore mais

Assista ao vídeo “Ciência e Religião”.

Assista ao filme: A VILA. Dir.: M. Night Shyamalan. Estados Unidos, 2004.

Leia o artigo de Pierre Sanchis intitulado “No mapa das religiões, há lugar para a ‘religiosidade?’”.

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