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Introdução à filosofia

O que é a filosofia? Uma resposta inicial

[TEXTO 1]

«Uma vida não examinada não merece ser vivida.»


[Platão] Sócrates (século V a.C.)

O sentido etimológico do termo «filosofia»

O termo «filosofia» deriva das palavras gregas philos («amigo de»; «amor de»)
e sophia («sabedoria»; «saber»), e significa «amizade pelo saber» ou «amor à
sabedoria». Crê-se ter sido criado por Pitágoras (filósofo pré-socrático do séc. VI a.C.)
para identificar a atitude daquele que busca o conhecimento e a sabedoria.

Caracterização da atividade filosófica

1. É uma atividade de busca e problematização do conhecimento: baseia-se


numa atitude de curiosidade intelectual – movida pelo espanto face ao mundo e à
vida – que tenta formular explicações racionais.

Para isso, deve ser capaz de problematizar, ou seja: perguntar acerca das
razões e fundamentos que fazem com que aquilo que nos rodeia pareça ser de uma
certa forma; e a filosofia é uma atividade que trabalha com conceitos.

2. É uma reflexão crítica sobre o conhecimento e a realidade: implica a


capacidade de duvidar; em vez de aceitar passivamente aquilo que é considerado
como óbvio e evidente, começa por pôr em causa o conhecimento habitual. Por outro
lado, formula hipóteses fundamentadas (visa a fundamentação rigorosa) interligadas
com argumentos que lhe conferem plausibilidade.

3. É uma atividade prática de procura de sabedoria: tenta encontrar formas


de olhar e compreender o mundo; tenta também refletir sobre o sentido da vida e,
deste modo, alcançar um saber acerca do que é existir e viver.

4. É uma atividade autónoma: os filósofos, usando a razão, tentam pensar


sem recorrer a preconceitos e ideias feitas.

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5. É uma atividade radical: procura questionar os problemas pela sua “raiz”.

6. Desenrola-se num tempo e espaço particulares (historicidade): os filósofos


tentam dar resposta a problemas intemporais, mas fazem-no condicionados pela sua
época histórica e pela cultura na qual se inserem.

7. É uma atividade universal: aborda problemas que dizem respeito a toda a


humanidade.

[TEXTO 2] Tratado lógico-filosófico

«O objectivo da filosofia é a clarificação lógica de pensamentos. A filosofia não


é uma doutrina, mas uma actividade. Um trabalho filosófico consiste essencialmente
em elucidações. O resultado da filosofia não é "proposições filosóficas", mas o
esclarecimento de proposições. A filosofia deve tornar claros e delimitar rigorosamente
os pensamentos, que doutro modo são como que turvos e vagos.»
L. Wittgenstein (1921)

[TEXTO 3] O que é a filosofia?

«Simplesmente chegou a hora de perguntarmos o que é a filosofia. Questão


que nunca parámos de fazer, e para a qual já temos resposta, uma resposta
inalterável: a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos. [...] Um
filósofo conhece-se pelos conceitos, e pela falta dos conceitos; ele sabe apontar os
que são arbitrários, inviáveis ou inconsistentes e, contrariamente, os que são bem
fabricados e que testemunham uma criação, ainda que inquieta e perigosa.»
G. Deleuze (1991)

[TEXTO 4] Metafísica

«Todo o ser humano deseja, por natureza, saber. (…)

Já há muito que os homens filosofam, hoje como antes, movidos pelo espanto,
de início causado por qualquer fenómeno surpreendente e familiar. Confrontando-se,
pouco a pouco, com aporias maiores – as fases da lua, o movimento do Sol e dos
astros, a génese do todo –, caindo nas aporias e espantando-se, apercebem-se da
sua ignorância. (…)

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Aquele que filosofa para fugir à ignorância busca o saber pelo saber. Não pode,
portanto, ser movido por qualquer utilidade».

Aristóteles

Noções breves:

Aporia – Problema (ou questão do conhecimento) por solucionar.

Espanto – Reconhecimento da ignorância e incapacidade para resolver


aporias; começa com as coisas vulgares, estendendo-se a aporias mais sofisticadas.
Deriva do facto de as coisas serem o que são e de carecerem de explicação.

Ignorância – Incapacidade de compreender por que razões as coisas são o


que são.

Filosofar – Busca do saber pelo saber; é uma atividade cuja única finalidade é
fugir à ignorância, procurando resolver as aporias.

Exercícios:

1. Poderá haver resolução de aporias sem o exercício do espanto?

2. Tudo pode ser questionado?

3. Para que servem as perguntas filosóficas?

4. Para se ser filósofo basta o espanto?

5. Filosofar é uma atividade ou um conjunto de resultados teóricos?

6. Filosofar é algo infindável?

[TEXTO 5] Os problemas da filosofia

«Existe acaso qualquer conhecimento tão certo que nenhum homem possa
dele duvidar? Problema que, podendo à primeira vista parecer pouco árduo, se
apresenta na verdade dos mais difíceis. Quando tenhamos formado ideia nítida dos

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obstáculos que se opõem aqui a uma resposta clara e assegurada, achar-nos-emos
bem lançados no estudo da filosofia».
B. Russell (1912)

[TEXTO 6] Princípios de filosofia

«1 – Que para examinar a verdade é necessário, uma vez na vida, pôr todas as
coisas em dúvida, tanto quanto se puder.
Como fomos crianças antes de sermos homens, e como formulámos vários
juízos acerca das coisas sensíveis antes que tivéssemos o completo uso da nossa
razão, somos desviados do conhecimento da verdade por muitos preconceitos; destes,
parece que não nos podemos libertar se não tomarmos a iniciativa de duvidar, uma
vez na vida, de todas as coisas em que encontramos a mínima suspeita de incerteza.

2 – Que é útil também considerar como falsas todas as coisas de que se pode
duvidar.
Será mesmo muito útil rejeitarmos como falsas todas aquelas coisas a respeito
das quais pudermos imaginar a mínima dúvida, a fim de que, se descobrirmos
algumas coisas que, apesar de tal precaução, nos pareçam manifestamente
verdadeiras, possamos considerar que também elas são muito certas e as mais fáceis
que é possível conhecer».
R. Descartes (1644)

Exercícios:

1. Qual é o problema central presente nos textos?

2. A abordagem de Descartes parece-lhe apropriada?

3. O que responderia a Russell (haverá algum conhecimento do qual não se possa


duvidar?)

4. Quais lhe parecem ser as consequências de uma resposta negativa à pergunta


anterior?

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[TEXTO 7] Que quer dizer tudo isto?

«A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e


pensando em argumentos contra elas e procurando saber como funcionam realmente
os nossos conceitos.
A preocupação fundamental da filosofia consiste em questionarmos e
compreendermos ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensarmos
nelas. Um historiador pode perguntar o que aconteceu em determinado momento do
passado, mas um filósofo perguntará: “o que é o tempo?”. Um matemático pode
investigar as relações entre os números mas um filósofo perguntará: “o que é um
número?”. Um físico perguntará de que são constituídos os átomos ou o que explica a
gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer
coisa fora das nossas mentes. Um psicólogo pode investigar como é que as crianças
aprendem uma linguagem, mas o filósofo perguntará: “o que é que faz uma palavra
significar qualquer coisa?”. Qualquer pessoa pode perguntar se entrar no cinema sem
pagar será errado, mas um filósofo perguntará: “o que é que torna uma ação certa ou
errada?”.
Não poderíamos viver sem tomarmos como garantidas as ideias de tempo,
número, conhecimento, linguagem, certo e errado, a maior parte do tempo, mas em
filosofia investigamos essas mesmas coisas. O objetivo é levar o conhecimento do
mundo e de nós próprios um pouco mais longe. É óbvio que não é fácil. Quanto mais
básicas são as ideias que tentamos investigar, menos instrumentos temos para nos
ajudar. Não há muitas coisas que possamos assumir como verdadeiras ou tomar como
garantidas. Por isso, a filosofia é uma atividade vertiginosa, e poucos dos seus
resultados ficam por desafiar por muito tempo».
T. Nagel (1987)

[TEXTO 8] A república [“Alegoria da caverna” (Livro VII, 514a-517c)]

«Sócrates [S1]: – Imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta,


de acordo com a seguinte imagem. Suponhamos uns homens numa habitação
subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende
a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de
pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e
olhar em frente: são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes
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de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência; por detrás deles,
entre a fogueira e os prisioneiros, há um caminho ascendente, ao longo do qual se
construiu um pequeno muro, no género dos tapumes que os homens dos "robertos"
colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles.

Gláucon [G1]: – Estou a ver.

Sócrates [S2]: – Visiona também, ao longo deste muro, homens que transportam toda
a espécie de objectos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de
pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os
transportam, uns falam, outros seguem calados.

Gláucon [G2]: – Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas.

Sócrates [S3] – Semelhantes a nós. Em primeiro lugar, pensas que, nestas


condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras
projectadas pelo fogo na parede oposta da caverna?

Gláucon [G3]: – Como não, se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida?

Sócrates [S4]: – E os objectos transportados? Não se passa o mesmo com eles?

Gláucon [G4]: – Sem dúvida.

Sócrates [S5]: – Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não
te parece que eles julgariam estar a nomear objectos reais, quando designavam o que
viam?

Gláucon [G5]: – É forçoso.

Sócrates [S6]: – E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando


algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa,
senão que era a voz da sombra que passava?

Gláucon [G6]: – Por Zeus, que sim!

Sócrates [S7]: – De qualquer modo, pessoas nessas condições não pensariam que a
realidade fosse senão a sombra dos objectos?

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Gláucon [G7]: – É absolutamente forçoso – disse ele.

Sócrates [S8]: – Considera, pois, o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias
e curados da sua ignorância. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a
endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo
isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objectos cujas sombras
via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só
vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade,
voltado para objectos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objectos
que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele
se veria em dificuldades e suporia que os objectos vistos outrora eram mais reais do
que os que agora lhe mostravam?

Gláucon [G8]: – Muito mais.

Sócrates [S9]: – Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-
iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia
olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe
mostravam?

Gláucon [G9]: – Assim seria assim.

Sócrates [S10]: – E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e


íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria
natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à
luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora
dizemos serem os verdadeiros objectos?

Gláucon [G10]: – Não poderia, de facto, pelo menos de repente.

Sócrates [S11]: – Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo


superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso,
para as imagens dos homens e dos outros objectos, reflectidas na água, e, por último,
para os próprios objectos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no
céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais
facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia.

Gláucon [G11]: – Pois não!

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Sócrates [S12]: – Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o
contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no
seu lugar.

Gláucon [G12]: – Necessariamente.

Sócrates [S13]: – Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as
estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo
aquilo de que eles viam um arremedo.

Gláucon [G13]: – É evidente que depois chegaria a essas conclusões.

Sócrates [S14]: – E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do


saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que
ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros?

Gláucon [G14]: – Com certeza.

Sócrates [S15]: – E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prémios
para o que distinguisse com mais agudeza os objectos que passavam e se lembrasse
melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os
que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia
acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que
havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e
seria seu intenso desejo "servir junto de um homem pobre, como servo da gleba", e
antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo?

Gláucon [G15]: – Suponho que seria assim – respondeu – que ele sofreria tudo, de
preferência a viver daquela maneira.

Sócrates [S16]: – Imagina ainda o seguinte – prossegui eu. Se um homem nessas


condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de
trevas ao regressar subitamente da luz do Sol?

Gláucon [G16]: – Com certeza.

Sócrates [S17]: – E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição


com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava
ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se habituar não seria pouco – acaso
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não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior,
estragara a vista, e que não valia a pena tentar a ascensão? E a quem tentasse soltá-
los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam?

Gláucon [G17]: – Matariam, sem dúvida – confirmou ele.

Sócrates [S18]: – Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui eu – deve agora
aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através
dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto
à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a
ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu
desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite
do cognoscível é que se avista, a custo, a ideia [ou forma] do Bem; e, uma vez
avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo;
que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo
inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se
ser sensato na vida particular e pública.»
Platão

Análise da Alegoria da Caverna

Objetivo central: aprofundar a compreensão da natureza da filosofia através


de um texto de Platão (pertencente ao diálogo A República).

O que é uma alegoria? É uma representação figurativa (de uma proeza, de


uma virtude, de uma ideia, etc.) apresentada como ficção – e que tem como objetivo
tornar a mensagem mais acessível. É uma técnica literária que permite apresentar
uma reflexão através de uma narrativa que a ilustra de uma modo rigoroso e apelativo.

Tema: a condição humana e os modos possíveis de viver a existência: uma


existência pautada pelo não-reconhecimento da ignorância e pela aceitação acrítica
daquilo que se pensa ser a realidade; e uma existência que se caracteriza pela
aceitação de um estado inicial de ignorância, por um permanente esforço crítico, por
um constante desejo de saber e por um conhecimento superior da realidade.

Problema: Vivendo os seres humanos aprisionados à sua própria ignorância


(as trevas da caverna), como é possível uma libertação que permita aceder ao
conhecimento (à luz do Sol)?

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Posição: aquilo que é próprio do ser humano é o saber e não a ignorância; o
humano define-se como aquele que quer conhecer, que pode conhecer e que deve
conhecer – a sua verdadeira identidade é justamente o saber. A alegoria apresenta
uma ilustração da condição humana caracterizada pelo imobilismo, pela ilusão e pela
inconsciência; contudo, a verdadeira natureza do ser humano impulsiona-o para um
(difícil e demorado) movimento de libertação e desejo de saber.

Interpretação:

Situação inicial: representa a nossa própria condição inicial (enquanto seres


humanos) – da qual estamos pouco conscientes;

Situação intermédia: representa as dificuldades e problemas que resultam da tomada


de consciência da situação anterior;

Situação final: representa a libertação face à ignorância não-reconhecida e o dever


de libertar os companheiros.

Partes principais:

I. [S1-G2; S3-G7] – descrição da caverna; a vida na caverna

II. [S8-G9] – a fuga do prisioneiro

III. [S10-G10; S11-G15] – ascensão; descrição do mundo superior

IV. [S16-G17; S18] – regresso à caverna; síntese da alegoria

IMAGENS CONCEITOS
A caverna O mundo sensível (opinião e mudança)
Os prisioneiros Condição humana
Trevas Ignorância
Confusão sombras/realidade Indistinção entre a aparência e a realidade
Dificuldade de olhar a luz e os objetos Conformismo
Etapas da ascensão até ao mundo exterior Progressiva eliminação dos preconceitos
Compreensão da situação vivida na caverna Reconhecimento da ignorância
Contemplação da luz do Sol Conhecimento de uma realidade superior às
sombras (superficiais e ilusórias)
O regresso à caverna O dever (e o perigo) da atividade filosófica

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Dicotomias fundamentais

Ignorância ≠ Conhecimento; Aparência ≠ Realidade;

Imobilismo ≠ Desejo de Saber; Sensível ≠ Inteligível

Ignorância não-reconhecida ≠ Reconhecimento da ignorância (Filosofia) ≠ Saber

Síntese:

A «Alegoria da Caverna» sublinha a nossa condição animal e sensível; todos


nós nos deixamos guiar por preconceitos e crenças que não questionamos, em suma,
pela inércia; mas também destaca o desejo de saber como meio para deixar de
confundir a realidade com a aparência – para conquistar a ignorância; assim:

1. O mundo revelado pelos sentidos não é real, mas apenas uma cópia (ou,
muitas vezes, uma imitação de uma imitação) imperfeita do real.

2. O verdadeiro mundo (inteligível) pode ser apreendido somente pela razão


(pensamento e inteligência [contemplação]).

3. Há uma bipartição ontológica, isto é, existem níveis de realidade: maior


realidade: padrões, modelos, universais, ideias, formas (referência de
termos gerais) = invisível; menor realidade: mundo sensível (qualidades ou
atributos em indivíduos) = visível.

4. Bipartição epistemológica: realidade = episteme vs. aparência = doxa.

5. O conhecimento não pode ser transmitido do mestre para o discípulo.

6. A educação consiste na boa condução da (re)descoberta do saber (do


mundo inteligível) pelo próprio aluno.

7. Os filósofos têm obrigação moral de guiar os outros cidadãos.

8. A vida intelectual e a vida moral são uma e a mesma.

9. As coisas visíveis têm valor porque participam do que é invisível.

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O que se entende (em filosofia) por «senso comum»?

[TEXTO 9] [Senso comum]


«O conjunto de crenças partilhadas pela maioria das pessoas, justificadas pela
experiência de vida individual e coletiva e transmitidas de forma acrítica de geração
em geração. O senso comum é um corpo de “saberes” muito vasto, mas pouco
organizado e, por vezes, incoerente. Do ponto de vista da ciência e da filosofia, os
processos de justificação das crenças de senso comum afiguram-se muitíssimo
superficiais e falíveis, e é frequente tais crenças resistirem mal a um exame crítico
mais minucioso, pelo que a sua ampla aceitação não é garantia de que sejam
verdadeiras. Alguns filósofos têm discutido a continuidade [versus] descontinuidade
entre o senso comum e a ciência e a filosofia».
A. Almeida et al. (2009)

As características do senso comum

O senso comum (ou conhecimento vulgar ou conhecimento popular) é um tipo


de conhecimento que se caracteriza pelas características seguintes:

- é aceite por um grupo por ser o modo corrente (usual e pronto) de conhecer;

- é espontâneo e superficial – visa o trato direto com os fenómenos do mundo


físico e com os outros; conforma-se com a aparência (como comprovam as
frases: “porque o vi”, “porque o senti”, “porque toda a gente diz”);

- serve de orientação para o quotidiano;

- não é metódico – não resulta da aplicação de um método que o teste;


remete para a forma ametódica como o sujeito organiza as suas vivências;

- é (na sua origem) sensitivo – diz respeito exclusivamente à informação que


nos provém dos sentidos;

- é assistemático – a informação não é organizada com o objetivo de alcançar


justificações ou explicações universais;

- é dogmático – não se examina a si próprio de forma crítica.

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[TEXTO 10] [Conhecimento e ciência]

«[O] conhecimento científico resulta do crescimento [ou evolução] do


conhecimento do senso comum. […] Os seus problemas são extensões dos
problemas do senso comum.»

«O realismo é essencial para o senso comum. O senso comum, ou o senso


comum esclarecido, distingue a aparência e a realidade; […] também percebe que as
aparências (digamos, uma reflexão no espelho) têm uma espécie de realidade; ou
seja: pode haver uma realidade superficial [aparência] e uma realidade profunda. Além
disso, existem muitos tipos de coisas reais.»
K. Popper (1959; 1972)

Karl Popper (filósofo austríaco do séc. XX) defendeu que o saber filosófico
(tal como o saber científico) tem como ponto de partida o senso comum.

[TEXTO 11] A formação do espírito científico

«A ciência, tanto em necessidade de alcance como em princípio, é


absolutamente oposta à opinião. No caso de legitimar a opinião, em algum ponto
particular, será por razões diferentes das que fundamentam a opinião. […] A opinião
pensa mal; não pensa; traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os
objetos pela sua utilidade, proíbe-se de os conhecer. Nada podemos fundar sobre a
opinião: é preciso começar por destruí-la. A opinião é o primeiro obstáculo a superar.
Não seria suficiente, por exemplo, corrigi-la em pontos particulares, mantendo, como
uma espécie de moralidade provisória, um conhecimento vulgar provisório. O espírito
científico proíbe-nos de ter uma opinião sobre questões que não entendemos, sobre
questões que não saibamos formular claramente. Antes de tudo, é preciso saber
colocar problemas.»
G. Bachelard (1938)

Gaston Bachelard (filósofo francês do séc. XX) defendeu que o saber


filosófico (bem como o saber científico) só se pode desenvolver
colocando de parte o senso comum.

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Exercícios:

1. Compare as características do senso comum com as características da atividade


filosófica, identificando pontos convergentes e divergentes.

2. Tendo em conta a relação entre o senso comum e a atividade filosófica, escolha


uma das posições apresentadas e argumente a favor dela.

Áreas principais da filosofia

Lógica [do grego «logos» = razão; palavra; discurso; verbo]

A lógica (formal) serve para distinguirmos argumentos válidos de inválidos,


consistindo no estudo da forma lógica da argumentação. Tanto a lógica aristotélica
como a lógica proposicional são teorias da lógica formal. Estas teorias permitem evitar
diversas falácias.

Lógica – algumas noções:

- Proposição: frase declarativa que afirma ou nega alguma coisa;

- Argumento: conjunto de proposições encadeadas com vista a provar algo;

- Solidez: argumento válido com (todas as) premissas verdadeiras;

- Verdade: propriedade das proposições;

- Validade: propriedade dos argumentos;

- Forma argumentativa: estrutura lógica de um argumento; exemplos:

Todo os X são Y; Todos os Y são Z; logo: Todos os X são Z.

Se P, então Q; P; logo: Q.

Exemplos de questões em lógica (filosófica):

O que é um argumento válido? O que distingue afinal um bom de um mau


argumento? O que é um raciocínio falacioso?

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Metafísica

A metafísica refere qualquer investigação que levante questões sobre a


realidade que estejam por detrás ou para além das que podem ser tratadas pelos
métodos da ciência. O termo foi usado como título dos livros de Aristóteles que se
encontram depois da Física.

Metafísica – algumas noções:

- Objeto abstrato: entidade localizada fora do espaço e do tempo (por


exemplo, argumentavelmente, números, proposições ou universais);

- Objeto concreto: entidade ou substância empírica localizada no


espaço e no tempo (por exemplo, numerais ou folhas de árvore);

- Causalidade: relação entre dois acontecimentos que se regista


quando, dada a ocorrência do primeiro, essa ocorrência determina ou
produz a ocorrência do segundo acontecimento;

- Platonismo: tese segundo a qual os objetos abstratos são entidades


reais, independentes, intemporais e objetivas;

- Problema da mente-corpo: questão que tenta compreender o lugar


que a mente humana ocupa na natureza.

Exemplos de questões metafísicas:

Por que razão existem coisas? Somos livres ou determinados? Deus existe? A
vida tem algum sentido ou propósito? A consciência reduz-se ao cérebro ou é uma
realidade diferente? O nada existe? Que tipo de entidade é a forma lógica?

Epistemologia [do grego “epistêmê” = conhecimento; ciência]

A epistemologia (ou filosofia do conhecimento) trata da natureza e limites do


conhecimento (o que é conhecer; que tipos de conhecimento existem e que limites
têm; etc.).

Epistemologia – algumas noções:

- Sujeito: aquele que conhece;

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- Objeto: aquilo que é conhecido;

- Conhecimento a posteriori: aquele que depende da experiência;

- Conhecimento a priori: aquele que é independente da experiência.

- Empirista: defende que todo o conhecimento dos factos do mundo é a


posteriori;

- Racionalista: defende que algum do conhecimento dos factos do mundo é a


priori.

Algumas questões epistemológicas:

As leis da natureza existem de facto, são objetivas, e podem ser conhecidas?


Qual a origem do conhecimento? Podemos conhecer tudo o que existe? O que é a
verdade? Qual é o papel do erro na ciência? Há verdades científicas infalíveis? É
possível duvidar de tudo?

Ética [do grego “ethos” = hábito; conduta; carácter]

A ética (ou filosofia moral) dedica-se ao estudo e à reflexão sistemática sobre


os valores morais, dividindo-se em três ramos ou subáreas: na ética normativa
visamos estabelecer o que é o bem último e quais são os critérios da ação correta; na
metaética estudamos as questões mais gerais relativas às crenças morais das
pessoas, como a natureza do próprio juízo moral (ou seja, terá uma natureza objetiva
ou não?); e na ética aplicada estudamos problemas particulares (geralmente,
polémicos e controversos), como os direitos dos animais ou a pena de morte.

Ética – algumas noções:

- Moral: conjunto de normas de comportamento de um dado grupo ou


sociedade (enquadrados num espaço e tempo determinados);

- Bem último (ou bem supremo): aquele bem em função do qual valorizamos
todas as outras coisas como meios instrumentais;

- Consequencialismo: teoria segundo a qual o valor moral das nossas ações


depende exclusivamente das consequências ou efeitos dessas ações;

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- Ética deontológica: teoria ética que defende que a correção moral de uma
ação depende unicamente da intenção de cumprir o dever (e não depende das
suas consequências nem tão pouco do caráter de quem age);

Algumas questões éticas:

Há um fundamento para a moralidade? As consequências da ação são o mais


importante numa decisão ética? A pena de morte é legítima? O que distingue uma
ação correta de uma ação incorreta? Há valores éticos universais? Mentir pode ser
uma ação correta?

Estética

A estética (ou filosofia da arte) estuda os conceitos e os juízos resultantes da


nossa apreciação das artes; trata ainda da classe mais geral de objetos considerados
tocantes, belos ou sublimes.

Algumas questões em estética:

O que é uma obra de arte? Pode a arte mostrar-nos a verdade? É a arte


expressão dos sentimentos do artista? Por que razão o horror ou a tragédia,
por vezes, originam prazer estético? Os juízos estéticos são todos de natureza
subjetiva? Qual o valor da arte? Há um padrão de gosto universal?

Filosofia Política

A filosofia política (ou filosofia social e política) trata de questões relacionadas


com a forma como as sociedades humanas devem estar organizadas; como
conceber os aspetos sociais da vida humana (autoridade, classe, poder, propriedade,
etc.). Considera-se que, apesar de as sociedades poderem estar organizadas segundo
regras e princípios (enquanto condições de possibilidade) muito diferentes, nem todas
as formas de organização social e política são igualmente justas.

Algumas questões em filosofia política:

Qual é a legitimidade do poder político? A existência do poder político é


necessária? A democracia é o melhor regime político possível? Quem deve
governar? Como deve ser distribuída a riqueza?
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