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Tradições Religiosas

Aula 2: A religião e sua amplitude conceitual

Apresentação
Nesta aula, aprofundaremos a discussão sobre a ciência da religião ou as ciências das religiões. Aprenderemos que
existem diversas formas de abordar, de estudar a religião e que, dependendo da forma de abordagem, a interpretação dos
fenômenos religiosos muda. 

Analisaremos as principais teorias e vertentes de interpretação do que é a religião e o fenômeno religioso. Dependendo da
teoria usada para compreender as religiões e seus rituais, o resultado do estudo pode mudar significativamente. 

Por último, mais não menos importante, começaremos a estudar as tradições religiosas a partir da perspectiva
antropológica, buscando entender os principais aspectos da experiência religiosa, da religiosidade, e da religião
institucionalizada na atualidade. Esses três princípios não mudam, mas as formas como eles surgem são influenciadas
pelas mudanças culturais, sociais e tecnológicas típicas do século XXI.

Bons estudos!

Objetivo
Examinar as ciências das religiões a partir de suas principais vertentes teóricas;

Analisar a religião pela perspectiva antropológica;

Identificar os principais aspectos que norteiam a religião na atualidade.

Epistemologia

"A religião é essencialmente uma doutrina de hierarquia, uma


tentativa para recriar uma ordem cósmica de posições e
poderes."
- Friedrich Nietzsche
"A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é
cega."
- Albert Einstein


Epistemologia é a teoria do Conhecimento.

E você sabe o que é o Conhecimento?

Quantos tipos existem?

Onde buscá-lo?

O que podemos usar para buscá-lo?

Como devemos agir para aprender?

São muitas perguntas com várias respostas, mas, nesta aula, nosso foco é saber que o Conhecimento, com “C” maiúsculo, é
fonte de discussão, e ainda se busca uma forma de defini-lo. 

Os estudiosos que tentam entender a religião olham para as culturas, sociedades e para a própria história dos seres humanos
para buscar conhecimento sobre o tema. Eles sabem que em alguns momentos nós, seres humanos, tomamos decisões
pensando de forma egoísta e, em outros, tomamos decisões pensando na coletividade. Eles também sabem que fazemos
escolhas e agimos em determinadas circunstâncias de forma consciente ou inconsciente, porque queremos ou porque fomos
coagidos.

Todos que estudam religião buscam conhecimento desse jeito, e sabem que o comportamento humano influencia as crenças e
os rituais religiosos, entretanto, parte desses estudiosos olham para a religião como se ela tivesse um padrão, um modelo: o
cristão ocidental.

Percebeu o problema?

Como poderemos buscar conhecimento sobre o comportamento religioso de outros povos, de outras culturas, se
olharmos suas crenças e rituais a partir na nossa visão de religião?

É por isso que devemos saber a diferença epistemológica entre ciência da religião e ciências das religiões.

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A ciência é uma construção histórica, isso quer dizer que somente
poderemos entendê-la se considerarmos os contextos social,
econômico, político e religioso que a cercam.

Ciência da religião ou das religiões?


Construir Conhecimento já é algo complicado. Ser o dono da verdade sobre o Conhecimento criado é mais complicado ainda,
por isso falamos, já na introdução da aula, que iríamos discutir se existe uma ciência da religião ou ciências das religiões.
Começaremos a discussão analisando os argumentos dos estudiosos que defendem a existência de uma única ciência que
estuda a religião.

Ciência da religião

Vamos começar nossa análise delimitando o objeto de estuda da ciência da religião.

A ciência da religião tem como objeto de estudo a... religião. Qual?


Todas e nenhuma.

Os defensores da ideia de que existe somente uma ciência que estuda a religião afirmam que ela deve ser vista de forma
totalizante. Ela não pode ser dividida para ser analisada em partes: credo, rituais, símbolos e todos os outros aspectos que se
ligam de forma direta ou indireta à religião não podem ser analisados separadamente.

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A forma de pensar dos defensores dessa teoria é interessante. Eles partem do princípio que áreas, como: Direito, História,
Geografia, Arqueologia, Sociologia, Arte, entre outras, estudam a religião a partir de análises típicas de cada área do saber. O
Direito estuda a religião a partir do princípio das normas, a Sociologia, a partir das formas de ordenamentos sociais, e assim
por diante.

Essas ciências, separadamente, não dão conta de entender a totalidade do estudo do fenômeno religioso, nem se propõem a
fazer isso segundo os teóricos da ciência da religião. Na visão dessas pessoas, só um cientista da religião é capaz de unir
todos os conhecimentos produzidos pelas outras áreas do saber e demonstrar a totalidade da religião.

Os defensores da existência de uma única ciência da religião não negam que é necessário existir interdisciplinaridade e
transversalidade para que seja possível entender o fenômeno religioso. Eles até defendem isso, mas deixam claro que só os
cientistas da religião fazem a composição interdisciplinar e/ou transdisciplinar com o objetivo de criar uma ciência
institucionalizada e totalizante. A Religião é seu objeto de estudo e por isso só um nome poderia ser dado a essa ciência nova,
institucionalizada e totalizante:

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Ciência da religião.

Toda ciência necessita de uma fundamentação epistemológica, de linguagem científica, de abordagens psicológicas e sociais,
além de enfoques específicos que tratem da relação entre seu objeto de estudo (neste caso a Religião) e convívio social. Mas,
você deve entender que toda ciência possui essas estruturas e é a partir delas que constroem suas perspectivas
metodológicas específicas.

O cientista da religião afirma que seu papel é pegar as análises realizadas pelas outras ciências e uni-las, fazendo nascer uma
nova visão do fenômeno religioso que foi estudado somente de forma pontual pelas outras áreas do saber.

Segundo esse ponto de vista, dessa união de saberes individualizados, o cientista da religião será capaz de:
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Fazer uma análise crítica dos dados obtidos. Criar uma interpretação própria e integralizada.

Como já dissemos, essa análise é complexa porque os cientistas da religião acreditam que não é possível dissociar a
experiência religiosa, da doutrina, dos atos ligados direta ou indiretamente às pessoas e suas crenças e da comunidade onde a
religião é vivenciada.

Para eles, essas são as bases de sustentação da religião e não podem ser analisadas separadamente, pois constituem a
totalidade do fenômeno religioso. São elas que mantêm o equilíbrio entre o passado e presente, tradição e mudança.

A ciência da religião não aceita qualquer outra forma ou método de análise


sobre a religião que não seja a sua. Ela admite a interdisciplinaridade
quando a religião é estudada, entretanto, não permite a aplicação de
métodos científicos oriundos de outras ciências.

Os cientistas da religião acreditam que só seus métodos próprios são capazes de analisar de forma coerente e total a religião,
pois ela é o seu objeto de estudo e, por isso, somente ela, é capaz de entendê-la em toda a sua dimensão. 

Compreender isso é importante porque uma das premissas da ciência da religião é buscar sempre uma posição de
neutralidade na sua análise. Ao cientista da religião cabe expandir o saber sobre o mundo e as pessoas sem intervir nas
crenças, rituais e comportamentos religiosos dos grupos humanos que estão sendo estudados. 

A visão que os cientistas da religião possuem sobre seu objeto de estudo (religião) é ampla. Eles se propõem a estudar ao
mesmo tempo a relação dos fiéis com a sociedade e, com as pessoas que possuem o mesmo credo que o seu, as ações
praticadas pelas pessoas em nome da fé que professam, os rituais que simbolizam a relação das pessoas com o sagrado e o
êxtase religioso em si.

Ciências das religiões

Os defensores da teoria que afirmam que existem ciências das religiões, declaram que a religião deve ser vista como cultura.
Qual a diferença? Quando se estuda uma religião a partir da cultura de quem a segue, necessariamente tem-se que partir do
princípio que ela é única.

Você percebeu a diferença e como ela é importante para quem estuda a religião?
Quando alguém se propõe a estudar uma religião a partir de sua
cultura, esse alguém já parte da premissa de que existem várias
religiões, porque existem várias culturas. Essa diferença
epistemológica faz toda a diferença quando se estuda a religião.

Toda religião tem forma própria e existem diferentes maneiras de expressar a religiosidade. Isso aparece nas preces, nos
rituais, nos dogmas defendidos, na relação do crente com a sociedade.

De uma forma geral, toda sociedade possui uma religião e ela interfere nas relações e nos comportamentos sociais das
pessoas. É por isso que alguns cientistas afirmam que não é possível estudar a religião como algo absoluto, pois a forma de
expressão religiosa é relativa. 

Toda religião tem seus alicerces apoiados em quatro bases estruturantes:

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A forma como se dá a experiência religiosa A doutrina que a mantém

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Os rituais praticados pelas pessoas que acreditam na A relação com a comunidade em que está inserida
doutrina pregada
Essas bases são expressadas de forma diferente em cada uma das religiões que existem no planeta, pois possuem
significados culturais diferentes.

Vamos tomar o Cristianismo como exemplo para entender melhor essas bases que estruturam uma religião.


A experiência religiosa no Cristianismo busca compreender a origem da vida e o que existe depois que morremos. Para o
cristão praticante, a vida na terra é só uma etapa que deve ser vivida para se chegar no céu, para se viver eternamente junto a
Deus. A doutrina que o sustenta é a crença nos livros que deram origem ao Velho Testamento e ao Novo Testamento – quando
juntos são chamados de Bíblia.

Os rituais cristãos são muitos e variados, mas os mais comuns são o ato de ir à missa ou ao culto, fazer penitências e
promessas, e festejar dias santos como a Páscoa e o Natal. Por último, a relação com a comunidade ocorre de forma intensa,
pois a ética e a moral cristã moldam e ditam os comportamentos das pessoas na sociedade.

No Ocidente, onde a maioria das pessoas são cristãs, a existência dessas bases passa até despercebida porque já faz parte da
cultura ocidental, entretanto, essas mesmas bases, quando expressadas pela perspectiva de outras religiões – como o
islamismo, o budismo, o hinduísmo ou o candomblé – são vistas com estranheza e, em alguns casos, nem chegam a serem
vistas como bases de uma religião.

Sim, estamos dizendo que boa parte das pessoas que seguem um credo religioso são preconceituosas. Elas acreditam que só
há uma forma de entender a realidade. É por meio dessa verdade que os cientistas das religiões constroem sua teoria. Segundo
eles, quando você estuda a religião, é necessário definir desde logo sob qual perspectiva pretende analisá-la.

Nós estudamos no início do tópico, que os cientistas acreditam que religião é cultura, e, por isso, defendem que cada religião
tem uma forma específica de ser entendida. Cada caso é um caso. Cada religião deve ser estudada a partir de metodologias
diferentes, porque foram criadas a partir de padrões culturais diferentes.

Os cientistas das religiões veem a religião como um fenômeno cultural.


Como existem várias culturas, necessariamente existem religiões. Não
existe apenas um objeto de estudo (religião), mas sim, vários (religiões),
pois o número varia de acordo com a quantidade de culturas religiosas que
existem no mundo.

A visão antropológica sobre a religião
Talvez você tenha achado a discussão sobre a epistemologia na religião desgastante, mas ela é necessária porque a religião e
as tradições religiosas são vistas e analisadas pelas outras ciências como uma temática com um viés mais antropológico.

Isso acontece porque a religião é vista pela ciência como algo criado
pelo homem. O sobrenatural é negado pelo conhecimento científico.

Em nenhum momento negamos a existência da experiência religiosa, da religiosidade, do Sagrado e das outras estruturas que
compõem as formas religiosas.

O que afirmamos é que a ciência acredita que todos esses conceitos e fatos podem ser explicados a partir da observação e da
aplicação do método científico.

Isso só é possível porque as ciências sociais, principalmente a Antropologia, criaram conceitos que nos permitem ver, falar,
estudar e criar teorias sobre coisas que não existem na natureza. Você sabe que o êxtase religioso não é natural, como
também sabe que não é natural que rios, pedras e imagens possuam poderes capazes de modificar a organização e o
comportamento social, mas existem pessoas que acreditam nisso.

O que, então, estuda a antropologia?

A Antropologia é a ciência que estuda o comportamento cultural do homem e, por isso, os estudos antropológicos sobre
religião são fontes importantes para quem busca conhecer as tradições religiosas. A religião e as tradições religiosas partem
da premissa de que existem coisas que não podem ser explicadas pela ciência.
Nas tradições religiosas, a crença no sobrenatural aparece de forma mais nítida. Você já deve ter visto uma oferenda feita a um
orixá ou participado de uma missa e visto o momento em que o pão e o vinho são consagrados. Esses fatos são analisados
pela Antropologia como sistemas simbólicos que ajudam a definir a cultura religiosa de um povo.

Você não consegue entender o que é o batismo no Cristianismo se não compreender a cultura que deu origem a esse ritual,
como também não consegue entender por que algumas religiões proíbem o consumo de determinados alimentos se não
entender a cultura das pessoas que se submetem e aceitam essa restrição alimentar.

A chave para entender todas essas coisas é a interpretação. O


antropólogo busca interpretar a cultura de um povo ou sociedade,
com o objetivo de explicar as ações das pessoas.

Quando um antropólogo se propõe a estudar uma religião ou comportamento religioso, ele busca interpretar todos os fatos
observados no seu estudo por uma perspectiva cultural, ou seja, como algo criado pelo homem com o objetivo de explicar ou
entender algum ato ou fenômeno que ele não pode, ou não consegue, explicar a partir do mundo físico. Para você que está
estudando as tradições religiosas, essas informações são importantes porque grande parte dos temas que norteiam o
comportamento humano não podem ser observados.  

A moral e a ética não podem ser observadas, mas orientam os comportamentos sociais. Elas são invisíveis, mas existem.
Foram criadas pelo homem para mediar as relações e comportamentos sociais. São preceitos que se tornam visíveis ao serem
praticados, por isso é possível afirmar que você só conseguirá entender o real significado dos rituais, dos tabus e das outras
formas de expressão do credo em uma religião se entender que ela, a religião, faz parte de uma coisa maior chamada Cultura.


A religião na atualidade

Entender a religião hoje em dia significa estudar a identidade cultural


do praticante.
Exemplo

Muitas pessoas acreditam que todo árabe é mulçumano e islâmico, e isso não é verdade.

As religiões passaram a ser mais sincréticas, ou seja, as crenças e os rituais que eram específicos de uma religião foram
incorporados por outras – com certeza você já viu rituais de descarrego, típicos das religiões de matriz afro, sendo realizados
em templos cristãos.

Atualmente, existe um pluralismo religioso que é de difícil entendimento. Isso acontece porque se busca uma forma de
expressão religiosa que seja, ao mesmo tempo, plural e inclusiva. Apesar de existirem pessoas que interpretam as doutrinas de
sua religião de forma literal, extremista, a busca pelo ecumênico, pelo universal, pelo papel conciliador da religião é a tônica
atual dos praticantes.

Isso quer dizer que quem estuda a religião acredita que a maioria das pessoas que possuem um credo buscam dialogar com
outras de credos diferentes. O diálogo leva ao respeito, que leva à aceitação do diferente. Muitas pessoas acreditam que a
identidade religiosa, que é um marcador cultural, deve ser respeitada.

Para terminar, é necessário frisar que na atualidade há uma busca pela aceitação e inclusão, entretanto, a intolerância religiosa
passou a ser mais visível. Ela sempre existiu, mas em virtude da ampliação dos meios de comunicação ela passou a ser
percebida de forma mais nítida, tornando mais claro o preconceito e a discriminação a certas tradições religiosas.

Atividade
1 - “No estudo da religião, os especialistas possuem uma imensa variedade de produtos das mentes e práticas humanas como
os seus dados. Estes produtos são criados por seres humanos e se voltam para seres humanos em culturas, sociedades e
histórias.” (Jeppe Sinding Jensen).

Partindo da citação, demostre a diferença epistemológica entre ciência da religião e ciências das religiões e depois se
posicione, dê seu ponto de visto sobre qual das duas premissas mais se adequa para explicar a religião.

2 - A Antropologia é a ciência que estuda o comportamento cultural do homem e por isso os estudos antropológicos sobre
religião são fontes importantes para quem busca conhecer as tradições religiosas. Explique porque essa afirmação é
verdadeira.

3 - A discussão epistemológica sobre a existência de uma ciência da religião ou das religiões deve ser entendida como algo vai
além da simples afirmação de um ponto de vista. A forma de abordar a temática religião hoje em dia pode ser um diferenciador
importante para ampliar ou restringir a exclusão social. Analise a afirmação.

4 - A religião ou comportamento religioso são observados pelo antropólogo por uma perspectiva cultural, como algo criado
pelo homem com o objetivo de explicar ou entender algum ato ou fenômeno que ele não pode, ou não consegue, explicar a
partir do mundo físico. Explique essa afirmação.

Referências
Notas
FILORAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus, 2005.

GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é ciência da religião? São Paulo: Paulinas, 2014.

LAGENEST, J.P. Barruel de. Elementos de Sociologia da Religião. Petrópolis, Vozes, 1976.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem; Trad. Tânia Pellegrini. Campinas: Papirus, 2008.

PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (Org.). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas, 2013.

OTTO, Rudolf. O Sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. Trad. de Walter O. Schlupp. São
Leopoldo: Sinodal EST, 2007.

Próxima aula

Relação entre mito e religião;


Relação entre cultura e religião;

Religião como meio de coesão social.

Explore mais

Assista ao documentário Luz, Trevas e o Método Científico, de Leopoldo de Meis (em sete partes).

Leia o livro O que é Ciência da Religião?, de Hans-Jürgen Greschat. O livro foi publicado pela editora Paulinas em 2005. Sua
leitura é interessante porque o autor, além de dar uma definir para Ciência da Religião também faz uma proposta de abordagem
metodologia sobre seu objeto de estudo.

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