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Universidade Federal do Rio de Janeiro — Instituto de Fı́sica

Fı́sica III — 2014/2

Cap. 4 - Capacitância e Dielétricos


Prof. Elvis Soares

Nesse capı́tulo, estudaremos o conceito de capacitância, aplicações de capacitores e dielétricos.

1 Capacitância
Considere dois condutores carregando cargas de mesmo sinal e sinais opostos, conforme figura.
Essa combinação de dois condutores chamaremos de capacitores, sendo ambos condutores al-
gumas vezes chamados de placas. E devido à presença das cargas, existe uma diferença de
potencial ∆V entre os condutores.

O que determina quanta carga está nas placas de um capacitor para uma dada voltagem?
Experimentos mostram que a quantidade de carga Q num capacitor é linearmente proporcional
a diferença de potencial ∆V entre os condutores. Sendo assim, a capacitância C de um condutor
é definida como a razão entre a intensidade da carga num dos condutores pela intensidade da
diferença de potencial entre eles

Q
C≡ (1)
∆V
Note que por definição capacitância é sempre uma quantidade positiva. Além disso, capa-
citância é uma medida da capacidade de um capacitor em armazenar energia, pois cargas po-
sitivas e negativas estão separadas no sistema dos dois condutores de um capacitore, existindo
uma energia potencial elétrica armazenada no sistema.
Prof. Elvis Soares 2 Cálculo de Capacitância

A capacitância no sistema SI tem unidade de Coulomb por Volt, sendo definida como Farad
F = C/V , em homenagem a Michael Faraday.
Consideremos um capacitor formado por um par de placas paralelas, conforme figura.

Com o capacitor inicialmente descarregado, conectamos


cada placa a um terminal de uma bateria, que age como
uma fonte de diferença de potencial, estabelecendo um
campo elétrico nos fios condutores quando essa conexão
é feita. Na placa conectada ao terminal negativo da bate-
ria, o campo elétrico força os elétrons a irem em direção à
placa, o processo continua até a placa, o fio, e o terminal
da bateria terem o mesmo potencial, de modo que não
+
– há mais diferença de potencial entre o terminal e a placa,
não há mais movimento de elétrons, e a placa agora está
carregada negativamente.

Um processo similar ocorre na outra placa do capacitor, com elétrons saindo da placa para o fio,
deixando a placa carregada positivamente. Nessa configuração final, a diferença de potencial
entre as placas do capacitor é a mesma daquela entre os terminais da bateria.

2 Cálculo de Capacitância
Para determinar a capacitância de um certo tipo de capacitor vamos usar o seguinte proce-
dimento: assumimos uma carga de magnitude Q numa das placas, em seguida calculamos a
diferença de potencial ∆V entre as placas usando as técnicas do capı́tulo anterior, e por último
usamos a expressão C = Q/∆V para determinar a capacitância.

Exemplo: Capacitância de uma Esfera Condutora

Imaginemos um condutor esférico carregado. As linhas de campo ao redor desse condutor são
exatamente as mesmas que no caso se existisse uma casca esférica condutora de raio infinito,
concêntrica com a esfera e carregando uma carga de mesma intensidade e sinal oposto, de
modo que essa casca esférica imaginária pode ser identificada como um segundo condutor de
um capacitor de dois condutores.

Assim, podemos calcular a capacitância para essa situação usando o fato que o potencial de
uma esfera de raio R e carga Q é simplesmente kQ/R na sua superfı́cie, e V = 0 na casca
infinitamente grande, então
Q Q R
C= = = = 4π0 R,
∆V kQ/R k
mostrando que a capacitância de uma esfera carregada é proporcional ao seu raio e independe
da carga na esfera e da diferença de potencial.

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2 Cálculo de Capacitância Prof. Elvis Soares

A capacitância de uma par de condutores depende somente da geometria dos condutores. Vamos
ilustrar isso com duas geometrias familiares: placas paralelas e cilindros concêntricos.

Exemplo: Capacitor de Placas Paralelas

Consideremos duas placas metálicas de áreas iguais A separadas por uma distância d, conforme
figura. Uma placa está carregada com carga Q, a a outra carregada com carga −Q.

Se as placas estão muito próximas, de tal forma que


a distância d é muito menor que as dimensões tı́picas
das placas, podemos considerar o campo elétrico uni-
forme na região entre as placas com valor igual a
σ Q
E= = ,
0 0 A

e nulo na região fora das placas. Então, como o campo entre as placas é uniforme, a diferença
de potencial entre as placas é
Qd
∆V = V+ − V− = Ed = .
0 A
Substituindo esse resultado na definição de capacitância, temos para o capacitor de placas
paralelas
Q Q
C= = ,
∆V Qd/0 A
portanto

0 A
C=
d
Isto é, a capacitância de um capacitor de placas paralelas é proporcional à área das suas placas
e inversamente proporcional à separação entre as placas.

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Prof. Elvis Soares 2 Cálculo de Capacitância

Exemplo: Capacitor Cilı́ndrico

Consideremos um condutor cilı́ndrico sólido de raio a e carga Q é coaxial a uma casca cilı́ndrica
de raio b > a e espessura desprezı́vel, com carga −Q.

Se os condutores tiverem um comprimento L muito


maior que os raio a e b, podemos desprezar os efeitos
de borda sobre as linhas de campo, de tal forma que
nesse caso o campo elétrico é perpendicular ao eixo
dos cilindros e é confinado na região entre eles.
A partir da Lei de Gauss, a intensidade do campo
elétrico de um cilindro com distribuição de carga uni-
forme λ é .

2kλ 2Q/L
E(r) = = ,
r r

e como o campo elétrico da casca cilı́ndrica não influencia na região entre os cilindros, esse
deve ser o campo na região entre a e b. Então, como conhecemos o campo entre os cilindros, a
diferença de potencial entre eles é
Z a Z a  
dr b
∆V = V+ − V− = − E(r)dr = −2k(Q/L) = 2k(Q/L) ln .
b b r a
Substituindo esse resultado na definição de capacitância, temos para o capacitor cilı́ndrico
Q Q
C= = ,
∆V 2k(Q/L) ln (b/a)
portanto

L
C=
2k ln (b/a)
Isto é, a capacitância de um capacitor cilı́ndrico é proporcional ao comprimento dos cilindros.

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3 Associação de Capacitores Prof. Elvis Soares

3 Associação de Capacitores
Agora que sabemos determina a capacitância de capacitares devido a sua geometria, podemos
associar diferentes capacitares para obter qualquer valor de capacitância que necessitarmos.
Existem dois de associações: paralela e série.

3.1 Capacitores em Paralelo


Numa associação em paralelo, conforme figura (b), as diferenças de potenciais em cada capacitor
individualmente são as mesmas e iguais à diferença de potencial aplicada sobre a associação
inteira.

+ –

+ –

+

+ – + –

Quando os capacitores são conectados ao circuito conforme a figura (a), elétrons são transferidos
entre os fios e as placas, permitindo as placas da direita se carregarem negativamente e as placas
da esquerda se carregarem positivamente. O fluxo de carga cessa quando a voltarem sobre os
capacitares é igual àquela dos terminais da bateria, e os capacitares ficam carregados com cargas
Q1 e Q2 . A carga total Q armazenada nos capacitores é

Q = Q1 + Q2

Isso é, a carga total nos capacitares conectados em paralelo é a soma das cargas de cada
capacitor individual. E como a voltarem sobre cada capacitor é a mesma, as cargas que eles
carregam são

Q1 = C1 ∆V e Q2 = C2 ∆V

Suponha que nós desejamos trocar esses capacitores por um capacitor equivalente tendo uma
capacitância Ceq , conforme figura (c). O efeito desse capacitor no circuito deve ser o mesmo

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Prof. Elvis Soares 3 Associação de Capacitores

do conjunto de capacitores anteriores, isto é, esse capacitor equivalente deve armazenar carga
Q quando conectado a d.d.p de ∆V . Assim, para o capacitor equivalente,

Q = Ceq ∆V

Substituindo essas três relações para as carga na equação da carga total do circuito, temos

Ceq ∆V = C1 ∆V + C2 ∆V

Ceq = C1 + C2

Assim, a capacitância equivalente de uma associação de capacitores em paralelo é a soma


algébrica das capacitâncias individuais e é maior que qualquer uma das capacitância individuais.

Ceq = C1 + C2 + C3 + . . . (em paralelo) (2)

3.2 Capacitores em Série


Numa associação em série, conforme figura (b), as cargas em cada capacitor individualmente
são as mesmas e iguais à carga total armazenada na associação inteira.

+ –

+ – + –

Quando os capacitores são conectados ao circuito conforme a figura (a), elétrons são transferidos
para fora da placa da esquerda de C1 e vão para a placa da direita de C2 . Como essa carga
negativa se acumula na placa direita de C2 , uma quantidade equivalente de carga negativa é
forçada para fora da placa esquerda de C2 , e essa placa esquerda adquire então um excesso de
carga positiva. A carga negativa deixando a placa esquerda de C2 causa um acumulo de carga
negativa na placa direita de C1 . Como resultado, todas as placas da direita ficam com carga
negativa −Q, e todas placas da esquerda com carga +Q. Assim, as cargas nos capacitares
conectados em série são as mesmas.
Da figura (a), vemos que a voltagem ∆V entre os terminais da bateria é dividida entre os
capacitores

∆V = ∆V1 + ∆V2

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3 Associação de Capacitores Prof. Elvis Soares

Em geral, a diferença de potencial entre qualquer número de capacitores conectados em série é


a soma da diferença de potencial sobre cada capacitor individualmente. E como as cargas nos
capacitores são as mesmas, as voltagens sobre eles são

Q Q
∆V1 = ∆V e ∆V2 =
C1 C2
Suponha que nós desejamos trocar esses capacitores por um capacitor equivalente tendo uma
capacitância Ceq , conforme figura (c). O efeito desse capacitor no circuito deve ser o mesmo
do conjunto de capacitores anteriores, isto é, esse capacitor equivalente deve armazenar carga
−Q na placa da direita e carga +Q na placa da esquerda quando conectado a d.d.p de ∆V dos
terminais da bateria. Assim, para o capacitor equivalente,

Q
∆V =
Ceq
Substituindo essas três relações para as voltagens na equação da voltarem total do circuito,
temos

Q Q Q
= +
Ceq C1 C2

1 1 1
= +
Ceq C1 C2
Assim, o inverso da capacitância equivalente de uma associação de capacitores em série é a
soma algébrica dos inversos das capacitâncias individuais e é menor que qualquer uma das
capacitância individuais.

1 1 1 1
= + + + ... (em série) (3)
Ceq C1 C2 C3

Exemplo: Capacitância Equivalente

Consideremos um circuito misto de capacitores, conforme figura (a). A capacitância equivalente


entre a e b pode ser encontrada reduzindo as associações de capacitores como indicadas nas
partes (b), (c), e (d), usando as regras de associações em série e paralelo.

a b a b a b a b

( a) ( b) ( c) ( d)

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Prof. Elvis Soares 4 Energia Armazenada num Capacitor

4 Energia Armazenada num Capacitor


Quanta energia deve estar armazenada num capacitor depois que o carregamos?

Para calcular a energia armazenada num capacitor


durante o processo de carregamento, imaginemos
que a carga é transferida mecanicamente para o ca-
pacitor, de modo que o trabalho necessário para adi-
cionar uma carga dq ao capacitor é

dW = ∆V dq

e sabendo que a diferença de potencial entre as placas do capacitor depende da carga q nele,
podemos escrever

q
dW = dq,
C
ilustrado na figura. O trabalho total para carregar o capacitor desde uma carga q = 0 até a
carga final q = Q é

Q Q
Q2
Z Z
q 1
W = dq = q dq =
0 C C 0 2C
O trabalho feito para carregar o capacitor aparece como energia potencial elétrica U armazenada
no capacitor. Usando a capacitância, podemos expressar a energia potencial armazenada num
capacitor carregado nas seguintes formas

Q2 1 1
U= = Q∆V = C(∆V )2 (4)
2C 2 2
Podemos considerar a energia armazenada num capacitor como sendo armazenada no campo
elétrico criado entre as placas quando o capacitor está carregado, pois o campo elétrico é
proporcional a carga no capacitor. Para um capacitor de placas paralelas, a diferença de
potencial está relacionada com o campo elétrico através da relação ∆V = Ed, e sua capacitância
é C = 0 A/d. Substituindo essas expressões na energia, obtemos

1 0 A 1
U= (Ed)2 = (0 Ad)E 2 .
2 d 2
Como o volume ocupado pelo campo elétrico é Ad, a energia por unidade de volume uE =
U/(Ad), conhecida como densidade de energia, é

1
uE = 0 E 2 (5)
2
Assim, a densidade de energia em qualquer campo elétrico é proporcional ao quadrado da
intensidade do campo elétrico num dado ponto.

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5 Materiais Dielétricos Prof. Elvis Soares

Para uma dada capacitância, a energia armazenada aumenta com o aumento da carga e com
o aumento da diferença de potencial. Na prática, entretanto, há um limite de energia máxima
(ou carga) que pode ser armazenada pois, em valores muito altos de voltarem, ocorre descarga
elétrica entre as placas.

5 Materiais Dielétricos
O que acontece quando colocamos um material isolante na presença de um campo elétrico
externo?
Consideremos um dielétrico feito de moléculas polares localizadas num campo elétrico entre as
placas de um capacitor. Os dipolos (isso é, as moléculas polares que formam o dielétrico) estão
orientados aleatoriamente na ausência de um campo elétrico, conforme figura (a). Quando um
campo elétrico externo E ~ 0 devido ao capacitor é aplicado, conforme figura (b), um torque é
exercido sobre os dipolos, fazendo com que eles se alinhem parcialmente com o campo. O grau
de alinhamento das moléculas com o campo elétrico depende da temperatura e da intensidade
do campo, em geral, aumentando com o aumento da temperatura e do campo. Se as moléculas
do dielétrico são apolares, então o campo elétrico externo produz alguma separação de cargas
e num momento de dipolo induzido.

+ – + – + –
– + + – + – +

+ – +

+ – + – + –
– + – + – + – +
+ – + E0 –
+

– +
– + – +
– +
– +

+ – + –
+ + – + – + – + Eind
– +

– – – + – + –
+
+ – + –
E0 – σ ind σind

Em ambos materiais feitos de moléculas polares ou apolares, os campos elétricos induzidos


pelos momentos de dipolos elétricos alinhados tendem a cancelar parcialmente o campo externo
~ T dentro do dielétrico é o campo
original, figura (c). Assim, o campo elétrico resultante E
~ 0 mais o campo induzido E
original E ~ ind

~T = E
E ~0 + E
~ ind ,

ou

ET = E0 − Eind .

Notamos que o campo resultante dentro do dielétrico aponta na direção do campo externo
original. O campo induzido depende do campo externo original na forma Eind = αE0 , sendo α
a polarizabilidade do meio material. Com isso, podemos escrever

ET = (1 − α)E0 ,

e denominando κ = 1/(1 − α) a constante dielétrica do meio material, vemos que o campo


resultante no interior do meio dielétrico é reduzido de um fator κ

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Prof. Elvis Soares 6 Capacitores com Dielétricos

~
~ T = E0
E (6)
κ
Além disso, o campo elétrico externo E0 está relacionado com a densidade de carga σ nas placas
através da relação E0 = σ/0 , e o campo elétrico induzido Eind no dielétrico está relacionado
com a densidade de carga induzida σind , conforme figura (b), através da relação Eind = σind /0 .
Como ET = E0 /κ = σ/(κ0 ), temos

σ σ σind
= −
κ0 0 0
e
 
κ−1
σind = σ (7)
κ

Como κ > 1, essas expressões mostram que o campo elétrico no interior do dielétrico ET é
reduzido, e a densidade de carga induzida σind no dielétrico é menor que a densidade de cargas
nas placas.
Existe, porém, um valor crı́tico para o campo externo, consequentemente para a diferença de
potencial, acima do qual o material deixa de ser isolante, e ocorre ou uma descarga elétrica ou
uma ruptura do isolamento. Esse campo elétrico crı́tico fornece a rigidez dielétrica do material,
que é medida pelo módulo do campo elétrico mı́nimo acima do qual se produz a ruptura do
dielétrico.

6 Capacitores com Dielétricos


Quando inserimos um dielétrico no interior de um capacitor o que acontece com a capacitância?
Aumenta, diminui, ou não se modifica? Podemos analisar o seguinte experimento para ilustrar
o efeito de um dielétrico num capacitor.

– –
+ +

Consideremos um capacitor de placas paralelas isolado que sem o dielétrico, conforme figura
(a), tem uma carga Q0 e uma capacitância C0 , de modo que a diferença de potencial entre as

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6 Capacitores com Dielétricos Prof. Elvis Soares

placas é ∆V0 . Se um dielétrico é agora inserido entre as placas, conforme figura (b), a diferença
de potencial ∆V entre as placas deve ser reduzida de um fator κ pois o campo no interior do
capacitor foi reduzido do mesmo fator, desta forma

∆V0
∆V = .
κ
Como a carga Q0 no capacitor não mudou, concluı́mos que a capacitância deve mudar para o
valor

Q0 Q0 Q0
C= = =κ
∆V ∆V0 κ ∆V0
então

C = κC0 (8)

Isso é, a capacitância aumenta de um fato κ quando um dielétrico preenche completamente a


região entre as placas.

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Prof. Elvis Soares 6 Capacitores com Dielétricos

Exemplo: Capacitor parcialmente preenchido

Consideremos um capacitor de placas paralelas com separação entre as placas d, que tem capa-
citância C0 na ausência de um dielétrico, preenchido com dielétrico de constante κ e espessura
d/3 conforme figura (a).

Podemos imaginar o conjunto da figura (a) como


sendo dois capacitores C1 e C2 associados em série,
conforme figura (b). Usando o resultado da capa-
citância de um capacitor de placas paralelas, temos
κ0 A 0 A
C1 = e C2 = .
d/3 2d/3
Como associamos em série, a capacitância equiva-
lente é dada por

1 1 1 d/3 2d/3
= + = +
C C1 C2 κ0 A 0 A
então
 
3κ 0 A
C=
2κ + 1 d
e como a capacitância sem o dielétrico é C0 = 0 A/d,
podemos escrever
 

C= C0
2κ + 1

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