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1. Introdução
O Brasil é um país de dimensões continentais, com amplas desigualdades
regionais e sociais, e, ao longo da sua história, sofreu grandes transformações
políticas, econômicas, demográficas e sociais. A Saúde nunca ocupou um
lugar central na política brasileira, tanto na resolução dos problemas de saúde
da população quanto na destinação de recursos ao setor. A evolução histórica
das políticas de saúde está diretamente relacionada com a evolução política e
socioeconômica da sociedade brasileira.
Entende-se como sistema de saúde o “conjunto de relações políticas,
econômicas e institucionais responsáveis pela condução dos processos
referentes à saúde de uma dada população que se concretizam em
organizações, regras e serviços que visam alcançar resultados condizentes
com a concepção de saúde prevalecente na sociedade”. Dentro desse
contexto, as políticas de saúde podem ser entendidas como o conjunto de
decisões e compromissos definidos pelo Estado para orientar o
desenvolvimento de ações e estratégias voltadas à melhoria da saúde.
A situação de saúde no Brasil é resultado de uma história que foi se
construindo, principalmente, em torno da questão da saúde do trabalhador. A
assistência médica no país traz, ainda hoje, forte presença de uma herança
previdenciária, que se caracteriza por clientelismo, ineficiência, burocracia e
não universalidade. Para ser possível analisar a realidade de saúde atual, é
necessário conhecer os determinantes históricos envolvidos nesse processo.
B - De 1889 a 1920
Dica
No período de 1889 a 1920, a assistência pública à saúde estava restrita às
situações de epidemia, sem ações direcionadas à assistência individual à
saúde.
C - De 1920 a 1930
Importante
A Lei Eloy Chaves foi o marco inicial da Previdência Social no Brasil, pois
foram criadas as CAPs, que proviam pensões, aposentadorias, serviços
funerários e serviços médicos aos trabalhadores afiliados.
O Estado não participava do custeio das Caixas, as quais eram mantidas pelos
empregados (3% dos respectivos vencimentos), pela empresa (1% da renda
bruta) e pelos consumidores dos serviços. As próprias empresas recolhiam
mensalmente as contribuições de todas as fontes de receita e as depositavam
na conta bancária de sua CAP. O financiamento das CAPs não era suficiente
para construir serviços de saúde (como hospitais e ambulatórios) e municiá-
los com equipamentos e recursos humanos; dessa forma, elas passaram a
contratar serviços de saúde privados, pontapé para a privatização da saúde no
Brasil.
D - De 1930 a 1940
Dica
As CAPs foram substituídas, nos anos de 1930 a 1940, pelos IAPs. Os
benefícios previdenciários estendiam-se a todos os trabalhadores urbanos
registrados em carteira.
E - De 1940 a 1960
Importante
A importância histórica do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de
Urgência está na criação do atendimento médico domiciliar no setor
público, financiamento consorciado entre todos os IAPs, e, ainda, na
instauração do atendimento universal, mesmo que limitado aos casos de
urgência.
F - De 1960 a 1980
Importante
Entre as décadas de 1960 e 1980, foi criado o INPS, em substituição aos
IAPs, incluindo a assistência médico-hospitalar aos demais benefícios já
instituídos.
G - De 1980 a 1990
Resumo
Sistema Único de Saúde
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão
1. Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a formulação política e organizacional dos
serviços e das ações de saúde no Brasil, estabelecida pela Constituição de
1988. É um sistema único, visto que segue a mesma doutrina e os mesmos
princípios organizativos em todo o território nacional, com vistas à promoção,
proteção e recuperação da saúde.
A - Histórico
B - Princípios doutrinários
a) Universalidade
b) Equidade
c) Integralidade
Dica
Saber identificar os 3 princípios doutrinários (ou éticos) do SUS é um
raciocínio bastante exigido em concursos médicos, então vamos lembrar:
Universalidade, Equidade e Integralidade.
C - Princípios organizacionais
Dica
A regionalização e a hierarquização propõem a organização dos serviços de
saúde em níveis de complexidade crescente (primário, secundário e
terciário) e com definição da população a ser atendida.
Importante
Com a descentralização, ocorreu transferência maior de responsabilidade
aos municípios na gestão da saúde da população.
Dica
Atualmente, no SUS, o predomínio do financiamento é feito pelo setor
público, entretanto o predomínio da prestação de serviços é feito pelo setor
privado.
D - Gestão
E - Financiamento
Importante
O financiamento do SUS é feito com recursos das 3 esferas de governo, e
os recursos federais são provenientes do Fundo Nacional de Saúde, que
recebe quantias do INSS, do PIS, da COFINS e da CSLL.
São ações que buscam eliminar ou controlar as causas das doenças e dos
agravos, ou seja, o que determina ou condiciona o aparecimento de
problemas de saúde. Essas ações podem ser desenvolvidas por
instituições governamentais, empresas, associações comunitárias e
indivíduos. As ações, em seu conjunto, constituem um campo de
aplicação que se convencionou chamar, tradicionalmente, de Saúde
Pública, ou seja, o diagnóstico e tratamento científico da comunidade;
Recuperação:
Ações que evitam mortes e sequelas e que atuam sobre os danos. Essas
ações são exercidas pelos serviços públicos de saúde (ambulatoriais e
hospitalares) e, de forma complementar, pelos serviços privados
conveniados ao SUS;
Promoção:
Ações de promoção:
Educação em saúde;
Bons padrões de alimentação e nutrição;
Adoção de estilos de vida saudáveis;
Uso adequado e desenvolvimento de aptidões e capacidades;
Aconselhamentos específicos (como genético e sexual).
Prevenção e proteção:
Ações de prevenção e proteção:
Vigilância epidemiológica;
Vigilância sanitária;
Vacinações;
Saneamento básico;
Exames médicos e odontológicos periódicos.
Cura:
Ações de recuperação:
Dica
As ações desenvolvidas pelo SUS são de promoção, de prevenção e
proteção e de recuperação (cura e reabilitação). Ou seja, é importante
lembrar que a Vigilância Sanitária (que controla a qualidade dos alimentos
e produtos, por exemplo), o saneamento básico e a política de vacinações
também são parte do SUS.
G - HumanizaSUS
Resumo
Princípios doutrinários do SUS
Universalidade;
Equidade;
Integralidade.
Regionalização;
Hierarquização;
Resolutividade;
Descentralização;
Participação social;
Complementaridade do setor privado.
Leis Orgânicas da Saúde
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão
A - Lei nº 8.080/90
Dica
A Lei nº 8.080/90 determina que a entrada do usuário para usufruir dos
serviços do SUS seja feita pelos serviços de atenção primária e de
urgência, quando for o caso. Ou seja, não adianta o usuário procurar
diretamente o especialista focal no hospital se desejar atendimento
específico: ele deverá procurar o seu serviço de atenção primária de
referência para que seu problema seja resolvido e, caso haja necessidade de
maior complexidade de recursos, será encaminhado aos demais níveis de
atenção conforme a demanda.
B - Lei nº 8.142/90
I - Conselhos de Saúde.
II - Conferências de Saúde.
Dica
Podemos dizer, com referência à composição dos Conselhos de Saúde, que
a participação dos usuários é paritária com relação à participação do
conjunto dos demais segmentos (governo, prestadores de serviços e
trabalhadores da saúde).
I - Atenção Primária.
II - Urgência e Emergência.
III - Atenção psicossocial.
IV - Atenção ambulatorial especializada e hospitalar.
V - Vigilância em saúde.
Leitura recomendada
O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, dispõe sobre a organização do
SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação
interfederativa.
3. As Normas Operacionais e o Pacto pela
Saúde: instrumentos normativos para a
implementação do SUS
Entre a publicação das Leis Orgânicas da Saúde em 1990 e sua
regulamentação em 2011, transcorreram 21 anos em que a implementação do
SUS foi regida por normas operacionais e, a partir de 2006, pelo Pacto pela
Saúde. Quatro NOBs foram publicadas entre 1991 e 1996: NOB 01/91, NOB
01/92, NOB 01/93 e NOB 01/96; 2 NOAS foram publicadas entre 2001 e
2002: NOAS SUS 01/2001 e NOAS SUS 01/2002; o Pacto pela Saúde foi
publicado em 2006. São leis infraconstitucionais que foram editadas
seguindo, em maior ou menor proporção, o que estabeleciam as Leis
Orgânicas da Saúde para normatizar a implementação do SUS nos seus
respectivos períodos históricos. A seguir, apresentaremos as principais
características de cada uma delas.
Até 1993, quando houve a criação da NOB 93, as ações de saúde de caráter
curativo e individual, produzidas pelos estados e municípios, eram
“compradas” pelo Governo Federal por meio do INAMPS. Tal sistemática
passou a ser a política dominante após o golpe militar de 1964, quando o
Governo Federal não construiu mais instituições públicas de saúde, optando
pela compra de serviços da iniciativa privada. Mais tarde, com a criação das
Ações Integradas de Saúde (AISs), em 1983, o governo também passou a
comprar serviços de saúde dos estados e municípios.
Dessa forma, as instituições de saúde estaduais e municipais, apesar da sua
relevância pública, eram tratadas como meras prestadoras de consultas
médicas e outros procedimentos cobertos pelo INAMPS. Além disso, como
os recursos financeiros se concentravam na esfera federal, os estados e
municípios aderiram à cultura da produtividade, preocupando-se
exclusivamente em produzir o maior número possível de procedimentos
médicos, sem se importarem com a qualidade e a resolutividade deles.
A NOB 01/93 começou a modificar essa situação ao implantar formas
progressivas de gestão municipalizada das ações de saúde. Os municípios
habilitados passaram a dispor de tetos financeiros definidos a serem
repassados pelo Governo Federal, bem como de autonomia de gestão de todas
as unidades de abrangência municipal ou regional (dependendo do porte do
município). A NOB 93 iniciou a municipalização da saúde no país, pois
definiu municípios e estados como gestores, desencadeando o processo de
municipalização da gestão, com a habilitação dos municípios nas condições
de gestão então criadas: incipiente, parcial e semiplena.
Dica
A NOB 93 iniciou a municipalização da saúde no país ao definir
municípios e estados como gestores da saúde.
Dica
A criação do NOAS adota a estratégia de regionalização por meio de um
Plano Diretor de Regionalização, que propõe a divisão administrativa do
estado em sub-regiões.
Resumo
Legislações do SUS
Saúde do idoso;
Câncer do colo uterino e de mama;
Mortalidade materno-infantil;
Doenças endêmicas;
Promoção à saúde;
Fortalecimento da atenção básica.
A - Conceito e princípios
A Atenção Primária à Saúde (APS) comporta 4 concepções distintas:
B - Histórico
a) Relatório Dawson
b) Declaração de Alma-Ata
Importante
A Declaração de Alma-Ata definiu a saúde como um direito do cidadão, e
foi necessária a criação de políticas públicas a fim de garantir um maior
nível de saúde até o ano 2000.
Importante
Com o Programa Saúde da Família, a família passa a ser o objeto de
atenção, no ambiente em que vive, permitindo uma compreensão ampliada
do processo saúde-doença, por meio de ações que incluem a promoção da
saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais
frequentes.
Resumo
Medicina de Família e
Comunidade
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão
1. Introdução
Ainda no início do século XX, a Medicina era exercida de forma muito
independente e com direcionamentos terapêuticos diversos. Além da medicina
ortodoxa, havia práticas médicas como o fisiomedicalismo ou
botanomedicalismo, precursores da fitoterapia e da homeopatia, por exemplo.
Não havia um controle de abertura de escolas médicas, tampouco necessidade
de conexão com as universidades ou uma padronização científica da prática
clínica.
Assim, em 1910, foi publicado pelo médico estadunidense Abraham Flexner
o estudo chamado Medical Education in the United States and Canada – A
Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, que
ficou conhecido como Relatório Flexner. Esse relatório revolucionou a
educação médica, pois reorganizou e regulamentou o ensino médico nos
Estados Unidos e serviu de base para estruturar as faculdades de Medicina no
mundo inteiro. Suas principais características são a definição da estrutura do
curso em 4 anos, a vinculação das escolas médicas às universidades, a ênfase
na pesquisa biológica como forma de superar a era empírica do ensino, o
controle do exercício profissional pela profissão organizada e a prática da
Medicina centrada na doença e no ambiente hospitalar. Construiu-se um
modelo fragmentado (com divisão entre ciclos básicos e ciclos clínicos), cuja
abordagem de ensino trazia à lembrança o antigo modelo de Descartes do
dualismo corpo e mente, em que se acreditava que era possível compreender a
biologia do ser humano apenas por suas partes orgânicas, separadas das
emoções.
Entretanto, essa revolução desencadeou um processo de exclusão de todas as
propostas de atenção em saúde que não estivessem dentro dos seus
parâmetros, desconsiderando outros fatores que interferem na qualidade do
trabalho dos médicos para a sociedade, como o estudo da Medicina de
Família e Comunidade (MFC), a compreensão das necessidades sociais das
pessoas e a resolução das doenças mais prevalentes de uma população fora do
ambiente hospitalar.
Em função disso é que, a partir da década de 1960, em todo o mundo, esse
modelo vem sendo contestado. Nesse ínterim, surge o movimento da MFC
como forma de resistência à ênfase dedicada ao modelo flexneriano,
enfatizando a preocupação com as demandas dos pacientes nas comunidades
e seus enfrentamentos psicossociais em relação às suas doenças.
A formação da Organização Mundial de Médicos de Família e Comunidade
(World Organization of National Colleges, Academies and Academic
Associations of General Practice – WONCA) em 1972 e a formação do
Grupo de Leeuwenhorst, durante a II Conference in the Teaching of General
Practice (Holanda, 1974), podem ser considerados marcos importantes para o
fortalecimento da Medicina de Família e Comunidade no mundo.
No Brasil, a formação em Medicina de Família e Comunidade teve início em
1976, quando foram criados 3 programas de Residência Médica (Rio de
Janeiro, Vitória de Santo Antão e Porto Alegre), que tinham como propósito
formar especialistas em MFC no campo da Atenção Primária à Saúde (APS).
Hoje a MFC é uma especialidade médica reconhecida pelo MEC/AMB, com
vagas de Residência Médica espalhadas por todo o país. Com a Lei nº
12.871/2013, foi instituído o Conselho Nacional de Educação (CNE), que, por
sua vez, discutiu e aprovou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de Medicina no Brasil. Estas orientam que a formação médica seja
dirigida fundamentalmente às reais necessidades de saúde da população e do
sistema brasileiro, com ênfase para atuação no médico na APS, além de que,
no mínimo, 30% do internato aconteça na APS e nos serviços de urgência.
Essas medidas levaram a um maior contato do estudante com a especialidade
de MFC.
Em todo esse contexto histórico, a MFC tem contribuído para a reestruturação
científica da própria Medicina, pois seus princípios e práticas são centrados
na clínica para a pessoa (e não apenas para a doença), na relação médico-
paciente e na interlocução com o indivíduo, sua família e sua comunidade.
2. Princípios
A MFC é uma especialidade médica com foco privilegiado na APS e, por
isso, é considerada especialidade estratégica na conformação dos sistemas de
saúde. A definição de princípios para a MFC foi esboçada pela Seção
Europeia WONCA (Tabela 1), e a partir dela mesma foram traçados objetivos
para a MFC (Tabela 2).
Figura 1 - Abordagem do médico de família e comunidade, em comparação às demais especialidades
Fonte: adaptado de Gusso; Lopes, 2012.
Dica
A MFC tem seu foco na APS e, por conta disso, é regida pelos mesmos
princípios: 4 atributos essenciais (acesso ou 1º contato, integralidade,
longitudinalidade e coordenação do cuidado) e 3 atributos derivados
(orientação para a família, orientação para a comunidade e competência
cultural).
3. Doença x moléstia
Um dos processos estudados e treinados na MFC é a diferenciação entre
doença (disease) e moléstia ou adoecimento (illness). Tal diferenciação foi
descrita por Susser e Watson em 1971 (e, posteriormente, por Eisenberg em
1977) e relata que a doença (disease) se refere a um processo explicável a
partir da fisiopatologia, dos sinais e sintomas clínicos e exames
complementares, com base em anomalias estruturais, que definem alterações
orgânicas funcionais, e que se expressam de maneira similar
independentemente de cada indivíduo. Já a moléstia ou adoecimento (illness)
se refere à experiência subjetiva que vive cada pessoa ao adoecer ou sentir-se
mal por qualquer motivo; essa experiência é expressa por queixas, problemas
ou disfunções, de modo único, ou seja, cada pessoa expressa adoecimento de
forma distinta de acordo com sua história de vida.
A illness, em geral, deve ser avaliada em termos de sentimentos da pessoa,
ideias com relação ao processo de adoecimento ou de procura ao serviço,
efeitos que esse problema imprime no dia a dia (na função) e a expectativa da
pessoa quanto ao atendimento prestado. É importante lembrar que o
adoecimento (ou moléstia, illness) nem sempre está necessariamente ligado a
um diagnóstico nosológico: pacientes em sofrimento podem procurar o
médico por frustrações de vida, luto e outras condições não classificadas
como doenças (disease); entretanto, é função do médico de família e
comunidade ser o 1º contato do paciente, entender o contexto deste acerca de
seu problema e resolver a situação utilizando de técnica e tecnologia
adequada para que o adoecimento (ou moléstia) também não se transforme
em doença (disease).
Importante
O conceito de illness é de grande importância em MFC, pois se relaciona
com as percepções individuais em relação a um problema ou doença, o que
interfere na forma de abordar o paciente e orientar seu tratamento, bem
como na adesão das medidas propostas.
Importante
A abordagem centrada na pessoa envolve avaliar a illness (moléstia ou
percepção do paciente sobre o adoecimento), levar em conta seu contexto
de vida e trabalho, ser realista a respeito do problema/doença do paciente,
praticar uma relação médico-paciente horizontal, realizar promoção e
prevenção de saúde e, por fim, tomar uma decisão compartilhada com o
paciente a respeito de seu tratamento.
Importante
Na prática do registro clínico orientado por problemas, deve-se realizar
uma lista de problemas, a partir da qual se tomarão as condutas e se
orientará o tratamento com base em uma decisão compartilhada. Esse
registro clínico é feito com base no atendimento médico, no qual se
utilizam informações e dados colhidos na história clínica e nos
antecedentes pessoais e familiares, bem como no exame físico e no
resultado de exames complementares.
a) Genograma
Dica
A criação de um genograma está indicada quando se verificam situações
em que o paciente apresenta sintomas inespecíficos e faz uma utilização
excessiva do serviço de saúde, quando se apresentam doenças crônicas,
isolamento, problemas emocionais graves, risco familiar por violência ou
drogadição e, ainda, quando há mudança no ciclo de vida do paciente.
b) Ecomapa
c) F.I.R.O.
d) P.R.A.C.T.I.C.E.
7. Atenção domiciliar
O Ministério da Saúde brasileiro utiliza o termo Atenção Domiciliar para
designar o conjunto de ações integradas em saúde que ocorrem no domicílio
destinadas à população em geral.
A atenção domiciliar é, em outras palavras, o cuidado prestado no domicílio,
para qualquer pessoa em qualquer situação. É uma categoria de atendimento
estudada e amplamente treinada na MFC, muito presente em toda a APS por
meio, mas não exclusivamente, da Estratégia Saúde da Família. Nesse
contexto, é utilizada para conhecer e avaliar o território onde o médico de
família e comunidade está inserido, para cadastro dos pacientes de uma
determinada área, para análise de situações relacionadas ao ambiente
domiciliar (estruturas de risco para quedas em idosos, por exemplo), para
fazer a busca ativa de pacientes em situação de vulnerabilidade (risco de
suicídio, abandono do tratamento de tuberculose, por exemplo) e para
entender melhor o contexto de determinados pacientes (má adesão ao
tratamento).
Por via de regra, em função da alta demanda, são visitadas as pessoas que,
permanente ou temporariamente, estão impossibilitadas de comparecer à
Unidade de Saúde.
É importante que o paciente atendido more na área adscrita da unidade de
saúde, que a equipe tenha o devido consentimento para que ele receba
cuidados domiciliares e, caso seja idoso frágil, tenha um cuidador
responsável.
Dica
As visitas domiciliares são ações realizadas pela Estratégia Saúde da
Família que possibilitam o maior conhecimento do ambiente de vida do
indivíduo e facilitam a formação de vínculo entre o paciente e a equipe de
saúde.
Resumo
Sistema de saúde suplementar
– Agência Nacional de Saúde
Suplementar
Edson Lopes Mergulhão
Thaís Minett
Marcos Rodrigo Souza Fernandes
Fábio Roberto Cabar
Anderson Sena Barnabe
Fernando Starosta de Waldemar
Jeane Lima e Silva Carneiro
1. Histórico
O desenvolvimento do sistema suplementar teve origem no surgimento das
instituições previdenciárias do último século (institutos de aposentadoria e
pensão) durante a conformação mais consistente de um sistema de saúde no
Brasil. Essas instituições previdenciárias eram representadas pelas diferentes
categorias profissionais de trabalhadores urbanos que, para a organização da
oferta de saúde, compravam a prestação de serviços médicos ambulatoriais ou
de hospitais. Nesse mesmo período, surgiram as caixas de assistência,
dirigidas a funcionários de determinadas empresas e cujos benefícios
ocorriam por meio de empréstimos ou reembolsos pela utilização de serviços
de saúde.
Com a instalação de empresas estatais e multinacionais na década de 1950,
surgiram os sistemas assistenciais patronais, prestadores diretos de
cuidadosmédicos aos funcionários. Na década de 1960, houve a unificação
dos institutos e caixas de assistência, que originou o INPS (Instituto Nacional
de Previdência Social), aumentando significativamente a cobertura de
beneficiários e configurando uma rede de serviços julgada insuficiente por
usuários das categorias profissionais de maior poder aquisitivo.
Esse fato levou à ampliação do credenciamento de prestadores de serviços
privados, principalmente por meio do financiamento de grupos médicos (que,
gradativamente, se transformaram em empresas médicas), e à organização da
rede de serviços próprios e credenciados em 2 subsistemas, um voltado aos
trabalhadores urbanos, e outro, aos trabalhadores rurais. Tal ampliação gerou
conflitos entre a categoria médica, configurando-se uma disputa por um grupo
que pretendia preservar a prática liberal da Medicina e por outro que
considerava mais importante adaptar a prática médica às necessidades do
mercado que se constituía. Assim, surgiam as cooperativas médicas (que
atendiam a demanda nos consultórios de cada profissional) e as medicinas de
grupo (responsáveis pelo atendimento hospitalar).
Conformava-se, portanto, um sistema de saúde com intensa relação público-
privada, cuja assistência médica tinha o apoio da rede do INPS com unidades
próprias e credenciadas, além de contratos coletivos de serviços credenciados
de empresas e cooperativas médicas e empresas com planos próprios (as
autogestões). Em geral, a cobertura prestada era igual para todos os
empregados, sem diferenciação por nível hierárquico nas categorias
profissionais, até começar a haver a segmentação dos planos, criada por uma
lógica de benefício e mérito (quem paga valor mais alto tem direito a um
leque maior de serviços).
Com o advento do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição
de 1988, ocorreu a definição da participação livre à iniciativa privada, de
forma complementar, na execução de serviços de saúde no Brasil. No entanto,
esse setor somente foi regulamentado 10 anos depois, em 1998.
Importante
O sistema de saúde brasileiro é híbrido, isto é, composto por serviços
públicos garantidos por legislação pelo Estado e um sistema privado que o
complementa, chamado saúde suplementar.
2. Atualidades
Hoje em dia, aproximadamente 25% da população brasileira é coberta por
planos privados de assistência médica e 11,6% de planos privados de
assistência exclusivamente odontológica.
A seguir, apresentaremos uma evolução em números absolutos (Tabela 1 e
Figura 1) de beneficiários de planos privados de assistência médica com ou
sem Odontologia.
Figura 1 - Número de vinculações a planos privados de saúde conforme a cobertura assistencial
(Brasil, 2000 a 2016)
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2016.
Figura 2 - Taxa de cobertura dos planos privados de assistência médica por Unidades da Federação
(Brasil, junho/2016)
Importante
As diferentes modalidades de serviços prestados na saúde suplementar
incluem autogestão (serviços patrocinados diretamente pela empresa
interessada), medicina de grupo (usuários fazem contribuição mensal com
valor fixo), cooperativas médicas (constituídas por médicos e que
funcionam em sistema assistencial de pré-pagamento) e seguro-saúde
(sistema de reembolso das despesas dos segurados).
A - Autogestão
Vantagens
Desvantagem
O serviço de saúde não se relaciona com a atividade-fim (core business)
da empresa e tem necessidade de elevado investimento, dirigido para a
criação e manutenção de uma estrutura administrativa de controle do
plano. Em acréscimo ao poder de negociação com a rede credenciada,
esse sistema provoca elevação do custo, em comparação com os demais
planos disponíveis no mercado.
B - Medicina de grupo
São empresas constituídas, especificamente, para a prestação de assistência
médica, em que seus usuários, empresas ou indivíduos contribuem
mensalmente com um valor fixo (sistema de pré-pagamento). Costumam ter
prestadores e locais predefinidos para o atendimento, determinando que seus
usuários se mantenham em sua rede própria de ambulatórios, prontos
atendimentos, hospitais e serviços de exames complementares. Nesse tipo de
plano, o valor garante assistência nos termos do contrato assinado,
repassando, assim, os riscos à empresa contratada.
Vantagem
Desvantagem
C - Cooperativas médicas
Constituídas por médicos, garantem um plano de assistência no sistema de
pré-pagamento e atuam nos segmentos individual e coletivo, tendo como
diferencial a prestação de serviços feita por médicos da região onde se tornam
cooperados. Algumas cooperativas possuem hospitais próprios. Os
cooperados têm participação nos resultados obtidos, caracterizando a relação
como uma espécie de sociedade exclusivamente formada por médicos. As
cooperativas exigiam que o cooperado não fosse credenciado a outros tipos de
planos de saúde, o que dificultava a entrada de outros planos privados de
assistência médica na região. Nos últimos anos, os tribunais superiores têm
determinado que essa exigência seja abandonada, por cercear a liberdade de
trabalho do médico. A administração dos planos é descentralizada, levando a
grande variedade tanto dos produtos quanto da abrangência de local de
atendimento.
Vantagem
Desvantagem
D - Seguro-saúde
Desvantagem
Importante
Dentre os principais pontos da lei que rege os planos de saúde, estão:
proibição da comercialização de qualquer plano de saúde com redução ou
exclusão de coberturas assistenciais; cobertura de todas as doenças listadas
na CID-10; controle dos reajustes de preço; proibição da seleção de risco e
do rompimento unilateral do contrato; proibição do aumento por faixa
etária de planos para aqueles com mais de 60 anos, sendo que seu valor não
pode exceder 6 vezes o menor preço.
Importante
Principais alterações após a regulamentação: quanto à empresa, há uma
atuação controlada por meio de autorização de funcionamento, regras de
operação uniformes e empresas sujeitas a intervenção, com exigência de
reserva ou garantias financeiras; quanto à saúde e acesso, a mudança prevê
assistência integral à saúde obrigatória, com proibição da rescisão
unilateral dos contratos, definição e limitação das carências, reajustes
controlados e proibição de limites para internação.
8. Classificação quanto à época da contratação
Dica
Dependendo da época em que o plano de saúde foi contratado, pode ser
considerado antigo, novo ou adaptado, tendo como referência a plena
vigência da Lei nº 9.656/98, em 02.01.1999.
A - Planos antigos
B - Planos novos
C - Planos adaptados
Figura 5 - Beneficiários em planos privados de assistência médica por época de contratação do plano
(Brasil, junho/2016)
a) Plano ambulatorial
b) Plano hospitalar
C - Coberturas proporcionadas
a) Coberturas proporcionadas
c) Exclusões
E - Plano odontológico
Inclui, apenas, procedimentos odontológicos realizados em consultório,
incluindo exame clínico, radiologia, prevenção, dentística, endodontia,
periodontia e cirurgia.
a) Coberturas proporcionadas
b) Exclusão
F - Plano Referência
a) Coberturas proporcionadas
Importante
Não pode haver limitação do número de consultas, da cobertura para
exames e do prazo para internações, mesmo em leitos de alta tecnologia
(Unidade de Terapia Intensiva/Centro de Terapia Intensiva), salvo na
assistência relacionada a transtornos psiquiátricos.
10. Carências
Carência é o tempo que o usuário tem de esperar para ser atendido pelo plano
de saúde em um determinado procedimento, a partir da assinatura do contrato
e seu respectivo pagamento.
1 - Plano Referência.
2 - Registro de Produtos.
3 - Rol de Procedimentos Médicos.
4 - Rol de Procedimentos Odontológicos.
5 - Urgência e Emergência.
6 - Coordenador de Informações Médicas.
7 - Definição de Faixas Etárias.
8 - Regulamentação do Acesso nos Casos de Doença e Lesão
Preexistente.
Dica
Deve-se notar que o impacto dessa regulamentação, exceto quanto ao
Coordenador de Informações Médicas, ocorreu apenas sobre os planos
novos, contratados a partir de janeiro de 1999, posto que, nos contratos
antigos, prevalece a cobertura assistencial constante no contrato.
Importante
Na saúde suplementar, é livre a determinação do preço de venda dos
planos. No entanto, os reajustes dos planos individuais e familiares são
controlados pela ANS.
Dica
A fiscalização dos planos de saúde pode ser feita de 2 formas: direta ou
indireta. A primeira é feita por meio de denúncias e representações
(exemplo Programa Cidadania Ativa) e por diligências nas operadoras
(Programa Olho Vivo); já a última é feita por meio do acompanhamento e
da monitorização das operadoras realizados a partir dos dados fornecidos
ao sistema de informações periódicas e com base no cruzamento das
informações disponíveis (reclamações e multas).
Importante
É obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde
restituir as despesas do SUS no eventual atendimento de seus beneficiários
que estejam cobertos pelos respectivos planos. Entre os anos de 2001 e
2014, mais de 3 milhões de consumidores tiveram internações no SUS
identificadas pela ANS. O valor das AIH/APAC cobradas foi de R$74,3
milhões em 2001 e R$212,5 milhões em 2014.
Importante
Os valores de pagamento ou reembolso dos serviços prestados são
negociados diretamente entre operadoras e prestadores. Desde 2003, as
entidades representativas dos médicos defendem a adoção da Classificação
Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.
- Desafios conjunturais
Resumo
Programa Mais Médicos
Marina Gemma
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão
Importante
O PMM objetiva resolver a questão emergencial do atendimento básico,
além de criar condições para um atendimento qualificado no futuro àqueles
que acessam cotidianamente o SUS.
3. Eixos constituintes
Como dito, o PMM reúne um conjunto de iniciativas de curto, médio e longo
prazos com efeitos sinérgicos às demais ações da PNAB. Em síntese, o
Programa recruta médicos graduados no Brasil e fora do país, brasileiros ou
estrangeiros, para atuar nos serviços de AB em áreas com maior necessidade e
vulnerabilidade. De forma concomitante à atuação assistencial, os
profissionais selecionados participam de uma série de atividades de educação
e ensino-serviço, de forma a desenvolver competências importantes para a
prática profissional na AB e promover a implantação de melhorias no serviço
de saúde (Brasil, 2013). Antes de nos debruçarmos sobre a forma como o
PMM funciona, nos deteremos na compreensão do contexto que embasa cada
um de seus eixos constituintes.
B - Infraestrutura
A Lei do PMM delimitou um prazo de 5 anos, a partir da data de sua
publicação, para “dotar as Unidades Básicas de Saúde com qualidade de
equipamentos e infraestrutura, a serem definidas nos planos plurianuais”
(Brasil, 2013). No entanto, vale ressaltar que, no momento de promulgação da
Lei, já havia um Programa dirigido à qualificação da infraestrutura dos
serviços de saúde, o Programa Requalifica UBS.
Tal iniciativa já vinha apresentando resultados efetivos na melhoria da
infraestrutura e modernização das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Em
2013, no lançamento do PMM, o Requalifica UBS apresentou uma nova etapa
de adesão a todos os seus componentes (Construção, Reforma e Ampliação),
e novas propostas foram autorizadas e tiveram recursos alocados para iniciar
sua execução. O PMM possibilitou que o número de reformas e ampliações
saltasse de aproximadamente 9.800 para 15.300 UBSs reformadas/ampliadas
e o de construções, de 2.400 para 7.900 UBSs. Além disso, as UBSs Fluviais
atingiram o número de 45 novas unidades, em comparação às 28 unidades
criadas antes da instituição do PMM (Brasil, 2015).
Esses números correspondem a um total de mais de R$5 bilhões investidos no
financiamento de obras em quase 5.000 municípios brasileiros, das quais
aproximadamente 46% (em torno de 10.500 obras) foram concluídas em 2
anos de Programa. A esse eixo também estão associadas iniciativas como a
informatização das UBSs com o Plano Nacional de Banda Larga e a
implantação do novo SISAB e a estratégia e-SUS AB (Brasil, 2015). Todos
esses esforços visam garantir a estrutura necessária para que os profissionais
atendam a população com o máximo de qualidade e motivação, de forma a
possibilitar o enfrentamento do problema da alta rotatividade de médicos nas
equipes de ESF.
C - Educação
Esse eixo corresponde a um conjunto de medidas estruturantes de médio e
longo prazo que visam intervir na formação médica e solucionar o problema
da insuficiência de médicos nos serviços de saúde brasileiros. O PMM
determina a expansão de vagas de graduação em Medicina e a universalização
da Residência Médica. Além disso, propõe uma formação baseada em novas
diretrizes, instrumentos e metodologias, de forma a diplomar profissionais
mais capacitados para a AB (Brasil, 2013). É por meio dessa expansão
planejada que o governo almeja superar a proporção de 1,8 médico/1.000
habitantes, atingindo, até 2026, a mesma marca do Reino Unido, de 2,7
médicos/1.000 habitantes (Brasil, 2015).
Importante
Os eixos do PMM são Provimento Emergencial, Infraestrutura e Educação.
Tal mudança está associada a uma terceira, que estabeleceu uma especialidade
central na formação da maioria dos especialistas do país: a Medicina Geral de
Família e Comunidade – MGFC (Brasil, 2013, 2015). A residência em MGFC
terá duração mínima de 2 anos, sendo o 1º ano obrigatório para o ingresso em
programas de Residência Médica em: Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia
e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Psiquiatria e Medicina Preventiva e Social. Para
as demais especialidades, exceto as de acesso direto, será necessário cumprir
1 ou 2 anos de MGFC, conforme disciplinado pela Comissão Nacional de
Residência (Brasil, 2013). O objetivo dessa medida é exigir que, antes de
focarem em um universo restrito de problemas de saúde (especialização), os
médicos tenham experiência e consolidem seus conhecimentos em relação aos
cuidados básicos em saúde (Brasil, 2015).
4. Funcionamento
Como apresentado até aqui, o PMM visa enfrentar a falta de médicos no
Brasil de forma permanente e estrutural, por meio da melhoria da
infraestrutura e das condições de trabalho, bem como do aprimoramento da
formação médica. Paralelamente, o Programa trabalha para preencher as
lacunas emergenciais de demanda por médicos da população brasileira, por
meio do PMMB e seu recrutamento de profissionais, brasileiros ou
estrangeiros, para atuar nas regiões prioritárias do SUS.
Essas regiões são definidas em função de um conjunto de critérios
inicialmente definidos com base no que estabelece a Portaria interministerial
nº 1.377, de 13 de junho de 2011, como áreas de difícil acesso, de difícil
provimento de médicos ou que tenham populações em situação de maior
vulnerabilidade. Delimitadas as áreas com maior necessidade e
vulnerabilidade, abre-se um edital para que os municípios possam aderir
voluntariamente, mediante a assinatura de um termo de compromisso com
ações e responsabilidades de curto e médio prazos. Esse termo responsabiliza
os municípios de garantir condições específicas, como o funcionamento das
Unidades Básicas de Saúde, a inserção do médico para atuação em uma
equipe de ESF, benefícios (moradia, alimentação e deslocamento) aos
médicos selecionados, a gestão dos sistemas de informação previstos etc.
(Brasil, 2015).
Assinado o termo de compromisso, os municípios solicitam as vagas de
acordo com o número máximo definido pelo Programa em função da
demanda populacional, rede de saúde disponível e quantidade de
equipes/serviços para receber o profissional. Todo esse processo de adesão é
realizado exclusivamente pela internet, e, ao seu fim, são conhecidos o
número total de vagas solicitadas e a distribuição delas (Brasil, 2015).
O próximo passo consistiu na abertura de um edital para o recrutamento dos
médicos. Nessa etapa, podem se inscrever médicos brasileiros ou estrangeiros
com registro no Brasil conferido por um Conselho Regional de Medicina e
médicos brasileiros ou estrangeiros formados no exterior e sem registro no
país. No entanto, o Programa estabelece uma ordenação para a escolha de
vaga. Só é vedada a inscrição de profissionais, brasileiros ou estrangeiros, que
se formaram ou atuam em países com proporção de médicos por habitantes
menor do que a do Brasil, de forma a cumprir a regra de equidade e
solidariedade internacional, que busca atrair médicos somente de países que
têm mais profissionais por habitantes do que o país solicitante (Brasil, 2015).
As chamadas seguem a ordem de prioridade, sendo o próximo grupo
recrutado somente se as vagas não forem preenchidas. O último grupo de
prioridade diz respeito a um acordo de cooperação internacional firmado, em
agosto de 2013, com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Nesse
acordo, a OPAS é responsável por trazer médicos para atuação específica no
PMM. Essa Organização, por sua vez, estabeleceu cooperação com o governo
cubano, que disponibilizou médicos com experiência e formação para atuação
na AB. Por isso, esses profissionais são chamados de médicos cooperados,
pois não se inscreveram no PMM individualmente, mas foram recrutados pela
OPAS (Brasil, 2015).
Para todos os médicos sem diploma revalidado no Brasil e,
consequentemente, sem registro junto ao Conselho de Classe, o Ministério da
Saúde concede o Registro Único, que permite ao médico exercer a Medicina
exclusivamente no âmbito das atividades do Programa e na localidade
específica definida por ele. Esse registro dispensa a necessidade de revalidar o
diploma somente no período em que participar do PMM, que tem
durabilidade de até 3 anos, prorrogável por mais 3. Todos esses médicos
precisam, obrigatoriamente, realizar um processo de acolhimento, no qual são
orientados e avaliados nos quesitos comunicação em português, legislação e
características e especificidades para atuação nos serviços de AB do SUS
(Brasil, 2015).
Importante
O acompanhamento dos médicos recrutados pelo PMM foi atribuído a
tutores (médicos) ligados a instituições de ensino, que coordenam a
atuação de supervisores (também médicos), que deverão estar ligados a
instituições de ensino, hospitais-escola, escolas do SUS, programas de
Residência Médica etc.
Para todos os profissionais cuja inserção ocorre individualmente, são
previstas bolsas e garantidos todos os direitos previstos na legislação para
bolsistas em processos de formação. Para os profissionais cooperados, são
cumpridas as regras da cooperação internacional, com respeito, obviamente, a
toda legislação nacional. Da mesma forma, a Lei do PMM prevê o
acompanhamento dos médicos recrutados, de forma a apoiar e orientar seus
processos de educação permanente.
5. Resultados alcançados
Em julho de 2017, o PMM completou 4 anos de existência. Ao final dos 2
primeiros anos, o Programa já atendia toda a demanda emergencial das
prefeituras por médicos, por meio do PMMB. Isso significava, em 2015, um
contingente de 18.240 médicos em 4.058 municípios (73% dos municípios
brasileiros) e em 34 distritos de saúde indígena, representando atendimento
médico na Atenção Primária à Saúde para 63 milhões de brasileiros, com a
estimativa de, até o final de 2018, chegar a 70 milhões (Brasil, 2015). A
concretização do intercâmbio de médicos estrangeiros resultou de um trabalho
conjunto dos seguintes órgãos federais: Ministérios das Relações Exteriores,
do Planejamento, da Defesa, da Previdência e da Educação, além da Casa
Civil, Polícia Federal, Receita Federal e Banco do Brasil (Brasil, 2015).
Em 2016, o PMMB foi prorrogado por mais 3 anos. Contudo, entre 2016 e
2017, passou a apresentar instabilidades, mediante atrasos salariais e anúncios
de mudanças, por parte do Ministério da Saúde, chegando a ser suspenso o
envio de 710 médicos cubanos em abril de 2017, sob a alegação de Cuba de
descumprimento dos termos do acordo de cooperação internacional por parte
do Brasil. Em janeiro de 2017, dos 18.240 médicos do PMMB, 62,6% eram
cubanos, 29% brasileiros formados no Brasil e 8,4% brasileiros e estrangeiros
formados no exterior. Conforme divulgado pelo Ministério da Saúde, em
março de 2018, o número de brasileiros formados no Brasil que atuam no
PMM aumentou 38% em 1 ano: passou de 3,8 mil, em 2016, para 5,2 mil, em
2017. Do total de participantes, 8,5 mil (47%) são profissionais cubanos da
cooperação com a OPAS, 8,4 mil (46%) são brasileiros formados no Brasil ou
no exterior, e 483 (3%) são intercambistas estrangeiros.
As ofertas educacionais do PMMB têm sido realizadas por 11 instituições
públicas de ensino superior por meio da rede da Universidade Aberta do SUS
(UNA-SUS). As ações de educação permanente ocorrem por meio da
integração ensino-serviço e são ofertadas por 74 instituições supervisoras
(universidades públicas, escolas públicas de saúde pública e programas de
Residência Médica), perfazendo um contingente de mais de 200 tutores
responsáveis pelo acompanhamento de mais de 2.000 supervisores, que, por
sua vez, são responsáveis por visitas periódicas in loco para todos os
profissionais que atuam no PMM (Brasil, 2015).
Em relação ao eixo Educacional, em 2014 foram aprovadas as novas DCNs
para os cursos de Medicina, que têm até 2018 para adequarem seus currículos.
Até 2015, foram abertas no país 5.300 vagas de graduação (1.690 em
universidades federais e 3.616 em instituições privadas), com a projeção de
criar 11.550 novas vagas até 2017. Pela 1ª vez, as cidades do interior
passaram a ter mais vagas do que as capitais: o número de vagas nestas
corresponde a 10.637 e, no interior, a 14.522. Entretanto, segundo a Lei de
Acesso à Informação, até dezembro de 2016 foram criadas 7.732 vagas, muito
aquém das prometidas até 2017.
Além da graduação, o PMM criou 4.742 vagas de Residência Médica em todo
o país e tinha a meta de triplicar esse número até 2017 e universalizar a
Residência Médica até 2019 (Brasil, 2015; Santos et al., 2015). Segundo
informações do Ministério da Saúde, entretanto, o número de vagas em 2017
não conseguiu chegar ao esperado, alcançando 7.652 vagas.
Com relação ao Investimento em Infraestrutura, o Requalifica UBS,
articulado ao PMM, possibilitou, até o fim de 2015, a construção de
aproximadamente 9.000 UBSs e a reforma e a ampliação de
aproximadamente 17.000, em 5.000 municípios do país, totalizando um
investimento superior a R$5 bilhões de reais (Brasil, 2015; Santos et al.,
2015). Verifica-se, nesse momento, uma escassez de dados oficiais sobre o
PMM relativos ao período 2016-2017 que permita avaliação do desempenho
do Programa.
Desde o 1º momento, houve resistência por parte de alguns setores da
sociedade, principalmente quanto à vinda de médicos estrangeiros. Apesar da
discussão acalorada que envolveu o PMM e a Saúde no Brasil em seu início,
os primeiros impactos do Programa são positivos no sentido de reduzir as
iniquidades em saúde. As evidências científicas, produzidas por diversos
pesquisadores e instituições brasileiras, apontam redução importante do
número de municípios com escassez de médicos; implantação
predominantemente orientada para os que apresentam maior vul¬nerabilidade
social; aumento do acesso aos serviços de Atenção Primária, impacto positivo
em indicadores de saúde; satisfação de usuários. Assinado em março de 2018,
o 12º termo de ajuste ao 80º termo de cooperação técnica formaliza a
prorrogação por mais 5 anos das ações voltadas à AB, inclusive a atuação de
profissionais de Cuba. Atualmente, o programa está presente em mais de 4
mil municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
É necessário acompanhar o desenvolvimento do Programa, de forma a
identificar a necessidade de formulação de ações que se desdobrem das atuais,
especialmente em relação ao eixo Educacional, além de estudar alternativas
que permitam o avanço na construção de uma solução definitiva para o
desafio da atração e da fixação de profissionais de saúde para as áreas hoje só
preenchidas graças ao PMM (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015; Santos et al.,
2015).
Resumo
O Programa Mais Médicos
Objetivos
Funcionamento
Eixo de Infraestrutura
Eixo de Educação
1. Conceito e importância
A Medicina do Trabalho é, segundo a Associação Nacional de Medicina do
Trabalho, a especialidade médica que lida com as relações entre homens e
mulheres trabalhadores e seu trabalho, visando não somente à prevenção dos
acidentes e das doenças do trabalho, mas à promoção da saúde e da qualidade
de vida. Tem por objetivo assegurar ou facilitar aos indivíduos e ao coletivo
de trabalhadores a melhoria contínua das condições de saúde, nas dimensões
física e mental, e a interação saudável entre as pessoas e, estas, com seu
ambiente social e o trabalho (ANAMT, 2017).
A Medicina do Trabalho surgiu na 1ª metade do século XIX na Inglaterra, no
contexto da Revolução Industrial, para recuperar a força de trabalho cuja
sobrevivência nas indústrias estava ameaçada pelas péssimas condições de
trabalho. Tem, como características, a prevenção de danos à saúde resultantes
dos riscos do trabalho, a responsabilidade pelos problemas de saúde ocorridos
nos ambientes de trabalho das empresas, a centralidade na figura do médico e
a relação de confiança deste com os empregadores, contratantes de seus
serviços (Mendes; Dias, 1991).
As mudanças no mundo do trabalho, oriundas dos processos produtivos e dos
movimentos sociais, impulsionaram transformações nessas práticas, de modo
que estas incorporaram novos enfoques e instrumentos de trabalho, em uma
perspectiva interdisciplinar, o que culminou na delimitação posterior da
chamada “Saúde Ocupacional” e, mais recentemente, do campo da “Saúde do
Trabalhador” (ANAMT, 2017; Mendes; Dias, 1991).
A Saúde do Trabalhador desenvolveu-se no Brasil acompanhando a Reforma
Sanitária Brasileira, a partir do início da década de 1980, sob a influência de
uma concepção ampliada de saúde ancorada na Teoria da Determinação
Social do Processo Saúde-Doença. Com isso, a relação trabalho e saúde
passou a ser compreendida com base no social, como uma categoria que diz
respeito às formas de produção e reprodução da sociedade. Portanto, pauta
intervenções não somente na recuperação biológica da saúde dos
trabalhadores doentes e acidentados, ou em modificações de seu ambiente de
trabalho a fim de preveni-las, mas também nas condições de trabalho e seus
determinantes e condicionantes. A Saúde do Trabalhador foi incorporada ao
Sistema Único de Saúde (SUS), abrindo novas possibilidades e novos
desafios para a atuação médica e multiprofissional diante dos problemas de
saúde relacionados ao trabalho, nos diversos âmbitos do sistema de saúde.
A relevância do campo de atuação pode ser expressa a partir dos dados da
Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2013), os quais mostram que
2,34 milhões de mortes relacionadas ao trabalho ocorrem por ano, 321 mil
decorrentes de acidentes de trabalho, e os 2,02 milhões restantes, causados
por diversos tipos de enfermidades relacionadas com o trabalho, o que
equivale a uma média diária de mais de 5.500 mortes. Países em
desenvolvimento, como o Brasil, possuem elevados indicadores de mortes e
lesões, pois uma grande parte de suas populações está empregada em
atividades perigosas, como a agricultura, a construção civil, a pesca e a
mineração.
- As Normas Regulamentadoras
Importante
PCMSO são as iniciais do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional. Trata-se de uma legislação federal, especificamente a Norma
Regulamentadora nº 07, emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego no
ano de 1994, que determina a obrigatoriedade de elaboração e
implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que
admitam trabalhadores como empregados, com base no programa, com o
objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus
trabalhadores.
A - Atribuições do médico
b) Outros exames
A - Físicos
B - Químicos
Dica
Toda vez que nos deparamos com uma questão de riscos ocupacionais de
natureza química devemos lembrar que químicos se referem a partículas
e/ou moléculas de dispersão como fatores de risco ocupacional.
C - Biológicos
D - Ergonômicos
E - Riscos de acidentes
5. Acidentes de trabalho
Afetam o empregado segurado, o trabalhador avulso, bem como o segurado
especial, provocando lesão corpórea ou perturbação funcional que cause a
morte, a perda ou redução, temporária ou permanente, da capacidade para o
trabalho.
Os acidentes de trabalho, típicos e de trajeto, geralmente se constituem de
fenômenos traumáticos e são, respectivamente, os que ocorrem a serviço da
empresa ou no percurso da residência ou da refeição para o local de trabalho e
vice-versa. Também se incluem nessa categoria a doença profissional, isto é,
aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade, constante da relação publicada pelo Ministério da
Saúde, e a doença do trabalho, assim entendida como aquela adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que é realizado e com ele
se relacione diretamente, desde que também constante em regulamentação.
Importante
Os acidentes em que profissionais de saúde se expõem a sangue e outros
fluidos biológicos devem ser considerados emergência médica. Há,
portanto, necessidade de priorizar o atendimento a eles no mais curto
espaço de tempo possível. As condutas específicas visam evitar a
disseminação do HIV e dos vírus das hepatites B e C no ambiente de
trabalho.
Acompanhamento pós-exposição:
Caracterização do acidente:
Profilaxia:
Logo após o acidente deverá se proceder à descontaminação do sítio exposto,
limpando a ferida com água e sabão ou irrigando as membranas mucosas com
água limpa.
Acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,
tenha consequência significativa de saúde;
Acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho por
causas diversas às laborais;
Doença proveniente de contaminação acidental do empregado no
exercício de sua atividade;
Acidente sofrido, ainda que fora do local e do horário de trabalho, desde
que a serviço da empresa ou durante o trajeto de ida e volta do trabalho.
Doença degenerativa;
Inerente a grupo etário;
Aquela que não produz incapacidade laborativa;
Doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região onde ela
se desenvolva, salvo se comprovado que resultou de exposição ou de
contato direto determinado pela natureza do trabalho.
Importante
Em caso de suspeita de doença ocupacional, deve-se realizar um
acompanhamento médico do trabalhador para avaliar se é realmente uma
doença ocupacional. Caso seja constatada a doença, é preciso fazer a
emissão da CAT e o encaminhamento ao INSS. Depois disso, é realizada
uma avaliação pericial e, em caso de incapacidade, é feito o
encaminhamento ao auxílio-doença.
1ª via: ao INSS;
2ª via: à empresa;
3ª via: ao segurado ou dependente;
4ª via: ao sindicato de classe do trabalhador;
5ª via: ao SUS;
6ª via: à Delegacia Regional do Trabalho (DRT).
É importante ressaltar que a CAT deve ser emitida para todo acidente ou
doença relacionados ao trabalho, ainda que não haja afastamento ou
incapacidade.
Importante
Dos itens que mais são cobrados nas provas, no que se refere ao
preenchimento da doença que levará ao afastamento do trabalho, podemos
citar o agente causador, a situação geradora do acidente e se houve
afastamento.
Dica
Entende-se por limite de tolerância a concentração ou intensidade máxima
ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente,
que não causará dano à saúde do trabalhador durante a sua vida laboral.
Dica
Para não esquecer, um esquema é memorizar que, para 85dB, o tempo
máximo de exposição é de 8 horas e, acima de 100dB, o tempo de
exposição é reduzido para minutos. Muitas provas colocam esses períodos
como tempos de corte em relação à exposição em dB.
a) Auditivos
Perda auditiva;
Zumbidos;
Dificuldades no entendimento da fala;
Outros sintomas auditivos menos frequentes: algiacusia (sensação
dolorosa a ruído de alta intensidade), sensação de audição “abafada”,
dificuldade na localização da fonte sonora.
Dica
Uma regra mnemônica para gravar os sintomas de PAIR é o “PAZA”, que
representa, respectivamente, Perda auditiva, Algiacusia, Zumbidos e
Abafada.
b) Não auditivos
Transtornos da comunicação;
Alterações do sono;
Transtornos neurológicos;
Transtornos vestibulares;
Transtornos digestivos;
Transtornos comportamentais.
B - Silicose
A mais antiga, mais grave e mais prevalente das doenças pulmonares
relacionadas à inalação de poeiras minerais é a silicose. As pneumoconioses
são definidas pela OIT como “doenças pulmonares causadas pelo acúmulo de
poeira nos pulmões e reação tissular à presença dessas poeiras”. E, por não ser
passível de tratamento e totalmente irreversível, pode cursar com graves
transtornos à saúde do trabalhador.
É vasta a relação das atividades de risco: mineração subterrânea e de
superfície; corte de pedras, britagem, moagem, lapidação, cerâmicas,
fundições que utilizam areia no processo, vidro industrial de abrasivos,
marmorarias, corte e polimento de granito, cosméticos, protéticos, cavadores
de poços; artistas plásticos e jateadores de areia. Dentre as principais
atividades, com respectivos registros de prevalência de silicose, podemos citar
indústria cerâmica (3,9%), atividades em pedreiras (3 a 16%), jateamento de
areia na indústria naval (23,6%) e perfuração de poços no Nordeste (17%).
Dica
Boa parte dos casos só será diagnosticada anos depois de o trabalhador
estar afastado da exposição, já que a silicose é, em geral, uma doença de
desenvolvimento lento, com progressão independente do término da
exposição, praticamente assintomática na fase inicial.
Importante
Caso os sintomas da fase inicial da silicose se apresentem antes de 10 anos
de exposição à sílica cristalina, podem ser atribuídos ao tabagismo ou a
outras doenças associadas, como a silicotuberculose.
C - Asbestose
Importante
Considerada uma doença eminentemente ocupacional, a asbestose é a
pneumoconiose associada ao asbesto ou amianto. A doença, de caráter
progressivo e irreversível, pode se manifestar alguns anos depois de
cessada a exposição, com período de latência superior a 10 anos.
Clinicamente, caracteriza-se por dispneia de esforço, estertores crepitantes
nas bases pulmonares, baqueteamento digital, alterações funcionais e
pequenas opacidades irregulares na radiografia de tórax.
- Procedimento
Importante
Além da asbestose, a exposição às fibras de asbesto está relacionada ao
surgimento de outras doenças, como as alterações pleurais benignas, o
câncer de pulmão e os mesoteliomas malignos, que podem acometer a
pleura, o pericárdio e o peritônio.
Figura 2 - Corpos de asbesto do tipo anfibólio: fibras finas e retas no tecido pulmonar
Repetitividade de movimentos;
Manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado;
Esforço físico;
Invariabilidade de tarefas;
Pressão mecânica sobre determinados segmentos do corpo, em particular
membros superiores;
Trabalho muscular estático;
Choques e impactos, vibração, frio e fatores organizacionais.
E - Intoxicações exógenas
a) Agrotóxicos
Organofosforados;
Carbamatos;
Organoclorados;
Piretroides;
Dietilditiocarbamatos;
Derivados do ácido fenoxiacético.
Importante
Dentre as intoxicações químicas relacionadas ao trabalho, podemos citar,
como de maior importância, os organofosforados e carbamatos, tendo,
como sintomatologia, sudorese, sialorreia, miose, hipersecreção brônquica,
colapso respiratório, tosse, vômitos, cólicas, diarreia, miofasciculações,
hipertensão arterial fugaz, confusão mental, ataxia, convulsões e choque
cardiorrespiratório, podendo levar a coma e óbito. Lembrando que o
carbamato se diferencia por apresentar sintomatologia mais leve.
- Procedimento
b) Chumbo (saturnismo)
Cefaleia, astenia;
Alterações do comportamento (irritabilidade, hostilidade, agressividade,
redução da capacidade de controle racional);
Alterações do estado mental (apatia, obtusidade, hipoexcitabilidade,
redução da memória);
Alteração da habilidade psicomotora, com redução da força muscular,
dor e parestesia nos membros;
Queixas de impotência sexual e diminuição da libido (comuns);
Hiporexia, epigastralgia, dispepsia, pirose, eructação;
Dor abdominal aguda, às vezes confundida com abdome agudo, pode ser
sintoma de intoxicação crônica por chumbo;
Modificação da frequência e do volume urinários, das características da
urina, aparecimento de edema e hipertensão arterial;
O exame oral pode revelar a existência da orla gengival de Burton. É um
sinal relativamente frequente e constitui-se numa linha azulada da
gengiva imediatamente por cima da implantação dos dentes. Aparece
mais nas áreas dos caninos, mas nos casos de má higiene (tártaro) ou
cáries junto ao colo costuma incidir mais nas áreas correspondentes aos
dentes com patologia. A orla azulada é ocasionada pelo sulfeto de
chumbo formado nos intoxicados pela presença do chumbo eliminado na
saliva, que age com o ácido sulfídrico normalmente existente na boca,
vindo a formar o sulfeto de chumbo. Esse sulfeto, que tem a coloração
azulada, deposita-se na gengiva (Figura 3).
Figura 3 - Orla gengival de Burton (linha azulada na gengiva, próxima à região de implantação dos
dentes)
c) Mercúrio (hidrargirismo)
d) Solventes orgânicos
- Benzenismo
É o nome dado às manifestações clínicas ou alterações hematológicas
compatíveis com a exposição ao benzeno. Os processos de trabalho que
expõem trabalhadores ao benzeno estão presentes no setor siderúrgico, nas
refinarias de petróleo, nas indústrias de transformação que utilizam o benzeno
como solvente ou nas atividades em que se utilizem tintas, vernizes,
seladores, tíneres etc.
Os sintomas clínicos são pobres, mas pode haver queixas relacionadas às
alterações hematológicas, como fadiga, palidez cutânea e de mucosas,
infecções frequentes, sangramentos gengivais e epistaxe. Podem ser
encontrados sinais neuropsíquicos, como astenia, irritabilidade, cefaleia e
alterações da memória. Laboratorialmente, esses quadros podem se
manifestar por meio de mono, bi ou pancitopenia, caracterizando, nesta última
situação, quadros de anemia aplástica.
Vários estudos epidemiológicos demonstram a relação do benzeno com
leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide crônica, leucemia linfocítica
crônica, doença de Hodgkin e hemoglobinúria paroxística noturna.
- Procedimento
e) Cromo
Teste de Phalen:
G - Outras patologias
Distúrbios mentais;
Alcoolismo;
Dermatoses ocupacionais: dermatite de contato;
Radiações ionizantes: catarata, neoplasias;
Pressão atmosférica: osteonecrose;
Picadas por animais peçonhentos.
7. Benefícios
A - Previdência Social
Serviço social;
Reabilitação profissional.
Resumo
A organização política da área de saúde do trabalhador é regida pelo:
Ministério do Trabalho e Emprego;
Ministério da Previdência Social;
Ministério da Saúde.
A saúde do trabalhador é um conjunto de ações de promoção, proteção,
recuperação e reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e
agravos advindos das condições de trabalho;
As normas regulamentadoras:
São responsáveis por regulamentar e fornecer parâmetros e instruções
sobre Saúde e Segurança do Trabalho:
NR 04 - SESMT: o SESMT tem a finalidade de promover a saúde e
proteger a integridade física dos trabalhadores no local de trabalho.
O seu dimensionamento depende do GR e do número de
empregados da empresa;
NR 05 - CIPA:
No geral, empresa com 20 ou mais funcionários;
Representantes do empregador (inclui-se o presidente) e dos
empregados, conforme o dimensionamento da empresa;
Reuniões ordinárias mensais;
SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do
Trabalho) e campanhas de prevenção de AIDS;
Elaboração do Mapa de Risco;
Ligação com SESMT, quando houver, e PCMSO e PPRA.
NR 06 - EPI: é todo dispositivo de uso individual, de fabricação
nacional ou estrangeira, destinado a proteger a saúde e a integridade
física dos trabalhadores. Todo trabalhador exposto a riscos é
obrigado a utilizá-lo corretamente, responsabilizando-se por sua
guarda e conservação e devendo avisar o empregador sempre que
apresentar defeitos ou problemas;
NR 07 - PCMSO: visa promover e preservar a saúde do conjunto
dos seus trabalhadores. Consultas ocupacionais (admissionais,
periódicas, demissionais, de mudança de função e de retorno ao
trabalho);
NR 09 - PPRA:
Prevenção da saúde e segurança dos trabalhadores;
Levantamento dos riscos ambientais existentes nos locais de
trabalho;
Medidas para neutralização;
Engenheiro do trabalho/técnico de segurança.
NR 17 - Ergonomia: visa estabelecer parâmetros que permitam a
adaptação das condições de trabalho às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um
máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.
Riscos ocupacionais:
Químicos: exposição a substâncias tóxicas por intermédio de gases,
fumos, névoas, poeiras, contato térmico ou ingestão;
Físicos: ruídos, vibração, calor, frio, luminosidade, ventilação,
umidade, pressões anormais, radiação etc.;
Biológicos: bactérias, fungos, vírus, contato com lixo e esgotos;
Ergonômicos e psicossociais: divisão do trabalho, pressão da chefia
por produtividade ou disciplina, jornada, ritmo, pausas, trabalho
noturno ou diurno, organização dos espaços físicos, esforço físico
intenso, levantamento manual de peso, postura e posições
inadequadas, repetitividade de movimentos;
Mecânicos e de acidentes: arranjo físico inadequado, falta de
proteção em máquinas perigosas, ferramentas defeituosas,
possibilidade de incêndios e explosão, presença de animais
peçonhentos.
Patologias ocupacionais:
Pneumoconioses: deposição de partículas sólidas no parênquima
pulmonar, levando ao quadro de fibrose, isto é, ao endurecimento
intersticial do tecido pulmonar;
PAIR;
Silicose;
Asbestose;
LERs;
DORTs;
Intoxicações exógenas.
Acidente de trabalho:
É o agravo à saúde pelo exercício do trabalho e serviço da empresa,
afetando o empregado segurado, o trabalhador avulso, bem como o
segurado especial, provocando lesão corpórea ou perturbação funcional
que cause a morte, a perda ou a redução, temporária ou permanente, da
capacidade para o trabalho:
Acidente típico decorrente das características da atividade
profissional por ele desempenhada;
Acidente de trajeto ou percurso da residência e do local de trabalho.
Doença do trabalho desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente;
Doença profissional produzida ou desencadeada pelo exercício do
trabalho, peculiar a determinado ramo de atividade constante de relação
existente no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social;
Previdência Social: os beneficiários do Regime Geral de Previdência
Social são os segurados e os dependentes;
Segurados (pessoas físicas):
Empregado pela CLT;
Empregado doméstico;
Contribuinte individual.
Auxílio-doença: indivíduo que, após um acidente ou doença, fique
incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por
mais de 15 dias consecutivos;
Acidentário/previdenciário;
Aposentadoria por invalidez: indivíduo que, após um acidente, seja
considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de
atividade que lhe garanta a subsistência, e será paga enquanto
permanecer nessa condição;
Auxílio-acidente: deve-se ao segurado como indenização quando, após
consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza,
aparecem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho
que habitualmente exercia.
CID-10
Marina Gemma
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão
1. O que é?
A 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID) é conhecida,
na prática clínica, como CID-10. Embora reconhecida por essa sigla, a
publicação é denominada de Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (Laurenti, 1994). A CID é uma
ferramenta diagnóstica padrão para a Epidemiologia, gestão de saúde e
prática clínica, que agrupa doenças análogas, semelhantes ou afins e é
utilizada para monitorizar a incidência e prevalência de doenças e outros
problemas de saúde, de forma a fornecer um panorama da situação de saúde
dos países e das populações (Laurenti, 1991; OMS, 2016).
Além de servir de instrumento estatístico para análises de âmbito nacional, a
CID é cada vez mais utilizada para o cuidado clínico e desenvolvimento de
pesquisas que visam definir doenças e/ou estudar os padrões das doenças,
bem como na gestão dos cuidados em saúde, a fim de monitorizar os
desfechos e a alocação de recursos (OMS, 2016).
Dessa forma, trata-se de uma classificação utilizada por médicos,
enfermeiros, pesquisadores, formuladores de políticas públicas, seguradoras,
gestores de saúde, entre outros profissionais interessados no conhecimento
de uma doença específica quanto a sua história natural e maneiras de
diagnóstico, tratamento e/ou prevenção. A CID foi traduzida em 43 línguas e
teve sua 11ª revisão lançada em 2018.
Importante
Como o próprio nome sugere, a CID não equivale somente a uma
classificação de doenças: consiste em uma sistematização de doenças,
sinais, sintomas e motivos de consultas, englobando, inclusive, definições
usadas em estatísticas vitais e de saúde.
2. Breve histórico
Para cumprir o principal objetivo da Saúde Pública, que é evitar doenças,
prolongar a vida e promover a saúde mediante a atividade organizada da
sociedade, é preciso identificar os problemas de saúde e a forma como estes
se distribuem na população. Nesse contexto, para analisar estatisticamente a
frequência de doenças, é necessário um instrumento que as agrupe ou
classifique segundo determinados critérios. Ao se obter uma uniformização
terminológica (nomenclatura de doenças ou nosografia), é possível ter uma
linguagem comum que favoreça uma melhor troca de informações sobre a
doença, possibilitando, ainda, comparações da sua frequência em áreas
distintas, de forma a contribuir à sua prevenção (Laurenti, 1991).
Nomeadas as doenças, o agrupamento destas segundo características comuns
(nosologia) constitui, então, uma classificação, que serve, basicamente, para
fins estatísticos de análises das situações de saúde das populações. Em uma
classificação estatística de doenças, o interesse principal está, portanto, nos
agrupamentos e não nos casos individualizados (Laurenti, 1991). A busca
por uma classificação ordenada de doenças é secular, mas em meados do
século XVIII e ao longo do século XIX houve um interesse mais expressivo
na obtenção de um instrumento estatístico que sistematizasse as causas de
morte e que fosse de uso internacional, principalmente para possibilitar
comparações (Laurenti, 1991, 1994).
Após diversas tentativas com aceitações bastante limitadas, houve, em 1893,
um acordo internacional para o uso de uma classificação de doenças que
eram causas de morte (77 causas de mortes) e uma recomendação para que
esta fosse revista decenalmente, de modo a incorporar novas causas que
fossem sendo descritas. A 1ª revisão ocorreu em 1900 e, até a 5ª revisão em
1938, havia um reduzido número de códigos, visto que era somente uma
classificação de doenças que causavam morte. A partir da 6ª revisão,
aprovada em 1948, este documento passou a englobar classificações de
doenças, lesões e causas de morte e suas revisões tornaram-se
responsabilidade da Organização Mundial da Saúde – OMS (Laurenti,
1994).
Da 6ª à atual 10ª revisão, a CID ampliou enormemente o número de
categorias e, principalmente, subcategorias, visando satisfazer plenamente
aos seus vários usos em análises de morbidade. Além disso, também foram
incorporadas à Classificação diversas definições usadas em estatísticas vitais
e de saúde (Laurenti, 1991, 1994).
A 10ª revisão da CID foi aprovada em 1989 e recomendada para entrar em
vigor em 1º de janeiro de 1993 pela 43ª Assembleia Mundial de Saúde. No
entanto, por diversos motivos, especialmente de ordem operacional, muitos
países a implementaram entre 1995 e 1997. No Brasil, a CID-10 foi
introduzida em 1º de janeiro de 1996, em cumprimento à Portaria nº
1.832/94 (Grassi; Laurenti, 1998).
Antes da 10ª revisão da CID, não havia atualizações entre as revisões.
Contudo, na Conferência Internacional para a Décima Revisão, de 1989, foi
recomendado que “a OMS endosse o conceito de um processo de
atualização no período entre 2 revisões e considere os mecanismos para que
esta atualização seja colocada em prática”. A partir dessa proposta, 2 grupos
foram estabelecidos para coordenar o processo de atualização: o Grupo de
Referência de Mortalidade (Mortality Reference Group – MRG) e o Comitê
de Referências de Atualizações (Update Reference Committee – URC).
O MRG foi desenvolvido em 1997 e começou suas atividades referentes à
aplicação e interpretação da CID-10 em 1998. O MRG também envia
propostas de atualização para o URC.
O URC foi estabelecido no ano 2000 e recebe propostas do MRG e de
Centros Colaboradores da OMS. O URC avalia essas propostas e submete
recomendações de atualizações aos Diretores dos Centros Colaboradores a
cada ano, que então encaminham sugestões para a OMS.
Para melhor sistematização, foram estabelecidas 2 categorias de atualização:
Principais (major):
Inclusão/exclusão de códigos;
Movimentação de um código para outra categoria ou capítulo;
Alteração numa entrada do índice que muda o código de uma
categoria de 3 caracteres para outra categoria de 3 caracteres
(movimentação de termos);
Alteração de uma regra ou linha de ação que afeta a integridade dos
conjuntos de dados de morbidade e mortalidade; ou introdução de
novos termos no índice.
Secundárias (minor):
Correção ou esclarecimento de uma entrada do índice, alterando o
seu código para outro dentro da mesma categoria de 3 caracteres;
Melhorias na lista tabular ou no índice, como adição de termos de
inclusão ou de exclusão a um código existente ou a duplicação de
uma entrada do índice sob outro termo principal;
Alteração na descrição de um código que a aprimora, sem alterar o
conceito;
Alteração de uma regra ou linha de ação que não afeta a integridade
dos conjuntos de dados de morbidade e mortalidade;
Correção de erros tipográficos.
A CID-11 foi lançada pela OMS em junho de 2018 e deverá ser apresentada
na Assembleia Mundial da Saúde em 2019.
Dica
A CID começou a adquirir as características que possui atualmente a partir
de 1948, com a 6ª revisão, quando incluiu classificações além de doenças
que eram causas de morte e se tornou responsabilidade da Organização
Mundial da Saúde. A 10ª revisão está em vigência, e a 11ª revisão, lançada
em 2018, deverá entrar em vigor em 2022.
Objetivo
Histórico
Apresenta 3 volumes:
I: contém a classificação propriamente dita, chamada de Lista
Tabular. Além disso, apresenta a classificação da morfologia de
neoplasias, listas especiais de tabulação para mortalidade e para
morbidade, bem como as definições e os regulamentos das
nomenclaturas;
II: consiste no Manual de Instruções, contendo toda parte referente
ao Atestado Médico da Causa de Morte, além de uma breve
descrição da CID, instruções práticas para os codificadores de
morbidade e mortalidade e diretrizes para a apresentação e
interpretação dos dados;
III: apresenta o Índice Alfabético.
Organizada em 22 capítulos, que contêm os agrupamentos de categorias
(códigos alfanuméricos de 3 dígitos) e subcategorias (código da
categoria acrescido de um ponto e mais um algarismo - .0 a .9).
Medicina Legal
André Ribeiro Morrone
Edson Lopes Mergulhão
Thaís Minett
Marcos Rodrigo Souza Fernandes
Fábio Roberto Cabar
João Victor Fornari
1. Introdução
A Medicina Legal compreende o ramo da Medicina que utiliza conhecimentos
das Ciências Médicas para atender às demandas da Justiça, ou seja, realiza as
perícias necessárias para a elucidação de um fato relevante para o Direito. O
médico-legista utiliza conhecimentos da Medicina e de outras ciências
correlatas para fazer as perícias requisitadas pela autoridade competente.
Importante
A Tanatologia Forense é um ramo da Medicina Legal que, por meio do
exame do local, fornece informações acerca das circunstâncias da morte,
além de buscar determinar a identificação do cadáver, o mecanismo da
morte, a causa da morte e o diagnóstico diferencial médico-legal (se
acidente, suicídio, homicídio ou causa natural), por meio de necrópsia.
2. Lesões corpóreas
Estudadas quanto à quantidade e à qualidade do dano, as lesões corpóreas têm
o significado jurídico de configurar, no dolo (o autor tem a intenção de
provocar lesão) ou na culpa (o autor não tem a vontade de lesar, mas por
imprudência, imperícia ou negligência a lesão ocorre na vítima) um crime
contra a pessoa.
As lesões corpóreas dolosas, consideradas quanto à quantidade e à qualidade
do dano, classificam-se em leves, graves e gravíssimas. O crime de lesão
corpórea está previsto no Art. nº 129 do Código Penal (CP).
Importante
As lesões corpóreas podem ser leves (danos com pouca repercussão
orgânica e de fácil recuperação individual), graves (causam incapacidade
para as ocupações habituais por mais de 30 dias, perigo de vida, debilidade
permanente de membro, sentido ou função e aceleração do parto) e
gravíssimas (resultam em incapacidade permanente para o trabalho,
enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou
função, deformidade permanente e aborto).
A - Leves
B - Graves
São as lesões que tiveram, como consequência:
C - Gravíssimas
3. Traumatologia Forense
A - Conceito
a) Características
Dica
As feridas punctórias são causadas por agulha, estilete, espinho, espeto etc.
Figura 1 - Feridas punctórias (puntiformes)
- Ferida incisa
A ferida incisa é causada pela ação de instrumento cortante que age por
pressão e deslizamento com “gume afiado” ou fio (bordo de ataque) e atinge a
superfície, em ângulos variáveis. Fibras dos tecidos são seccionadas
(exemplos: navalha, gilete, bisturi, lâminas metálicas afiladas, “papel”,
estilhaços de vidros, capim-navalha). É geralmente de origem homicida, mas
pode ser de origem suicida ou acidental, apresentando as características
relatadas na Tabela 4.
Figura 2 - Características da fenda incisa, como profundidade e comprimento: (A) bordas regulares;
(B) afastamento das bordas da ferida e ausência de trabéculas; (C) extensão maior do que
profundidade
Dica
As feridas incisas são causadas por instrumentos como navalha, gilete,
bisturi, estilhaços de vidro etc.
Figura 3 - Diferentes feridas incisas: (A) agressão; (B) esgorjamento; (C) autoprovocadas no punho
esquerdo (hesitação)
- Lesão contusa
Dica
As lesões contusas são causadas por instrumentos como martelo, pau,
pedra, cassetete, soco-inglês etc.
Edema ou tumefação
Inchaço e elevação;
Palidez da pele na área do impacto;
Surgimento depois de 1 a 3 minutos;
Tríplice reação de Lewis (rubor, tumor e calor);
Coleção de líquido transudato;
Ausência de extravasamento de sangue e de lesão de vasos sanguíneos.
Figura 5 - Edema na face dorsal de pés (A) esquerdo e (B) direito, no qual se pode ver o sinal de
Godet positivo
Escoriação
Equimose
Importante
Esta é a sequência cronológica da equimose: 1º dia, vermelha; 2º e 3º dias,
violácea; do 4º ao 6º dia, azul; do 7º ao 10º dia, esverdeada; e do 11º ao 15º
dia, amarelada.
Figura 7 - (A) Formação de víbices violáceos no dorso e (B) múltiplas fases de equimose no globo e
periocular
Hematoma
“Tumor de sangue”;
Ruptura de um número maior de vasos (mais calibrosos) que forma uma
coleção de sangue afastando os tecidos vizinhos e ocupa espaço próprio
(neocavidade);
Ausência de infiltração do sangue nas malhas do tecido.
Localização:
Superficial (subungueal, subperiostal);
Órgãos e tecidos (fígado, baço, músculo e encéfalo);
Regiões anatômicas (mediastino, retroperitônio, espaços
extradural e subdural do crânio, cervical).
Figura 8 - Formação de hematomas: (A) subgaleal e (B) extradural
Ferida contusa
Fraturas
Luxações
Entorses
Lesões internas
São causadas por impacto direto, aumento súbito da pressão no interior das
vísceras e cavidades, compressão lenta ou aceleração/desaceleração
(traumatismo cranioencefálico, trauma abdominal, trauma torácico).
Figura 13 - Tomografia que demonstra lesão esplênica após trauma abdominal contuso
- Ferida cortocontusa
- Ferida perfurocontusa
Dica
As feridas perfurocontusas são causadas por instrumentos como projétil de
arma de fogo, flecha, lança, tesoura fechada etc.
As zonas são formadas pelos resíduos que saem pela boca do cano da arma e
atingem o alvo, dividindo-se em:
Importante
Lesões causadas por projéteis de arma de fogo causam zonas e orlas no
local onde atingem. As orlas dividem-se em orla de escoriação (contusão),
de enxugo (“sujeiras” que ficam aderidas à derme) e equimótica, enquanto
as zonas são divididas em zonas de queimadura ou chamuscamento, de
esfumaçamento (fuligem depositada na pele ou na roupa) e zona de
tatuagem (grãos de pólvora incombusta que penetram a derme, por
exemplo).
- Ferida perfuroincisa
a) Térmica
Tanto o calor como o frio são capazes de lesar o corpo humano. O calor pode
lesar pelo contato direto (ação local): chama ou corpos aquecidos (sólidos,
líquidos e gases); ou pelo calor irradiado (ação difusa): solar (insolação) ou
industrial (intermação). Do ponto de vista médico-legal, as queimaduras
podem ser classificadas em 4 graus, segundo Hoffmann e Lussena:
1º grau: eritema
Vasodilatação com pele vermelha, edemaciada e dolorosa;
Não deixa cicatriz.
2º grau: bolhas (flictena)
Formação de bolhas com conteúdo rico em proteínas;
Eritema, edema e dor;
Não lesa a camada basal;
Não deixa cicatriz.
3º grau: escara
Destruição da epiderme e da derme;
Aspecto endurecido e indolor;
Deixa cicatriz.
4º grau: carbonização
Destruição da pele e de tecidos moles por ação direta do fogo;
Posição “do boxeador” (braços repuxados).
O frio também age de forma local e difusa. Sua ação local se chama geladura
e classifica-se em 4 graus:
b) Elétrica
Importante
A eletricidade artificial produz, no local de contato com o corpo humano,
uma lesão indolor de bordas elevadas e coloração amarelo-esbranquiçada,
denominada marca elétrica de Jellinek.
a) Afogamento
Definição: asfixia mecânica, produzida pela penetração de um meio líquido
nas vias respiratórias, impedindo a passagem de ar até os pulmões;
Mecanismo de ação: havendo a submersão, ocorre a morte na sequência das
seguintes fases:
Fase de defesa:
Lesões externas:
Hipotermia;
Pele anserina;
Retração do mamilo, do escroto e do pênis;
Maceração da epiderme;
Tonalidade vermelha dos livores cadavéricos;
Cogumelo de espuma;
Erosão dos dedos;
Presença de corpos estranhos sob as unhas;
Equimoses da face e das conjuntivas;
Mancha verde de putrefação (tórax);
Lesões post mortem produzidas por animais aquáticos.
Lesões internas:
Líquidos nas vias respiratórias;
Corpos estranhos no líquido das vias respiratórias;
Lesões dos pulmões: aumentados, distendidos, enfisema aquoso e
equimoses;
Sinal de Brouardel: enfisema aquoso subpleural (“esponja molhada”);
Manchas de Tardieu: equimose subpleural (raras);
Manchas de Paltauf: hemorragias subpleurais (equimoses vermelho-
claras com ≥2cm de diâmetro, devido à ruptura das paredes alveolares);
Diluição do sangue (hidremia);
Crioscopia (temperatura de congelamento): aumentada (água doce) e
diminuída (água salgada);
Sinal de Wydler: presença de espuma, líquido e sólido no estômago;
Sinal de Niles: hemorragia temporal;
Sinal de Vargas Alvarado: hemorragia etmoidal;
Sinal de Étienne Martin: congestão hepática;
Equimoses nos músculos e no pescoço.
- Diagnóstico
b) Soterramento
c) Confinamento
Lesões internas:
Equimoses viscerais (manchas de Tardieu);
Congestão polivisceral;
Distensão e edemas dos pulmões;
Sangue: escuro e líquido (fluidez).
Dica
É necessário entender que não existe nenhum sinal que, isoladamente, faça
o diagnóstico das asfixias mecânicas. Portanto, deve-se ter um critério com
base no somatório das lesões estudadas, associando-se sinais e o estudo das
circunstâncias do acontecimento.
d) Sufocação direta
f) Enforcamento
Sinais internos:
g) Estrangulamento
Sinais internos:
h) Esganadura
Sinais internos:
4. Aborto
A Organização Mundial da Saúde define abortamento como a interrupção da
gestação antes de 20 a 22 semanas ou feto com peso inferior a 500g. Para o
Direito, aborto é a interrupção da gestação, com a morte do produto
conceptual, haja ou não expulsão, qualquer que seja o seu estado evolutivo,
desde a concepção até o parto; assim, a legislação, ao contrário da Medicina,
não define tempo limite para a ocorrência de aborto, aceitando a denominação
desde a concepção até o termo. No Código Penal Brasileiro, o aborto
provocado é considerado crime, exceto nas situações abordadas a seguir.
B - Resolução nº 1.989/12
Importante
À luz da legislação atual, só se permite o aborto em casos de estupro ou de
comprovado risco de morte para a mãe, diretamente relacionado às
alterações fisiológicas da gravidez. Com a Resolução nº 1.989/12, o aborto
é consentido quando se tem diagnosticado, por meio de exame
ultrassonográfico, a partir da 12ª semana de gestação, a presença de feto
anencéfalo, com laudo assinado por 2 médicos.
5. Morte encefálica
A - Características clínico-jurídicas
Importante
Os parâmetros clínicos para a definição de morte encefálica são coma não
perceptivo, ausência de reatividade supraespinal e apneia persistente. O
paciente deve apresentar lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e
capaz de causar a morte encefálica, ausência de fatores tratáveis que
possam confundir o diagnóstico de morte encefálica, temperatura corporal
superior a 35°, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão
arterial sistólica ≥100mmHg para adultos.
a) Anexo I
Pré-requisitos:
Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e
capaz de causar a morte encefálica;
Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico
de morte encefálica;
Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período
mínimo de 6 horas;
Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-
isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de,
no mínimo, 24 horas;
Temperatura corpórea (esofágica, vesical ou retal) >35°C, saturação
arterial de oxigênio >94% e pressão arterial sistólica ≥100mmHg ou
pressão arterial média ≥65mmHg para adultos, ou conforme tabela
para menores de 16 anos.
Na repetição do exame clínico (2º exame) por outro médico, será utilizada a
técnica do 1º exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o
resultado do 1º teste for positivo (ausência de movimentos respiratórios na
vigência de hipercapnia documentada).
O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o 1º e o 2º exame clínico
é de 1 hora nos pacientes com idade ≥2 anos. Nas demais faixas etárias, esse
intervalo é variável.
Os familiares do paciente ou seu responsável legal deverão ser
adequadamente esclarecidos, de forma clara e inequívoca, sobre a situação
crítica do paciente, o significado da morte encefálica, o modo de determiná-la
e os resultados de cada etapa de sua determinação. Esse esclarecimento é de
responsabilidade da equipe médica assistente do paciente ou, na sua
impossibilidade, da equipe de determinação da morte encefálica.
A decisão quanto à doação de órgãos somente deverá ser solicitada aos
familiares ou responsáveis legais do paciente após o diagnóstico da morte
encefálica e a comunicação da situação a eles.
b) Anexo II
c) Anexo III
6. Declaração de óbito
A DO é o documento-base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do
Ministério da Saúde (SIM/MS). É composta de 3 vias autocopiativas, pré-
numeradas sequencialmente, fornecidas pelo Ministério da Saúde e
distribuídas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde conforme
fluxo padronizado para todo o país. Além da sua função legal, os dados de
óbitos são utilizados para conhecer a situação de saúde da população e gerar
ações visando à sua melhoria e, para tanto, devem ser fidedignos e refletir a
realidade. As estatísticas de mortalidade são produzidas com base na DO
emitida pelo médico. A emissão da DO é um ato médico, segundo a legislação
do país. Portanto, ocorrida uma morte, o médico tem a obrigação legal de
constatar e atestar o óbito, usando o formulário oficial “Declaração de Óbito”
mencionado. O documento tem, por finalidade:
Resolve:
a) Morte natural
I - Morte sem assistência médica
a) Nas localidades com Serviço de Verificação de Óbitos (SVO):
A DO deverá ser fornecida pelos médicos do SVO.
b) Nas localidades sem SVO:
A DO deverá ser fornecida pelos médicos do serviço público de saúde mais
próximo do local onde ocorreu o evento e, na sua ausência, por qualquer
médico da localidade.
II - Morte com assistência médica
a) A DO deverá ser fornecida, sempre que possível, pelo médico que vinha
prestando assistência ao paciente.
b) A DO do paciente internado sob regime hospitalar deverá ser fornecida
pelo médico assistente e, na sua falta, por médico substituto pertencente à
instituição.
c) A DO do paciente em tratamento sob regime ambulatorial deverá ser
fornecida por médico designado pela instituição que prestava assistência, ou
pelo SVO.
d) A DO do paciente em tratamento sob regime domiciliar (Programa Saúde
da Família, internação domiciliar e outros) deverá ser fornecida pelo médico
pertencente ao programa ao qual o paciente estava cadastrado, ou pelo SVO,
caso o médico não consiga correlacionar o óbito com o quadro clínico
concernente ao acompanhamento do paciente.
b) Morte fetal
B - Aspectos éticos
1 - Assinar DO em branco.
2 - Preencher a DO sem, pessoalmente, examinar o corpo e constatar a
morte.
3 - Utilizar termos vagos para o registro das causas de morte, como
parada cardíaca, parada cardiorrespiratória ou falência de múltiplos
órgãos.
4 - Cobrar pela emissão da DO.
Dica
O ato médico de examinar e constatar o óbito pode ser cobrado desde que
se trate de paciente particular a quem não vinha prestando assistência.
C - Definições
Estas definições foram adotadas pela Assembleia Mundial da Saúde
(resoluções WHA 20.19 e WHA 43.24), de acordo com o Art. nº 23 da
Constituição da Organização Mundial da Saúde, e constam da CID-10.
a) Causas de morte
b) Causa-base de morte
Importante
Segundo a Organização Mundial da Saúde, causa-base da morte é “a
doença ou lesão que iniciou a sucessão de eventos mórbidos, os quais
levaram diretamente à morte, ou as circunstâncias do acidente ou violência
que produziu a lesão fatal”.
Parte I: cartório;
Parte II: identificação do falecido;
Parte III: residência;
Parte IV: ocorrência;
Parte V: óbito fetal ou menor de 1 ano;
Parte VI: condições e causas de óbito;
Parte VII: médico;
Parte VIII: causas externas;
Parte IX: localidades sem médico.
Figura 23 - Campos das causas de morte primária (parte I) e contribuintes (parte II)
7. Legislação
Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), com as
correções da Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975 – Capítulo IX.
- Relacionado ao óbito
Art. 77º: nenhum sepultamento será feito sem certidão oficial de registro do
lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista
do atestado de médico se houver no lugar, ou, em caso contrário, de 2 pessoas
qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.
1º - Antes de proceder ao assento de óbito de criança de menos de 1 ano, o
oficial verificará se houve registro de nascimento que, em caso de falta, será
previamente feito.
2º - A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver
manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se
a DO tiver sido firmada por 2 médicos ou por 1 médico-legista, no caso de
morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária.
Resumo
Lesões corpóreas
Aborto
No Código Penal Brasileiro, o aborto provocado é crime, exceto se não há
outro meio de salvar a vida da gestante; se a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido de consentimento; e se o feto em questão é diagnosticado
como anencéfalo.
Morte encefálica
Declaração de óbito
1. Introdução
A Ética estuda o comportamento moral dos homens dentro de uma sociedade,
isto é, estuda uma forma específica de comportamento humano. Baseia-se nos
atos humanos voluntários e conscientes e que podem envolver outros
indivíduos, grupos sociais e até mesmo toda a sociedade. Embora estejam
profundamente relacionados, os termos “ética” e “moral” não devem ser
confundidos, mas entendidos como complementares.
“Ética”, do grego ethos, significa “modo de ser”, “caráter”; e “moral”, do
latim mos, significa “costume”, “conjunto de normas adquiridas pelo
homem”. Portanto, esses termos se referem a 2 qualidades especificamente
humanas: o “modo de ser” ou o “caráter” de cada um, sobre o qual se
assentam os “costumes” ou as “normas adquiridas”, plasmando o
comportamento moral do homem.
A Ética Médica é responsável pelo estudo do comportamento moral dos
médicos durante o exercício profissional, ou seja, enquanto estão em
atividade médica. A Deontologia Médica, por sua vez, é responsável pelos
estudos dos deveres dos médicos, enquanto a Diceologia estuda os direitos
dos médicos. Essas 2 vertentes estão ordenadas no Código de Ética Médica
(CEM): os Princípios Fundamentais, os Direitos dos Médicos e os capítulos
relativos às vedações a eles.
A Bioética, termo criado pelo oncologista e biólogo americano Van
Rensselaer Potter em seu livro “Bioethics: bridge to the future”, é o estudo
sistemático da conduta humana na área das Ciências da Vida e dos Cuidados
da Saúde, na medida em que essa conduta é examinada à luz dos valores e dos
princípios morais. Esse conceito é o atualmente empregado e foi lançado pela
Encyclopedia of Bioethics em 1978. Como campo emerso da Ética Médica, a
Bioética é fruto da evolução do saber e de concepções novas geradas pelas
realidades atuais da Medicina, da Biologia, da Sociologia e da Filosofia.
Tema frequente de prova
Devemos lembrar sempre os conceitos de autonomia, beneficência e não
maleficência, uma vez que esses temas são sempre cobrados nas provas.
Importante
O termo de consentimento livre e esclarecido tem, como finalidade,
documentar as possíveis consequências e complicações do ato médico e
cumpre finalidade ético-jurídica em casos de processos médicos.
2. Conselhos de Medicina
O CFM e os CRMs, em conjunto, constituem uma autarquia dotada de
personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e
financeira. São os órgãos supervisores da ética profissional em toda a
República e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica,
cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo
perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da
profissão e dos que a exerçam legalmente. Há, em Brasília, o CFM com
jurisdição em todo o território brasileiro, ao qual ficam subordinados os
CRMs, e, em cada capital de estado e no Distrito Federal, há um CRM, cuja
jurisdição alcançará a do estado ou do Distrito Federal.
Os médicos só poderão exercer legalmente a Medicina, em quaisquer dos seus
ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas,
certificados ou cartas no Ministério da Educação e de sua inscrição no CRM
sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. Se o médico exercer sua
atividade por mais de 90 dias em outra jurisdição, ficará obrigado a requerer
inscrição secundária no quadro do CRM dessa jurisdição.
Importante
O novo CEM, de 2010, além de considerar as mudanças sociais, jurídicas e
científicas, levou em conta os atuais códigos de ética médica de outros
países e considerou elementos de jurisprudência, posicionamentos que já
integram pareceres, decisões e resoluções da Justiça, das Comissões de
Ética locais e resoluções éticas do Conselho Federal de Medicina e dos
Conselhos Regionais de Medicina editadas desde 1988.
Aprova o CEM;
O CFM, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de
setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho
de 1958, modificado pelo Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e
pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e consubstanciado nas
Leis nº 6.838, de 29 de outubro de 1980 e Lei nº 9.784, de 29 de janeiro
de 1999;
Considerando que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo
julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e
trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho
ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que
a exerçam legalmente;
Considerando que as normas do CEM devem submeter-se aos
dispositivos constitucionais vigentes;
Considerando a busca de melhor relacionamento com o paciente e a
garantia de maior autonomia à sua vontade;
Considerando as propostas formuladas ao longo dos anos de 2008 e 2009
e pelos CRMs, pelas entidades médicas, pelos médicos e por instituições
científicas e universitárias para a revisão do atual CEM;
Considerando as decisões da IV Conferência Nacional de Ética Médica,
que elaborou, com participação de delegados médicos de todo o Brasil,
um novo CEM revisado;
Considerando o decidido pelo Conselho Pleno Nacional, reunido em 29
de agosto de 2009;
Considerando, finalmente, o decidido em sessão plenária de 17 de
setembro de 2009.
Resolve:
Art. 1º: aprovar o CEM, anexo a esta Resolução, após sua revisão e
atualização;
Art. 2º: o CFM, sempre que necessário, expedirá resoluções que
complementem esse CEM e facilitem sua aplicação;
Art. 3º: o Código anexo a esta Resolução entra em vigor 180 dias após a
data de sua publicação, e, a partir daí, revoga-se o CEM aprovado pela
Resolução CFM nº 1.246, publicada no Diário Oficial da União, no dia
26 de janeiro de 1988, Seção I, páginas 1.574 a 1.579, bem como as
demais disposições em contrário.
Preâmbulo:
Art. 16º: intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto
na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que
resulte na modificação genética da descendência.
Art. 17º: deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos
Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições
administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.
Art. 18º: desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e
Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.
Art. 19º: deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de
direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o
desempenho ético-profissional da Medicina.
Art. 20º: permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de
quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do
financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha
dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e
cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da
sociedade.
Art. 21º: deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a
legislação pertinente.
Art. 88º: negar ao paciente acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer
cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe oferecer explicações
necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionem riscos ao próprio
paciente ou a terceiros.
Art. 89º: liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando
autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a
sua própria defesa.
Art. 102º: deixar de utilizar a terapêutica correta, quando seu uso estiver
liberado no país.
Dica
O que não se pode deixar de atentar é para o fato de que as provas colocam
situações referentes a determinado artigo e perguntam se referem aos
capítulos em específico, como direito médico, disposição geral etc. O
principal não é memorizar cada um dos capítulos, e sim identificá-los no
enunciado.
5. Tópicos relacionados
A - Alta médica
O médico pode negar-se a conceder alta a paciente sob seus cuidados quando
considerar que isso possa acarretar-lhe risco de morte. Se o paciente, os
responsáveis ou os familiares tomarem a decisão de transferência, deverão
responsabilizar-se pelo ato por escrito. Nesse caso, o médico também tem o
direito de passar a assistência que vinha prestando para outro profissional
indicado, ou aceito pelo paciente, ou pela família, documentando as razões da
medida. A decisão sobre a alta é técnica, ou seja, só o médico pode
manifestar-se tecnicamente sobre a necessidade ou não de o paciente
permanecer internado; portanto, o termo “alta a pedido” não tem qualquer
relação com o julgamento técnico do médico, sendo apenas um ato
administrativo.
Ao médico compete fazer o que julgar melhor para assistir o paciente. Porém,
esse poder é limitado e se subordina à aceitação deste, se tiver capacidade de
autodeterminar-se ou de alguém que possa falar por ele – por
consanguinidade ou delegações legítimas de outra natureza, inclusive as
constituídas por decisão judicial. O Código Civil traz no Art. 15 o seguinte
preceito legal: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, que vai ao encontro do
princípio da autonomia da vontade do paciente.
Importante
A questão da alta a pedido deve ser bem discutida, pois no dia a dia vemos
essa situação com frequência e não nos atentamos que, do ponto de vista
do julgamento técnico do médico, ela não tem valor na avaliação, sendo
considerada um problema muito comum na vida médica.
B - Abandono do paciente
D - Terapias alternativas
E - Sigilo profissional
c) Quebra do sigilo
Importante
A quebra de sigilo profissional pode ocorrer por motivo justo,
consentimento por escrito do paciente e por dever legal, sendo esses temas
importantes para a sua preparação.
F - Responsabilidade médica
O médico deve ser responsável por todos os seus atos nas esferas ética,
administrativa, cível e criminal, principalmente ao realizar atos médicos e
assinar documentos médicos. Apesar de a assinatura ser atividade rotineira em
sua vida, o profissional não pode se esquecer da responsabilidade que ele
assume com esse ato: um atestado, uma receita ou um laudo.
O novo CEM traz como novidade que a responsabilidade profissional nunca é
presumida, portanto deve ser provada dentre uma das modalidades de culpa
(imperícia, imprudência ou negligência). A atuação profissional do médico
não caracteriza relação de consumo. Exceção se faz aos procedimentos
estéticos (cirurgias plásticas, por exemplo).
6. Documentos médicos
Importante
Os aspectos éticos e legais, como sigilo médico e responsabilidade médica,
também se aplicam aos documentos médicos, porém a Constituição de
1988 permite o habeas data, que é o direito de saber ou ter conhecimento
das informações relativas à pessoa que busca as informações.
A - Fichas clínicas
B - Prontuário clínico
7. Atestados médicos
Trata-se da afirmação simples e por escrito de um fato médico e suas
consequências. São sempre de muita responsabilidade, não importando a sua
finalidade e incorrendo nas penas da lei. Assim, de acordo com o Código
Penal, fica vedado ao médico:
Art. 302: “dar o médico, no exercício de sua profissão, atestado falso”. A pena
compreende detenção de 1 mês a 1 ano.
O novo CEM prevê no Art. 80 que é vedado ao médico “expedir documento
médico sem ter praticado ato profissional que o justificasse, que seja
tendencioso ou que não corresponda à verdade”.
A - Classificação
C - Notificações compulsórias
D - Parecer médico
Dica
Os processos ético-profissionais são regidos pelo CEM, e a competência
para julgar infrações éticas será do Conselho Regional de Medicina em que
o médico estiver inscrito.
A - Princípios gerais
Dica
Os vetos presidenciais sancionados em 2013 para a lei que disciplina o
exercício da Medicina no país preveem que outros profissionais de saúde
formulem o diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica.
1 - Não punitivo.
2 - Confidencial.
3 - Independente (com dados analisados por organizações).
4 - Resposta oportuna para os usuários do sistema.
5 - Orientado para soluções dos problemas notificados.
6 - As organizações participantes devem ser responsivas às mudanças
sugeridas.
No Brasil, a vigilância de EAs relacionados ao uso dos produtos que estão sob
a vigilância sanitária (incluindo o monitoramento do uso desses produtos)
objetiva a detecção precoce de problemas relacionados a esse uso para
desencadear as medidas pertinentes para que o risco seja interrompido ou
minimizado.
Eixo 2 – Envolvimento do cidadão na sua segurança:
Paciente pela Segurança do Paciente é um programa da OMS que estabelece
que haverá melhora na segurança se os pacientes forem colocados no centro
dos cuidados e incluídos como parceiros. A visão desse programa, segundo a
OMS, é a de “um mundo em que os pacientes devem ser tratados como
parceiros nos esforços de prevenir todo mal evitável em saúde”.
Corresponsabilidade e vínculos solidários são termos utilizados na Política
Nacional de Humanização e correspondem ao termo “parceria” utilizado no
Paciente pela Segurança do Paciente.
Eixo 3 – Inclusão do tema segurança do paciente no ensino:
Envolve a inclusão do tema no ensino técnico e de graduação, na pós-
graduação na área da Saúde e na educação permanente dos profissionais de
saúde.
Eixo 4 – Incremento de pesquisa em segurança do paciente:
O foco na investigação tem se concentrado em 5 componentes (OMS):
1 - Medir o dano.
2 - Compreender as causas.
3 - Identificar as soluções.
4 - Avaliar o impacto.
5 - Transpor a evidência em cuidados mais seguros.
Resumo
Conceitos básicos e definições
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
A Epidemiologia agrega variadas linhas de conhecimento, discutidas a seguir,
que emergiram fortemente a partir do século XVII. Naomar de Almeida Filho,
epidemiologista brasileiro de destaque internacional, explica que o século em
questão foi inovador nos sentidos político e social, pois a necessidade de
“calcular” a população passa a ser fundamental para o Estado (por questões
políticas e militares). Nesse contexto, surgem linhas como a “aritmética
política”, de William Petty (1623-1697), e a “estatística médica”, de John
Graunt (1620-1674) (Almeida Filho, 1986).
John Graunt foi o primeiro a quantificar os padrões de natalidade e
mortalidade e a ocorrência de doenças, identificando características
importantes, entre elas a existência de diferenças entre os sexos e na
distribuição urbano-rural, elevada mortalidade infantil e variações sazonais
existentes. Foi ele o responsável pelas primeiras estimativas de população e
pela elaboração de uma tábua de mortalidade, também conhecida como tábua
de vida (procedimento para estimar a expectativa de vida da população).
O trabalho que marcou não somente o início formal da Epidemiologia, como
também uma das mais espetaculares conquistas, foi a descoberta, por John
Snow, de que o risco de contrair cólera estava relacionado ao consumo de
água de uma fonte específica (Beaglehole; Bonita; Kjellström, 2010). Snow
marcou a moradia de cada pessoa que morreu de cólera em Londres entre
1848 e 1849, e 1853 e 1854, analisando a relação entre a distância das fontes
de água e a ocorrência de óbitos (Figura 1). Foi com base nessa investigação
que o médico construiu uma teoria sobre a transmissão das doenças
infecciosas, sugerindo que a cólera fosse disseminada por meio da água
contaminada, fato que antecede a descoberta do Vibrio cholerae e evidencia
que, desde 1850, os estudos epidemiológicos têm indicado as medidas
apropriadas de saúde pública a serem adotadas.
Figura 1 - Mapa de John Snow, que demarca as residências com óbitos por cólera em Londres, no
ano de 1854; os pontos azuis indicam bombas d’água, e os vermelhos, residências com morte por
cólera. Note os pontos vermelhos agrupados no entorno de uma bomba específica
Fonte: adaptado de Don Boyes. John Snow and serendipity.
Importante
Até meados do século XX, a Epidemiologia e a Medicina estiveram
impulsionadas pelo crescente aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos,
terapêuticos e estatísticos que proporcionaram a compreensão dos modos
de transmissão e possibilitaram intervenções que contribuíram para o
controle de grande parte das doenças transmissíveis, ao menos nos países
desenvolvidos. A partir da 2ª Guerra Mundial, estabeleceram-se regras
básicas da análise epidemiológica, o aperfeiçoamento dos desenhos de
pesquisa e a delimitação do conceito de risco em associação ao
desenvolvimento das técnicas de diagnóstico, à evolução da Estatística e à
introdução dos computadores. A Epidemiologia sedimenta-se como
disciplina autônoma na década de 1960.
Dica
Leavell e Clark (1976) explicam que Medicina Preventiva é a
especialidade que se dedica à prevenção da doença em vez de seu
tratamento. Arouca (2003) entende-a como o estudo do processo saúde-
doença nas populações, suas relações com a atenção médica, bem como
das relações de ambas com o sistema social global, visando à
transformação dessas relações para a obtenção de níveis máximos possíveis
de saúde e bem-estar das populações.
Importante
A Clínica Médica, como linha de conhecimento do saber médico, estuda o
processo saúde-doença em “nível individual”, com o objetivo de tratar e
curar casos isolados que apresentem certa característica, como os sinais e
sintomas de determinada doença. A Epidemiologia se preocupa com o
processo de ocorrência de doenças, mortes, quaisquer outros agravos ou
situações de risco à saúde na comunidade, ou em grupos dessa
comunidade, com o objetivo de propor estratégias que melhorem o nível de
saúde das pessoas que a compõem.
A - Epidemiologia Descritiva
Resumo
História
1. Introdução
O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural.
Ou seja, saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas; depende
da época, do lugar e da classe social. Os valores individuais e as concepções
científicas, religiosas e filosóficas também estão associados a esse conceito.
Inicialmente, para chegar a uma apropriação concreta dos conceitos de saúde
e doença, faz-se necessária uma compreensão etimológica dos 2 vocábulos.
Segundo Reiner (2008), doença provém do latim dolentia, derivado de dolor e
dolore, que querem dizer “dor” e “doer”. Já saúde, também do latim, vem de
salutis, derivado do radical salus, com significação de “salvar”, “livrar do
perigo”, “afastar riscos e/ou saudar”, “cumprimentar”, “desejar saúde”.
A - Saúde
Dica
Segundo a Constituição Brasileira de 1988, “a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (Brasil, 1988).
B - Doença
A - O modelo biomédico
Importante
No lugar de considerar saúde e doença como componentes de um sistema
binário, do tipo presença-ausência, pode ser mais adequado concebê-las
como um processo no qual o ser humano passa por múltiplas situações, que
exigem de seu meio interno um trabalho de compensações e adaptações
sucessivas.
Figura 3 - Padrão de evolução da infecção por HIV: (A) infecção primária; (B) síndrome aguda da
infecção por HIV, com ampla disseminação viral em órgãos linfoides; (C) latência clínica; (D)
presença de sintomas constitucionais; (E) doenças oportunistas; (F) óbito
Fonte: site The Naked Scientists.
a) Período pré-patogênico
Importante
O período pré-patogênico refere-se ao 1º período da História Natural da
Doença, quando os distúrbios patológicos ainda não se manifestaram no
indivíduo. Trata-se da própria evolução das inter-relações dinâmicas, que
envolvem, de um lado, os condicionantes sociais e ambientais e, do outro,
os fatores próprios do suscetível, até que chegue a uma configuração
favorável à instalação da doença.
- Fatores sociais
- Fatores ambientais
- Fatores do hospedeiro
b) Período patogênico
Importante
No período patogênico, a interação entre os fatores condicionantes sociais
e ambientais e os fatores próprios do hospedeiro já causou alterações
bioquímicas em nível celular e distúrbios na forma e na função de órgãos e
sistemas, culminando com a manifestação da doença, que evoluirá para um
defeito permanente (ou sequela), para a cronicidade, para a morte ou para a
cura.
Paim (2008) explica que, a partir das influências da Medicina Preventiva, foi
difundido o modelo da HND, estabelecendo 5 níveis de prevenção, cujas
medidas poderiam ser aplicadas de forma integral em distintos momentos do
processo saúde-doença (Figura 4 - C).
Importante
Na 1ª fase de prevenção, na qual haveria a possibilidade de um
desequilíbrio entre o agente, o hospedeiro e o ambiente, cabem medidas de
promoção da saúde e proteção específica, cujos procedimentos foram
chamados de prevenção primária. Já o período patogênico é aquele
destinado a ações diagnósticas e de tratamento precoce, bem como a
limitação da invalidez ou incapacidade, correspondendo à prevenção
secundária ou 2ª fase de prevenção. Ainda nesse período patogênico, seria
possível conseguir a prevenção terciária por meio da reabilitação,
equivalendo à 3ª fase de prevenção.
- Prevenção primária
Dica
As medidas de promoção à saúde no Brasil foram regulamentadas pela
Portaria nº 687, de 2006, pelo Ministério da Saúde. Seu objetivo foi
promover mudanças na cultura organizacional do Sistema Único de Saúde,
com vistas à adoção de práticas horizontais de gestão e estabelecimento de
redes de cooperação intersetoriais.
- Prevenção secundária
- Prevenção terciária
Excesso de tratamento;
Excesso de rastreamento;
Excesso de exames complementares;
Medicalização de fatores de risco.
Nos últimos 15 anos, vários modelos têm sido desenvolvidos para demonstrar
os mecanismos por meio dos quais os determinantes sociais de saúde afetam
os resultados na saúde. Nesse contexto, são pontuados os Determinantes
Sociais da Saúde (DSSs): condições socioeconômicas, culturais e ambientais
de uma sociedade que se relacionam com as condições de vida e trabalho de
seus membros (como habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços
de saúde e educação, além da trama de redes sociais e comunitárias),
influenciando a situação de saúde da população (CSDH, 2005).
Um dos modelos mais importantes de determinantes sociais trata da
influência das camadas, explicando como as desigualdades sociais na saúde
são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o
nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde
nacionais (Figura 6). Observe que os indivíduos estão no centro da Figura 6 e
têm idade, gênero e fatores genéticos que indubitavelmente influenciam seu
potencial de saúde final. A camada imediatamente externa representa o
comportamento e os estilos de vida das pessoas. As pessoas expostas a
circunstâncias de desvantagem tendem a exibir prevalência maior de fatores
comportamentais, como fumo e dieta pobre, e se deparam com barreiras
financeiras maiores ao escolherem um estilo de vida mais saudável (CSDH,
2005).
B - Modelo biopsicossocial
O modelo biopsicossocial (ou holístico) permite que a doença seja vista como
um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, organísmicos,
interpessoais e ambientais. Assim, o estudo de qualquer doença deve incluir o
indivíduo, seu corpo e seu ambiente circundante como componentes
essenciais de um sistema total (único ou particular).
Dica
A teoria do modelo biopsicossocial, na qual há a interação de 3 fatores no
processo saúde-doença, foi formulada por Engel e considera que os fatores
psicossociais podem operar para facilitar, manter ou modificar o curso da
doença, embora o seu peso relativo possa variar de doença para doença, de
um indivíduo para outro e até mesmo entre 2 episódios diferentes da
mesma doença no mesmo indivíduo (Fava; Sinino, 2010).
Resumo
Medidas de frequência I:
morbidade
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Após a conceituação de saúde e doença, pode-se partir para questões mais
aplicadas da Epidemiologia. A rigor, neste capítulo, serão abordados os
aspectos básicos da ocorrência de doenças, aqui denominados “medidas de
frequência”. A problemática de interesse do capítulo é a presença de
determinado evento e a possibilidade de repetição desse evento; à medida que
ele ocorre repetidas vezes, pode ser reconhecido um padrão de ocorrência
que, muitas vezes, traz informações importantes sobre a sua prevenção e o seu
controle.
Compreender as medidas de frequência pode ser importante tanto para a
população geral quanto para os profissionais de saúde. Pode-se imaginar uma
situação em que exista uma epidemia de dengue, por exemplo; para saber o
estado evolutivo dessa epidemia, se as atividades de prevenção vêm surtindo
o efeito esperado, se o tratamento existente tem aumentado a sobrevida dos
afetados ou se as políticas adotadas para o controle da doença têm sido
adequadas (Costa; Kale, 2009), é preciso avaliar as medidas de frequência de
doenças e compará-las ao longo do tempo.
Assim como todo o restante da Epidemiologia, as medidas de frequência de
doença são avaliadas a partir de indicadores, que, como regra geral, são
calculados a partir da divisão entre números. As características específicas
dos diferentes tipos de indicadores (razões, proporções, coeficientes e índices)
são aprofundadas no capítulo de mortalidade e outros indicadores; porém,
devido à importância e às características particulares das medidas de
frequência, costuma-se estudá-las em um capítulo à parte, como é o caso
deste livro. As “medidas de frequência”, portanto, são definidas a partir de 2
indicadores que fazem parte da categoria “coeficientes”, que são a prevalência
e incidência (Medronho, 2008).
Importante
De maneira geral, a prevalência expressa o número de casos existentes de
uma doença ou um fenômeno de interesse em um dado momento, ao passo
que a incidência se refere à frequência com que surgem novos casos de
uma doença, num intervalo de tempo.
É fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos e dos
estimadores de risco vastamente utilizados na análise desses estudos.
Antes de iniciar essa discussão, é importante lembrar que, na maioria das
vezes, há interesse em conhecer a frequência de determinadas doenças para
que sejam estruturadas as medidas de controle. Contudo, as moléstias são
apenas um dos desfechos mensuráveis, podendo-se medir a frequência de
fatores de risco ou determinantes, eventos adversos à saúde, ou outros que
não são necessariamente uma doença. Além de medidas como prevalência e
incidência, existem diversas medidas de frequência, como as de mortalidade,
letalidade ou sobrevivência, que, segundo Costa e Kale (2009), podem ser
compreendidas como variações dos conceitos de incidência e prevalência.
2. Incidência
Incidência pode ser definida como a frequência de casos novos de uma
determinada doença ou problema de saúde de uma população com risco de
adoecimento, ao longo de um determinado período (o conceito de tempo está
envolvido). Casos novos, ou incidentes, podem ser compreendidos como
indivíduos que não estavam enfermos no início do período de observação, ou
seja, sob risco de adoecimento, e se tornaram doentes ao longo deste. É
necessário que cada indivíduo seja observado, pelo menos, em 2 ocasiões,
portanto só pode ser obtida em estudos longitudinais, como ensaios clínicos
ou estudos de coorte. A incidência é, então, uma medida dinâmica, pois
expressa mudanças no estado de saúde. Além disso, o conceito de incidência,
em Epidemiologia, é sinônimo do conceito de risco. Assim, o risco de um
indivíduo do sexo masculino, tabagista, com 60 anos de idade, desenvolver
câncer de pulmão é a incidência de câncer de pulmão em uma população de
indivíduos do sexo masculino, tabagistas e com 60 anos de idade.
Incidência é definida, segundo Gordis (2010), como o número de casos novos
de uma doença que ocorreu durante determinado período, em uma população
sob risco de desenvolvimento dessa enfermidade. Além do termo “taxa de
incidência”, que se refere à ocorrência em função do tempo, existem autores
que utilizam o termo “coeficiente de incidência”, uma vez que é uma medida
que expressa a probabilidade de ocorrência da doença. Sendo assim, o
denominador dessa divisão deve trazer todos os indivíduos que estão sob risco
de desenvolver a doença.
Está claro, então, que o numerador dessa fração considera as pessoas
acometidas, ou seja, os novos doentes. Contudo, no denominador do
indicador pode haver 2 tipos de números que dividem o coeficiente de
incidência em 2 tipos: incidência acumulada e densidade de incidência.
A - Incidência acumulada
Importante
Muitos livros de Epidemiologia, na tentativa de simplificar o entendimento
das fórmulas dos indicadores, afirmam que, após a divisão do numerador
pelo denominador, devemos multiplicar essa divisão por um múltiplo de 10
(como 100, 1.000 ou 10.000) para obter o valor do indicador. Por exemplo,
caso haja 2 casos incidentes de coqueluche em uma creche com 100
crianças, a incidência seria 2/100 = 0,02*100 = 2%. Entretanto, esse
conceito é ilusório e matematicamente equivocado, pois não podemos
“inventar” um número para multiplicar. Na verdade, como demonstra a F1,
para facilitar a interpretação do indicador, multiplicamos a divisão por
10n/10n; ou seja, multiplicamos por 1, que não altera a fórmula original,
mas torna o número mais inteligível. Ao longo deste e dos outros livros,
utilizaremos a fórmula correta, porém não se surpreenda caso alguma
questão cobre o conceito simplificado de alguns livros de Epidemiologia.
Figura 1 - Seguimento de uma população de 12 indivíduos para expressar pessoas sob risco de
adoecimento
Dica
Qual é a vantagem da utilização da densidade-incidência em relação à
incidência acumulativa? Vamos supor que você esteja acompanhando 5
pessoas ao longo de 5 anos, para avaliar a incidência de HIV. A pessoa 1 e
a pessoa 2 desenvolveram HIV após o 1º ano de seguimento, e você
conseguiu acompanhar todas elas por todo o período de tempo. Ou seja,
temos um total de 5 pessoas e um total de 17 pessoas-ano (2 pessoas
duraram 1 ano e 3 pessoas duraram 5 anos). Qual é a incidência acumulada
de HIV nessa população? É 2/5. E qual é a densidade de incidência? É
2/17. Agora, vamos supor que você não conseguiu acompanhar todas as
pessoas por 5 anos, e 2 pessoas foram acompanhadas por apenas 2 anos.
Ou seja, permanecemos com 5 pessoas, porém agora temos um total de 11
pessoas-ano (2 duraram 1 ano; 2 duraram 2 anos; 1 durou 5 anos). Qual é a
incidência acumulada de HIV agora? Permanece sendo 2/5. E a densidade
de incidência? É 2/11. Isso significa que, quando há perdas, a incidência
acumulada subestima a real frequência da doença, pois não sabemos se as
pessoas que foram perdidas desenvolveriam a doença futuramente ou não.
Por isso, nesses casos, a densidade de incidência é um indicador melhor.
3. Taxa de ataque
Um tipo de incidência bastante conhecido, que frequentemente aparece em
provas, é a taxa de ataque. A taxa de ataque significa a incidência de doentes
em uma população previamente exposta a um fator de risco comum e pode ser
calculada com a fórmula a seguir.
Dica
A taxa de ataque é uma taxa utilizada para situações mais agudas, para
curtos períodos de tempo, geralmente para eventos mais isolados, como um
surto de intoxicação alimentar.
4. Prevalência
Prevalência é uma medida de frequência que revela quantos indivíduos estão
doentes (ou apresentam o desfecho). Pode ser definida como o número de
pessoas afetadas na população em determinado momento, dividido pelo
número de pessoas na população naquele momento – F3 (Pereira; Paes;
Okano, 2000; Gordis, 2010).
Costa e Kale (2009) explicam também que os casos existentes são de
indivíduos que adoeceram em algum momento do passado mais ou menos
remoto, como os casos “antigos” e os “novos”, que estão vivos quando se
realiza uma observação. Desse modo, os que vierem a falecer no período de
observação não devem ser considerados cômputos da prevalência.
Importante
Em Medicina e Saúde Pública, o termo “prevalência” pode ser empregado
para designar “prevalência pontual” ou “prevalência no período”. Quando
não está especificado, faz-se referência à prevalência pontual, que se refere
à frequência de uma doença ou problema de saúde num instante (ponto) do
tempo. Prevalência por período refere-se a um intervalo de tempo, que
pode ser arbitrariamente selecionado, tal como 1 mês, 1 ano ou um período
de 5 anos.
Algumas pessoas podem desenvolver doença em um período, outras
apresentá-la antes e morrer ou ser curadas durante esse período. O importante
é que cada indivíduo representado pelo numerador teve a doença em algum
momento durante o período especificado.
Para exemplificar, toma-se a representação de uma população hipotética de
São Paulo (Figura 3), na qual se deseja saber qual é a prevalência da doença
em janeiro de 2010. Sabe-se que existem 6 indivíduos doentes (6, 9, 13, 14,
22 e 29) para uma população de 35 indivíduos. A prevalência pontual da
doença no ano de 2010 em São Paulo é de 17%.
Figura 3 - População de 35 indivíduos para estudar a prevalência de doença em São Paulo, em
janeiro de 2010
Importante
A incidência informa sobre a dinâmica de entrada de novos casos,
permitindo estimar o risco de adoecimento de uma população exposta. A
prevalência é uma informação fundamental para a administração e o
planejamento em saúde, uma vez que o número de atendimentos,
medicamentos e pessoas é calculado levando em conta essa medida de
frequência. Porém, a incidência é o elemento que fornece casos novos à
prevalência.
Figura 5 - Situações para verificação da relação entre prevalência e incidência: (A) entrada de casos
novos (incidência); (B) casos existentes (prevalência); (C) saída de casos (morte, cura ou perda de
acompanhamento em uma coorte)
Figura 6 - Casos de dengue segundo classificação final e semana epidemiológica de início dos
sintomas
Fonte: adaptado de Boletim sobre situação da dengue, febre de chikungunya e febre do zika vírus em
Santa Catarina (atualizado em 06/01/2016).
Franco e Passos (2005) explicam também que, no caso das doenças crônicas e
de longa duração, como o diabetes, mesmo com incidência baixa, a
prevalência tende a ser alta, pois os pacientes tendem a sobreviver por muitos
anos, havendo um acúmulo de casos ao longo do tempo, também
demonstrado no cenário 2 da Figura 5. Um bom programa de controle do
diabetes poderá resultar na elevação da prevalência dessa doença, seja por
melhorar o diagnóstico, seja por aumentar a sobrevida, elevando a duração da
doença.
Importante
Afirmar que há 95% de probabilidade de que o intervalo de confiança
inclui a prevalência (ou incidência) real não significa que:
Resumo
Introdução
As medidas de frequência são definidas a partir de 2 conceitos
epidemiológicos fundamentais, denominados “prevalência” e
“incidência”. De maneira geral, a prevalência expressa o número de
casos existentes de uma doença ou um fenômeno de interesse em um
dado momento, ao passo que a incidência se refere à frequência com que
surgem novos casos de uma doença, num intervalo de tempo. É
fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos,
bem como dos estimadores de risco vastamente utilizados na análise
desses estudos.
Incidência
Taxa de ataque
1. Introdução
Neste capítulo, serão abordados alguns indicadores mais utilizados no Brasil
para categorizar a qualidade de saúde de um determinado local.
Na área de Saúde, os “indicadores” são parâmetros utilizados
internacionalmente a fim de avaliar, do ponto de vista sanitário, a higidez de
agregados humanos, bem como fornecer subsídios aos planejamentos de
saúde, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas
do padrão sanitário de diferentes coletividades consideradas à mesma época
ou da mesma coletividade, em diversos períodos de tempo (Medronho, 2009).
Diante das inúmeras dificuldades para mensurar a saúde da população, o que
se faz é quantificar e descrever a ocorrência de determinados agravos à saúde,
doenças ou morte. Nesse caso, olha-se, então, a ausência de saúde, ou, como
habitualmente é dito, a saúde pelo seu lado negativo (Medronho, 2009).
Assim, por exemplo, um local cuja população apresente baixa frequência de
doenças e mortalidade por diversos tipos de causas será taxado de saudável.
Importante
Em sentido amplo, qualquer informação que auxilie um gestor ou
profissional da saúde na tomada de decisão em saúde poderá ser um
indicador de saúde. De forma geral, indicadores são expressos por meio da
divisão entre números.
Dica
Com a preocupação de medir o padrão de vida das coletividades humanas,
a Organização das Nações Unidas recomendou a adoção do termo “nível
de vida”, para expressar as condições atuais de vida de uma população, e o
termo “padrão de vida”, para referir-se às aspirações futuras.
2. Construção de indicadores
A - Aspectos básicos
B - Tipos de indicadores
a) Coeficientes ou taxas
Dica
Os coeficientes ou taxas são comumente utilizados para estimar o risco de
ocorrência de um problema de saúde, como adoecimento ou mesmo a
morte, em relação a determinada população suscetível, por unidade de
tempo. Em um sentido epidemiologicamente rigoroso, o conceito de risco
está atrelado (na verdade, é sinônimo) da incidência de uma determinada
condição. Entretanto, para fins de medicina preventiva e descritiva, o
coeficiente de prevalência, por incluir, no denominador, a população que
estaria sujeita a sofrer o evento, também pode trazer a ideia de risco,
embora não seja o risco em si.
Repare que foi realizado um cálculo muito simples: o número de mortes por
AIDS em 2014 foi dividido pelo tamanho da população do Brasil e de cada
região, respectivamente (o coeficiente está na base 105/105; ou seja, o
produto dessa divisão foi multiplicado por 100.000/100.000 habitantes). Note,
também, que agora existe uma dimensão bem definida para as mortes, pois
estão relacionadas à população geral do país e de cada região. Um bom
exemplo da aplicabilidade desse indicador pode ser visto a seguir (Tabela 2):
os casos de mortalidade por AIDS no Norte do Brasil têm mais
representatividade do que os do Nordeste, apesar de terem ocorrido mais
óbitos nessa última região. O mesmo fato pode ser observado entre o Sul e o
Sudeste do país.
Dica
Em linhas gerais, as proporções representam a “fatia da pizza” do total de
casos ou mortes, indicando a importância desses casos ou mortes no
conjunto total.
No caso da proporção, será utilizado um exemplo bem simples, que trará uma
nova dimensão para aqueles óbitos por AIDS absolutos apresentados junto à
Tabela 1. Será aplicado o indicador que poderá ser denominado de
mortalidade proporcional por AIDS (F2) – lembre-se de que poderia ser por
qualquer outra causa. O procedimento de cálculo é: divisão do número de
óbitos por AIDS para cada região e para o país pelo total de óbitos ocorridos
em cada região e no país no mesmo ano.
Veja que, no ano de 2009, a proporção de óbitos por AIDS no Brasil foi de
cerca de 1%, relativamente mais relevante nas regiões Sul e Norte do país
(Tabela 3). Já no caso da razão causa externa/AIDS, são 11,7 óbitos por
causas externas para 1 de AIDS no país; a região com maior razão foi o
Nordeste, com 19 mortes por causas externas para 1 de AIDS (Tabela 4).
Para chegar a este último procedimento, partiu-se dos números absolutos de
óbitos por AIDS no ano de 2009, que não tinham valor avaliativo ou
comparativo. Foi feita, então, sob uma ótica mais prática, uma relação desses
números com outros de interesse (por meio de coeficientes e índices), fato que
conferiu um caráter avaliativo e possibilitou a comparação entre as diferentes
regiões do Brasil.
De maneira genérica, assim são planejados e montados os indicadores de
saúde. Vale ressaltar que existe uma diferença considerável entre coeficientes
(ou taxas) e proporções.
Importante
Proporções não expressam uma probabilidade (ou risco) como os
coeficientes, pois o que está contido no denominador não está sujeito ao
risco de sofrer o evento descrito no numerador (Laurenti et al., 1987).
Importante
Como o uso de um único indicador não possibilita o conhecimento da
realidade epidemiológica de uma população, a associação de vários deles e,
ainda, a comparação entre diferentes indicadores nos ajuda a compreender
a importância de um processo patológico ou se determinada intervenção foi
positiva.
Importante
Os indicadores expressos por coeficientes mais importantes são estatísticas
de mortalidade e permitem inferir as condições de saúde de uma
população, uma vez que possibilitam identificar grupos mais afetados por
determinados agravos à saúde. Diante dessa informação, é possível
reconhecer os problemas prioritários da população e alocar recursos para
ações e intervenções nesses problemas. Permitem, ainda, avaliar a eficácia
dessas ações e intervenções.
Importante
Para minimizar as distorções em estudos comparativos e evitar
interpretações errôneas, recomenda-se padronizar as taxas. Com o ajuste
das faixas etárias a um padrão estabelecido pela Organização Mundial da
Saúde, fala-se em coeficiente de mortalidade padronizado. Logo, pode-se
afirmar que este, quando disponível, é mais adequado para comparações,
em detrimento do coeficiente de mortalidade geral.
c) Coeficiente de letalidade
Dica
O coeficiente de letalidade, também chamado coeficiente de fatalidade,
mede o poder de determinada doença de levar ou não o indivíduo
acometido ao óbito. Permite avaliar, portanto, a gravidade do processo.
Sabe-se que a raiva humana, por exemplo, é uma doença de taxa de letalidade
superior a 99%, ou seja, morre quase todo indivíduo que apresenta
diagnóstico confirmado de raiva. Porém, trata-se de uma doença rara; logo, há
poucos óbitos, e sua mortalidade, portanto, é baixa. O CL não é estável, ou
seja, apresentará resultados diferentes a depender da população a ser avaliada.
A Tabela 7 traz os CLs para algumas doenças. O coeficiente de acidente por
animais peçonhentos, nesse caso, foi de 0,3%, porém, se não existir
assistência médica adequada e/ou soro para o indivíduo acidentado, até
mesmo os casos menos graves poderão evoluir para morte. Assim, a
letalidade depende de questões como a situação do hospedeiro, a
potencialidade do agente etiológico em levá-lo a óbito e o atendimento à
saúde que o indivíduo receber.
Importante
A divisão da mortalidade infantil em mortalidade neonatal precoce,
neonatal tardia e pós-neonatal é relevante para a identificação dos locais de
atendimento deficitários causadores das mortes. Espera-se que altas taxas
de mortalidade neonatal precoce estejam associadas a uma má qualidade
do pré-natal e do parto; já altas taxas de mortalidade neonatal tardia têm
relação com a qualidade assistencial pediátrica intra e extra-hospitalar; a
mortalidade pós-neonatal, por sua vez, está ligada a alterações
socioeconômicas e ambientais, como saneamento básico e vacinação, por
exemplo.
Importante
A morte materna é considerada “perda evitável”. Elevadas razões desse
indicador refletem o baixo nível de condições da saúde da mulher, e ele é
empregado como “sentinela” para indicar a qualidade dos cuidados
oferecidos à população.
Figura 8 - Evolução da mortalidade materna (100.000 nascidos vivos) e suas principais causas
Fonte: Observatório Brasil da igualdade de gênero.
Dica
O índice de mortalidade infantil proporcional permite avaliar indiretamente
as condições sanitárias da região estudada.
b) Índice de Swaroop-Uemura
Importante
Quanto maior o valor do índice de Swaroop-Uemura, melhores as
condições socioeconômicas e de saúde de uma população. Esse índice é
um bom indicador das condições de vida de uma população.
1º nível: ≥75%;
2º nível: de 50 a 74%;
3º nível: de 25 a 49%;
4º nível: <25%.
Importante
No último relatório Saúde Brasil (Ministério da Saúde, 2015/2016), o
Ministério da Saúde divulgou que o Brasil apresentou um índice de
Swaroop-Uemura de 75,23%, ou seja, 1º nível, no ano de 2015/2016. Os
relatórios prévios não eram claros quanto ao nível em que o Brasil se
situava, porque os dados de 2007 indicavam que o país estava no 2º nível,
mas acreditava-se já estar no primeiro. Portanto, caso alguma questão
pergunte sobre em que nível o país se situa, fique atento se ela está
questionando sobre os anos de 2015/2016 (1º nível) ou se está se baseando
nos relatórios antigos (2º nível).
Para esse indicador, o Brasil, em geral, apresenta uma curva do tipo III (em
forma de U) em transição para o nível IV, o que sugere nível de saúde regular
(elevada proporção de mortes em menores de 1 ano e acima de 50) evoluindo
para elevado (predomínio da mortalidade acima dos 50 anos). Contudo, existe
uma variação interessante entre as macrorregiões: Sudeste e Sul apresentam
uma tendência a J, ao passo que Norte e Nordeste têm uma característica de U
mais acentuada (Figura 10). A última curva de Nelson de Moraes do Brasil,
juntamente com a curva em indígenas, foi divulgada pelo Ministério da Saúde
em 2017, e seu resultado está representado na Figura 11.
Figura 10 - Curva de Nelson de Moraes, no Brasil e em grandes regiões, para o ano de 2007
Importante
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), o
coeficiente de fecundidade poderia ser visto como uma maneira de
expressar o número médio de filhos que uma mulher teria ao final de sua
idade reprodutiva, além de ser um indicador importante no estudo e na
análise da transição demográfica.
O coeficiente de fecundidade também pode ser especificado por idade, sendo
chamado de coeficiente de fecundidade específico. Este é o indicador que
relaciona o número de nascidos vivos referidos a uma determinada idade da
mãe com o número total de mulheres, na mesma idade (F20). A partir do
coeficiente de fecundidade específico, é estimado o coeficiente de
fecundidade total, muito empregado em comparações populacionais, obtido
pela soma dos coeficientes de fecundidade específicos, por idade, com o
objetivo de eliminar a influência da pirâmide etária no indicador (Pereira,
2002).
Importante
Em termos comparativos, a taxa de fecundidade geral fornece uma noção
mais apropriada da geração de filhos na população do que a taxa de
natalidade. Contudo, também tem limitações na comparação de populações
cujas estruturas etárias das mulheres em “período reprodutivo” sejam
diferentes – essa é a razão de seu desuso. Na prática, são muito usados os
coeficientes de fecundidade específicos por idade e, principalmente, o
coeficiente de fecundidade total (Pereira, 2002).
b) Esperança de vida
Importante
Sob uma ótica prática, a expectativa de vida ao nascer indica o número
médio de anos que um indivíduo tem de probabilidade de viver, a partir de
determinada idade considerada, supondo que os coeficientes de
mortalidade permaneçam os mesmos no futuro.
Importante
Os anos potenciais de vida perdidos formam um indicador muito útil na
área de Planejamento em Saúde, pois expressam o efeito das mortes
ocorridas precocemente em relação à duração de vida esperada para uma
determinada população, permitindo comparar a importância relativa que as
diferentes causas de morte têm nessa população. Quanto maior esse índice,
pior a situação de saúde da região ou do país avaliado. No Brasil, a
principal causa de “anos de vida perdidos” na população masculina foram
as causas violentas.
Figura 13 - Número de anos de vida perdidos para homens, segundo grupo de causas no Brasil
(1996-2005)
Fonte: adaptado de IBGE, 2009b.
Resumo
Dinâmica de transmissão e
distribuição de doenças
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
As doenças humanas provenientes da relação entre hospedeiro (pessoa),
agente (bactéria, vírus ou outro agente) e meio ambiente (alimentos ou água
contaminados) resultam de uma interação entre fatores biológicos e
ambientais, com o equilíbrio exato variando conforme as diferentes doenças
(embora algumas sejam de origens amplamente genéticas). Muitos dos
princípios subjacentes que fundamentam a transmissão das doenças são mais
claramente demonstrados utilizando-se doenças transmissíveis como modelo.
Contudo, os conceitos discutidos podem ser extrapolados para doenças não
infecciosas ou mesmo para outros agravos à saúde (Gordis, 2010).
Dica
As doenças são descritas como resultado de uma tríade epidemiológica, ou
seja, um produto de interação de um hospedeiro humano, um agente
infeccioso (ou de outro tipo) e um ambiente que promova a exposição.
Figura 2 - Evolução temporal dos fatores de risco para doenças crônicas nas capitais brasileiras,
segundo dados do Ministério da Saúde: (v. a.) variação anual média, em pontos percentuais
Fonte: Brasil, 2017.
Figura 3 - Determinantes subjacentes da saúde e seu impacto sobre as doenças não crônicas
transmissíveis
Fonte: adaptado de Epidemiologia Básica, 2ª edição.
3. Distribuição temporal
Importante
O estudo da distribuição temporal pode fornecer inúmeras informações
fundamentais para compreensão, previsão, busca etiológica, prevenção de
doenças e avaliação dos impactos de intervenções em saúde (Medronho;
Perez, 2009).
Importante
Embora os estudos de distribuição temporal sejam vastamente discutidos
na área das doenças infecciosas e parasitárias, sobretudo as transmissíveis,
pode-se afirmar que não se trata de uma aplicação exclusiva. A
monitorização e a avaliação de doenças crônicas não transmissíveis, bem
como de outros agravos à saúde (causas externas, como acidentes,
desastres, fatores contribuintes para o aparecimento de doenças), podem
ser uma ótima ferramenta para a vigilância em saúde.
Figura 4 - Evolução do número de casos de poliomielite e da cobertura vacinal entre 1980 e 2014
Fonte: Família SBIm. Vacinas poliomielite.
A análise de um conjunto de observações sequenciais no tempo pode conter
flutuações aleatórias (ao acaso), de modo que é importante tentar detectar,
além das possíveis variações aleatórias, os 4 tipos de evolução principal das
doenças: tendência histórica, variações cíclicas, variações sazonais e
variações irregulares (Medronho; Perez, 2009).
Dica
A análise de tendência de uma doença deve levar em consideração as
possíveis modificações nos critérios diagnósticos, na terminologia da
doença, nas taxas de letalidade etc. Entretanto, muitas vezes, é necessária a
observação de uma doença ao longo de décadas para traçar o perfil
esperado para a conjuntura atual (Medronho; Perez, 2009).
Figura 5 - Mortalidade para os principais locais de câncer em homens e mulheres, de 1980 a 2006
5. Variações cíclicas
Importante
As variações cíclicas são aquelas com ciclos periódicos e regulares. As
mudanças cíclicas no comportamento de doenças são recorrências nas suas
incidências, que podem ser anuais ou ter periodicidade mensal ou semanal.
Na variação cíclica, portanto, um dado padrão é repetido de intervalo a
intervalo (Brasil, 2005). Outros autores consideram como variação cíclica
as flutuações na incidência em períodos maiores do que 1 ano (Medronho;
Perez, 2009).
Na Figura 6, apresentam-se as taxas de incidência e mortalidade de sarampo
no estado do Paraná, entre 1965 e 2004. Repare que, entre 1965 e 1988, a
incidência da doença segue um padrão de flutuação que parece se repetir a
cada 3 anos, ao passo que a mortalidade mostra baixa variação.
Esse processo pode ser explicado pelo nascimento de crianças suscetíveis,
cujo acúmulo vai provocar aumento progressivo no número de casos da
doença. Note que, a partir do ano de 1992, quando foi implementado o Plano
Nacional de Eliminação do Sarampo e o Ministério da Saúde utilizou
estratégias para o controle, entre elas a vacinação de crianças e adolescentes
de 9 meses a 14 anos, por intermédio de campanha de vacinação em massa, a
incidência da doença diminuiu significativamente, pois não havia mais
suscetíveis para contrair o vírus e desenvolver a doença.
6. Variações sazonais
As variações sazonais ocorrem quando a incidência das doenças sempre
aumenta, periodicamente, em algumas épocas ou estações do ano, meses, dias
da semana ou em horas do dia. Por exemplo, a dengue (nas épocas quentes do
ano) e os acidentes de trânsito (horas de muita movimentação urbana –
deslocamento para o trabalho ou para a escola). Com relação às doenças com
variação estacional, deve-se conhecer o nível endêmico: se há aumento
normal em certa época do ano, ele não pode ser confundido com uma
epidemia.
Sabe-se que as doenças infecciosas agudas constituem um exemplo claro
dessas variações. Entretanto, o aparecimento de alguns sintomas de
determinadas doenças crônicas (por exemplo, doença pulmonar obstrutiva
crônica), fenômenos demográficos (nascimentos) e a mortalidade por certas
causas específicas, como acidentes de trabalho, também podem apresentar
variações sazonais (Medronho; Perez, 2009).
Um bom exemplo desse tipo de variação são os acidentes com animais
peçonhentos, sobretudo com ofídicos. A distribuição mensal dos casos (Figura
7) segue padrão encontrado nos demais estados das regiões Sul e Sudeste,
onde é verificada uma sazonalidade marcada pela predominância dos casos
nos meses quentes e chuvosos de setembro a março, confirmando que a
ocorrência do acidente ofídico está, geralmente, relacionada a fatores
climáticos e ao aumento da atividade humana nos trabalhos do campo, nessa
época do ano (Brasil, 2005).
Figura 7 - Número de casos de acidentes ofídicos segundo o mês de ocorrência no estado do Paraná,
Brasil, de 1997 a 2002
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2005.
7. Variações irregulares
Importante
Existem procedimentos para reconhecer se a variação de determinada
doença está dentro do esperado (variação cíclica e/ou sazonal). Esse fato
pode ser chamado de endemia, ou seja, a doença tem um padrão de
ocorrência endêmico. Caso exista variação irregular, superando a
frequência esperada, poderia ser caracterizada, então, uma epidemia.
B - Endemia
Dica
As doenças são chamadas de endêmicas quando, em uma área geográfica
ou um grupo populacional, apresentam padrão de ocorrência relativamente
estável, com incidência ou prevalência acima de zero.
C - Epidemia
Importante
Ao descrever uma epidemia, devem ser especificados o período, a região
geográfica e outras particularidades da população em que os casos
ocorreram. O número de casos necessários para definir uma epidemia varia
de acordo com o agente, o tamanho, o tipo e a suscetibilidade da população
exposta e o momento e o local da ocorrência da doença (Beaglehole;
Bonita; Kjellström, 2010).
Figura 8 - Doença endêmica versus doença epidêmica
Fonte: adaptado de Epidemiologia, 4ª edição.
Dica
Graficamente, uma epidemia se expressa como curva anormal em relação à
ocorrência esperada, chamada curva epidêmica.
Sinnecker (1976) discorre sobre alguns elementos dessa curva que merecem
destaque, uma vez que podem auxiliar na classificação do tipo de epidemia e
no seu controle (Figura 13).
Figura 13 - Elementos da curva epidêmica
Importante
Uma endemia caracteriza-se por ser temporalmente ilimitada; a epidemia,
ao contrário, é restrita a um intervalo de tempo marcado por começo e fim
– bem definidos – com retorno das medidas de incidência aos patamares
endêmicos observados antes da ocorrência epidêmica. Esse intervalo de
tempo pode abranger poucas horas ou estender-se a anos ou décadas.
Foi visto, até aqui, que uma epidemia se refere a uma alteração, espacial e
cronologicamente delimitada, do estado de saúde-doença de uma população,
que se caracteriza pelo aumento progressivo, inesperado e descontrolado dos
coeficientes de incidência de determinada doença, ultrapassando o limiar
epidêmico preestabelecido.
Dica
Existem 2 aspectos básicos para a diferenciação das epidemias: o primeiro
diz respeito à velocidade com a qual ocorre o processo epidêmico,
classificando estas em epidemias lentas e explosivas; e o segundo se refere
à fonte ou origem da contaminação e divide-as em fonte comum (pontual
ou persistente) ou fonte progressiva ou propagada (Brasil, 2005).
Resumo
Vigilância em saúde com ênfase
em vigilância epidemiológica
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
A vigilância em saúde visa à observação e análise permanentes da situação de
saúde da população, articulando-se em um conjunto de ações destinadas a
controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em
determinados territórios e garantindo a integralidade da atenção, o que inclui
tanto a abordagem individual quanto coletiva dos problemas de saúde. O
conceito de vigilância em saúde inclui:
Dica
Os componentes concretos da vigilância em saúde são Vigilância
Epidemiológica, Vigilância da Situação de Saúde, Vigilância em Saúde
Ambiental, Vigilância em Saúde do Trabalhador e Vigilância Sanitária.
Importante
Um aspecto fundamental da vigilância em saúde é o cuidado integral com a
saúde das pessoas por meio da “promoção da saúde”, que objetiva
promover a qualidade de vida, criando condições para reduzir a
vulnerabilidade e os riscos à saúde da população, relacionados aos seus
determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho,
habitação, ambiente, educação, lazer, cultura e acesso a bens e serviços
essenciais.
As ações específicas da vigilância em saúde são voltadas para alimentação
saudável, prática corpórea/atividade física, prevenção e controle do
tabagismo, redução da morbimortalidade em decorrência do uso de álcool e
outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito,
prevenção da violência e estímulo à cultura da paz, além da promoção do
desenvolvimento sustentável.
No início de 2003, como parte das medidas de reestruturação do Ministério da
Saúde, foi criada a SVS, após a extinção de 3 secretarias cujas atribuições
foram redistribuídas entre as 5 que as substituíram, o que visava reduzir a
fragmentação das ações e conferir maior organicidade à atuação do referido
órgão. As atribuições das novas estruturas foram regulamentadas pelo Decreto
nº 4.726, de 09.06.2003, que estabeleceu a nova Estrutura Regimental Básica
(Brasil, 2003).
A partir de então, a coordenação das atividades de vigilância epidemiológica e
de controle de doenças, anteriormente sob responsabilidade do CENEPI da
Fundação Nacional de Saúde (Sinete/Funasa), foi transferida para a nova
estrutura, vinculada à administração direta do Ministério da Saúde (Figura 3).
Essa nova estrutura reuniu todas as secretarias responsáveis pelos
componentes básicos da vigilância, permitindo maior flexibilidade e
articulação entre eles (Brasil, 2006).
3. Vigilância Epidemiológica
A - Conceitos e propósitos
Importante
A Vigilância Epidemiológica refere-se a um conjunto de atividades que
proporciona a obtenção de informações fundamentais para o conhecimento
e a detecção ou a prevenção de qualquer mudança que possa ocorrer nos
fatores que determinam e condicionam o processo saúde-doença, em nível
individual ou coletivo, com o objetivo de recomendar e adotar de forma
oportuna as medidas de prevenção e controle dos agravos. Portanto, pode
ser entendida como a obtenção de informação para a ação (Fischmann,
1994; Alvanha et al., 2001).
Dica
As ações de vigilância epidemiológica aplicam-se, em geral, às doenças
transmissíveis, mas podem ser estendidas às doenças não transmissíveis
(anomalias congênitas, desnutrição, doenças crônico-degenerativas etc.) e a
outros agravos (acidentes e violências).
B - Bases históricas
No Brasil, a preocupação do Estado com doenças transmissíveis e seu
controle ocorreu, primeiramente, no início do século XX, com a realização de
campanhas sanitárias que buscavam combater, principalmente, doenças que
comprometiam a atividade econômica, como febre amarela, peste e varíola.
Foi na década de 1950 que a expressão “vigilância epidemiológica” foi
aplicada ao controle de doenças transmissíveis; significava, originalmente,
“observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou confirmados de doenças
transmissíveis e de seus contatos”. Em 1963, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) toma partido do assunto, divulgando algumas das principais
ações de vigilância. No Brasil, o desenvolvimento da Vigilância
Epidemiológica como um sistema tem aspectos semelhantes ao entendido
pela OMS (Tabela 2).
A Campanha de Erradicação da Varíola – CEV (1966 a 1973) – é reconhecida
como marco da institucionalização das ações de vigilância no país, tendo
fomentado e apoiado a organização de unidades de Vigilância Epidemiológica
na estrutura das secretarias estaduais de saúde. Tal processo fundamentou a
consolidação de bases técnicas e operacionais que possibilitaram o posterior
desenvolvimento de ações de grande impacto no controle de doenças
evitáveis por imunização. O principal êxito relacionado a esse esforço foi o
controle da poliomielite no Brasil, na década de 1980, que abriu perspectivas
para a erradicação da doença no continente americano, finalmente alcançada
em 1994.
O SUS incorporou o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
(SNVE), definindo a Vigilância Epidemiológica, em seu texto legal (Lei nº
8.080/90), como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a
detecção ou a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos”.
Importante
Cada sistema de vigilância será responsável pelo acompanhamento
contínuo de específicos eventos adversos à saúde, com o objetivo de
estabelecer as bases técnicas e as normas para a elaboração e a
implementação dos respectivos programas de controle.
C - Funções
Importante
A Vigilância Epidemiológica tem como propósito primordial fornecer
orientação técnica permanente para os profissionais de saúde, que têm a
responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de
doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações
atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças e agravos, bem como sobre
os fatores que os condicionam, numa área geográfica ou população
definida.
D - Coleta de dados
Dica
De acordo com o método de coleta de dados, podemos realizar inquéritos,
levantamentos ou investigações epidemiológicas. Inquéritos são realizados
quando dados são sistematicamente coletados (por telefone, questionários,
face a face, serviços postais), porém o método experimental não é usado.
Inquéritos são, por definição, um estudo transversal. Levantamentos são
estudos realizados com base nos dados existentes nos registros dos serviços
de saúde ou de outras instituições. Normalmente não são estudos
amostrais, pois envolvem toda uma população específica. Investigações
são, por sua vez, um processo de pesquisa de campo realizado a partir dos
casos notificados (suspeitos ou confirmados). O objetivo é identificar a
fonte de infecção e o modo de transmissão, os grupos expostos a maior
risco e os fatores de risco, bem como confirmar o diagnóstico e determinar
as principais características epidemiológicas.
a) Fonte de dados
Dica
Para obter os dados, a Secretaria de Vigilância em Saúde lança mão de
alguns meios, como a notificação compulsória, os prontuários médicos,
atestados de óbito, resultados de exames laboratoriais e dados dos bancos
de sangue, investigação de novos casos de uma doença e epidemias,
inquéritos comunitários, notícias veiculadas pela imprensa, sistemas-
sentinela, e faz uma busca ativa das doenças ou agravos da saúde.
b) Tipos de dados
Dica
Os tipos de dados obtidos incluem dados demográficos, ambientais e
socioeconômicos, dados sobre morbidade e mortalidade, e as notificações
de emergências de saúde pública, surtos e epidemias.
E - Processamento dos dados coletados
Definir ações que podem ser realizadas para controlar e/ou eliminar e/ou
erradicar o agravo e/ou reduzir os óbitos por esse agravo e/ou reduzir ou
evitar sequelas por esse agravo etc. Ou seja, a partir da informação, é
elaborada a ação que permitirá o desenvolvimento das funções da Vigilância
Epidemiológica: essencialmente, reduzir as taxas de morbimortalidade pelo
agravo em questão.
Importante
No Brasil, a determinação de quais doenças devem estar presentes na Lista
Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória é
responsabilidade do Ministério da Saúde. Habitualmente, essa lista
contempla as doenças sujeitas ao Regulamento Sanitário Internacional
(RSI) e doenças que são objetos de vigilância da Organização Mundial da
Saúde que apresentam importância epidemiológica no país. Além disso,
podem fazer parte dessa lista doenças de particular importância para a
saúde pública (que necessitam de investigação epidemiológica ou medidas
de controle imediatas).
a) Magnitude
b) Potencial de disseminação
c) Transcendência
d) Vulnerabilidade
e) Compromisso internacional
D - Notificação negativa
Importante
A Vigilância em Doenças Crônicas Não Transmissíveis reúne o conjunto
de ações que possibilitam conhecer a distribuição, a magnitude e a
tendência dessas doenças e de seus fatores de risco na população,
identificando seus condicionantes sociais, econômicos e ambientais, com o
objetivo de subsidiar o planejamento, a execução e a avaliação da
prevenção e do controle delas. A prevenção e o controle dessas doenças e
dos seus fatores de risco são fundamentais para evitar o crescimento
epidêmico delas e suas consequências nefastas para a qualidade de vida e
para o sistema de saúde no país (Brasil, 2005).
Resumo
Transição epidemiológica,
demográfica e nutricional
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Neste capítulo, um panorama da situação brasileira será apresentado em 2
aspectos: epidemiológico (frequência de doenças e mortalidade) e
demográfico (perfil da população – idade, fecundidade, entre outros). Estudar
esse panorama é uma possibilidade de compreender não somente o processo
pelo qual passou o perfil de morbimortalidade nesse último século, mas,
sobretudo, de estar preparado para o constante processo de modificação que
continuará a acompanhar a população de maneira variável.
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante o século
passado ainda provocam mudanças importantes no perfil de ocorrência das
doenças na população (Brasil, 2011). As mudanças nos níveis de mortalidade
têm efeito sobre o ritmo de crescimento populacional e afetam
significativamente a composição etária, levando a um processo de
envelhecimento que aumenta o peso relativo da população idosa. Isso
favorece a ocorrência das doenças crônicas e degenerativas, como as
neoplasias e as doenças de aparelho circulatório, e modifica a estrutura de
mortalidade, segundo a causa de óbito (Monteiro, 2000).
Importante
O processo de transição demográfica, com queda nas taxas de fecundidade
e natalidade, e o progressivo aumento na proporção de idosos (diminuição
das taxas de mortalidade) favoreceram o aumento das doenças crônico-
degenerativas (doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, doenças
respiratórias). A transição nutricional, com diminuição expressiva da
desnutrição e aumento do número de pessoas com excesso de peso
(sobrepeso e obesidade), e o aumento dos traumas decorrentes das causas
externas – violências, acidentes e envenenamentos – foram os fatores
responsáveis pelo cenário de mudança que vivenciamos na Epidemiologia
Médica (Brasil, 2011).
Na 1ª metade do século XX, as doenças infecciosas transmissíveis eram as
causas mais frequentes de morte. A partir de 1960, as Doenças e Agravos Não
Transmissíveis (DANTs) passaram a assumir esse papel (Brasil, 2011).
Projeções para as próximas décadas apontam para crescimento epidêmico das
DANTs na maioria dos países em desenvolvimento, em particular das doenças
cardiovasculares, neoplasias e diabetes tipo 2. Essas doenças respondem pelas
maiores taxas de morbimortalidade e por cerca de mais de 70% dos gastos
assistenciais com a saúde no Brasil, com tendência crescente. Assim, o
desenvolvimento de estratégias para o controle das DANTs tornou-se uma das
prioridades para o Sistema Único de Saúde (SUS). A vigilância
epidemiológica das DANTs e dos seus fatores de risco é fundamental para a
implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e ao controle
(Brasil, 2011).
2. Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, ficou claro que o desenvolvimento
econômico produz 2 efeitos sobre a população: a) reduz as taxas de
mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil, em particular, e possibilita o
aumento da esperança de vida da população; b) depois de certo tempo do
início da queda da mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a
cair, provocando a diminuição do tamanho das famílias (Alves; Cavenaghi,
2008).
Esse fenômeno, típico do século XX, foi chamado de “transição
demográfica”. Um ganho inequívoco foi que a expectativa de vida média da
população mundial dobrou em 10 décadas, passando de cerca de 30 anos, em
1900, para mais de 60 anos, em 2000. Nunca, na história, uma melhora das
condições de saúde dessa magnitude havia acontecido. No mesmo período,
um fenômeno social sem precedentes aconteceu com as taxas de fecundidade
do mundo, reduzidas pela metade, passando de menos do que 6 filhos por
mulher, em 1900, para cerca de 2,8 filhos, em 2000 (Alves; Cavenaghi, 2008).
O modelo de transição demográfica mais difundido foi proposto por Warren
Thompson, em 1929. Com relação a este, Vermelho e Monteiro (2009)
explicam que, inicialmente, ocorre a queda de mortalidade, que irá produzir
ganho de vidas humanas em todas as idades, podendo não alterar a estrutura
etária de uma população. O fator decisivo para o envelhecimento de uma
população é a queda da fecundidade, isto é, a diminuição relativa de
contingentes populacionais nas faixas etárias mais jovens e a ampliação da
população nas faixas etárias mais idosas. Assim, são identificados 4 estágios
da transição demográfica (Tabela 1 e Figura 1).
Figura 1 - Etapas da transição demográfica: a linha verde refere-se à taxa de natalidade; a linha
roxa, à taxa de mortalidade e a linha laranja, à população total. O preenchimento azul entre as
linhas verde e roxa resulta no crescimento natural da população
Fonte: Our World in Data.
Importante
No Brasil, a partir do fim da década de 1960, a redução da fecundidade
(que influencia a natalidade), que se iniciou nos grupos populacionais mais
privilegiados e nas regiões mais desenvolvidas, generalizou-se rapidamente
e desencadeou o processo de transição da estrutura etária, que levará,
provavelmente, a uma nova população quase estável, mas dessa vez com
perfil envelhecido e ritmo de crescimento baixíssimo, talvez negativo
(Carvalho; Rodríguez-Wong, 2008). Uma das principais justificativas para
a queda da taxa de fecundidade é a mudança do perfil do público feminino
perante a sociedade, passando do papel predominantemente de mãe/esposa
ao de parte da classe trabalhadora.
Dica
É frequente que as provas de concursos médicos cobrem a tendência dos
principais indicadores demográficos do Brasil. De modo geral, deve-se
ressaltar que a transição demográfica ocorre devido a um aumento da
esperança de vida, do índice de envelhecimento e da população urbana, e
diminuição da taxa de fecundidade, taxa de natalidade e taxas de
mortalidade. Um indicador paradoxal com a transição demográfica do
Brasil, também frequente em provas, é o aumento da gravidez na
adolescência.
Dica
A estrutura etária atual é marcada por grande proporção de mulheres em
idade reprodutiva, o que favorece o crescimento populacional, apesar dos
baixos níveis de fecundidade atualmente prevalentes (Rodríguez-Wong;
Carvalho, 2006). Devido a isso, ainda se deve esperar um crescimento
expressivo da população brasileira nas próximas décadas, em razão dos
efeitos da fecundidade passada sobre a estrutura etária da população (Brito,
2007).
3. Transição epidemiológica
Entendem-se por transição epidemiológica as mudanças ocorridas no tempo,
nos padrões de morte, na morbidade e na invalidez que caracterizam uma
população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras
transformações demográficas, sociais e econômicas (Santos-Preciado et al.,
2003; Schramm et al., 2004). Essa transição pode ser dividida em 4 principais
estágios, com um 5º em potencial (Vermelho; Monteiro, 2009), conforme
demonstrado na Tabela 2.
Sob a óptica de um dos modelos de transição epidemiológica corrente, a
chamada “transição clássica das sociedades ocidentais”, durante os últimos
200 a 300 anos, os primeiros 4 estágios ocorreram quase sequencialmente nas
sociedades do Ocidente, com apenas pequenas superposições (Vermelho;
Monteiro, 2009).
Segundo Schramm et al. (2004), o processo pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por doenças não
transmissíveis e causas externas; deslocamento da carga de morbimortalidade
dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; transformação de uma
situação em que predomina a mortalidade para outra na qual a morbidade é
dominante.
Importante
A definição da transição epidemiológica deve ser considerada componente
de um conceito mais amplo, chamado transição da saúde, que inclui
elementos das concepções e dos comportamentos sociais, correspondentes
aos aspectos básicos da saúde nas populações humanas.
Importante
Há superposição entre as etapas nas quais predominam as doenças
transmissíveis e crônico-degenerativas. A reintrodução de doenças como
dengue e cólera ou o recrudescimento de outras como a malária, a
hanseníase e as leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional
denominada contratransição. O processo não se resolve de maneira clara,
criando uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada.
4. Transição nutricional
Tanto o Brasil quanto diversos países da América Latina estão
experimentando, nos últimos 20 anos, uma transição nutricional que
acompanha as transições demográfica e epidemiológica. Chama atenção o
marcante aumento na prevalência de obesidade nos diversos subgrupos
populacionais para quase todos os países latino-americanos. Assim, a
obesidade se consolidou como agravo nutricional associado à alta incidência
de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, influenciando sobremaneira o
perfil de morbimortalidade das populações.
Estudos confirmam a magnitude crescente da obesidade em crianças,
adolescentes, adultos e mulheres em idade reprodutiva. Os determinantes são
o estilo de vida sedentário e o consumo de dietas inadequadas. A obesidade
deixou de ser um problema presente apenas nos países desenvolvidos,
passando a afetar cada vez mais os grupos populacionais menos favorecidos;
assim, passa a demandar intervenções e apoio governamental para a
implementação de ações claras para a promoção da saúde física, do controle
do peso e da ingesta de alimentos saudáveis.
Resumo
Introdução
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante
o século passado ainda provocam mudanças importantes no perfil
de ocorrência das doenças na população. Os estudiosos da
Epidemiologia acreditam que essa mudança esteja intrincada com
outros processos, sendo a modificação do perfil demográfico da
população e a evolução da Medicina diagnóstica e terapêutica os
melhores exemplos.
Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, foi ficando claro que o
desenvolvimento econômico produz 2 efeitos sobre a população: a)
reduz as taxas de mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil em
particular, e possibilita o aumento da esperança de vida da
população; b) depois de certo tempo do início da queda da
mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a cair,
provocando a diminuição do tamanho das famílias.
Transição demográfica no Brasil
A transição demográfica, no Brasil, tem sido muito mais acelerada
do que nos países desenvolvidos, sem se diferenciar, entretanto, do
que têm passado outros países latino-americanos e asiáticos. Entre
1940 e 1960, o Brasil experimentou um declínio significativo da
mortalidade, com ênfase para o coeficiente de mortalidade infantil a
partir da década de 1970. Pode-se afirmar que esse fenômeno
ocorreu de maneira desigual nas diferentes grandes regiões do país.
Nos últimos anos, por exemplo, notou-se uma queda brusca nesse
indicador para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, ao passo que
o Norte e o Nordeste ainda mantêm concentrações
significativamente elevadas.
Transição epidemiológica
O processo de transição epidemiológica pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por
doenças não transmissíveis e causas externas; deslocamento da
carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais
idosos; transformação de uma situação em que predomina a
mortalidade para outra na qual a morbidade é dominante.
Transição epidemiológica no Brasil
No Brasil, a transição epidemiológica não tem ocorrido de acordo
com o modelo experimentado pela maioria dos países
industrializados, nem mesmo por vizinhos latino-americanos, como
Chile, Cuba e Costa Rica. Há uma superposição entre as etapas nas
quais predominam as doenças transmissíveis e crônico-
degenerativas; a reintrodução de doenças como dengue e cólera ou
o recrudescimento de outras como a malária, a hanseníase e as
leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional denominada
contratransição; o processo não se resolve de maneira clara, criando
uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada; as
situações epidemiológicas de diferentes regiões em um mesmo país
tornam-se contrastantes. Atualmente, o Brasil sofre a chamada
tripla carga de doenças, caracterizada por: (1) agenda não concluída
de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; (2) o
desafio das doenças crônicas e de seus fatores de risco, como o
tabagismo, o sobrepeso, a obesidade, a inatividade física, o estresse
e a alimentação inadequada; (3) o forte crescimento das causas
externas.
Bioestatística aplicada à análise
de estudos epidemiológicos
Valéria T. Baltar
Alex Jones F. Cassenote
Marília Louvison
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Você já deve ter deparado várias vezes com a seguinte frase: “Fumar causa
câncer de pulmão”. Embora a sentença tenha forte impacto, sabe-se que, do
ponto de vista epidemiológico, essa relação é falsa, uma vez que existem
pessoas que fumam e nunca desenvolverão câncer de pulmão ou qualquer
outra doença associada a esse hábito. De fato, o que existe é uma relação que
começou a ser demonstrada a partir da década de 1950 pelos famosos
trabalhos de Doll e Hill (1950-1954). Esses estudos, além de evidenciarem a
íntima relação tabaco versus câncer de pulmão, demonstraram a
correspondência entre o aparecimento da neoplasia do pulmão e a quantidade
de tabaco nos pacientes.
O pressuposto primordial para entender a discussão que será iniciada é que a
doença não surge ao acaso (aleatoriamente), ou seja, existem fatores
associados a maior ou menor frequência (prevalência ou incidência), alguns
que contribuem para o seu surgimento (fatores de risco) e outros cujo caráter
protege o indivíduo (fatores de proteção).
Para os procedimentos de análise de estudos científicos, a Epidemiologia é
servida por uma disciplina chamada Estatística, ou, mais precisamente,
Bioestatística. Segundo Pereira (2010), a Estatística é uma disciplina das
ciências formais (despida de objeto, tratando apenas de estrutura conceitual,
lógica e epistemológica do conhecimento) à qual diferentes ciências empíricas
(com objeto definido) recorrem para conhecer melhor os assuntos de seu
interesse. O prefixo “bio” para Bioestatística busca apenas dar-lhe o sentido
de aplicação às Ciências Biológicas e da Saúde, não havendo nada
conceitualmente diferente.
Em Epidemiologia, os assuntos nos quais se busca maior entendimento são as
relações que diversas variáveis do indivíduo, do tempo e do espaço
estabelecem com determinados desfechos, que, muitas vezes, são as doenças
de interesse do pesquisador, ficando explícito que o ponto central de uma
avaliação está alocado na investigação da associação e do efeito de variáveis
independentes (fatores ou variáveis de exposição) sobre uma variável
dependente (variável desfecho).
Para ilustrar essa situação, imagine o seguinte: choveu muito a noite toda e o
nível dos rios estará elevado. Existe relação direta entre as águas das chuvas e
as dos rios, ou seja, elas estão associadas. Nesse caso, seria possível, ainda,
medir a influência da variável independente (chuva) sobre a dependente (nível
dos rios) e, de certo modo, conhecer a influência que a variabilidade de uma
exerce sobre a da outra.
A associação, muitas vezes, indica que uma variável possa estar no “caminho
da causalidade” de determinado desfecho, contudo essa relação pode existir
pelo simples acaso ou por alguma distorção, como o efeito de confusão ou
algum erro sistemático. Existem, na atualidade, tratamentos adequados que
possibilitam ao pesquisador fazer essas considerações, embora outras
questões também sejam importantes para abordar em inferência causal.
Tendo em vista que a Bioestatística está servindo a Epidemiologia como uma
ferramenta aplicada, torna-se necessária a utilização de uma estrutura didática
para direcionar o leitor. Almeida Filho e Rouquayrol (2002) sugerem que as
seguintes perguntas sejam realizadas pelos interessados neste momento:
2. Classificação de variáveis
Podemos afirmar, de modo geral, que existem 2 funções primordiais da
estatística. A 1ª função é avaliar a magnitude da associação entre variáveis.
Variáveis são atributos que mudam de pessoa para pessoa, como cor dos
olhos, ser tabagista/não tabagista, níveis de colesterol etc. Magnitude da
associação é o quanto uma variável impacta outra. Por exemplo, ter história
familiar de dependência química de drogas de abuso (variável = história
familiar) aumenta em 7 vezes o risco (magnitude da associação) de ser
dependente químico de drogas de abuso (variável = ser dependente químico).
A 2ª grande função da estatística é avaliar o grau de erro amostral dos
resultados obtidos; ou seja, o quanto esses resultados são decorrentes da
aleatoriedade de não se trabalhar com uma população inteira teoricamente
infinita. O 1º passo para obter esses dados é utilizar um linguajar comum, que
permita a realização de testes estatísticos adequados para cada situação. Desse
modo, precisamos classificar as variáveis para a escolha do teste estatístico.
Existem 2 grandes classificações de variáveis, com funções diferentes,
explicitadas nas Tabelas 1 e 2.
Dica
Se você deparar com uma questão que pede a diferenciação entre variáveis
quantitativas ou qualitativas e ficar na dúvida, lembre-se desta dica:
variáveis quantitativas aceitam sua descrição em termos de média e desvio-
padrão. Já as variáveis qualitativas não aceitam a sua descrição dessa
maneira e precisam ser descritas em termos de porcentagem.
3. Medidas de ocorrência
Importante
Para a descrição de variáveis quantitativas contínuas e discretas, são
utilizadas as medidas de tendência central (média, mediana e moda) e de
dispersão (variância e desvio-padrão).
Dica
A média indica em torno de que valor as observações estão concentradas se
a distribuição for simétrica. Exemplo: média de permanência hospitalar
geral – levará em conta dias ou meses de internação, portanto,
possivelmente, a média não refletirá a realidade da permanência hospitalar.
Nesses casos, utilizar mediana ou quartis.
b) Mediana
Dica
A mediana é o valor que divide uma sequência ordenada de dados em 2
partes iguais.
A mediana traduz o ponto de corte em que estão 50% das ocorrências (acima
ou abaixo) e pode ser obtida por meio da fórmula (F2), em que “n” se refere
ao número de observações ou tamanho da amostra avaliada.
Toma-se, novamente, a variável “glicose” para o cálculo da mediana.
PP50% = (25 + 1)/2 = 13
Sabe-se agora que o valor que corresponde ao meio da distribuição pertence
ao indivíduo 13, e a mediana se refere exatamente ao valor desse indivíduo,
120mg/dL. Repare que, para chegar ao 13º indivíduo, os dados foram
ordenados. Na prática, isso significa que 50% dos valores de glicose
existentes estão aquém e além de 120mg/dL.
Podem ocorrer situações em que o número de observações é par, ou seja, a
distribuição não tem ponto médio. Nesse caso, a média dos 2 valores centrais
resultará na mediana. Imagine que, no exemplo da Tabela 4, o último
indivíduo não existisse; a amostra total seria de 24 indivíduos, a posição
resultante seria 12,5 (24 + 1/2), e a mediana, 117,50 (120 + 115/2).
Por ser uma medida de posição, a mediana é útil em situações em que alguns
valores são muito maiores do que os demais, já que não é influenciada pelos
extremos da variável. Pereira (2010) explica que, entre os tantos percentis que
se podem considerar, além do 50 (mediana), comumente se utilizam o 25 e o
75, também chamados de 1º (Q1) e 3º (Q3) quartis.
c) Moda
Dica
A moda indica o valor que aparece o maior número de vezes na amostra
estudada.
Figura 1 - Gráfico de barras para a variável idade (anos), mostrando que a moda é a idade de 28
anos
a) Variância
Importante
As medidas de dispersão ou variabilidade pertencem a outro grupo de
medidas utilizadas para resumir dados. Seu principal objetivo é indicar
quão diferentes são os indivíduos em uma amostra, isto é, como as
informações se distribuem em torno da média/mediana.
b) Desvio-padrão
Dica
O desvio-padrão sugere uma variação aceitável dentro da amostra
analisada, indicando a distância média das observações em relação à
média.
Dica
As medidas de associação do tipo razão funcionam como uma espécie de
quantificador de risco e apontam se um fator está associado a um desfecho,
podendo aquele ser chamado de fator de risco ou de proteção.
Importante
Tanto na razão de prevalência quanto no risco relativo ou no odds ratio, a
interpretação dos resultados para avaliar uma associação é a mesma: >1 há
associação, = 1 não há associação, e 0 a <1 há associação entre os eventos
estudados.
Em que:
Repare que a prevalência da lesão entre os indivíduos expostos foi de 83%,
enquanto nos não expostos se observou apenas 30%. Pode-se responder,
agora, por meio de uma medida de associação do tipo razão, o quão maior foi
essa relação. O estimador utilizado é denominado RP, uma vez que trata da
razão (divisão) entre as prevalências observadas em ambos os grupos (F6).
Segundo Coutinho, Scazufca e Menezes (2008), esse é o estimador clássico
dos estudos de prevalência.
Em que:
Repare que, operacionalmente, não existe nenhuma diferença entre o cálculo
de RR e RP. Ambos se referem a uma divisão ou razão (de probabilidades),
contudo o que deve estar totalmente claro é que o RR só será utilizado quando
a medida de frequência da pesquisa for incidência (risco de tornar-se doente)
e o RP quando tratar-se de prevalência (probabilidade de estar doente).
A medida de RR, aplicada sobre os dados hipotéticos de exposição a drogas
injetáveis (Tabela 10), resultou em 4, sugerindo que a incidência de hepatite B
entre os indivíduos que usavam drogas, em relação aos que não usavam, foi
de 4 vezes. Como o estimador resultou em valor superior a 1, pode-se afirmar,
então, que se expor a drogas injetáveis oferece 3 vezes mais risco de contrair
hepatite B do que não se expor ao fator; a exposição pode, então, ser
considerada um fator de risco.
RR = 0,2/0,05 = 4
Dica
Quando se trabalha com incidência, como nos estudos de coorte, as
medidas de associação mais utilizadas são o risco atribuível, o risco
atribuível na população e a fração atribuível na população.
Importante
O risco atribuível sinaliza a parcela do risco a que está exposto um grupo
da amostra e pode ser atribuída somente ao fator estudado, excluindo
outros fatores, sendo por isso um indicador usado no planejamento dos
programas de controle de doenças, bem como na avaliação de impacto
desses programas.
Esses estimadores populacionais (RAp e FAp) não são muito utilizados, uma
vez que são necessárias algumas medidas populacionais. Na prática, podem
ser úteis, porque mostram o impacto de uma exposição da óptica populacional
e, desse modo, podem ser utilizados para estimar a queda no número de casos
da doença ou desfecho, caso seja eliminado (ou neutralizado) o fator de
exposição estudado.
Já com relação aos estimadores individuais, o RR é mais usado do que o RA,
pois ressalta a força da relação em vez de medir a diferença em termos de
riscos. Por outro lado, o RA indica o excesso de risco que poderia ter sido
evitado, caso não houvesse a exposição ao fator de risco.
C - Estudos clínicos
Ao tratar-se de estudos longitudinais de intervenção (ensaios clínicos),
também se pode lançar mão dos cálculos de incidência entre expostos e não
expostos à intervenção. Contudo, como o objetivo é estimar o tamanho do
efeito do tratamento, a nomenclatura deverá ser adaptada: em vez de
incidência no grupo dos expostos (Iexpostos), utilizar-se-á incidência do
evento entre os participantes tratados com a intervenção (Rt) e, no lugar de
incidência no grupo dos não expostos (Inão expostos), toma-se a incidência
do evento no grupo-controle (Rc).
Na prática, faz-se referência ao mesmo estimador utilizado nos estudos de
coorte, com uma interpretação que se adapta à nomenclatura recém-
modificada. Um RR = 1 ocorre quando não há diferença entre grupo tratado e
grupo-controle. Se o RR é superior a 1, o risco entre os tratados supera o risco
entre os controles. Se o RR é inferior a 1, a intervenção é considerada um
fator de proteção.
Outros estimadores de efeito do tratamento são frequentemente utilizados em
estudos clínicos. A Redução do Risco Relativo (RRR), a Redução Absoluta de
Risco (RAR) e o Número Necessário para Tratar (NNT) são os mais
utilizados. Todos são construídos por meio da relação de presença do
desfecho no grupo tratado em relação ao grupo-controle (Coutinho; Cunha,
2005).
A RAR representa a redução, em termos absolutos, do risco no grupo que
sofreu a intervenção de interesse, em relação ao grupo-controle que,
operacionalmente, lembra o RA utilizado em coortes. Pode ser obtida por
meio da subtração da incidência entre o grupo-controle e o tratado (F11).
A RRR é conhecida por indicar a eficácia do estudo. Enquanto a RAR indica
a diminuição absoluta, aquele estimador refere-se à diminuição do RR em
relação ao valor de não associação entre tratamento e desfecho, ou seja, 1
(F12). No caso de o tratamento provocar aumento do risco de algum evento,
tem-se o Excesso Relativo de Risco (ERR), calculado como (RR - 1) x 100.
Um modo adicional de medir o impacto de uma intervenção que vem se
tornando popular nos últimos anos é o NNT. Essa medida representa o
número de pacientes que é preciso tratar para se prevenir um evento
indesejado (como morte ou recaída). O NNT é calculado como o inverso da
RAR.
D - Estudos caso-controle
Dica
Nos estudos caso-controle, não são utilizadas medidas de frequência. Nesse
caso, o estimador de associação utilizado é o odds ratio (que é uma razão
de chance, e não probabilidade).
Em que:
Serão utilizados como exemplos os dados da Tabela 10, supondo que sejam
provenientes de estudo caso-controle e, assim, não existam medidas de
frequência. A suposição dos investigadores permanece a mesma, ou seja,
deseja-se verificar se o fator “uso de drogas injetáveis” está associado ao
desenvolvimento de “hepatite B”. As relações de chance resultam em:
5. Variáveis de confusão
As medidas de associação discutidas até aqui são chamadas brutas, pois não
consideram outras variáveis. Apesar de todos os cuidados metodológicos,
essas medidas não terão maior validade para confirmação ou refutação da
hipótese básica, caso não seja ponderada a influência de outras variáveis
capazes de confundir ou modificar a associação investigada.
Uma necessidade básica é verificar se as características entre o grupo exposto
e o não exposto são similares em relação a outros fatores/variáveis que
possam influenciar a variável de interesse (desfecho). Dessa maneira, além
dos cálculos mencionados, muitos estudos optam por estimar as medidas de
associação corrigidas ou “ajustadas” por essas variáveis que podem
influenciar os resultados (variáveis de confusão). Uma maneira simples de
verificar os fatores de confusão é o uso da análise estratificada por níveis dos
fatores de confusão. Outra forma é o uso de modelos de regressão múltiplos
incluindo esses fatores como covariáveis.
A variável de confusão está associada tanto à variável de exposição quanto ao
desfecho (Figura 4). Então, para que os coeficientes não sejam influenciados
por essas relações, é importante garantir que os grupos de expostos e não
expostos estejam equilibrados em relação a essas variáveis de confusão,
justamente o que estudos randomizados tentam fazer.
Figura 4 - Efeito da variável de confusão
A - Teste de hipótese
O uso da estatística para testar hipóteses é a maneira pela qual se verifica se o
que acontece na amostra é suficiente para rejeitar uma hipótese de nulidade
(H0, todos são iguais, não há diferença, e a razão de riscos/chances é igual a
1) e substituí-la por uma hipótese alternativa (Ha) que afirme que há
diferença, associação ou aumento/diminuição do risco.
Importante
Deve-se considerar que um teste de hipóteses não é um cálculo ou uma
conta. Há uma proposta que se refere ao fato de orientar a tomada de
decisão de aceitar ou rejeitar uma possível associação.
C - Intervalo de confiança
Importante
O intervalo de confiança define os limites inferior e superior de um
conjunto de valores com certa probabilidade de conter o valor verdadeiro,
na população, da medida analisada.
Figura 6 - Estimativa de médias e intervalos de confiança para idade em grupo de indivíduos com e
sem lesão no miocárdio
Figura 7 - Estimativa de médias e intervalos de confiança para colesterol em grupo de indivíduos
com e sem lesão no miocárdio
Importante
Quando estamos inspecionando os intervalos de confiança entre 2 ou mais
grupos, 2 situações podem ocorrer:
Vários testes estatísticos são bastante comuns na área médica. Todos fazem
uso de uma estatística e de sua respectiva distribuição amostral. O
procedimento geral do teste de hipóteses pode ser resumido nos seguintes
passos (Bussab; Morettin, 1987): Escolha do parâmetro e da hipótese a ser
testada. Por exemplo, toma-se como hipótese nula (H0) que não haja
diminuição do peso após certa dieta. Então, diferença de peso, θ = 0. Como
hipótese alternativa (Ha), tem-se o que se deseja mostrar (diferença de peso
negativa), ou seja, há redução de peso após a dieta, <0;
Escolha de amostra aleatória de indivíduos dessa população que farão a dieta
e terão os pesos avaliados pré e pós-dieta, com intuito de refutação de H0. A
hipótese Ha pode ser de 3 tipos, dependendo do que se busca mostrar: >, < ou
≠;
Qualquer decisão a ser considerada com relação à rejeição ou não de H0 está
sujeita a erros, e, para facilitar o entendimento, definem-se os seguintes:
f) Testes pareados
h) Regressões
i) Teste de kappa
7. Erros sistemáticos
Outro tipo de erro possível é o sistemático, também chamado viés ou bias.
Como o próprio nome aponta, trata-se de uma variação sistemática, com certo
grau de conhecimento, resultado de desvios no momento do delineamento ou
da condução (coleta e análise de dados) do estudo, produzindo um resultado
que tende a ser diferente do resultado real do efeito da exposição sobre o
desfecho. O contraponto do viés é a validade.
Hennekens e Buring (1987) comentam que há várias formas de categorizar e
nomear os diferentes tipos de vieses, que podem provocar distorções na
associação da exposição ao desfecho. Esses vieses variam, inclusive, com o
desenho metodológico adotado. Existem 3 grandes grupos de classificação de
vieses: seleção, aferição e confusão; a diferença entre eles é o momento do
estudo em que ocorre. A Figura 10 ilustra, como exemplo, um ensaio clínico
randomizado, apresentando em quais momentos os vieses acontecem.
A - Viés de seleção
Dica
O viés de seleção compreende qualquer erro na seleção da amostra a ser
estudada, comum nos estudos caso-controle.
B - Viés de aferição
C - Viés de confusão
Dica
O viés de confusão ocorre quando outra variável (que não a principal do
estudo) atrapalha a avaliação da associação entre exposição e desfecho de
um estudo.
Resumo
Análise de métodos
diagnósticos
Augusto César F. de Moraes
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Na graduação em Medicina, você aprendeu variadas técnicas de exames
físicos e anamneses que, ao que parece, o deixaram preparado para identificar
o indivíduo doente que, normalmente, dirige-se a você contando alguma
anormalidade sintomatológica, permitindo gerar uma hipótese inicial. Na
sequência, você deve investigar alguns fatores relacionados com a possível
doença e, na maioria das vezes, tentar mediar alguma anormalidade que seja
objetiva e que auxilie de maneira satisfatória seu processo de tomada de
decisão. Entram em cena, então, os chamados Métodos Diagnósticos (MDs).
Segundo Kawamura (2002), Thomas Bayes, matemático inglês do século
XVIII, legou-nos o seu teorema, o qual estabeleceu que a probabilidade pós-
teste de uma doença era função da sensibilidade e especificidade do exame e
da prevalência da doença na população (probabilidade pré-teste). Os médicos,
ao formularem as hipóteses diagnósticas, interpretarem os exames
laboratoriais e prescreverem um tratamento, intuitivamente utilizam-se do
teorema de Bayes. Hoje, vive-se a era da alta tecnologia, em que as pessoas
frequentemente tendem a interpretar a positividade de um exame sofisticado e
custoso como sinônimo de doença. Não se deve esquecer que todos os
exames, sem exceção, desde o corriqueiro exame clínico até uma tomografia
computadorizada, estão limitados pela sensibilidade, pela especificidade e
pelo valor preditivo pré-teste.
A avaliação criteriosa da real utilidade dos MDs vem ganhando importância
cada vez maior nos últimos anos em decorrência do aumento de seu uso na
prática clínica, de seu encarecimento progressivo e da pressão exercida por
grupos de interesse, nem sempre baseada em critérios científicos, para a
utilização desses métodos. Assim, os clínicos precisam estar familiarizados
com alguns princípios básicos no momento de interpretar esses testes
(Fletcher; Fletcher, 2006).
O MD é o processo analítico de que se vale o especialista ao examinar uma
doença ou um quadro clínico, para chegar a uma conclusão. Compreende
anamneses, exame clínico, exames complementares, provas terapêuticas e
acompanhamento clínico.
Ao solicitar um teste diagnóstico, considera-se que há risco atribuído a ele,
que pode ser grande ou pequeno. Desse modo, deve-se considerar a segurança
do teste como uma premissa importante, pois ela é um julgamento da
aceitabilidade do risco (uma medida da probabilidade de um resultado
adverso e de sua severidade) associada ao uso de uma tecnologia em dada
situação.
Outros aspectos que devem ser considerados em um MD são gravidade da
doença, aceitação do teste e seus parâmetros. Estes últimos são
operacionalmente mais importantes, embora todos sejam de interesse do
médico, por estarem associados diretamente ao fato de serem capazes de
diagnosticar o paciente.
2. Possibilidades diagnósticas
Para o teste diagnóstico ser considerado útil, é preciso que ele identifique
corretamente a presença da doença. Portanto, antes de adotar um
procedimento tido como ferramenta diagnóstica, deve-se verificar a sua
capacidade de retornar um resultado que direcione à tomada de decisão
correta.
Ao solicitar um teste, podem-se ter 2 resultados cabíveis: positivo ou
negativo. Consideram-se, até mesmo, aqueles testes laboratoriais cujo
resultado é uma variável quantitativa contínua (exemplo: uma medida de
glicose em mg/dL), pois, ao final, um ponto de corte poderá ser estabelecido.
Para o indivíduo que foi examinado, também existem 2 possibilidades: doente
e não doente. Somam-se, então, 4 diferentes situações; a relação entre elas vai
delinear toda a discussão em torno da utilidade de um MD (Tabela 1).
Importante
A acurácia de um teste indica a forma como se sabe se ele é ou não
verdadeiro; é a avaliação padrão-ouro da análise em questão. Quanto maior
o número de verdadeiros positivos e verdadeiros negativos, maior será a
acurácia do teste.
A - Sensibilidade e especificidade
Dica
A sensibilidade de um teste avalia os verdadeiros positivos, ou seja, a
proporção de pessoas com a doença que tiveram o teste positivo.
F1 - Sensibilidade
F2 - Especificidade
F3 - Acurácia
Dica
Uma abordagem comum para alterar a sensibilidade e especificidade de um
teste é a realização de testes em série ou em paralelo. Fazer testes em série
significa realizar testes sequenciais em pacientes que tiveram um resultado
positivo prévio, visando aumentar a especificidade, à custa de uma
diminuição de sensibilidade. Essa abordagem é usada, por exemplo,
quando é solicitado o teste de FTA-ABS, após o paciente ter um teste de
VDRL positivo, no diagnóstico de sífilis. Por outro lado, fazer testes em
paralelo significa realizar múltiplos testes simultaneamente, visando
aumentar a sensibilidade, à custa de uma perda de especificidade. Essa
abordagem é usada, por exemplo, em emergências clínicas, em que devem
ser descartadas doenças potencialmente graves.
B - Valores preditivos
F4 - VPP
Dica
O valor preditivo positivo é capaz de expressar a probabilidade de um
paciente com teste positivo ter, de fato, a doença.
Na mesma linha, existe o chamado Valor Preditivo Negativo (VPN), que trata
da proporção de verdadeiros negativos (realmente não doentes) entre todos os
indivíduos com teste negativo. Nesses termos, o cálculo é igual ao da
especificidade no numerador, que leva os verdadeiros negativos, mas difere
quanto ao denominador, que inclui todos os indivíduos que apresentaram o
teste negativo (F5).
F5 - VPN
VPN = d/c + d ou VN/FN + VN
Dica
O valor preditivo negativo tem a capacidade de expressar a probabilidade
de um paciente com o teste negativo não ter realmente a doença.
4. Curva ROC
Muitos testes diagnósticos não produzem resultados diretamente expressos
como os mostrados na Tabela 3, e sim uma resposta sob a forma de uma
variável quantitativa discreta ou contínua. Nesse caso, emprega-se uma regra
de decisão baseada em buscar um ponto de corte que resuma tal quantidade
em uma resposta dicotômica, de forma que um indivíduo com mensuração
menor ou igual ao ponto de corte seja classificado como não doente, e vice-
versa. Uma das metodologias para esse fim é a chamada curva ROC, sigla
proveniente de Receiver Operating Characteristic (Martinez; Lousada-Neto;
Pereira, 2003).
O ideal seria um teste 100% sensível e específico, mas esses valores
dependem da distribuição do resultado do teste nos indivíduos com e sem a
doença e do valor do teste que define os valores anormais. O balanço desse
dualismo é determinado pela escolha do exame e do ponto de corte corretos
para um estudo em particular. Uma maneira de estabelecer o ponto de corte
(ponto de viragem ou valor crítico) é analisar a especificidade e sensibilidade
em vários níveis de alteração do teste e desenhar, com base nesses dados, um
gráfico no qual a ordenada (y) é a sensibilidade e a abscissa (x) é 1-
especificidade (ou seja, os falsos positivos). Quanto mais perto do canto
superior esquerdo estiver a curva, melhor será o teste. A discriminação de um
ponto de corte deve ser criteriosa, pois rotular doentes e não doentes é muito
arriscado. A curva mostra que o aumento da sensibilidade vem em detrimento
da especificidade e vice-versa. Outra utilização compara diferentes técnicas
de diagnóstico por meio da análise da área abaixo da curva.
A curva ROC é uma possibilidade estatística de analisar os parâmetros de um
teste diagnóstico. Essa curva é construída por meio de um gráfico da taxa de
verdadeiros positivos (sensibilidade) contra a taxa de falsos positivos (1 -
especificidade), ao longo de uma faixa de possíveis pontos de corte.
Importante
A curva ROC mostra a relação entre a sensibilidade e a especificidade de
um teste e pode ser utilizada para decidir onde fica o melhor ponto de
corte. Se os pesquisadores decidirem pelas maiores sensibilidade e
especificidade, o ponto estará no “ombro” esquerdo da curva ROC.
Existe uma linha que corta o gráfico, chamada linha de chance (referência).
Uma curva ROC que estiver exatamente sobre a linha de chance (com ela
coincidindo) terá acurácia de 50%, ou seja, a probabilidade de acertar um
resultado é igual à de jogar cara ou coroa com uma moeda. A área entre a
linha de chance e a curva ROC é também chamada de área sobre a curva
ROC, e seu cálculo resulta na acurácia aferida por esse método.
Hernández-González et al. (2008) avaliaram 4 diferentes antígenos de
Echinococcus granulosus (HF, B2t, E14t e C317) para o diagnóstico
sorológico de hidatidose unilocular (ELISA). Como nesse caso o diagnóstico
sorológico referia-se à dosagem de anticorpos (IgG), cujo resultado é uma
variável quantitativa contínua, os pesquisadores utilizaram a curva ROC para
caracterização e avaliação do melhor antígeno.
Importante
É importante ressaltar que as recomendações atuais em favor da prevenção
são feitas a fim de submeter a população a testes específicos, de acordo
com a prevalência de distúrbios característicos a determinadas faixas
etárias, sexo e características clínicas, ou seja, rastrear doença em uma
população na qual a probabilidade pré-teste é extremamente baixa é como
dar um tiro no escuro: você até pode acertar o alvo, mas é mais provável
que erre.
Importante
No rastreamento, os exames ou testes são aplicados em pessoas sadias, o
que deve implicar garantia de benefícios relevantes diante dos riscos e
danos previsíveis e imprevisíveis da intervenção. Assim, deve-se
considerar que a aplicação de testes de rastreamento deve ser norteada pela
premissa de que o diagnóstico precoce efetivamente possa contribuir para a
melhora do prognóstico da doença.
Dica
No Brasil, são realizados rastreamentos populacionais para cânceres de
mama, cólon, reto e colo de útero.
Resumo
Introdução
O MD é o processo analítico de que se vale o especialista ao
examinar uma doença ou quadro clínico, para chegar a uma
conclusão. Compreende anamneses, exame clínico, exames
complementares, provas terapêuticas e acompanhamento clínico.
Possibilidades em um teste diagnóstico
Ao solicitar um teste, podem-se ter 2 resultados cabíveis: positivo
ou negativo. Consideram-se até mesmo aqueles testes laboratoriais
cujo resultado é uma variável quantitativa contínua (por exemplo,
uma medida de glicose em mg/dL), pois, ao final, um ponto de corte
poderá ser estabelecido. Para o indivíduo exam inado, também há 2
possibilidades: doente e não doente.
Parâmetros do teste diagnóstico
Sensibilidade e especificidade
A sensibilidade de um teste é definida pela sua capacidade de
reconhecer os verdadeiros positivos em relação ao total de
doentes. A especificidade do teste refere-se ao poder de
distinguir os verdadeiros negativos em relação ao total de não
doentes.
Valores preditivos
O VPP refere-se à proporção de verdadeiros positivos
(doentes) entre todos os indivíduos com teste positivo. Ainda
na mesma linha, existe o chamado VPN, que trata da
proporção de verdadeiros negativos (não doentes) entre todos
os indivíduos com teste negativo.
Curva ROC
Muitos testes diagnósticos não produzem resultados diretamente
expressos, e sim uma resposta sob a forma de uma variável
quantitativa discreta ou contínua. Nesse caso, emprega-se uma regra
de decisão baseada em buscar um ponto de corte que resuma tal
quantidade em uma resposta dicotômica. A curva ROC é uma
possibilidade estatística de analisar os parâmetros de um teste
diagnóstico. Quanto mais próximo estiver o “ombro” da curva do
canto superior esquerdo do gráfico, maior o poder discriminatório
do teste.
Testes diagnósticos e predições clínicas
Um LR+ expressa quantas vezes é mais provável encontrar um
resultado positivo em pessoas doentes quando comparado com
pessoas não doentes. Já o LR- quantifica quantas vezes é mais
provável encontrar um resultado negativo em pessoas doentes
quando comparadas com pessoas não doentes. A probabilidade pré-
teste depende da combinação de valores epidemiológicos
(prevalência), mas principalmente de uma avaliação clínica
criteriosa e quantitativa. O uso do LR e do nomograma de Fagan vai
popularizar-se muito no futuro, e todos os envolvidos no processo
devem estar atentos: os médicos, para saberem usar como
ferramenta do dia a dia, à beira do leito, e os laboratórios, para
colocarem as informações de LRs ou sensibilidade e especificidade
em seus laudos.
Testes de rastreamento de doenças na população
O termo “rastreamento” pode ser entendido como a identificação de
uma doença ou fator de risco não reconhecido, por meio da história
clínica, do exame físico, de um exame laboratorial ou de outro
procedimento que possa ser aplicado rapidamente. Um teste de
rastreamento deve detectar o maior número de casos com o menor
custo, além de não acarretar reações adversas ou efeitos colaterais.
Considera-se, também, que existe menor grau de benefício
agregado ao teste de rastreamento em resposta aos sintomas, se
comparado à avaliação diagnóstica, devendo ele ser mais seguro do
que os testes clínicos correntemente empregados.
Estudos epidemiológicos
Aline Gil A. Guilloux
Augusto César F. de Moraes
Alex Jones F. Cassenote
Marília Louvison
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
A pesquisa epidemiológica baseia-se na coleta sistemática de dados sobre
eventos ligados à saúde em uma população/grupo definido e na quantificação
desses eventos. O tratamento numérico dos fatores investigados ocorre por 3
procedimentos relacionados: mensuração de variáveis, estimativas de
parâmetros populacionais/grupais e testes estatísticos de hipóteses para
comprovação ou refutação de hipótese de associação estatística (Block;
Coutinho, 2009).
Os autores citados explicam que o método científico, do qual a Epidemiologia
se serve, é um processo pelo qual se busca conectar observações e teorias.
Nele, as “hipóteses conceituais”, mais amplas, são reescritas sob a forma de
hipóteses operacionais, possíveis de serem mensuradas. A teoria que gerou a
hipótese conceitual é, então, confrontada com os dados obtidos na
investigação. O mecanismo pelo qual a pesquisa epidemiológica busca essa
conexão, ou seja, o estabelecimento de inferência causal, refere-se,
principalmente, à inferência indutiva (Figura 1).
Rothman, Greenland e Lash (2008) explicam que, em Epidemiologia, parte-se
de observações para leis gerais da natureza. Essas observações podem ser
chamadas de “evidências científicas” e levam a uma generalização que vai
além desse conjunto particular (processo chamado de “inferência indutiva”).
Block e Coutinho (2009) concordam que, nesse processo, observam-se
fenômenos, identifica-se uma relação constante entre eles e, finalmente,
generaliza-se essa relação para fenômenos que podem ainda não ter sido
observados. Todo esse processo só é possível graças às diferentes
metodologias existentes em Epidemiologia, também denominadas como
estudos ou delineamentos epidemiológicos.
Figura 1 - Inferência indutiva (generalização dos resultados), procedimento lógico constantemente
realizado nas pesquisas em Epidemiologia
Fonte: adaptado do site Deutsches Krebsforschungszentrum.
Importante
Os estudos epidemiológicos podem ser do tipo observacional experimental,
que, então, se subdividem nos diferentes tipos de estudo que se conhecem:
relatos de casos ou de série de casos, ecológico, transversal, de coorte,
caso-controle e ensaios clínicos.
Dica
Nos estudos observacionais, o pesquisador não controla a exposição nem
distribui os indivíduos entre os grupos de expostos e não expostos,
adotando uma atitude passiva e de observador no estudo. Esses estudos
podem ser descritivos ou analíticos.
A - Estudos observacionais
B - Estudos experimentais
Dica
Os estudos experimentais são conhecidos, também, como clinical trials
(quando aplicados de modo individual) ou community trials (quando
aplicados em comunidades inteiras) e apresentam uma atitude ativa do
pesquisador nas diferentes etapas do estudo.
Os estudos experimentais implicam o posicionamento ativo do pesquisador,
com estratégias de ação para interferir nos processos em estudo, de forma
metódica e controlada, resultando no que correntemente se denomina
experimentação. Trata-se de manobras de intervenção que têm como objetivo
isolar efeitos, controlar intercorrências externas e desencadear processos. Os
estudos experimentais são essencialmente analíticos (Almeida Filho;
Rouquayrol, 2002).
Esses estudos também são conhecidos como de intervenção, clinical trials
(quando aplicados de modo individual) ou community trials (quando
aplicados em comunidades inteiras). Caracterizam-se, principalmente, pelo
fato de o investigador determinar os grupos de indivíduos expostos e não
expostos (Passos; Ruffino-Netto, 2005).
Block e Coutinho (2009) explicam que os indivíduos são alocados de modo
aleatório em diferentes grupos de exposição aos fatores que se julga serem de
risco ou de prognóstico. Esse processo de alocação aleatória garante a todos
os indivíduos a mesma probabilidade de fazer parte de qualquer um dos
grupos comparados. Outra característica dos estudos experimentais reside no
fato de o investigador controlar a exposição ao fator de interesse, por isso
questões éticas fazem que tais estudos se restrinjam a fatores nos quais se
acredite haver influência positiva sobre a saúde. O modelo de análise
utilizado é o mesmo de um estudo observacional.
Existe, ainda, uma designação chamada “estudo quase-experimental”, que
ocorre quando existe o controle do fator de estudo pelo investigador, mas a
alocação dos indivíduos nos diferentes grupos de comparação não pode ser
aleatória, devido a questões éticas. De maneira geral, esses estudos acabam
sendo considerados como experimentais, mas os impactos de seus resultados
devem ser avaliados/interpretados com mais cautela.
3. Tipos de delineamentos
Dica
O estudo ecológico é aquele que analisa um grupo ou determinada
população de um dado local, com grande relevância para a Saúde Pública,
pois permite avaliar a ocorrência de uma doença na comunidade e a
efetividade das intervenções feitas nesse local.
Importante
As principais vantagens do estudo ecológico são o baixo custo e a
facilidade e a rapidez na execução; por outro lado, as principais
desvantagens incluem a dificuldade para controlar os fatores de confusão, a
ausência de acesso aos dados individuais e a maior suscetibilidade à falácia
ecológica, que consiste em atribuir a um indivíduo o que se observou com
base em análises de grupo.
C - Estudo transversal
a) Estrutura básica
Importante
O estudo transversal caracteriza-se pela seleção de pessoas de toda uma
população ou amostra. Os indivíduos são selecionados sem considerar a
exposição ou estado da doença, e o objetivo principal é estimar a
prevalência de uma doença ou de fatores associados nessa população.
b) Planejamento e execução
Dica
Um estudo transversal é pontual na medida em que não existe
acompanhamento dos indivíduos, ou seja, a avaliação ocorre em um
momento determinado. Como são estudos geralmente grandes, é comum
que levem um intervalo de tempo para serem desenvolvidos, analisados e
publicados. As ferramentas utilizadas na mensuração das variáveis podem
ser questionários de coleta de dados, exames médicos ou exames
laboratoriais.
Para se ter uma ideia do quanto é comum a utilização desse estudo, uma busca
no PubMed no ano de 2018 com o termo cross-sectional study, geralmente
utilizado para designar o estudo transversal, resulta com 367.400 registros de
artigos, com acréscimo de mais de 32.000 naquele ano.
Pode-se concluir que a prevalência de hepatite foi 2,31 vezes maior entre os
indivíduos que se expuseram à água contaminada quando comparados com os
não expostos a esse fator, sugerindo que esse tipo de exposição seja
considerado um fator de risco para a doença.
D - Estudo de coorte
a) Estrutura básica
Dica
A principal característica do estudo de coorte é a seleção de indivíduos
saudáveis (sem o desfecho) classificados segundo o grau de exposição a
um fator de interesse que se deseja investigar. Esses indivíduos são, então,
acompanhados ao longo do tempo para apurar a incidência do desfecho de
interesse. Nesse estudo, o interesse do pesquisador é saber a frequência
com que as pessoas se tornam doentes, ou seja, a incidência.
Importante
Quando se considera a história natural de uma doença, ambos os
delineamentos de coorte podem ser considerados prospectivos, pois partem
da exposição a um fator e posterior desenvolvimento de desfecho, em
oposição ao estudo caso-controle, que parte do desfecho para estudar a
exposição e seria, então, retrospectivo, tanto no sentido temporal quanto no
sentido da história natural do desfecho.
Importante
As coortes retrospectivas podem ser indicadas para superar as principais
limitações das coortes prospectivas: incapacidade relativa de abordar
patologias pouco frequentes e com longo período de latência; porém, para
a operacionalização desse desenho, é preciso contar com registros médicos
confiáveis.
Assim, pode-se afirmar que a incidência foi de 0,4 ou 40% maior nas
mulheres expostas ao anticoncepcional. Poderia ser dito, também, que o
anticoncepcional é um fator de risco para o desenvolvimento desse desfecho,
uma vez que é 40% mais provável que uma mulher exposta ao
anticoncepcional desenvolva bacteriúria, se comparada a uma que não o
utiliza.
Por meio dos parâmetros obtidos em um estudo de coorte, pode-se trabalhar
com estimativas junto à população. O RA e a fração atribuível na população
são 2 possibilidades facilmente desenvolvidas.
RA na população (RAp): estima a incidência de uma doença na população
associada à prevalência de um fator de risco (qual é a incidência da doença
em uma população associada à prevalência de um fator de risco?). Para
desenvolver esse cálculo, é necessário um parâmetro de prevalência da
exposição. Aqui será utilizado o parâmetro da prevalência de 66% (P = 0,66),
levantado na população de Pelotas, Rio Grande do Sul.
Pode-se concluir que, se em uma população a prevalência do uso de
anticoncepcional for de 66% (DIAS-DA-COSTA et al., 1996) e a incidência
obedecer à dinâmica da coorte estudada (EVANS et al., 1978), existirá 1% de
casos novos de bacteriúria em excesso, ou seja, mais do que o normalmente
ocorrido na população sem essa exposição.
Esse tipo de informação pode ser muito útil para a organização de políticas.
Pense, por exemplo, em doenças como a AIDS e as hepatites virais. O maior
risco de infecção por esses vírus está no compartilhamento de agulhas em
grupos de usuários de drogas, e não na relação sexual desprotegida. Esta
última confere risco menor de infecção. Contudo, quando se observa a
prevalência do fator de risco, existe uma diferença importante. Sabe-se que a
prevalência de pessoas que fazem sexo, na população, em geral é largamente
maior do que a de usuários de drogas. Então, o risco de infecção por relação
sexual, que é bem menos importante do que o compartilhamento de agulhas,
torna-se um fator importante.
Fração Atribuível na população (FAp): descreve a fração da ocorrência de
uma doença na população associada a um fator de risco (que fração da doença
em uma população é atribuível à exposição a um fator de risco?). Para a
execução desse cálculo, deve-se conhecer a incidência do desfecho na
população (IT – Incidência Total) e RAp. Como exemplo, será utilizada uma
IT hipotética de 3,1%, que seria a incidência de bacteriúria na população
comparável com a coorte.
E - Estudo caso-controle
a) Estrutura básica
Dica
O estudo caso-controle é um estudo observacional, longitudinal e
necessariamente retrospectivo.
Importante
Deve-se ter cuidado para não confundir estudos caso-controle com os de
coorte retrospectivos, pois estes últimos medem a frequência do desfecho,
já que nenhum dos indivíduos que iniciou o estudo apresentava o atributo
de interesse, e, nos estudos caso-controle, o grupo com desfecho é definido
a priori e estuda-se o impacto das exposições.
Dica
Odds ratio é a medida de associação do tipo probabilidade que é utilizada
em estudos caso-controle. Trata-se da razão entre as chances de doença no
grupo exposto em relação à doença no grupo não exposto.
F - Ensaios clínicos
a) Estrutura básica
Dica
Efeito Hawthorne é um conceito que se originou nos estudos Hawthorne e
consiste em uma mudança positiva do comportamento de um grupo de
trabalhadores em relação aos objetivos de uma empresa, devido ao fato de
eles se sentirem valorizados pela gerência ou pela direção da firma.
Importante
Apesar de apenas os estudos longitudinais (isto é, estudos de coorte e
ensaios clínicos) serem capazes de calcular o risco (incidência) da
exposição e, portanto, ter os tamanhos de efeitos medidos em risco
relativo, risco atribuível etc., não significa que não seja possível expressar
o tamanho de efeito em odds ratio também. Por exemplo, em estudos de
coorte, uma maneira muito utilizada de controlar possíveis variáveis
confundidoras é utilizar técnicas estatísticas como análises multivariadas,
como a regressão logística. Entretanto, os resultados da regressão logística,
por questões matemáticas, são expressos em odds ratio; então, é possível
que estudos de coorte que utilizem essa técnica apresentem os resultados
em odds ratio. Porém, o contrário não é verdadeiro. Estudos de casos e
controles, que não são capazes de calcular risco (incidência), são obrigados
a calcular o tamanho de efeito em odds ratio, portanto não podem
expressar os dados em termos de risco relativo, risco atribuível etc. Outra
estratégia que os estudos de coorte também utilizam para controle de
variáveis confundidoras é a análise estratificada ou estratificação.
c) Pesquisa de novos medicamentos
Antes de ser aprovada para comercialização no Brasil, uma droga nova deve
ser submetida a estudos rigorosos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), qualquer investigação em seres humanos, objetivando
descobrir ou verificar os efeitos farmacodinâmicos, farmacológicos, clínicos
e/ou outros efeitos de produto(s) e/ou identificar reações adversas ao(s)
produto(s) em investigação, a fim de averiguar sua segurança e/ou eficácia,
deve seguir os passos referidos na Tabela 17.
Dica
Os ensaios clínicos são os estudos epidemiológicos utilizados no
desenvolvimento e na investigação de novos medicamentos. Para tanto, são
divididos em 5 fases: pré-clínica, 1, 2, 3 e 4; esta última é a etapa da pós-
comercialização, quando o medicamento já foi aprovado e se busca
conhecer reações adversas ainda não detectadas.
4. Estudos qualitativos
Até aqui, foram abordados delineamentos metodológicos, cujo enfoque é a
mensuração quantitativa de eventos. Nos últimos anos, tem crescido o
interesse em alargar o campo da investigação em saúde para além dos
indicadores básicos. Os fatores sociais têm, progressivamente, assumido um
papel tão importante como os clínicos, a fim de compreender as motivações e
percepções de todos os componentes sociais envolvidos.
Interesses e realizações referentes a pesquisas qualitativas têm sido crescentes
no campo da Saúde. O método clínico-qualitativo é definido como “aquele
que busca interpretar os significados, de natureza psicológica e
complementarmente sociocultural, trazidos por indivíduos (pacientes ou
outras pessoas preocupadas ou que se ocupam com problemas da saúde, como
familiares, profissionais de saúde e sujeitos da comunidade), acerca dos
múltiplos fenômenos pertinentes ao campo dos problemas da saúde-doença”
(Turato, 2005, p. 508). As principais diferenças entre os métodos
quantitativos e qualitativos são apresentadas na Tabela 18.
De acordo com a Tabela 18, os dados mostram que os métodos têm
identidades próprias, do momento em que seus autores levantam as perguntas
(hipóteses de trabalho) até quando redigem seus relatórios finais de pesquisa.
Diante da tamanha complexidade dos 2 olhares, Turato (2005) desaconselha o
uso da terminologia “quanti-quali”. Segundo o mesmo autor, o olhar
quantitativo focaliza: incidência, prevalência, fatores de risco e de sobrevida,
achados clínicos, diagnósticos, avanços terapêuticos e até análise custo-
benefício. Já os métodos qualitativos valorizam os construtos: vivências e
experiências de vida, adesão e não adesão a tratamento, estigmas e fatores
facilitadores e dificultadores perante abordagens.
A Tabela 19 apresenta as diversas características dos estudos utilizados em
Epidemiologia.
Resumo
Causalidade em Epidemiologia
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Uma questão considerada fundamental na Epidemiologia envolve a
conceituação e a operacionalização metodológica da causalidade; identificar
causas é uma das formas do pensamento científico de abordar a explicação
das origens de um fenômeno. Assim, a causa seria um agente eficaz, e
desvendá-la garantiria conhecimento maior a respeito do fenômeno estudado,
uma vez que é possível intervir sobre um efeito quando se remonta à sua
origem.
Na ótica da Medicina, os médicos geralmente questionam se seus pacientes
com determinada doença foram expostos a possíveis agentes causais; já os
epidemiologistas observam se houve aumento estatisticamente significativo
da associação entre a doença e a exposição estudada. Inicialmente, parecem 2
pontos de vista distintos, contudo existe uma ideologia comum: observar
possível relação entre estar exposto e desenvolver a doença (causa e efeito).
Uma causa pode ser entendida como qualquer evento, condição ou
característica que desempenhe função essencial na ocorrência de uma doença
(Luiz; Struchiner; Kale, 2009). A evolução do conceito de causalidade está
relacionada a uma mudança no paradigma do conhecimento científico, com
forte componente de observação empírica que impulsionou a evolução da
abordagem epidemiológica e dos métodos estatísticos (Lisboa, 2008).
Os termos “causalidade” e “associação” são extremamente caros ao
pensamento científico em geral e ao raciocínio epidemiológico em particular.
No caso da pesquisa sobre fenômenos da saúde-doença, diante da afirmação
etiológica estável e demonstrada de que X causa Y, não resta dúvida quanto à
possibilidade de intervenção no que se refere à prevenção do evento ou
retificação de alguma situação indesejável. Um exemplo trivial: colocar
obstáculos de proteção em terraços, abismos, pontes e outros locais elevados
para evitar que pessoas se aproximem e possam cair é uma iniciativa óbvia
diante da ameaça à vida oferecida pelas quedas de grande altura. Da mesma
forma, ninguém duvida que altas temperaturas ou frio intenso representem
risco à saúde/vida humana. Isso define indiscutíveis medidas de proteção no
seu uso. Em outras palavras, no âmbito da prevenção em saúde, no momento
em que se estabelece relação de causa e efeito de caráter direto, tal relação
articula 2 dimensões: a definição de algo como perigoso e as medidas de
proteção/prevenção a tal perigo (Coutinho et al., 2011).
A teoria da multicausalidade, com seus variados modelos explicativos, tem
hoje seu papel definido na gênese das doenças. Surgiu em substituição à
teoria da unicausalidade, que vigorou por muitos anos e cujo único modelo
existente era chamado de “biomédico” (ver Capítulo 2 – Volume 1). Esse
pensamento atual considera que a grande maioria das doenças advém de uma
combinação de fatores que interagem entre si e acabam desempenhando
importante papel na determinação delas, fato que deve ser levado em conta
sempre que um estudo ou uma pesquisa epidemiológica são desenvolvidos ou
simplesmente acessados para estudos.
Como exemplo dessas múltiplas causas, chamadas de contribuintes, será
citado o câncer de pulmão. Nem todo fumante desenvolve câncer de pulmão,
o que indica que há outras causas contribuindo para o aparecimento da
doença. Estudos mostraram que descendentes de 1º grau de fumantes com
câncer de pulmão tiveram chance 2 a 3 vezes maior de terem a doença do que
aqueles sem a doença na família; isso indica que há suscetibilidade familiar
aumentada para o câncer de pulmão. A ativação dos oncogenes dominantes e
a inativação de oncogenes supressores ou recessivos são lesões que têm sido
encontradas no DNA de células do carcinoma brônquico e que reforçam o
papel de determinantes genéticos nessa doença (Srivastava; Kramer, 1995;
Menezes, 2001).
Assim, mesmo depois de toda a trajetória epidemiológica desenvolvida, não
será possível observar um único fator (fator de risco) e chamá-lo de causa,
mesmo que atenda a todos os pré-requisitos epidemiológicos. Justamente com
esse pensamento, alguns estudiosos criaram um conjunto de critérios e
postulados que devem ser utilizados para tratar de inferência causal. Tais
critérios não devem ser confundidos com modelos explicativos do processo
saúde-doença, muito embora alguns autores considerem os assuntos sob a
mesma linha de pensamento. Os modelos são maneiras de pensar a realidade e
expressam nossa imaginação sobre como o mundo deve funcionar; já os
critérios que serão aqui apresentados têm uma proposta mais “singela”, que é
estabelecer uma regra para a inferência causal.
As possibilidades de estudo de associação foram apresentadas, e uma delas
destaca que a associação é um importante aspecto para o estabelecimento de
nexo causal. Entretanto, mesmo que 2 variáveis estejam associadas, é preciso
considerar alguns outros elementos que devem fortalecer a ideia de
causalidade, uma vez que algumas associações poderão não ser entendidas
como causas (Figuras 1 e 2).
2. Postulados de Henle-Koch
Em meados do século XIX, em plena Revolução Industrial da Europa, com o
deslocamento das populações para as cidades e a ocorrência das epidemias de
cólera, febre tifoide e febre amarela, os estudiosos ainda se dividiam entre a
Teoria dos Miasmas e a Teoria dos Germes. Ainda nesse século, o francês
Louis Pasteur (1822-1895) não só fundou as bases biológicas para o estudo
das doenças infecciosas, como também estudou outros conceitos
epidemiológicos importantes: o da resistência do hospedeiro e o da imunidade
(Lisboa, 2008; Guilam, 2011). Robert Koch (1843-1910) e Louis Pasteur
(1822-1895) foram 2 dos fundadores da Microbiologia e responsáveis por
parte da atual compreensão da Epidemiologia quanto às doenças
transmissíveis. Foram, sobretudo, os descritores da relação causal entre M.
tuberculosis e a tuberculose (Lisboa, 2008).
Koch criou, também, um conjunto de regras conhecido como “Postulados de
Henle-Koch”, em 1882, que dava ênfase à etiologia infecciosa das doenças
(Tabela 1).
Importante
Os postulados de Henle-Koch aplicam-se quando a causa específica é um
agente infeccioso altamente patogênico, agente químico ou outro agente
específico que não apresenta portador saudável, logo uma situação bastante
incomum.
Nos anos que seguiram, houve uma transição de mortalidade por doenças
infecciosas para as doenças crônico-degenerativas que impulsionou a
evolução no conceito de causalidade, passando do modelo monocausal para o
que se chama de “rede de causalidade”, na qual o conceito de causa etiológica
dá lugar ao de fator predisponente ou risco para a doença (Waldman, 1998).
A 1ª referência à rede de causalidade surgiu em 1960, em Epidemiology:
Principles and Methods, livro de MacMahon e Pugh, em que é catalogada e
organizada toda a evolução conceitual e metodológica da Epidemiologia.
A - Força da associação
Uma associação forte tem maior probabilidade de ser causal do que uma
associação fraca, já que esta tem maior probabilidade de ser ilegítima, por
viés, confusão ou acaso. No entanto, uma associação fraca pode ser causal.
Assim, quanto mais elevada a medida de efeito (risco relativo, odds ratio ou
razão de prevalência), maior a plausibilidade de a relação ser causal.
Exemplo
Um estudo sobre fumo em adolescentes mostrou que a força da associação
entre o fumo do adolescente e a presença do fumo no grupo de amigos foi
da magnitude de 17 vezes (odds ratio 17 – IC95% = 8,8 a 34,8); ou seja,
adolescentes com 3 ou mais amigos fumando têm 17 vezes maior risco
para serem fumantes do que aqueles sem amigos fumantes (Malcon et al.,
2003).
Dica
Um caso de associação forte tem maior probabilidade de ser causal do que
uma associação fraca, apresentando, por isso, maior medida de efeito (risco
relativo, odds ratio, razão de prevalência).
B - Consistência
Se a associação se observa repetidamente em diferentes populações e
diferentes circunstâncias, tem maior probabilidade de ser causal do que de ser
observação isolada. No entanto, falta de consistência não afasta ligação
causal, e pode acontecer que uma causa apenas o seja na presença de fatores
adicionais e/ou concomitantes.
Exemplo
A maioria, senão a totalidade, dos estudos sobre câncer de pulmão detectou
o fumo como um dos principais fatores associados a essa doença
(Menezes, 2001).
C - Especificidade
O conceito aqui retratado implica que a causa apenas conduzirá a 1 efeito e
não a múltiplos efeitos. Esse é um critério que pode ser questionável, uma vez
que algumas exposições conferem risco para vários desfechos, como o caso
da exposição ao tabaco, que confere risco para câncer de pulmão, doenças
cardiovasculares etc.
Exemplo
Poeira da sílica e formação de múltiplos nódulos fibrosos no pulmão
(silicose).
D - Temporalidade
A causa precede o efeito? A exposição ao fator de risco antecede o
aparecimento da doença e é compatível com o respectivo período de
incubação? Nem sempre é fácil estabelecer a sequência cronológica nos
estudos realizados, quando o período de latência é longo entre a exposição e a
doença.
Menezes (2001) sugere um exemplo desse critério: a prevalência de fumo
aumentou significativamente durante a 1ª metade do século, mas houve um
lapso de vários anos até ser detectado o aumento do número de mortes por
câncer de pulmão. Nos Estados Unidos, o consumo médio diário de cigarros,
em adultos jovens, aumentou de 1, em 1910, para 4, em 1930, e 10 em 1950,
sendo que o aumento da mortalidade ocorreu após várias décadas. Liu et al.
(1998) observaram que padrão semelhante vem ocorrendo na China,
particularmente no sexo masculino, só que com intervalo de tempo de 40
anos. O consumo médio diário de cigarros, nos homens, era de 1 em 1952, 4
em 1972, atingindo 10 em 1992. As estimativas, portanto, são que 100
milhões dos homens chineses, hoje com idade de zero a 29 anos, morrerão por
causas associadas ao tabaco, o que implicará 3 milhões de mortes por ano
quando esses homens atingirem idades mais avançadas.
Esse é um dos critérios mais importantes quando associado aos estudos
epidemiológicos. Estudos como os de coorte (e ensaios clínicos) e até mesmo
os caso-controle são capazes de fazer uma relação cronológica entre a
exposição e o desfecho, fenômeno que não poderá ser obtido por meio de
estudo transversal, por exemplo, pois o levantamento do desfecho e das
exposições ocorre ao mesmo tempo.
Importante
A temporalidade, na qual a causa precede o efeito, é o único critério
obrigatório para a avaliação de causalidade. Estudos que não são passíveis
de avaliação de temporalidade (como é o caso dos estudos transversais)
não são capazes de produzir evidências que afirmem que a associação seja
causal; ou seja, a temporalidade é um critério necessário, porém não
suficiente.
Exemplo
Os estudos prospectivos de Doll e Hill (Doll, 1994) sobre a mortalidade
por câncer de pulmão e fumo nos médicos ingleses tiveram seguimento de
40 anos (1951 a 1991). As primeiras publicações dos autores já mostravam
o efeito dose-resposta do fumo na mortalidade por câncer de pulmão; os
resultados desse acompanhamento revelavam que fumantes de 1 a 14
cigarros/dia, de 15 a 24 cigarros/dia e de 25 ou mais cigarros/dia morriam
7,5 a 8, 14,9 a 15 e 25,4 a 25 vezes mais do que os não fumantes,
respectivamente.
F - Plausibilidade
A associação deve ter uma explicação plausível, concordante com o nível
atual de conhecimento do processo patológico. A associação entre fumo
passivo e câncer de pulmão é um dos exemplos da plausibilidade biológica.
Carcinógenos do tabaco têm sido encontrados no sangue e na urina de não
fumantes expostos ao fumo passivo. A associação entre o risco de câncer de
pulmão em não fumantes e o número de cigarros fumados e anos de
exposição do fumante é, ainda, diretamente proporcional (efeito dose-
resposta). Embora, durante muitos anos, não se tenha acreditado, por
exemplo, que a úlcera gástrica ou o câncer de colo uterino poderiam ter um
componente infeccioso causal, os modelos recentes têm demonstrado ação
oncogênica do vírus HPV e mesmo o envolvimento da bactéria Helicobacter
pylori no processo inflamatório gástrico.
G - Coerência
A assunção de causalidade deverá estar ligada a outras observações,
especialmente à história natural da doença (por exemplo, a relação causal
entre consumo de tabaco e câncer de pulmão era coerente com as observações
de que os fumantes tinham displasia do epitélio brônquico). No entanto, a
ausência de coerência não afasta relação causal.
H - Evidência experimental
I - Analogia
Exemplo
É bem reconhecido o fato de que a imunossupressão causa várias doenças;
portanto, explica-se a forte associação entre HIV/AIDS e tuberculose, já
que, em ambas, a imunidade está diminuída.
4. Postulados de Henle-Koch-Evans
Na mesma linha de Hill, o epidemiologista Alfred S. Evans descreveu, em
1976, um conjunto de postulados que se constitui em uma adaptação
epidemiológica dos postulados de Henle-Koch, devido ao fato de que, na
prática, quando se trata de exposições não infecciosas como as ambientais, as
inferências biológicas não podem ser estabelecidas com base no postulado de
Henle-Koch e mesmo nos critérios de Hill. Evans propôs alterações nos
postulados originais, criando os postulados de Henle-Koch-Evans (Tabela 3),
amplamente aceitos atualmente como critérios válidos para definir a causa
biológica da doença (Thuler et al., 2003).
Thuler et al. (2003) explicam, ainda, que esses postulados não são capazes de
prover uma base completa para o estabelecimento de uma relação causal,
recorrendo-se à quantificação do risco associado à exposição ao fator em
estudo que se deseja atribuir “a causa da doença”. O estudo de Marshall e
Warren, que mostra a associação entre úlcera péptica e Helicobacter pylori, é
exemplo da insuficiência da nomenclatura infecciosa/crônica, e os estudos de
genética do câncer, que se multiplicaram nos últimos anos, são exemplos do
desafio de revisão da concepção etiológica das doenças (Lisboa, 2008).
Em 1985, Miettinen propôs o que chamou de “função de ocorrência” para
descrever as relações entre causa e efeito, que tem como correspondentes
subsídios de análise de associação estatística os Modelos Lineares
Generalizados, cujo modelo particular de regressão logística encontra larga
aplicação.
Importante
Na atualidade, o postulado de Henle-Koch-Evans é amplamente aceito para
definir a causa biológica da doença, uma vez que considera exposições
infecciosas e não infecciosas prévias como causas para as diversas
doenças.
5. Amostragem
Outra variável importante para ser avaliada no momento de inferir a
causalidade de uma associação é a maneira como os dados foram coletados.
De modo geral, podemos afirmar que uma amostra é adequada quando
representativa da população de origem; isto é, estima-se que a proporção das
múltiplas variáveis encontradas na população seja semelhante à proporção
dessas mesmas variáveis na amostra. Não existe método perfeito para que isso
seja alcançado; porém, a maneira mais precisa é uma seleção probabilística de
participantes na população, especialmente quando a amostra é muito grande e
aleatória (Figura 3). Dessa forma, os pacientes deveriam ser selecionados
aleatoriamente de uma população imaginária. Quanto mais a amostra se
aproximar desse ideal, maior será a capacidade de o estudo poder inferir
causalidade.
Resumo
Medicina baseada em
evidências, revisão sistemática
e meta-análise
Augusto César F. de Moraes
Alex Jones F. Cassenote
Marília Louvison
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Este capítulo propõe a apresentação de um dos conteúdos mais recentes
discutidos em Epidemiologia e nas Ciências Médicas: a Medicina Baseada em
Evidências (MBE), as revisões sistemáticas e a meta-análise. O médico que
conhecer essas ferramentas estará apto a fazer uma boa análise de novos
trabalhos que forem publicados, independentemente de sua área de atuação ou
especialidade, podendo lidar com a vastidão de informações que surgem no
dia a dia.
Tradicionalmente, a prática médica era em muito fundamentada na
experiência de cada profissional. As provas científicas tinham pouco peso
quando um médico tinha de tomar determinada decisão clínica. Por mais
contraditório que possa parecer, essa situação era ainda mais presente no
mundo acadêmico, quando o argumento de autoridade, ex cathedra,
prevalecia sobre qualquer outra coisa. No entanto, setores importantes da
classe médica, lentamente, começaram a perceber que as decisões clínicas
eram tão mais apropriadas quanto mais embasamento encontravam em
conhecimentos provenientes de estudos científicos. Apesar da grande
resistência em determinados meios médicos, o movimento favorável às
decisões clínicas baseadas em evidências científicas começou a ganhar corpo,
sobretudo a partir da década de 1980 (Cordeiro et al., 2012).
Nesse cenário, David Sackett e seu grupo da Universidade de McMaster, no
Canadá, cunharam o termo “medicina baseada em evidências”. A ideia central
era a de que os médicos se utilizassem de modo consciencioso, explícito e
judicioso da melhor evidência científica atual quando tomassem decisões em
seu trabalho de cuidado individual dos pacientes. Obviamente, a MBE não
nega o valor da experiência pessoal do profissional, propondo apenas que esta
esteja alicerçada em evidências científicas, o que, além de tudo, confere
caráter ético à prática profissional (Cordeiro et al., 2012).
Nas últimas 2 décadas, a produção científica apresentou crescimento
exponencial de artigos publicados em todas as áreas das Ciências da Saúde.
Utilizando um assunto relacionado à especialidade de Cardiologia, a Figura 1
ilustra esse crescimento em um espaço de tempo de 10 anos (2007 a 2017).
Os termos-chave (descritores) utilizados para essa pesquisa realizada junto ao
PubMed foram: “cardiovascular disease” e “adult”, considerando todos os
tipos de artigos (estudos originais, revisões, editoriais, entre outros). Observe
que existe crescimento médio elevado de cerca de 1.000 artigos por ano.
Figura 1 - Número de publicações entre 2006 e 2018 indexadas no PubMed, relacionadas com
doença cardiovascular em adultos
Importante
A medicina baseada em evidências deve respeitar algumas etapas para a
síntese do conhecimento, que envolvem transformar as necessidades de
informação em perguntas passíveis de resposta; buscar com máxima
eficiência a melhor evidência para responder à questão; avaliar
criticamente as evidências quanto à sua validade e utilidade; implementar
os resultados na prática clínica; e, por fim, avaliar o desempenho.
Dica
O 1º passo na medicina baseada em evidências é converter a informação
que se necessita conhecer sobre um paciente em uma pergunta que possa
ser respondida.
Dica
O acrônimo PICO forma um macete para a memorização do que é
necessário para formular uma questão em medicina baseada em evidências:
Paciente ou população, Intervenção ou indicador, Comparação ou controle
e Outcome (ou desfecho).
1 - Problema.
2 - Fator de predição.
3 - Alternativa.
4 - Resultado ou evento.
Importante
O 2º passo da medicina baseada em evidências visa à busca pela
informação utilizando a abordagem “6S”: em Sistemas computadorizados
de apoio à decisão, Summaries (resumos), Sinopse de sínteses, Sínteses ou
revisões sistemáticas, Sínteses de estudos isolados e Single original studies
(estudos originais).
Dica
Os passos 3 e 4 da medicina baseada em evidências são destinados a uma
avaliação crítica da literatura, a fim de determinar um tipo de estudo que
possibilite a menor quantidade de viés possível.
D - Força de evidência
Importante
A hierarquização dos trabalhos científicos promove uma estrutura para
ordenar evidências que avaliam intervenções na área de Saúde e indica que
estudos devem ter mais confiabilidade na avaliação em que uma mesma
questão é examinada por diferentes estudos.
Observe que, tanto na Tabela 7 quanto na Figura 2, nos níveis mais elevados
estão os estudos de revisão sistemática e meta-análise, portanto será
apresentada uma síntese sobre a metodologia de cada um desses estudos nos
próximos tópicos.
Um conceito paralelo à MBE tem sido adotado na atualidade como Prática
Baseada em Evidências (PBE), pois foi abraçada por outras áreas do
conhecimento, como Enfermagem, Saúde Mental, Fisioterapia, Terapia
Ocupacional, Educação e Psicoterapia, entre outras, abordando temas
relativos a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Essa prática
também é utilizada pelos formuladores de políticas de saúde e gestores de
serviços de saúde, não sendo hoje mais exclusividade da Clínica (Sampaio;
Mancini, 2007; Sandelowski; Barroso, 2007; Joanna Briggs Institute, 2008;
De-La-Torre-Ugarte-Guanilo; Takahashi; Bertolozzi, 2011).
3. Revisão sistemática
Importante
A revisão sistemática é uma metodologia rigorosa que inclui etapas
específicas que devem ser cumpridas, dividindo-se em 7: formulação da
pergunta, localização e seleção dos estudos, avaliação crítica dos estudos,
coleta de dados, análise e apresentação dos dados, interpretação dos
resultados e aperfeiçoamento e atualização.
4. Meta-análise
Dica
A meta-análise consiste em uma análise estatística que visa sintetizar
resultados dos diversos estudos incluídos na revisão sistemática, a fim de
obter um resultado, que é representado por meio de um gráfico chamado
forest plot.
Figura 5 - Funnel plot ou gráfico de funil: (A) apresenta estudos claramente com viés de publicação,
pois estão todos concentrados à direita do tamanho de efeito real e da meta-análise; (B) apresenta
resultados simetricamente em torno do tamanho de efeito real, causando um efeito de “funil
invertido”
Fonte: adaptado de Egger et al., 1995.