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Este é essencialmente um ensaio de tomada de posição, no qual eu sumario minha interpretação múltipla
da ECOLOGIA DA LÍNGUA e me situo em relação à de Hildo Honório do Couto. As restrições
pragmáticas de sua produção me impedem de elaborar algumas de minhas ideias, bem como de citar
tantas referências quantas eu poderia. Muitas das que são omitidas podem ser encontradas nos meus
escritos mais representativos citados abaixo. Espero que o leitor aceite esta omissão deliberada e prática.
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historical linguistics. All changes are motivated externally. What happens internally is processes
of grammaticalization that rearrange features already extant.
1. Preliminares
Eu já expus minha posição sobre ecologia da LÍNGUA em Mufwene (2001, 2005, 2008), onde
reconheci o débito intelectual que temos para com Voegelin, Voegelin; Schutz (1967) e Haugen
(1971), por mostrarem como um conceito originalmente desenvolvido por biólogos para dar conta da
vitalidade dos organismos e espécies em seus habitats naturais poderia ser estendido para explicar o
destino das línguas em seus meios ambientes sociais.2 Esta é a posição fundamental desenvolvida no
ramo da biologia conhecido como macroecologia, na qual tenho procurado inspiração desde os anos
noventa. Isso está refletido na discussão abaixo, que inclusive esclarece os aspectos em que eu tenho
divergido de outros linguistas que também têm invocado ecologia da língua/gem de um modo ou de
outro, sobretudo os defensores da revitalização de língua.
Como já foi notado por diversos linguistas desde o século XIX, especialmente por Darmesteter
(1886), as línguas também têm vida. Entretanto, como foi explicado em Mufwene (2001, 2008),
nós podemos falar em nascimento, vitalidade e morte de línguas com propriedade apenas se as
concebemos como espécies, mesmo que do tipo viral, cuja existência depende das práticas
interacionais de seus falantes, que são seus criadores e seus hospedeiros. O foco na espécie em
vez de nos organismos (tradicional desde o século XIX) é crucial porque mostra a importância
da variação no interior de uma língua como uma extrapolação do que não passa de uma
população de idioletos falados por indivíduos ao comunicarem uns com os outros. A vitalidade
das línguas depende de quão regularmente as populações (que consistem de indivíduos),
associadas a elas vêm a usá-las em várias situações, com consequências que variam muito,
dependendo de se são usadas em todos os domínios do conhecimento/experiências dos falantes,
somente em alguns, mas não em outros, ou em nenhum deles.3
2
Como em Mufwene (2004, 2008), estou evitando aqui, juntamente com o termo vitalidade, o viés
dominante na linguística, especialmente no ultimo quarto de século, que tem dado atenção quase
exclusiva a línguas ameaçadas e a sua perda. A disciplina não tem articulado a dinâmica ecológica que
ainda mantém vivas muitas línguas, majoritárias e minoritárias, e ajuda algumas delas a se expandirem
demográfica, geográfica e/ou etnograficamente, no que tange ao contexto de uso no último caso. Eu uso
vitalidade de modo um tanto neutro, como um termo guarda-chuva, que se aplica a todas as trajetórias
evolutivas possíveis que a vida de uma língua pode seguir, embora eventualmente eu o use em um sentido
mais estrito em expressões como perda/ausência de vitalidade.
3
Como indicado em Mufwene (2004, 2008), as línguas não nascem exatamente como os indivíduos ou os
organismos. Sobre esse assunto, como em muitos outros (Mufwene, 2001), as línguas são realmente como
espécies biológicas na medida em que seus nascimentos se dão post facto, sem nenhum período conhecido de
incubação ou gravidez após a especiação ter sido determinada entre a variedade considerada nova e uma outra
considerada mais velha. É necessária uma massa crítica de falantes associada à nova variedade para que alguns
observadores estipulem seu nascimento. Do mesmo modo, diferentemente da morte de um
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O fato é que a vitalidade das línguas, concebidas como fenômenos parasíticos, depende não do
que elas próprias fazem, se é que elas pudessem fazer alguma coisa, mas sobre o que seus
falantes fazem. Essa observação sugere, como discuto abaixo, que não se pode explicar de modo
acurado a ecologia de uma língua se não se levar em conta populações associadas com línguas
específicas e os ambientes etnográficos em que elas evoluem, incluindo-se aí as estruturas
socioeconômicas que levam os falantes a decidirem que línguas específicas são mais vantajosas
para eles em eventos comunicativos específicos. (Ver MUFWENE; VIGOUROUX, 2012, para
uma caracterização mais abrangente, que concilia as dimensões evolucionárias e
sincrônicas/etnográficas.) Isso implica que a VITALIDADE só vem à tona em situações em que
mais de uma língua são faladas, situações tipicamente criadas por contato de populações, pré-
requisito tradicional para a coexistência de línguas, isto é, uma situação de contato de línguas e,
frequentemente, de competição de línguas.4
Eu estaria sendo omisso se não esclarecesse já agora que COMPETIÇÃO, normalmente associada a
SELEÇÃO (natural) na teoria evolucionária de Darwin, não deve ser interpretada em linguística (tanto
quanto em biologia) como se as línguas exercessem alguma tipo de ação e competissem por falantes.
Embora uma língua prevaleça sobre sua(s) competidora(s) quando é usada em mais domínios e
falada por mais pessoas, COMPETIÇÃO não significa nada além do fato de como línguas coexistentes
são amiúde classificadas desigualmente pela(s) população(ões) associadas a elas no “espaçotempo”
em que são usadas.5 A classificação é social, tendo muito pouco ou nada a ver com suas estruturas
específicas, mas tudo a ver com poder socioeconômico e político e atitudes sociais, e,
evidentemente, com os benefícios sociais advindos do falarem uma língua ou outra em domínios
específicos associados, por exemplo, a tipos específicos de empregos que se almejam,
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às posições sociais específicas que se deseja ter, às práticas de fazer compras, bem como às
próprias atividade em outras esferas, na vizinhança, em casa, sobretudo, no último caso, quando
os cônjuges ou parceiros têm passados etnolinguísticos diferentes.6
Competição emerge de escolhas com as quais os falantes se defrontam, e isso não precisa ser
resolvido em termos exclusivos, com uma língua expulsando suas competidoras. Frequentemente, o
resultado é uma divisão do trabalho etnográfico entre pelo menos algumas das línguas em
competição. Isso pode ser visto na África, onde línguas europeias, faladas sobretudo como línguas
francas no seio da classe da elite (embora uma pequena parte dela as use também como vernáculo,
especialmente na África do Sul), são restritas a domínios etnográficos introduzidos pelo regime
colonial, mas dificilmente naqueles que são tradicionais nas culturas indígenas. (Isso é especialmente
verdadeiro para a maioria dos falantes, que as usam com graus variados de fluência.) Assim, elas são
usadas no sistema educacional moderno, embora cada vez mais países venham tentando usar línguas
indígenas nos três primeiros anos do ensino fundamental, na administração pública superior, bem
como no setor econômico e no sistema jurídico superior.7 A SELEÇÃO é, assim, o como a
competição, resolvida mediante a ação dos falantes, associando línguas específicas a domínios
específicos (embora a divisão do trabalho nem sempre seja muito clara!) ou deixando uma língua
prevalecer em todos os domínios, como entre populações dominantes líderes em colônias europeias,
inclusive aquelas que deram lugar a crioulos. O processo de seleção não precisa ser necessariamente
consciente, uma vez que os falantes dão ênfase normalmente à comunicação que lhes seja benéfica,
mesmo que isso signifique apenas ser compreendido, sem saber de antemão como as escolhas de
línguas ou de traços que eles fazem afetam o futuro de suas línguas. Em casos drásticos de conflitos
sociais como ocorreu em alguns
6
Eu focalizo o falar porque é na forma falada, não na escrita, que uma língua mantém sua vitalidade.
Especialistas em línguas mortas podem escrevê-las sem trazê-las de volta à vida. Não é inquestionável se
o latim clássico pode ser considerado vivo simplesmente porque a cúria do Vaticano ainda o fala como
língua franca. Talvez manter uma língua viva tenha a ver especialmente com o usá-la em mais de um
domínio etnográfico restrito, incluindo-se socialização/aculturação em casa ou fora dela. A última
condição é verdadeira para, por exemplo, o crioulo francês na Martinica, e talvez em Guadalupe, ambas
departamentos ultramarinos da França, em que os pais evitam falá-la com os filhos, encorajando-os a
tornarem-se falantes de francês como vernáculo. No entanto, as crianças aprendem-no passivamente ao
ouvirem os pais falando um com o outro (em seu presumível código secreto íntimo) e ativam essa
competência passiva quando convivem com crianças um pouco mais velhas, sobretudo durante a
adolescência. Aqueles entre eles que se veem na França metropolitana na idade adulta até sofrem mais
pressão para falarem crioulo como uma marca de identidade, sobretudo se se sentem tratados como
estrangeiros. Assim sendo, Hazaël-Massieux (1999) não precisava temer que o crioulo francês entrasse
em perigo de extinção nesses departamentos ultramarinos da França, pelo menos agora.
7
O proselitismo normalmente tem feito outra opção, exceto na formação da liderança intelectual porque o
trabalho de divulgar uma fé específica como o cristianismo pode ser feito de modo mais funcional na
língua desejada pelos que fazem proselitismo. Nas colônias de plantação das Américas, nas quais os
escravos constituíam a esmagadora maioria, as coisas não se deram assim simplesmente porque havia
línguas demais, cada uma falada por pequenas parcelas das populações totais nos espaçotempos das
plantações. No entanto, nas colônias de exploração da África, os missionários normalmente identificavam
uma língua indígena amplamente falada em determinada região e a adotavam para sua missão.
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Na verdade, esta caracterização não é totalmente acurada, uma vez que normalmente se achava, ou se
dizia, antes da separação, que as populações então politicamente unificadas falavam a mesma língua,
embora com muita variação. Do ponto de vista da sociologia da linguagem, pode-se argumentar que a
separação elevou as diferentes variedades ao status de línguas separadas, como prova a criação de
academias visando a fazê-las mais diferentes do que efetivamente eram.
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De acordo com Schwartz (1985), as pequenas fazendas brasileiras se baseavam na cooperação com
vizinhos organizando a colheita e o seu processamento em engenhos que compartilhavam, mas que não
podiam possuir individualmente, diferentemente das grandes plantações caribenhas, que se
desenvolveram em propriedades industriais autossuficientes.
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verdade, essas disparidades demográficas não se deram em muitas colônias que tiveram
crioulos, por exemplo, Barbados.
Segregação e rápida substituição de população parece que se deram também em Cabo Verde,
em que surgiu um crioulo, embora não aí não houvesse nenhum cultivo de cana de açúcar viável
nem mesmo qualquer tipo de indústria agrícola que exigisse uma grande população escrava com
residência permanente. A região funcionava como um depósito de escravos, preparando-os para
ser explorados no Brasil, embora a segregação racial tenha sido aparentemente implantada a fim
de controlar efetivamente a população de escravos que, embora em larga medida transitória,
sempre constituía a esmagadora maioria relativamente à população europeia. No caso das
Antilhas Holandesas, um fator adicional era o isolamento geográfico da população escrava em
relação ao Brasil (uma forma de segregação!) depois que o português foi mantido como seu
vernáculo e estaria em contato com o holandês, a língua da nação colonizadora, e o espanhol,
falado nos territórios vizinhos. Assim como a ecologia entrega sua sorte à evolução biológica, as
línguas também estão à mercê das ecologias socioeconômicas em que se encontram, embora
estas dependam também das ecologias geográficas (que consistem em clima e solo) que as
engendraram.10
10
Leitores mais interessados são encorajados a ler Mufwene; Vigouroux (2012), em que se toma emprestada a
noção de ESPACETEMPO de Wallerstein (2004) (ver também Vigouroux, 2009) a fim de lançar luz sobre as
interações dinâmicas de espaço e tempo na construção das estruturas da população. Com o fito de dar mais
sentido a isso, é preciso aceitar a posição dos geógrafos sociais de que o espaço forma a sociedade tanto quanto
a sociedade forma o espaço, como sugerido também pela teoria da “construção de nicho” (e.g., ODLING-
SMEE et al., 2003). Desse modo, do ponto de vista da evolução da língua, o Caribe diferia do Brasil pelas
práticas sociais específicas que levaram à especiação linguística baseada na raça na população do primeiro, mas
não no segundo. É importante lembrar também que mesmo em lugares em que a segregação racial era
institucionalizada, as línguas coloniais não se desenvolveram de modo igual entre os escravos. Os continua
crioulos na verdade recuam aos primeiros dias da emergência dos crioulos.
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ele/ela provoca variação na língua emergente, sempre em evolução, além de participar de: 1) a
propagação ou eliminação de variantes mediante as seleções que ele/ela fazem entre as variantes
em competição (sejam elas línguas ou traços linguísticos), 2) a emergência de novas normas, e
3) às vezes a emergência de novas variedades. Os falantes agem no âmbito de estruturas
populacionais específicas, as quais limitam com quem (não) podem interagir quotidianamente e
quando (não) acomodar-se às práticas de outros falantes e, com isso, convergir com elas ou
divergir delas. Contudo, não haveria nenhuma estrutura populacional com que se falar sem a
existência ontologicamente anterior de indivíduos, que precisam estar organizados de algum
modo para sobreviver como um todo, mesmo quando a organização social implique exploração
de um subgrupo por outro.
É preciso entender definitivamente a dinâmica complexa das interações interindividuais e
intergrupais a fim de captar o modo como as estruturas das línguas evoluem na direção de novas
normas, como especiam e como mantêm ou perdem vitalidade. É de se notar que mesmo
interações intergrupais pressupõem interações interindividuais em padrões que são tipicamente
diádicos ou triádicos (Mufwene 2008; Mufwene; Vigouroux, 2012). Embora os possíveis
algoritmos que dão sentido a essas dinâmicas sejam complexificados pelo fato de os
interlocutores frequentemente sempre se alterarem, não podemos assumir que haja falantes que
interajam entre si de modo regular o suficiente para dar lugar a convergência de normas de
pequena monta no âmbito de redes sociais e práticas comunitárias (Lave; Wenger, 1991; Eckert;
McConnell-Ginet, 1992). Por outro lado, como observado em Mufwene; Vigouroux (2012:
123), “A comunidade de prática por si só não dará conta de todos os aspectos da prática
linguística. Ela deve ser complementada por uma abordagem ecológica, mesmo que etnográfica,
que explique como práticas linguísticas são formadas pelo espaço físico, bem como constroem o
espaço físico em que ocorrem.”
Como as redes sociais e as comunidades de prática se sobrepõem, mediante indivíduos que
participam de mais de uma rede ou comunidade de prática, normas de longo alcance associadas
a cidades, regiões ou nações podem emergir, embora a emergência de norma não implique que
essas populações se tornem uniformes linguisticamente (MUFWENE, 2001; MUFWENE;
VIGOUROUX, 2012). Como os falantes têm histórias interacionais diferentes e estão sujeitos a
várias outras pressões ecológicas (sem levar em consideração diferenças em suas habilidades
para aprender), sempre haverá variação entre eles.
Quando há divergência também entre populações ou comunidades de prática, as extrapolações
projetadas dessas normas emergentes têm sido tradicionalmente caracterizadas como dialetos ou
línguas, dependendo de quão antigas são essas variedades e/ou atitudes políticas. Essa evolução
diferenciada pode ser exemplificada com a especiação entre português peninsular e brasileiro,
ou entre diferentes variedades modernas do inglês, ou entre variedades linguísticas chamadas
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crioulos e suas línguas lexificadoras indo-europeias. Mas, essa variação intragrupal tem sido
encontrada intranacionalmente entre diferentes regiões, como entre diferentes dialetos do inglês
americano, do crioulo jamaicano, ou do crioulo haitiano. Arquipélagos certamente devem ter
favorecido evolução diferenciada, sobretudo no tempo em que transporte em massa inter-ilhas
não era tão frequente e disponível como é atualmente. Os arquipélagos corporificam espaços
geográficos descontínuos, e seus habitantes têm interagido mais intensamente entre si, em suas
respectivas ilhas, do que com os de outras ilhas. Isso é confirmado pela emergência de diversos
dialetos do caboverdiano em Cabo Verde (BAPTISTA, 2003).
A estrutura da população pode produzir também o que Couto (a sair) chama “ilhas linguísticas,”
de acordo com ele o que tem sido tradicionalmente chamado de “enclaves linguísticos.” Ele os
caracteriza como línguas minoritárias faladas por populações circundadas geograficamente por
falantes de uma língua dominante, como os bolsões de línguas nativas americanas ainda faladas
em algumas partes do Brasil, sendo que o país está evoluindo na direção do monolinguismo em
português como vernáculo. Outro tipo consiste de línguas faladas por populações imigrantes que
continuaram juntos, em grande parte isolados da população hospedeira e resistindo à adoção da
língua da última como vernáculo. Os exemplos de Couto incluem o alemão usado como
vernáculo em países nos quais ele não é uma língua dominante (caso da Hungria, da Polônia e
da Romênia, entre os países europeus). Tem havido muitos desses casos na história colonial
recente, como o alemão no Wisconsin rural (SALMONS, 2003; WILKERSON; SALMONS,
2008).11 Eu tenho certeza de que esse era o caso para muitas outras línguas europeias que
morreram antes do alemão na América anglófona. Se essa caracterização não se aplica ao
Quebec francófono (mas, veja-se Chaudenson, 2008), ela certamente é válida para ouras
comunidades francófonas menores da América do Norte.
Devemos ter em mente que ilhas linguísticas pressupõem ilhas sociais, bolsões de populações
isoladas da população majoritária que as circunda. Como ilhas geográficas, que podem ser ligadas
aos continentes por pontes, barcos ou canoas, ilhas sociais não são necessariamente idoladas. Na
linguagem da macroecologia, elas podem ser ligadas às populações majoritárias ou dominantes por
“indivíduos dispersados” (HANSKI, 1996), embora essa noção tenha sido concebida com base no
pressuposto de que grandes populações consistem de “tratos de habitat” descontínuos. Aqui
retornamos ao papel dos falantes individuais, cujas práticas sociais têm a ver com o modo de
evolução das línguas de suas comunidades. Indivíduos dispersos podem introduzir elementos de fora
que podem afetar as estruturas de suas línguas hereditárias, especialmente se esses indivíduos são
influentes ou numerosos. Eles podem introduzir igualmente algum bilinguismo, se
11
Eu vou ignorar deliberadamente “isolados linguísticos”, definidos geneticamente, nessa discussão,
embora do muito que se aplica à vitalidade de ilhas linguísticas se aplica a eles também.
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introduzirem atividades econômicas ou de outro tipo de fora da língua, tais como comércio ou
cultura popular.
Mas, grande quantidade de indivíduos dispersos pode também estar associada com êxodo da pátria, à
procura de melhores oportunidades econômicas. Esses movimentos populacionais podem erodir a
vitalidade não apenas de uma população insular, mas também de sua língua, especialmente quando
há emigração maciça na direção de um território que seja economicamente mais afluente. Os nativos
que retornam à “pátria” mais tarde, falando apenas a língua da população demográfica e
economicamente dominante, do mesmo modo erodem a vitalidade de sua língua hereditária. As
populações americanas nativas dos EUA têm sido muito afetadas por esses movimentos de
populações desde o século XIX, especialmente se houver expansão de populações de descendência
europeia em seus domínios (Banner, 2005). Até aqui populações americanas nativas do Brasil estão
tendo experiências similares (BALL, 2014; MOORE, 2014). Exogamia é outro fator ecológico que
pode ser associado com a estrutura da população, exatamente como instrução fora da própria
comunidade hereditária, em que a segregação social não é rígida. É assim que diversos imigrantes
europeus nas Américas e na Austrália mudaram para o vernáculo europeu dominante na colônia de
destino. Em países industrializados, a assimilação de populações de ilhas à cultura das populações
dominantes normalmente tem levado
à perda da língua hereditária. Um interessante tópico de pesquisa sugerido por Couto (2009) é
que fatores específicos podem obliterar (as culturas de) comunidades ilhadas e, portanto,
ameaçar as ilhas linguísticas.
Como foi mostrado em Mufwene (2001), falantes individuais são os principais “agentes
involuntários de mudanças”; eles são decisivos na evolução linguística mediante suas práticas
interacionais e comunicativas. Eles filtram todas as pressões ecológicas exercidas sobre suas
populações, decidindo que reações específicas “maximizam sua adequação”. Suas populações e
respectivas línguas sofrem as consequências crescentemente, dependendo de quão rápidos e
generalizadas novas tendências se espalham entre eles.
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conseguem aprender a cantar como aves de uma espécie diferente, enquanto que humanos
adultos podem aprender a falar a língua de uma outra população, mesmo que dificilmente com a
mesma fluência dos falantes nativos.
A questão é mais reveladora no que tange à comunicação entre humanos e animais não
humanos. Como geralmente se vê na literatura, os outros animais que conseguem entender
fragmentos de línguas humanas, e até mesmo aqueles que podem macaqueá-las (como Alex, o
papagaio cinza africano), podem fazê-lo de modo muito limitado. A comunicação é geralmente
limitada a suas necessidades de sobrevivência, mas totalmente insuficiente para os requisitos
mais simples de socialização. Animais adultos dificilmente atingem a capacidade de
comunicação e socialização de uma criança humana de dois anos. O que tem recebido menos
atenção, porém, é o fato de que, embora sejamos tão bons em ler as mentes de outros animais e
eles em ler a nossa, os humanos ainda não foram capazes de se comunicar com animais
mediante o meio de comunicação animal. A lição a ser tirada disso parece ser que os dois lados
são drasticamente impedidos, não só pelas próprias anatomias, mas também por suas
especificidades mentais, de aprender meios de comunicação de outras espécies. Os humanos
podem aprender as línguas uns dos outros entre populações etnolinguísticas porque pertencem à
mesma espécie, são dotados das mesmas capacidades mentais específicas dos humanos e têm
basicamente necessidades comunicativas semelhantes.
Um fator crítico da comunicação em linguagem pelos humanos é o serem eles dotados de uma mente
humana moderna.12 Como mostrado em Mufwene (2013), isso levou-os a produzir as culturas
modernas em grande media em resposta às pressões que os hominídeos sofreram para compartilhar
seus sentimentos e conhecimento sobre o que Couto (2014) identifica como “ecologias naturais,”
como vimos acima. Em troca, a comunicação linguística levou os indivíduos e as populações a
aumentar seus conhecimentos, amiúde economizando tempo ao não terem que reinventar a roda e
acumulando informação coletivamente. Assim, as línguas do mundo capacitaram os hominídeos a
cooperarem e colaborarem para a própria sobrevivência diante de “ecologias naturais” em mutação,
às quais tiveram que se adaptar. Aprender um do outro mediante a língua reduziu os casos de
“reinvenção da roda” e eliminou algumas fatalidades entre eles, uma
12
Eu insisto mais na mente do que na anatomia porque, como explicado em Mufwene (2013), a primeira
domesticou a segunda, favorecendo a fala filogeneticamente e salvando a língua de sinais como uma opção
secundária. As razões são inúmeras, embora um fator ecológico geralmente ignorado em estudos sobre o
porque de a fala ter sido preferida é o fato de que as pessoas surdas dificilmente vivem em comunidades
próprias e separadas, ou em que possam interagir umas com as outras no dia a dia o suficiente para desenvolver
uma língua de sinais (diferente de sinais domésticos para comunicar com ouvintes). O que ainda não sabemos é
quantas línguas de sinais podem ter surgido na filogenia hominídea que não sobreviveram devido às mesmas
razões de estrutura demográfica. É importante ter em mente também que as línguas faladas hoje são apenas de
modo remoto relacionadas filogeneticamene às primeiras línguas plenas que surgiram cerca de 50-30 mil anos
atrás, de acordo com algumas estimativas (Mufwene, a sair).
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vez que não têm o dom de resolver diversos problemas. Isso acelerou a solução de problemas,
sobretudo pela invenção coletiva e gradual de tecnologia. Sobre essa capacidade
especificamente humana de comunicar, não há nenhuma evidência de ela ter existido entre
outros animais, nem entre os que foram treinados para comunicar com os humanos. Aí está
também a chave para a mudança linguística e vários aspectos da vitalidade da língua.13
A mente é o locus da existência e competição entre línguas (WEINREICH, 1953). Ela
determina se sistemas linguísticos diferentes que o falante desenvolve permanecem separados e
intactos ou se são contaminados uns pelos outros, aparentemente por razões de economia de
espaço na memória ao armazenar informação (MESOUDI, 2011: 31). Ela responde a pressões
ecológicas externas de comunicação relativamente a que língua usar, e como ela deve se adaptar
a cada evento comunicativo. São os padrões que emergem de suas respostas às pressões
comunicativas que têm a ver com o destino das línguas que o falante conhece, isto é, se suas
estruturas mudam, e como, e se elas prosperam ou sofrem atrofia (o que os linguistas têm
chamado tradicionalmente de “atrição”) e podem finalmente morrer. No nível comunitário, que
é o foco da linguística histórica, da genética e da evolutiva, a mudança linguística, a especiação
linguística, a manutenção de língua e a morte de língua são as últimas consequências dos
comportamentos cumulativos dos membros individuais de uma população. Embora haja
intervenções institucionais intencionais para determinar ou controlar vários aspectos da
evolução da língua (tais como a criação de academias), todos nós sabemos que tais tentativas
têm normalmente falhado ou não têm tido o sucesso desejado porque os falantes contribuem
para as trajetórias evolucionárias de suas línguas inconscientemente, mediante desvios
associados com “aprendizagem com modificação” em estudos de evolução cultural, sem saber
das consequências de seus comportamentos. Além disso, as ocasiões em que os falantes
reutilizam as mesmas palavras ou frases não são sempre idênticas às anteriores, o que pode
levar a novas trajetórias evolucionárias. De qualquer modo, os falantes notam as mudanças que
afetam suas línguas ou suas próprias perdas de competência em algumas delas muito depois de
terem contribuído repetidamente com esses resultados cumulativos de seus comportamentos.
5. A ecologia interna
Uma faceta da ecologia da língua sobre a qual ainda não disse nada até agora é o que identifico
como “ecologia interna” em Mufwene (2001, 2005, 2008). Isso não tem nada a ver com a
13
Levando-se em consideração todo o cenário evolutivo, pode-se questionar se é a língua que nos faz
humanos e tão únicos. Parece que o crédito deve ser dado à mente humana, que produziu não apenas as
línguas humanas, mas também várias práticas culturais que são específicas dos humanos, ao lado das
línguas. É até mesmo questionável se os antropólogos linguistas devem continuar falando de “língua e
cultura”, uma vez que as próprias línguas parecem ser produtos culturais, a despeito do papel da biologia
humana específica requerida para sua emergência (Mufwene, 2013).
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preposição mesmo nessa função gramatical derivada, embora seu complemento seja um verbo,
não um nome, nesse caso. Argumentos semelhantes se aplicam a verbos que se tornaram verbos
auxiliares em ambientes sintáticos em que poderiam receber complementos verbais ou
oracionais. Embora a especialização os tenha levado a comportar-se diferentemente de outros
verbos transitivos em inglês (sobretudo no caso de contração, Inversão Sujeito-Auxiliar e a
habilidade de combinar com o marcador de negação not), eles continuam a comportar-se como
outros verbos nas línguas românicas. O caso dos artigos também merece ser mencionado aqui.
Enquanto que em algumas línguas eles surgiram a partir de demonstrativos ou do quantificador
‘um’ no caso do artigo indefinido, eles continuaram a ter a mesma posição sintática que seus
étimos, a não ser que mudanças subsequentes os tenham feito mudar de posição, o que é
também consistente com outros fenômenos da língua. Em línguas como o francês, não é claro se
se trata do quantificador ou do artigo un(e) que está sendo usado. Em todos esses casos, a
gramática da língua em questão funciona como a ecologia interna que determina como materiais
existentes podem ser cooptados, ou exaptados, para novas funções.
Outras mudanças podem ocorrer porque um meio alternativo de expressar o mesmo significado
é preferível a outro, como o uso do verbo auxiliar avoir ‘ter’ ou être ‘ser’ com o verbo principal
no particípio passado, em vez de um único verbo no “passé simple” para indicar tempo PASADO
no francês moderno. Independentemente de o gatilho da mudança ter sido o contato da
população francesa com falantes de outras línguas que usem a construção perifrástica (ver
Heine; Kuteva, 2005, sobre traços linguísticos areais), o fato é que a alternativa que prevaleceu
já foi uma variante de outra que fora abandonada.
Em alguns outros casos, pode-se ver algum tipo de compromisso entre as variantes em
competição. Assim, os auxiliares de tempo will e be going to especializaram-se nos tipos de
FUTURO que expressam em alguns dialetos do inglês, com o último associado a INTENÇÃO ou
DETERMINAÇÃO, ao passo que o primeiro é mais neutro. As dinâmicas internas do sistema da
língua são mais complexas do que esses poucos exemplos podem mostrar. O objetivo era
simplesmente mostrar que toda língua tem uma ecologia interna que influencia no modo de ela
evoluir, até mesmo no como ela admite elementos estrangeiros. Foi nesse contexto que introduzi
a noção de em Mufwene (2001).
POOL DE TRAÇOS
6. Observações finais
É difícil falar de aspectos históricos e filogenéticos da evolução da língua sem levar em conta
mudanças na ecologia da comunicação humana, em relação a se são causadas por mudanças na
capacidade mental e/ou nas organizações sociais, por contato de populações ou pela simples
dispersão da população, o que pode acarretar uma distribuição desigual, não uniforme de variantes
entre as alo-populações. Como comentado em Mufwene (2013), mudanças na capacidade mental
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história atual de sua(s) língua(s) no modo como a(s) usam em diferentes ocasiões para atender
suas próprias necessidades comunicativas.
Referências
BALL, Christopher. Linguistic subjectivity in ecologies of Amazonian language change. In
Iberian imperialism and language evolution in Latin America, ed. by Salikoko S.
Mufwene. Chicago: University of Chicago Press, 2014.
BANNER, Stuart. How the Indians Lost Their Land: Law and Power on the Frontier. Cambridge,
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