Você está na página 1de 7

Espaços de Memória: Museus e Arquivos, Uma Experiência de Estágio no Campo

Museológico e Arquivístico

Beatriz Santos Simões1

Janete Ruiz de Macêdo²

RESUMO

O trabalho aqui apresentado visa relatar minhas experiências vividas em um ano e meio de Estágio
Não Obrigatório realizado no Centro de Memória Teosópolis, em Itabuna, Bahia. Partindo do
pressuposto de que todo estágio contribui para a formação do estudante de História, enfatizo a
importância do trabalho em espaços de memória como lugares para desenvolver tanto habilidades
de ensino quanto de pesquisa, abordando ainda como a visitação a esses espaços é importante para
estudantes em idade escolar e da sociedade no geral como lugares de aprendizado e de preservação
da memória local através dos documentos acolhidos.

Palavras-chave: Estágio, Ensino de História, Museu, Documentos.

INTRODUÇÃO

A prática de estágio para os estudantes graduandos de um curso superior é indispensável,


levando em consideração que é a partir dela que se tem os primeiros contatos com a futura
profissão. Esse pensamento inclui principalmente os estudantes de Licenciatura, que precisam ter
o contato com a sala de aula antes mesmo da conclusão do curso. Porém, no caso dos estudantes
de História, lugares de memória como os museus, arquivos e centros têm sido negligenciados
quanto a opção de estágio pois os estudantes não o percebem como espaço de ensino, aprendizagem

1
Graduanda em História na Universidade Estadual de Santa Cruz e bolsista no Centro de Memória Teosópolis.
² Doutora em História e professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, orientadora.
e pesquisa; além disso, para aqueles que cursam História a prática arquivística e museológica é
uma outra vertente profissional com a qual poucos tem contato.

O debate, a leitura e a iniciação do ofício de professor de história relacionam-se, além da


escola, a ambientes diversos: as editoras, a produção de material didáticos e paradidáticos,
montagens de exposições, estudos relativos à identificação, análise e descrição do
patrimônio cultural, serviço educativo em museus de arqueologia, de história, artes e
ciências, dentre outras possibilidades de desenvolvimento de estágios supervisionados.
(FERREIRA, 2011, p.05)

Dessa forma, objetivo neste relato compartilhar as variadas atividades que venho
executando um pequeno espaço de memória localizado na cidade de Itabuna, contribuindo assim
para que os estudantes de História procurem vivenciar experiências museológicas. Apresento
também a ideia de que a visitação a um museu é essencial na vida dos estudantes em idade escolar
– assim como toda a comunidade – devendo ser utilizada como aparato pedagógico na educação
local e levando a criação de hábitos culturais.

A oportunidade de estagiar no Centro de Memória Teosópolis - CMT me foi oferecida em


janeiro de 2018, tendo anteriormente atuado como monitora em dois eventos desenvolvidos pela
instituição, a Semana de Museus e a Primavera de Museus – ambos patrocinados nacionalmente
pelo Instituto Brasileiro dos Museus (IBRAM).

O CMT foi inaugurado em 2013 e com a missão de preservar e difundir o conhecimento e


memória local acerca dos evangélicos (mais precisamente os Batistas) da região sul baiana. O
museu apresenta uma exposição permanente referente a vida e pastorado de Hélio da Silva
Lourenço, um espaço para uma exposição temporária e um acervo contendo diversos tipos de
documentos referente aos Batistas em Itabuna e cidades circunvizinhas.

O espaço do CMT se encontra aberto para aqueles que se interessem em estudar a história
dos Batistas na região, contendo livros de atas, jornais, objetos, relatórios e outros documentos.
Além disso, faz parte da Rede de Museus da Universidade Estadual de Santa Cruz, juntamente com
o Museu Amélia Amado (Itabuna) e o Museu do Cacau (Ilhéus), todos recebendo duas vezes por
ano exposições realizadas por alunos com a orientação da coordenadora do projeto, professora
doutora Janete Ruiz de Macêdo, para as quais são convidadas as comunidades locais e instituições
de ensino para visita.

O MUSEU ENQUANTO LUGAR DE PRÁTICA DE ENSINO

Tendo em princípio que no próprio Estatuto dos Museus, Lei nº 11.904 de 2009, é
reconhecida a função educacional do museu dentro das demais características como turismo e
pesquisa, é nesse sentido que são realizadas as exposições no ambiente do Centro de Memória
Teosópolis. Essas exibições são planejadas, elaboradas, montadas e apresentadas por estudantes
estagiários e professores da UESC para a sociedade, sejam estudantes ou não. Os principais eventos
acontecem nos meses de maio (Semana dos Museus) e setembro (Primavera dos Museus),
propostos pelo IBRAM e contando com ampla divulgação nas escolas das redes municipal, estadual
e particular pelos participantes do projeto; contudo, visitas podem ser realizadas fora da
programação da semana específica.

Até o momento participei de três Semanas dos Museus e duas Primaveras dos Museus,
episódios em que recepcionei e participei da apresentação para diversas turmas de escola públicas
e privadas, além de turmas do programa Universidade Para Todos, do PARFOR (Plano Nacional
de Formação de Professores da Educação Básica) e crianças que recebem educação domiciliar. Em
todas as edições estiveram presentes turmas de outras cidades da região, como Ibicaraí, e diversas
escolas reservavam a manhã ou tarde para visitar os outros museus do programa.

Observei a importância do museu em alguns pontos, sendo o primeiro referente a ser um


lugar em que os estudantes de graduação da UESC possam praticar pequenas aulas. Visto que,
durante as apresentações do tema exposto o estudante precisa dominar o conteúdo e trabalhar a
oratória para cativar a atenção dos estudantes que estão assistindo, além de aprenderem a receber
comentários e perguntas. Todas essas são habilidades que devem ser praticadas e adquiridas
durante o curso de licenciatura para o exercício da sala de aula.

O outro ponto é em relação à visitação de museus como uma prática do ensino de história,
onde é possível relacionar o que é estudado em sala e a sua própria realidade do dia a dia. Assim,
constitui como uma ferramenta de ensino para os professores; conversando com os visitantes após
o término da apresentação muitos se mostraram entusiasmados em ir a um museu (normalmente
pela primeira vez) e o quão interessante foi a experiencia. As aulas realizadas em outros espaços
são necessárias quando se pensa no desencantamento que os estudantes desenvolvem com as aulas
simplesmente conteudistas.

A iniciativa do professor de História em levar os alunos para espaços como museus e


galerias é fundamental para criar o hábito de frequentar esses lugares, reconhecendo melhor seus
direitos culturais. No caso das exposições montadas para a Rede de Museus e que eventualmente
são exibidas no Centro de Memória então sempre pensando em abordar, de alguma maneira, o tema
relacionando com a população local/regional. Por exemplo, com o tema de História da Educação
em Itabuna nos Anos Iniciais 1906-1930 que trouxe banners sobre os principais educadores e
colégios da região, e a exposição permanente Pastor Hélio Lourenço – Uma Vida Edificante, Um
Pastorado Marcante que preserva a memória do pastor, falecido em 2013, e que foi muito
importante para a comunidade Batista sul baiana e de Itabuna de modo geral.

Colaborar com o desenvolvimento do hábito da população local de frequentar os museus


faz parte da educação patrimonial, ainda infelizmente pouco trabalhada nas escolas. Desenvolver
a consciência cultural e a sua preservação é algo que deve ser trabalhado pelos professores de
História e que deve, também, contar com políticas públicas para que os patrimônios locais estejam
bem preservados e sejam divulgados. Na cidade um outro estabelecimento museológico, o Museu
Casa Verde, parou de funcionar há alguns anos por não haver verba pública ou interesse particular
em mantê-lo, embora os artefatos ainda estejam no local e sejam de grande valor histórico para o
município.

No caso de Itabuna, são poucos os cidadãos que conhecem os museus que a cidade abriga
ou mostraram interesse em ir visitá-los, evidenciando que é necessário não só uma maior
divulgação dos órgãos de educação e cultura, como também é preciso trabalhar a ideia de que esses
espaços são interessantes. Lamentavelmente nos dias de hoje prevalece a noção geral de que
“museu é lugar de coisa velha e chata”, um pensamento que os professores de História podem
mudar a partir da educação patrimonial.
EXPERIÊNCIA NO ACERVO

O Centro de Memória possui um acervo referente aos Batistas sul baianos bastante
diversificado, com documentos de diversas tipologias que vão desde livros de atas (físicos e
digitalizados) a jornais e objetos referentes a congressos e eventos que marcam a vida daquele
seguimento religioso. Dentre esses documentos destaco o jornal A Voz do Sul, periódico Batista
de circulação regional que circulou entre os anos 1923 a 1930, com o qual tive a oportunidade de
realizar uma pesquisa de coleta de dados e consequentemente aprendi as técnicas para trabalhar
com jornais. Toda a documentação que é produzida e que se pretende que sejam disponibilizados
ao público devem obedecer a regras específicas que nos remetem a Arquivologia

É possível perceber outra possibilidade que pode ser oferecida do curso de História: a
organização de arquivos/documentos diversos e a pesquisa através deles – neste caso, a pesquisa
através de jornais. O futuro historiador, mesmo que escolha seguir a carreira de professor escolar,
deve aprender a realizar pesquisas, pois mesmo como docente esse deve sempre procurar se
informar sobre o campo da história para ser um bom profissional da educação, procurando novas
metodologias de ensino e temas a serem trabalhados.

Enfocando ainda a questão da experiência arquivística, é preciso esclarecer que o CMT


recebe materiais de muitos grupos e eventos relacionados a denominação Batistas, como da própria
Igreja Batista Teosópolis e a Associação Batista Grapiunense, mas também de órgãos mais
abrangentes como a Convenção Batista Brasileira e suas repartições. Assim, foi necessário criar
um sistema de classificação desse material, o qual parte de uma grande área (Ex. Convenção Batista
Baiana) para especificações menores (Ex: Escola Bíblica), até a especificação do artigo (Ex.
Revista), neste caso seria uma revista cujo conteúdo é referente a Escola Bíblica e que
provavelmente foi circulada pela CBBa.

Seguindo o Plano de Classificação elaborado pela coordenação do projeto, adotando o


método estrutural os itens são armazenados no acervo, onde podem ser procurados para pesquisa.
Nesse período que estagiei no local recebi não apenas estudantes interessados em estudar alguma
parte da história dos batistas para Trabalho de Conclusão de Curso ou Iniciação Científica, mas
também de membros de outras Igrejas Batistas da região – no caso de Uruçuca – que procuram a
origem de sua igreja ou congregação.

É função também do CMT a digitalização dos Livros de Atas da Igrejas, para evitar
possíveis perda de material devido a acondicionamentos inadequados ou catástrofes naturais. A
região sul baiana até bem pouco tempo esteve sujeita a chias fluviais periódicas e em um desses
episódios, foram perdidos alguns exemplares dos Livros de Ata das centenárias igrejas de Itabuna
e Itajuípe. A digitalização também objetiva facilitar o acesso, pois é possível que enviar o arquivo
através da internet para os interessados.

No acervo hemerográfico do CMT se pode encontrar jornais e informativos sobre os


batistas na região e no Estado, como O Batista Baiano, O Batista Grapiunense e O Clarim, com
data-limite variada e quase todos em bom estado de conservação. O periódico A Voz do Sul, devido
a sua antiguidade e fragilidade, está em condições um pouco deterioradas exige cuidados especiais
em seu manuseio. Ele constitui em uma excelente fonte sobre a região nos anos 1920-1930, focando
principalmente nos evangélicos batistas e presbiterianos e suas ações de expansão nos locais
próximos, mas tratando esporadicamente sobre a educação na época, cotidiano, acontecimentos
nacionais e outros assuntos.

Logo, as oportunidades de pesquisa nesse espaço são múltiplas, assim como a prática em
arquivologia e museologia e ensino de História. Contudo, seja por ser um lugar de porte pequeno
no caso do CMT ou por falta de informação, parte dos estudantes de História ainda não consideram
a escolha de estágio em museus. No primeiro caso, muitos estudantes presumem que a variedade
de materiais e possibilidades de pesquisa é pouca – o que não condiz com a realidade. E o segundo
caso se deve a constatação de que o curso de História da UESC, ao trabalhar as disciplinas de
estágio e mesmo ao longo do curso, se concentram na profissionalização para o ensino apenas,
excluindo as outras possibilidades do historiador

CONCLUSÃO
Em conclusão, os museus, mesmo os de pequeno porte como o Centro de Memória
Teosópolis, contribuem como lugar de prática de ensino para os estudantes da área de História,
onde podem ter contato com diversas turmas e desenvolverem técnicas de comunicação e
adequação para diversos níveis de clientela. Além disso, constituem uma experiencia que poderia
enriquecer o seu repertorio profissional.

Espaços como o CMT são importantes também para preservar a memória local e como
ferramentas de educação patrimonial para todos os habitantes da cidade. Nessa questão friso a
importância da valorização desses espaços pelos moradores do município e do poder público local,
os quais juntos podem desenvolver políticas públicas para manutenção e enaltecimento destes com
a colaboração de professores e estudantes da Universidade Estadual de Santa Cruz.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Os Museus. Instituto Brasileiro de Museus, disponível em <


http://www.museus.gov.br/os-museus/ > Acesso em 03 de agosto de 2019.

FERREIRA, Lúcio Menezes. Arqueologia, Educação e Museus: Uma Proposta Para Estágios
em História. Arqueologia Pública, nº 4. Campinas, 2011. p. 05 a 12.

GÁZZOLA, Lucivani. TREVISOL, Joviles Vitório. Os docentes e a Educação Patrimonial na


escola: elementos para a formulação de uma política pública. Cadernos CEOM - Ano 22, nº30
– Políticas Públicas: Memórias e Experiências.

Você também pode gostar