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ESTUDO DOS VERBOS

SER E ESTAR

DLLEM/CCHLA/UFRN 2023 . 1
SLADE, Rejane de O. Português Básico para
Estrangeiros: principiante, intermediário,
adiantado. 2. ed. ampl. e atual. New Haven: Yale
University Press, 2005.

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LIMA, Emma Eberlein O. F. Falar…
Ler… Escrever… Português: um curso
para estrangeiros. São Paulo: EPU, 1999.

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SER/ESTAR

As diferenças entre os verbos SER e


ESTAR, em português — assim como no
galego, espanhol e catalão — causam tanto
desconforto a alunos estrangeiros de certas
origens quanto o “gênero”, quando
aplicado a objetos e seres inanimados.

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SER/ESTAR

A aceitação acrítica da simplificação das


regrinhas ensinadas nos livros didáticos pode
causar surpresas desagradáveis ao professor
nativo de Português Língua Estrangeira (PLE).

https://www.youtube.com/watch?v=H6UGVnW0nz8
https://www.youtube.com/watch?v=pJstIWUuHRY

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SER/ESTAR
REGRA: QUANDO A QUALIDADE QUE SE DESEJA EXPRESSAR FOR PERMANENTE, USA-
SE SER; QUANDO FOR TEMPORÁRIA, USA-SE ESTAR.

A regra parece funcionar bem com adjetivos como gordo,


por exemplo.
§ ELE É GORDINHO.
§ ELE ESTÁ GORDINHO.

Nas frases acima, emprega-se SER ou ESTAR segundo se


entenda a “obesidade” em questão como transitória ou de
caráter definitivo.
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Mas como se deveria compreender o adjetivo “bonito” no enunciado a
seguir? Deveríamos empregar “ser” ou “estar”?

Valparaíso __ um lugar muito bonito.

Valparaíso É um lugar muito bonito, nesse contexto, parece mais adequado…


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São Francisco, 1906

Mas um lugar não poderia estar lindo agora e, no mês seguinte (depois de
um terremoto ou um furacão, por exemplo), não estar mais bonito? A
resposta é, obviamente, afirmativa. Mas…

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Ainda menos incomum seria dizer:
Valparaíso está uma cidade muito bonita. A prefeitura tem feito um excelente
trabalho.
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SER/ESTAR

Outro questionamento poderia ser


levantado a partir de exemplos como:

§ Meus pais são casados há 50 anos.


§ Meus pais estão casados há 50 anos

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SER/ESTAR
Pode-se questionar sobre a condição de palavras
como “estudante”, por exemplo, que, apesar de sua
condição aparentemente temporária, são comumente
usadas com o verbo SER :

§ Ela é uma estudante de engenharia na UFRN.


§ (*) Ela está uma estudante de engenharia…
§ Ela está uma aluna super dedicada depois da bronca do pai.
§ Ela está uma aluna dedicada ultimamente…

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SER/ESTAR

E certos adjetivos que, dependendo do


sentido, aceitam ser ou estar:

§ Eles estão doentes


§ Eles são doentes.
§ Eles estão adoentados.
§ Eles são adoentados. (*)

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SER/ESTAR

Seria muito fácil completar a lacuna a seguir:


somos um pouco ingênuos. [somos/estamos]
§ Às vezes, ______

Mas, se às vezes somos um pouco ingênuos, isto significa que, às vezes, não
somos. Se pode haver mudança, então, não seria transitório? Por que não se
usa o verbo estar ?

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SER/ESTAR

ALGUMA HISTÓRIA

A razão histórica para o contraste


entre os dois verbos é
que ESTAR tem como étimo o
verbo latino stare, “estar de pé”,
documentado em português, nessa
acepção, até o final do século XIV.

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SER/ESTAR
ALGUMA HISTÓRIA

Já o verbo SER tem uma história


complexa de convergência entre os
verbos latinos sedēre, “estar sentado”
(nessa acepção, até fins do século XIV),
e esse, “ser”. Esse fato permite deduzir
que, desde a sua origem, o traço
[+transitório] é o de “estar”, enquanto
em “ser” confluem o [+transitório] de
sedēre e o [+permanente] de esse.
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SER/ESTAR
ALGUMAS RESPOSTAS

Nas construções com o verbo ESTAR, não


podem ocorrer adjetivos que denotem estados
permanentes nem adjetivos derivados de
verbos psicológicos que descrevem processos
sem limite temporal definido, que também
denotem alguma permanência.
Vejamos os seguintes exemplos:

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SER/ESTAR
ALGUMAS RESPOSTAS
§ (*) Ele está/estava/esteve/estará/estaria ingênuo.

O adjetivo ingênuo denota um estado permanente, isto


é, não se pode “estar ingênuo há 5 minutos”, por
exemplo. A propriedade de ser ingênuo não pode ser
situada num intervalo de tempo.
Cf. Ela está grávida / faminta / doente.

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SER/ESTAR
ALGUMAS RESPOSTAS

Pelo contrário, o mesmo adjetivo


é legítimo em construções com o
verbo SER:

§ Ele é /era / foi / será / seria


muito ingênuo.

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SER/ESTAR
ALGUMAS RESPOSTAS
Quando se fala de estados permanentes, fala-se em propriedades intrínsecas.
Por exemplo, um adjetivo como morto não denota um estado permanente, mas
uma alteração de estado, uma transitoriedade (de vivo para morto). Trata-se de
um resultado; logo, emprega-se com o verbo ESTAR:
§ Ele está morto.
§ (*) Ele é morto.

E poderá dizer-se:
§ Ele está morto há 5 minutos.

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SER/ESTAR
ALGUMAS RESPOSTAS
Repare-se agora em uma propriedade
intrínseca / permanente:
§ O carvão é negro. / (!)O carvão está negro.
§ O carvão está quente. / (!)O carvão é quente.
§ O Brasil é grande. / (!)O Brasil está grande.
§ O Estado é laico. / (!)O estado está laico.
Ser negro é uma propriedade do carvão e ser grande é uma
caraterística do Brasil, tal como ser ingênuo pode ser uma
caraterística de alguém — e não um estado.
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Dia vira noite em São Paulo devido a poluição e queimadas (Correio Braziliense) – 19/08/2020

ALGUMAS RESPOSTAS
Já os seguintes exemplos denotam um estado, uma transitoriedade, e não uma
propriedade caraterística:
O céu está negro: vai chover.
Mariana está adulta, nem parece a mesma.
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FRASES LOCATIVAS
Aceitáveis:
EXEMPLOS A
1. Minha casa é ali / em Natal.
2. O cinema é ali / na esquina.
3. O livro está ali / em cima da mesa.
4. João está ali / no escritório / no Rio de Janeiro.
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SER/ESTAR
Inaceitáveis, em condições ordinárias de contexto:

EXEMPLOS B
(1a) * Minha casa está ali / em São Paulo.
(2a) * O cinema está ali / na esquina.
(3a) * O livro é ali / em cima da mesa.
(4a) * João é ali / no escritório / no Rio de
Janeiro.

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SER/ESTAR

Parece razoável considerar, à primeira vista, que a seleção da cópula


verbal nas frases locativas está condicionada à capacidade de mobilidade
da entidade denotada pelo SN sujeito.
Assim, ESTAR seria caracterizado como a
cópula associada com nomes com o traço
[+móvel] e SER como a cópula associada
com nomes com traço [-móvel].

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SER/ESTAR
Entretanto, há contraexemplos:

EXEMPLOS C
(5a) Minha casa está a cem metros da estrada.
(5b) Minha casa é a cem metros da estrada.

(6a) A estação está do outro lado da ponte.


(6b) A estação é do outro lado da ponte

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SER/ESTAR
Comparemos primeiro as frases do EXEMPLO A com as do EXEMPLO C e
note-se a diferença com relação ao tipo de localização que expressam:
Frases 1 e 2 de A:
1. Minha casa é ali / em São Paulo.
2. O cinema é ali / na esquina.
Frases 5a e 6a de C:
(5a) Minha casa está a cem metros da estrada.
(6a) A estação está do outro lado da ponte.

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SER/ESTAR

As frases 1 e 2 [… é ali…] de A expressam


uma relação de conteúdo – elas localizam
entidades completamente dentro dos
limites de outra entidade ou localização.
Já as frases 5 e 6 [...está a cem metros/do
outro lado da ponte...] expressam relação de
não conteúdo e, como tal, podem implicar
pontos de referência dêiticos.
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SER/ESTAR
Tratando-se, pois, de entidades imóveis, o verbo estar pressupõe no falante a
intenção de se mover até a entidade localizada, ao passo que o uso de ser
pressupõe uma entidade previamente localizada, excluindo a intenção de
movimentar-se.
A estação está do outro lado da ponte.
(=você terá de deslocar-se para lá)
A estação é do outro lado da ponte.
(=não implica a necessidade de deslocar-se até lá)

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SER/ESTAR

ESTAR “parece relacionar-se à posição


do falante /ouvinte como ponto de
referência – convencionalizado ou
pressuposto pragmaticamente”
(LEMOS 1987, p. 53). Já o verbo SER
é usado independentemente dessa
localização.

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SER/ESTAR
Outro tipo de ocorrência de ESTAR em entidades imóveis:
Aceitáveis no contexto “procurando ou andando
(7a) Aqui está o cinema. em direção a uma entidade imóvel”. O conteúdo
locativo desses enunciados é secundário em
relação à função demonstrativa, como indica a
(7b) Aqui é o cinema. presença obrigatória do advérbio dêitico (em
oposição à inaceitabilidade de 9a).
(8a) O cinema está ali, olha!
(8b) O cinema é ali, olha!
(9a) (?) O cinema está na esquina, olha! Inaceitável (?)

(9b) O cinema é na esquina, olha!

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SER/ESTAR
(7a) e (8a) não seriam respostas possíveis à
(7a) Aqui está o cinema. pergunta “ONDE É X?”, como seriam as frases do
tipo b:
(7b) Aqui é o cinema
(8a) O cinema está ali, olha! (8b) O cinema é ali, olha!
(9b) O cinema é na esquina, olha!

Entretanto, (7a) e (8a) são respostas a perguntas como:


– Onde está esse famigerado cinema? Estou cansado de andar!
– Onde foi parar esse cinema? Estou quase desistindo!
Quando alguém procura algo ou algum lugar e começa a se impacientar.
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SER/ESTAR
Pode-se também questionar que a presença
de estar seja obrigatória em frases locativas
com sujeito com uma entidade móvel:

(10a) Este livro é naquela estante.


(10b) *Este livro está naquela estante.
(11a) Estas cadeiras são na outra sala.
(11b) *Estas cadeiras estão na outra sala.

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SER/ESTAR

Frases como 10a e 11a são apropriadas


quando queremos designar um lugar fixo
para coisas móveis. Poderíamos traduzi-las
por:

§ Este livro vai naquela estante.


§ Estas cadeiras pertencem à outra sala.

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SER/ESTAR
As frases do tipo b só seriam aceitáveis se déssemos aos seus pronomes
demonstrativos uma leitura anafórica:

ü Ela trouxe várias cadeiras na mudança. Estas cadeiras estão na outra sala.

Uma interpretação dêitica causaria um resultado contraditório, pois daria dois


lugares diferentes para uma mesma entidade.

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SER/ESTAR
Retomando a entidade móvel com o verbo ser:

ü O livro que está na minha mão é naquela estante.

Poderíamos dizer que ser não expressa o lugar REAL da entidade móvel, mas a
locação em que ela deveria estar ou à qual pertence.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
a. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP,
2000.
b. CASTILHO, Ataliba T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
c. KLOBUCKA, Anna et al. Ponto de Encontro: Portuguese as a World Language. Upper Saddle
River, NJ: Prentice Hall, 2007.
d. LIMA, Emma Eberlein O. F. et al. Falar... Ler... Escrever... Português: um curso para
estrangeiros. São Paulo: EPU, 1999.
e. http://www.ciberduvidas.pt/.
f. Ilustrações retiradas de dezenas de páginas da Internet.
f. SLADE, Rejane de O. Português Básico para Estrangeiros: principiante, intermediário,
adiantado. 2. ed. ampl. e atual. New Haven: Yale University Press, 2005.

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