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EMPRESARIADO E DITADURA NO BRASIL: O CASO DOS BANQUEIROS

Rafael Vaz da Motta Brandão1

Introdução

O artigo tem como objetivo analisar a relação entre empresariado e ditadura no


Brasil, mais especificamente, o empresariado ligado ao setor bancário a partir do estudo
de caso dos grupos Moreira Salles e Itaú. O período da ditadura foi marcado por um
forte movimento de centralização de capital, responsável pela formação de grandes
grupos empresariais, inclusive no setor financeiro.
No princípio da década de sessenta, segundo estudo de Ary Minella, o sistema
bancário brasileiro contava com um grande número de matrizes bancárias, distribuídas
nas principais regiões econômicas do país. Os bancos (e casas bancárias até 1964)
totalizavam 358 em 1960, incluindo-se oito bancos estrangeiros, reduzindo-se esse
número para 111 em 1980. O número de bancos diminuiu, assim, em mais de 1/3 neste
período, caracterizando um intenso processo de centralização de capital no setor2.

Os movimentos de concentração e centralização de capital

A acumulação de capital é uma tendência central e fundamental do modo de


produção capitalista. A partir desta premissa, Marx define dois processos distintos
inseridos no movimento geral da acumulação capitalista: a concentração e a
centralização de capital. De acordo com Marx,

“toda a acumulação torna-se meio de nova acumulação. Ela amplia com a


massa multiplicada da riqueza, que funciona como capital, sua concentração
nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção em larga
escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O

1
Professor visitante do Departamento de Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores
(UERJ-FFP). E-mail: rafabrandao@uol.com.br.
2
MINELLA, Ary. Banqueiros: organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo,
1988.
crescimento do capital social realiza-se no crescimento de muitos capitais
individuais. Pressupondo-se as demais circunstâncias constantes, os capitais
individuais crescem e, com eles, a concentração dos meios de produção, na
proporção em que constituem partes alíquotas do capital global da sociedade.
(...) Com a acumulação de capital, cresce, portanto, em maior ou menor
proporção, os números de capitalistas” 3.

Portanto, a acumulação individual de capitalistas possibilita não só o aumento da


quantidade de capital por eles controlados, mediante a transformação de uma parte do
excedente em novo capital, em novos meios de produção, como também uma escala
maior de produção. Marx denomina este processo de concentração de capital. Este
seria, portanto, um movimento resultante da própria acumulação de capital. Nesse
sentido, a concentração de capital é “companheira normal da acumulação e,
obviamente, não pode ocorrer sem ela”4.
Para além deste movimento, há uma segunda etapa do processo de acumulação
capitalista, denominada por Marx de centralização de capital. Novamente, segundo
Marx,

“a dispersão do capital global da sociedade em muitos capitais individuais ou


a repulsão recíproca entre suas frações é oposta a sua atração. Esta já não
concentração simples, idêntica à acumulação, de meios de produção e de
comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos,
supressão de sua autonomia individual, expropriação de capitalistas por
capitalistas, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais
maiores. Esse processo se distingue do primeiro porque pressupõe apenas
divisão alterada dos capitais já existentes e em funcionamento, seu campo de
ação não estando, portanto, limitado ao crescimento absoluto da riqueza
social ou pelos limites absolutos da acumulação. O capital se expande aqui
numa mão, até atingir grandes massas, porque acolá ele é pedido por muitas
mãos. É a centralização propriamente dita, distinguindo-se da acumulação e
da concentração”5.

3
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, Volume II, 1985, p. 196.
4
SWEEZY, Paul. Teoria do Desenvolvimento Capitalista. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 298.
5
MARX, Karl. O Capital... Op. Cit., p. 196.
O principal fator subjacente ao processo de centralização de capital está na
economia de produção em grande escala6. Como a concorrência entre os capitalistas se
faz através da redução dos custos da mercadoria e do aumento da produtividade do
trabalho, aqueles que conseguem produzir em maior escala levam considerável
vantagem sobre os demais na luta concorrencial do mercado7. É neste momento que os
capitais maiores ganham a concorrência e englobam os capitais menores e, dessa forma,
aumentam o seu volume de capital.
O processo de centralização atua, assim, como uma forma de atração de capitais
maiores que avançam sobre os menores. Como consequência, os capitais inferiores se
fundem entre si, na tentativa de resistência à pressão dos capitais superiores,
transformando-se, dessa forma, também em grandes capitais, ou então são quebrados e
incorporados ao capital das grandes empresas.
A luta da concorrência é, portanto, um agente da centralização. A centralização
de capital, ao contrário do movimento anterior de concentração de capital, é o processo
mais rápido para a ampliação da escala de produção, pois só precisa alterar o
agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. Assim,

“a centralização complementa a obra da acumulação, ao colocar os


capitalistas industriais em condições de expandir a escala de suas operações.
Seja esse último resultado agora consequente da acumulação ou da
centralização; ocorra a centralização pelo caminho violento da anexação –
onde certos capitais se tornam centros de gravitação tão superiores para
outros que lhes rompem a coesão individual e, então, atraem para si os
fragmentos isolados – ou ocorra a fusão de uma porção de capitais já
construídos ou em vias de constituição mediante o procedimento mais
tranquilo de formação de sociedades por ações – o efeito econômico
permanece o mesmo”8.

Verificamos, portanto, a existências de dois movimentos distintos dentro do


processo geral de acumulação de capital, marca do modo capitalista de produção: a

6
SWEEZY, Paul. Teoria do... Op. Cit., p. 299.
7
SINGER, Paul. Curso de Introdução à Economia Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000,
p 76.
8
MARX, Karl. Idem, p. 197.
concentração de capital e a centralização de capital. No primeiro, o crescimento da
empresa se dá em razão da busca pelo aumento de sua escala de produtividade, por meio
da acumulação de capital, a saber, a transformação de parte de seus lucros em novo
capital. A centralização, num segundo momento, decorre diretamente do processo de
concorrência no mercado, em que as empresas maiores englobam as menores,
justamente por terem uma maior escala de produção, o que permite baratear os preços
de suas mercadorias. Enquanto o primeiro movimento está sujeito ao limite que a
acumulação da riqueza de toda a sociedade o impõe, o segundo movimento,
contrariamente, não tem limite, a menos que se considere a hipótese de todos os meios
de produção estarem concentrados nas mãos de um único proprietário. No processo de
centralização, observa-se, claramente, uma tendência monopolista, verificada em todos
os setores da produção, sendo que esta tendência ao monopólio só acaba quando o
monopólio puro é estabelecido, ou seja, que exista uma única empresa para cada setor
de produção e, finalmente, uma única empresa que controle todos os setores de
produção. Portanto, a concentração tem o seu limite, ao passo que a centralização não9.
Por fim, deve-se estabelecer uma diferenciação entre estes dois movimentos na
sua relação com as conjunturas cíclicas da economia capitalista. A dinâmica do modo
capitalista de produção se caracteriza por períodos de crescimento econômico e por
períodos de depressão. Nestas fases antagônicas do processo de acumulação da
economia capitalista realizam-se, alternadamente, os processos de concentração e
centralização de capital.
Na fase ascendente, as empresas crescem a partir da expansão de suas unidades
produtivas. Segundo Paul Singer, nesse processo, identificado com o movimento de
concentração de capital, “as empresas pequenas (...) não estão sujeitas à pressão
concorrencial, há ampliação dos mercados, o que lhes permite acompanhar, em certa
medida, o ritmo de crescimento das grandes empresas”10.
Na fase de depressão, ao contrário, ocorre uma drástica redução da acumulação
social da riqueza. E, na medida em que esta atinge seus níveis mais baixos, a
acumulação de capitais particulares também é reduzida, havendo descapitalização de

9
SINGER, Paul. Curso de Introdução... Op. Cit., p. 76.
10
SINGER, Paul. Idem, p. 76.
algumas empresas e uma pequena capitalização de outras. É nesta fase de depressão que
se realiza o movimento de centralização de capital. Neste momento, ocorre uma retração
do mercado e uma dificuldade de crescimento orgânico das empresas. Como
consequência, observa-se uma acirrada concorrência entre as empresas e aquelas que
mais acumularam capital na fase de ascensão acabam englobando as empresas de menor
porte.
Portanto, a dinâmica da economia capitalista envolve fases de ascensão, em que
ocorre uma elevação da produtividade através da concentração de capital, e fases de
depressão, na qual se verifica uma retração na produção e acirramento na concorrência,
e que, através do movimento de centralização de capital, empresas maiores englobam
empresas de menor capital, avançando a tendência à formação de um capital
monopolista.

Os grupos Moreira Salles e Itaú e a ditadura brasileira

A história dos grupos Moreira Salles e Itaú, embora trilhada por caminhos
diferentes, seguiu basicamente os mesmos passos: a origem em um banco de atuação
regional, a Casa Bancária Moreira Salles, em Minas Gerais, e o Banco Central de
Crédito, em São Paulo; a expansão beneficiada pela política de centralização bancária
da ditadura civil-militar; e a consolidação a partir da fusão dos negócios bancários,
dando origem ao grupo Itaú Unibanco.
No início dos anos sessenta, com as crescentes demandas nacionalistas e
reformistas, segundo René Dreifuss, em seu clássico estudo sobre o golpe de 1964,
"tornava-se imperativo para os interesses multinacionais e associados ter o comando
político da administração do Estado"11. Com a ascensão de Jânio Quadro ao poder tais
interesses foram parcialmente obtidos. Porém, com a sua renúncia, João Goulart tornou-
se presidente, liderando um bloco nacional-reformista. Assim, segundo o autor, "uma
situação radical e altamente desfavorável desdobrou-se para o bloco multinacional e

11
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis, Vozes, 1981, p. 37.
associado que lançou uma campanha, para conseguir um novo arranjo político que
expressasse os seus interesses então bloqueados"12.
A articulação desse novo arranjo político que pudesse restabelecer a taxa de
lucro, acelerando a acumulação capitalista no país, englobou as diferentes frações da
classe dominante brasileira, incluindo a burguesia financeira. Tal movimento teve como
resultado a derrubada do governo de João Goulart, "condenando na prática a sua
alternativa socioeconômica distributiva e nacionalista e ajudando, a despeito de sua
própria condição, a ancorar firmemente o Estado brasileiro à estratégia global das
corporações multinacionais"13.
Importantes documentos produzidos pela embaixada norte-americana no Brasil,
nos meses que antecederam a queda de Goulart, revelaram que muito empresários
brasileiros repassavam ao embaixador Lincoln Gordon, um dos principais articuladores
internacionais do golpe, informações e opiniões sobre o governo brasileiro. Entre estes
empresários, de acordo com a documentação, estava o nome de Walther Moreira Salles.
Em um almoço com Gordon, em 22 de novembro de 1963, cujo conteúdo fora
repassado em telegrama ao Departamento de Estado dos EUA, Walther Moreira Salles
contou ter recusado um convite de Goulart para assumir, mais uma vez, a embaixada
brasileira em Washington. O motivo da recusa de Walther Moreira Salles teria sido um
suposto alinhamento à esquerda do seu governo. Ainda segundo o relato do diplomata
norte-americano, Walther Moreira Salles previa uma cenário catastrófico para a
economia brasileira, caso o governo não implementasse reformas urgentes. No
encontro, também abordaram questões referentes aos interesses norte-americanos no
Brasil, especialmente no caso da estatização da empresa de energia American and
Foreing Power, em 1962, pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,
cunhado de Goulart, e do projeto de lei que limitava a remessa de lucros de
multinacionais para o exterior14.
Na segunda semana de dezembro de 1963, em um novo encontro com Gordon,
Walther Moreira Salles reafirmaria a sua preocupação com a instabilidade política e

12
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do... Op. cit., p. 37-38.
13
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do... Op. cit., p. 38.
14
Brasileiros muniam de informações embaixada americana no Rio. Disponível em:
http://www.arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/brasileiros-muniam-informacoes-
embaixada#pagina-2. Acesso em: 10 de janeiro de 2015
econômica do país e com a alta da inflação. Na ocasião, Walther Moreira Salles criticou
novamente as ações "hostis" do governo Goulart em relação ao capital estrangeiro15.
Outro importante indicativo da colaboração de Walther Moreira Salles no golpe
de 1964 refere-se à sua ligação com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)16
que, junto com o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), atou decisivamente
na conspiração golpista que levaria à derrubada do governo Goulart17.
O modelo econômico implantado logo após o golpe, inserido no contexto mais
geral da reforma do Estado brasileiro no pós-1964, orientou-se a partir de um conjunto
de reformas estabelecidas pelo Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG),
elaborado durante o governo Castello Branco e pelos ministros Octávio Gouvêa de
Bulhões e Roberto Campos18. Dentre elas estavam a reforma fiscal, que instituía um
sistema tributário regressivo, penalizando as classes trabalhadoras; a reforma
trabalhista, orientada a partir de uma política de arrocho salarial, além do fim da
estabilidade de emprego e de uma ação repressora contra as organizações sindicais; e a
reforma financeira, com a abertura da economia ao capital internacional, através da
flexibilização para instituições financeiras e empresas captarem recurso fora do país, a
revogação da lei de controle remessa da taxa de lucro para o exterior e a política de
estímulo à conglomeração bancária19.

15
Brasileiros muniam de informações embaixada americana no Rio. Disponível em:
http://www.arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/brasileiros-muniam-informacoes-
embaixada#pagina-2. Acesso em: 10 de janeiro de 2015.
16
Segundo Elaine Bortone, “O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) foi fundado em 1961, por
empresários, tecnocratas de alto escalão e por militares da alta patente, em especial oficiais da Escola
Superior de Guerra (ESG), com o apoio financeiro do governo norte americano, para integrar os diversos
grupos civis e militares em uma oposição que pudesse deter o governo de João Belchior Marques Goulart
(1961-1964) e as forças sociais que o apoiavam”. BORTONE, Elaine. O Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (IPES) na construção da Reforma do Estado autoritário (1964-1968). In: Tempos Históricos,
Volume 18, 2014, p. 45.
17
Segundo Dreifuss, “os industriais e banqueiros que eram líderes ativistas do IPES também eram
contribuintes, representando uma substancial fonte de apoio econômico”. DREIFUSS, René Armand.
1964: A conquista do... Op. cit., p. 627.
18
Segundo Moniz Bandeira, “A diretriz fundamental de sua política econômica, cuja eficácia e repressão
militar-policial garantiria, consistiu no agravamento da exploração da força de trabalho, mediante a
redução do salário real e os níveis inferiores aos de subsistência e o apoio à concentração e centralização
de capital. O objetivo era intensificar, extraordinariamente, a apropriação da mais valia e, favorecendo o
processo de acumulação, aumentar a taxa de investimentos, de acordo com as necessidades de expansão
da economia”. BANDEIRA, Luiz Alberto Vianna Moniz. Cartéis e desnacionalização (a experiência
brasileira: 1964/1974). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 17.
19
Segundo Dreifuss, “a tendência para a desnacionalização, concentração e predominância em setores
específicos das multinacionais aumentou profundamente após 1964, uma vez que as condições políticas e
Com a reforma financeira, foram criados o Banco Central e o Conselho
Monetário Internacional (CMN), agências que extinguiriam a Sumoc e estabeleceriam
novas formas de organização e subordinação das instituições financeiras públicas e
privadas20. Segundo Ary Minella, o CMN "reforçava um entrelaçamento entre a
burguesia no poder e seus representantes diretos, consolidando a articulação entre os
grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiro". De acordo com o autor, "as
funções normativas que a lei atribuía a este conselho, permitiria que este influísse
amplamente nos rumos da política econômica global do país"21. Assim como o Banco
Central, a composição do CMN, ao longo de sua história, contava com a participação de
banqueiros e representantes de bancos, muitos deles, inclusive, ligados ao Unibanco e
ao Itaú.
No mercado de capitais, a reforma financeira estabeleceu a criação dos bancos
de investimentos. O objetivo era dinamizar o mercado financeiro do país, ampliando as
funções desempenhadas pelos bancos comerciais. Dessa forma, as instituições
financeiras poderiam captar recursos, inclusive no exterior, além de operar em várias
modalidades do mercado de ações.
O estímulo à centralização de capitais no sistema bancário, levando à formação
de grandes conglomerados financeiros, foi justificado pelo governo pela necessidade de
expandir a capacidade do setor de movimentar capitais e oferecer financiamentos de
longo prazo para obras de infraestrutura que marcaram a ditadura civil-militar. Para os
Moreira Salles, iniciava-se um intenso período de fusões e aquisições. Entre 1964, ano
da derrubada do governo Goulart, e 1975, quando passaria a se chamar Unibanco, foram
incorporadas, pelo grupo, seis instituições financeiras.
A primeira instituição adquirida pelos Moreira Salles após o golpe foi o Banco
da Cidade de Juiz de Fora. A aquisição se deu em 1965.
Em 1966, no contexto das reformas do sistema financeiro brasileiro e do
mercado de capitais, o grupo Moreira Salles fundou o Banco de Investimentos do Brasil

econômicas para esse movimento ascendente foram impostas”, DREIFUSS, René Armand. 1964: A
conquista do... Op. cit., p. 62.
20
Entre os membros do CMN ligados ao Unibanco estão: Marcílio Marques Moreira, Pedro Malan,
Pérsio Arida, Francisco Gros, Armínio Fraga e Roberto Konder Bornhausen; entre os membros do CMN
ligados ao Itaú estão: Ruy Aguiar da Silva Leme, Fernão Bracher, Pérsio Arida, Paulo Egydio Martins e
José Carlos Moraes Abreu.
21
MINELLA, Ary Cesar. Banqueiros: organização... Op. cit., p. 81.
(BIB). Além do próprio Banco Moreira Salles, o BIB reunia como sócios a empresa
canadense Light and Power Company e o grupo Azevedo Antunes, controlador da
Caemi, empresa do ramo de mineração. Logo depois de sua criação, o BIB incorporou
duas importantes instituições financeiras do mercado de ações do país: a IBEC
(International Basic Economy Corp.), do grupo Rockfeller, e a DELTEC22. Esta última,
começou a operar no país em 1947 e era responsável pelo lançamento de ações de
empresas como a Willys Overland do Brasil, empresa norte-americana fabricante do
Jeep Willys, a Brinquedo Estela e a Companhia de Força e Luz. Os fortes investimentos
do grupo no mercado de capitais levariam à indicação, em 1970, de Walther Moreira
Salles como primeiro presidente do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais
(IBMEC).
Após a incorporação do Cidade de Juiz de Fora pelo Banco Moreira Salles, e da
IBEC e da DELTEC pelo BIB, o grupo Moreira Salles partiria para a aquisição, em
1966, de mais uma instituição bancária: o Banco Agrícola e Mercantil (Agrimer).
A origem do Agrimer se encontra no Spar und Darlehnne, instituição fundada
em 1904, na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul, por colonos alemães. Pouco depois de
sua criação, passou a se chamar Caixa Cooperativa Santa-Cruzense. Em 1935, mudou
novamente de nome, para Caixa Santa-Cruzense e, três anos depois, para Banco
Agrícola e Mercantil. Em 1946, o banco transferiu-se para Porto Alegre, e tomou a
denominação de Agrimer. Apesar de estar concentrado na região sul, o Agrimer era um
dos maiores bancos privados do país na época, com 102 agências no Rio Grande do Sul
e 13 em Santa Catarina. Contava, ainda, com agências no Paraná, São Paulo e no então
estado da Guanabara. A partir de 1967, com a incorporação do Agrimer, o Banco
Moreira Salles também mudaria de nome, passando a se chamar União de Bancos
Brasileiros (UBB) e tendo como símbolo as três alianças entrelaçadas, remetendo à
fusão entre a antiga Casa Bancária Moreira Salles, o Banco Machadense e a Casa
Bancária de Botelhos23.
Em 1970, o grupo Moreira Salles realizaria a sua quinta incorporação, com a
compra do Banco Predial. Fundado em 1917, era um banco ligado à comunidade

22
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história muito além dos números. São Paulo:
Editora Itaú Unibanco, 2014, p. 22.
23
"Constituída a União de Bancos Brasileiros", In: Folha de São Paulo, 27/05/1967, p. 14.
portuguesa do Rio de Janeiro e direcionado a clientes de menor renda. Sua aquisição,
resultou na incorporação de 108 agências, levando a uma alteração no perfil do UBB,
até então um banco dirigido para a população de alta renda.
Em junho de 1974, o União de Bancos Brasileiros assumiu o controle acionário
do Bansulinvest, instituição financeira do Rio Grande do Sul. No ano seguinte à
incorporação do Bansulinvest, o União de Bancos Brasileiros, que havia deixado de ser
Banco Moreira Salles há oito anos, mudaria novamente de nome, passando a ser chamar
Unibanco.
Assim como o Unibanco, o Itaú foi um dos principais grupos beneficiados pelas
reformas do sistema financeiro empreendidas pelos governos militares a partir de 1964 e
que estimularia a expansão do capital monopolista no setor. Tal política permitiria um
crescimento extraordinário ao banco controlado pelas famílias Setúbal e Villela a partir
de fusões, aquisições e incorporações de outros bancos. No ano do golpe, o então Banco
Federal de Crédito ainda era um banco basicamente de atuação regional, possuindo 58
agências, a maior parte delas no estado de São Paulo. Uma década depois, já
transformado em Itaú, possuía agências em várias regiões do país e figurava entre os
grandes bancos brasileiros.
A primeira importante fusão da história do ainda Banco Federal de Crédito
ocorreu justamente em 1964. Tratava-se do banco Itaú, braço financeiro da Companhia
de Cimento Portland Itaú, de Minas Gerais, instituição bancária fundada em 1944 por
José Balbino Siqueira. Ocupava a 47ª posição do ranking dos bancos do Brasil e possuía
uma importante rede de 76 agências. Além de Minas Gerais, estava presente no Paraná,
São Paulo, Mato Grosso, Guanabara e Distrito Federal. O início das operações do novo
banco, que passou a se chamar Banco Federal Itaú, deu-se em janeiro de 1965. Após o
negócio, o banco das famílias Setúbal e Villela situava-se na 16ª posição entre as
instituições bancárias do país, incluindo aí nacionais e estrangeiros, com um capital
total de US$ 4,2 milhões.
Proporcionada pelo processo de financeirização da economia brasileira
empreendida pela ditadura civil-militar, através da lei de reforma do mercado de
capitais, o grupo Itaú obteve a primeira carta patente para a abertura de um banco de
investimentos no Brasil, o Banco Federal Itaú de Investimentos - Bankinvest. A mesma
lei possibilitou aos Moreira Salles a fundação do Banco de Investimentos do Brasil
(BIB). Em 1974, o Bankinvest passou a denominar-se Banco Itaú de Investimentos e
contava com uma participação de 27% de investimentos de bancos estrangeiros, entre
eles, o Kiowa (Japão), o Bayerische Vereinsbank (Alemanha) e o Union Suisse des
Banques - Bank of Switzerland (Suíça)24.
Em 1966, uma segunda fusão era realizada, desta vez, com o Banco Sul
Americano. Criado em 1943, os principais acionistas do Sul Americano eram também
vinculados à Companhia Paulista de Estrada de Ferro, na qual os membros da família
Souza Aranha tinham participação. Uma das principais vantagens no negócio para o
Banco Federal Itaú era o aumento do número de agências. O Sul Americano possuía 52
agências. Destas, 44 estavam ficavam em São Paulo, seis no Paraná, uma em Minas
Gerais e uma na Guanabara. No total, o Banco Federal Itaú Sul Americano teria 184
agências e iniciava as operações com um capital total de US$ 6,7 milhões. Em 1967, o
banco abriria uma agência em Salvador, deixando assim os limites da região centro sul
do país25.
Em 1969, ocorreria a fusão com o Banco da América, a terceira na história do
grupo. Seu proprietário era Herbert Levy, político, dono do jornal Gazeta Mercantil e
proprietário de fazendas. Com sede no edifício Martinelli, o Banco da América era o
banco paulista com o maior número de agências em São Paulo. Ocupava, no momento
da fusão com o Federal Itaú Sul Americano, a décima quinta posição entre os bancos
brasileiros26.
Em março de 1969, surgia o Banco Itaú América, sendo eliminado a referência
ao Federal, dos tempos de Alfredo Egydio de Souza Aranha, e ao Sul Americano. No
total, a rede bancária da nova instituição era formada por 274 agências, distribuídas por
São Paulo, Minas Gerais, Guanabara, Paraná, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Brasília e Bahia.
A partir da operação com o Banco da América, interrompeu-se o período de
fusões, dando início a uma nova etapa na estratégia empresarial de expansão do grupo,
caracterizada por aquisições e incorporações, que se iniciaram com o Banco Aliança,

24
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 134.
25
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 134.
26
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 135.
em 1970. Sediado no Rio de Janeiro, o Aliança era um banco de pequeno porte e
possuía apenas 35 agências27. Contudo, quinze delas ficavam na região nordeste, o que
despertou o interesse do grupo, que pretendiam aumentar sua presença nessa região.
Com a incorporação do Aliança, o Itaú América alcança a oitava posição no ranking
brasileiro de bancos.
As aquisições e incorporações prosseguiram ao longo da década de setenta, a
partir da compra, em 1973, do Banco Português do Brasil. Fundado pela comunidade
portuguesa do Rio de Janeiro em 1918, tinha como principal foco de atuação a
intermediação dos interesses e necessidades financeiras entre Brasil e Portugal. O banco
encontrava-se sob intervenção do Banco Central e o seu controle acionário foi colocado
à venda. Depois de propostas do Bradesco, Nacional, Real e da construtora Camargo
Corrêa - que possuía um banco comercial, o Banco Geral do Comércio - o Banco
Português do Brasil acabou sendo adquirido pelo Itaú América28.
O Itaú América tornou-se, assim, o segundo grupo por volume de depósitos no
sistema bancário nacional. Liderava, ainda, em número de agências entre bancos
privados, com 468 unidades, doze a mais do que o segundo colocado.
No ano seguinte à compra do Banco Português do Brasil, o Itaú América
realizou outra importante operação, com a incorporação do Banco União Comercial
(BUC), ocorrida logo após a quebra do Banco Halles. As sucessivas crises bancárias
ocorridas após o golpe de 1964 mostram que a solução para a sua superação quase
sempre envolveu a participação de recursos públicos. O Halles, uma das instituições
favorecidas pela política de conglomeração bancária da ditadura, vinha tendo problemas
em relação à política monetária do ministro Mário Henrique Simonsen para conter os
riscos de inflação gerados pelo choque do petróleo de 1973. A intervenção no Halles se
deu em 1974 e o governo financiou a sua incorporação pelo Banco do Estado da
Guanabara. Estima-se que os custos do governo com a crise do Halles tenham atingido
US$ 1,2 bilhões.
O caso do BUC, logo após a quebra do Halles, é mais um caso de financiamento
público para a recuperação de um banco e preparo de sua incorporação por outra
instituição financeira. O BUC, banco de grande porte e controlado pelo grupo Soares

27
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 136.
28
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 137.
Sampaio, foi fundado em 1967. Seis anos depois já ocupava o sétimo lugar entre os
bancos comerciais privados por volume de depósitos, com uma rede de 250 agências29.
O banco entrou em crise junto com seus maiores clientes, como o grupo Lume, e estava
com uma dívida de curto prazo calculada à época em Cr$ 1,8 bilhões, quando foi
montada as condições para a sua compra pelo Itaú América. O banco passou a ser
administrado pelo ex-ministro, Roberto Campos, nome ligado à fundação da ANPES,
instituição da qual Eudoro Villela seria presidente em 1967. A aquisição do BUC
representou, na ocasião, a duplicação do tamanho banco controlado por Olavo Setúbal e
Eudoro Villela.
No ano seguinte à incorporação do BUC, Olavo Setúbal foi nomeado prefeito de
São Paulo, entregando a diretoria do banco para José Carlos Moraes de Abreu. Ainda
em 1975, o banco passava a adotar o nome de Itaú, situando-se entre os 500 maiores do
mundo.
A década de setenta foi também marcada no Itaú pelos investimentos em
tecnologia, informatização e automação bancária, aproveitando-se dos incentivos do
Programa de Reserva de Informática lançado pelo governo federal. Dentro do processo
de automação e reforçando a identificação do Itaú como o "banco de engenheiros", foi
criada, em 1979, a Itautec, empresa fabricante de equipamentos de informática. A
Itautec era uma empresa inicialmente voltada para a automação bancária, mas com o seu
crescimento passou a atuar no ramo de tecnologia e informação.
Em janeiro de 1985, quando Olavo assumiu o ministério das Relações
Exteriores, José Carlos de Abreu assumiria novamente a direção do banco, onde
permaneceu até 1990. Assim como Olavo Setúbal, também foi membro do Conselho
Monetário Nacional, ocupando o cargo entre 1975 e 1984. Com o falecimento de Olavo
Setúbal, em 2008, assumiu a presidência do conselho de administração e exerceu
influência marcante na formação de Roberto Setúbal30.
Ao deixar o governo, novamente Olavo Setúbal retornou ao Itaú, fundando, em
1987, o Instituto Cultural Itaú. Mais tarde, a instituição passaria a se chamar Instituto
Itaú Cultural. O seu acervo possui cerca de 12 mil itens, entre pinturas, gravuras,

29
COSTA, Paulo Nogueira da. Origem do capital bancário no Brasil: o caso RUBI. In: Texto para
Discussão. Campinas: IE/Unicamp, nº 106, março/2002, p. 19.
30
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 179.
esculturas, fotografias, filmes, vídeos, peças de coleções Itaú Numismática e Brasiliana
31
Itaú . Alfredo Egydio Setúbal, um dos filhos de Olavo Setúbal além de ocupar uma
diretoria no Itaú Unibanco, é também vice-presidente executivo do Itaú Cultural.

Bibliografia

BANDEIRA, Luiz Alberto Vianna Moniz. Cartéis e desnacionalização (a experiência


brasileira: 1964/1974). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
BORTONE, Elaine. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) na construção da
Reforma do Estado autoritário (1964-1968). In: Tempos Históricos, Volume 18, 2014.
COSTA, Paulo Nogueira da. Origem do capital bancário no Brasil: o caso RUBI. In:
Texto para Discussão. Campinas: IE/Unicamp, nº 106, março/2002.
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação política, poder e golpe
de classe. Petrópolis, Vozes, 1981.
MINELLA, Ary. Banqueiros: organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro:
Espaço e Tempo, 1988.
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história muito além dos números.
São Paulo: Editora Itaú Unibanco, 2014.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, Volume II, 1985.
SINGER, Paul. Curso de Introdução à Economia Política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000.
SWEEZY, Paul. Teoria do Desenvolvimento Capitalista. São Paulo: Nova Cultural,
1986.

Principais fusões e aquisições da história do grupo Moreira Salles/Unibanco

Ano Instituição incorporada Tipo de Incorporação

31
MARTINS, Ana Luiza. Itaú Unibanco 90 Anos: uma história... Op. cit., p. 220.
1940 Banco Machadense Fusão
1940 Casa Bancária de Botelhos Fusão
1965 Banco da Cidade de Juiz de Fora Aquisição
1966 IBEC Incorporação *
1966 DELETC Incorporação *
1967 Banco Agrícola e Mercantil (Agrimer) Fusão
1970 Banco Predial do Rio de Janeiro Fusão
1974 Bansulvest - Banco de Investimentos S.A. Aquisição
1981 Banco Mineiro Aquisição
1991 Banco Pão de Açúcar Aquisição
1995 Banco Nacional Aquisição
1998 Banco Dibens Aquisição
2000 Credibanco Aquisição
2000 Bandeirante Aquisição
2004 Banco BNL do Brasil Aquisição
2008 Itaú Fusão

* Instituições incorporadas pelo Banco de Investimentos do Brasil (BIB)

Principais fusões e aquisições da história do grupo Itaú

Instituição Ano Tipo


Banco Paulista de Comércio 1961 Compra de seis agências
Banco Itaú 1964 Fusão
Banco Sul Americano do Brasil 1966 Fusão
Banco da América 1969 Fusão
Banco Aliança 1970 Aquisição
Banco Português do Brasil 1973 Incorporação
Banco União Comercial 1974 Incorporação
Banco Pinto Magalhães 1985 Incorporação
Banco Francês e Brasileiro 1995 Controle acionário
Bamerindus Luxembourg 1997 Aquisição
Banco Banerj 1997 Aquisição
Banco do Estado de Minas Gerais - Bemge 1998 Aquisição
Banco Del Buen Ayre 1998 Aquisição
Banco do Estado do Paraná - Banestado 2000 Aquisição
Banco do Estado de Goiás - BEG 2001 Aquisição
BBA Creditanstalt 2002 Associação
Banco Fiat 2003 Controle acionário
Banco AGF 2003 Aquisição
AGF Vida e Previdência 2003 Aquisição
BankBoston do Brasil 2006 Aquisição
Santander Banespa Japão 2006 Aquisição
Unibanco 2008 Fusão

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