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ANA MARÍA NAVARRO

DECISÕES FAMILIARES

 PROBLEMAS ATUAIS NA FAMÍLIA


 CONDUTAS SEXUAIS DOS JOVENS
 AUTORIDADE E FLEXIBILIDADE
 FORTALEZA, JUSTIÇA E TEMPERANÇA

FAZER FAMÍLIA
INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

Somos a geração perdida?


Um professor e amigo meu costumava dizer há alguns anos o seguinte:

- Somos a geração perdida, porque nossos pais nos mandaram e hoje nossos filhos nos mandam.

Ainda que a frase soe engraçada, tem entretanto muito conteúdo. Efetivamente, há hoje um bom
número de pais que têm a impressão ou o sentimento de ser “mandados” por seus filhos. Isto é, se dão conta
de que seus filhos fazem algumas coisas que eles, seus pais, desaprovam, mas estes não têm nem a energia
nem os argumentos suficientes para oporem-se. A perplexidade inicial –muitas vezes não podem apelar a uma
experiência anterior, e outras, a pena que lhes causa o fato lhes bloqueia- pode originar uma atitude passiva,
de resignação, impotência ou de sincera claudicação.

Este tipo de atitudes e condutas se encontram com certa frequência quando estão em jogo algumas
questões relacionadas com a conduta sexual. Por conduta sexual entendemos temas tais como: o uso dos
anticoncepcionais, as relações pré ou extra-matrimonais, o divórcio e o aborto. Para os batizados se
acrescenta o matrimônio civil.

Com certa frequência nos inteiramos de histórias deste tipo, em nossa própria família, nas famílias de
nossos amigos. A saciedade aparecem até nos meios de comunicação social, e originam temas de
conversação a mais de uma tertúlia. Há que se lamentar de que nossos ócios estão absorvidos pela vida dos
famosos, que são os protagonistas mais assíduos das revistas chamadas “do coração”.

Que respostas dão as pessoas que vivem a nosso redor quando lhes apresenta um êxito como os
descritos mais acima? Sem pretender esgotar todo o leque de possibilidades, se nos ocorre que podemos fazer
uma breve classificação de respostas, a partir daqueles que as tomam, em especial os pais. Faremos pois uma
breve tipologia de pais.

Em um extremo, estão os que se deixam levar pela corrente. Esta corrente vai por linha de proteger
aos sujeitos ou agentes do fato. Por apresentar um caso, quando uma filha solteira, fica grávida e quer casar-
se, se lhe proporcionam os meios materiais, o enxoval, a casa –se o pais podem-, a festa e a viagem de lua-
de-mel. Não há diferença de trato com os filhos que se casam com a devidas disposições, isto é, tendo vivido a
castidade pré-matrimonial. Se se trata de um matrimônio civil, acontece o mesmo: cerimônia social, festa,
presentes, etc.

No outro extremo estão os pais que decepcionam se acontece em sua casa algo assim, e trabalham
em consequência. Isto é, demonstram, com suas palavras e com seus fatos, que o fez o filho ou a filha em
questão esteve mal. Não há festa, nem presentes, nem cumprimentos. Ao contrário, a família fica afetada, e
procura que os causadores se arrependam do acontecido.

No passado, a maioria das famílias se comportavam desta forma. Havia inclusive casos dramáticos,
por exemplo, quando jogavam ao “indigno” da casa. Certamente esta conduta foi recusada, ao menos na
opinião coletiva. Apenas ficam alguns restos entre certos grupos minoritários.

Hoje é mais frequente a aceitação, a acolhida e a proteção. Se o fato lhes supõe aos pais, isto lhes
supõe um desgosto aos pais, estes “se o tragam”, e ante seus filhos se esforçam por aparentar alegria e
satisfação. Com o qual termina cumprindo-se a afirmação de meu professor e amigo:

 Antes nos mandavam nossos pais ...

 Hoje nos mandam nossos filhos.

Quando eu era menina, tanto meus irmãos como eu, ou os amigos de nossa idade, certamente
desobedecíamos nossos pais. A desobediência, em coisas pequenas então, por razão dos temas próprios da
idade, era frequente, como hoje. Mas havia uma diferença.

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INTRODUÇÃO

- nunca questionávamos o direito de nossos pais mandar-nos. Ou, o que é o mesmo.

- se desobedecíamos, sabíamos que a falta era nossa.

Atualmente os filhos podem discutir o direito de seus pais mandar. Nem sempre, certamente, mas sim
em maior número e com mais frequência que antes. O questionam de palavra ou de fato, com réplicas e
protestos mais ou menos abertos.

Uma adolescente de quinze anos escrevia em seu diário particular o seguinte:

- Por que tenho que obedecer a meus pais pelo fato de que me trouxeram ao mundo?

Por outro lado, está a opinião pública, que fez sua a idéia de educar por via do desfrute.

“Desfrute hoje e pague amanhã”.

Quando se funciona procurando desfrutar a todo custo, o que se produz em pouco tempo é uma
redução da capacidade para suportar as frustrações ou as contrariedades. E assim ocorre que, longe de
diminuir os problemas, estes aumentam.

Pode alguém se afogar em um dedal.

Os problemas de pais e os educadores de hoje


Localizam um primeiro problema:

1. A perplexidade ou o desconcerto pela razão da novidade.

A perplexidade nos leva a um segundo problema ou questão:

2. Averiguar que respostas são as corretas nos tempos atuais, para que pais e educadores possam
qualificar-se de tais.

Para consentir, não é necessário ser nem pai nem mãe, nem educador. O que define a pais e
educadores é precisamente o desejo de bem do qual está a sua custódia. E já se sabe, alcançá-lo custa muito.
Para decair, ou deixar-se levar pela lei do mínimo esforço, não é necessário ajuda.

- Para subir, quero meu burro, e para descer, eu o faço.

De onde encontraremos o modelo ou os modelos de respostas válidas, isto é, educativas, para os pais
e educadores nas situações atuais, e no tema que escolhemos para nosso estudo?

Não é fácil cumprir a resposta nesta questão. Por um lado, os educandos são seres humanos, isto é,
são livres. Pode ser que lhes dê a receita aos pais (nos dirigiremos diante deles, ainda que não excluímos aos
professores nem aos amigos), eles a aplicam, mas quem garante que seus filhos a seguem?

EM EDUCAÇÃO AS RECEITAS NÃO SERVEM

- “Para a cama!”, lhe ordena a mãe a Pedrinho de dois anos. E Pedrinho vai para a cama.

- “Está na hora de dormir!”, lhe pediu sua mãe. E Pedrinho, se soubesse falar, responderia:

- “Sim estou com muito sono.”

Não valem as receitas, ainda que mais de uma vez é o que pedem os pais em situações exatas:

- O que faço, lhe dou permissão ou não, lhe castigo ou não, lhe compro a moto ou não ...?

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INTRODUÇÃO

Não valem as respostas, mas sim as reflexões sobre a base de alguns critérios corretos. Com o que,
se as coisas saem mal, ou saem diferentes do que se pretendia ao tomar a decisão de fazer ou deixar de fazer
tal ou qual coisa, pelo menos fica a tranquilidade de ter trabalhado retamente, com retidão de intenção:

“QUE NÃO FIQUE POR MI”

Muitas vezes a retidão de intenção acompanha uma decisão incômoda, custosa. Por alguma razão,
para ir ao Céu, que é o supremo bem, há que passar pela porta estreita.

Decisões e virtudes humanas


Aos pais e educadores lhes compete tomar uma série de decisões, em geral, e na realidade no tema
escolhido como linha argumental para este livro: a conduta sexual dos filhos, parentes e amigos. Pois bem,
para refletir sobre os critérios de atuação correta, nos centramos nas decisões.

Passamos a vida tomando decisões. Umas se dirigem à ação -se continuam em umas medidas
práticas-, e outras ficam na cabeça, como esclarecimento de uma situação que ante se via confusa, e que está
esperando o melhor momento de atuar. A decisão está pois no âmbito do pensamento e no âmbito da conduta
exterior. Ao longo do livro teremos oportunidade de analisar amplos planos.

O que é uma decisão?


Entendemos por decisão a resposta operativa a um problema, e por problema, a situação que reclama
uma solução. De maneira que:

DECIDIR É RESOLVER PROBLEMAS

Resolver problemas é próprio dos seres humanos. Ninguém mais, nem as pedras, nem as flores, nem
os animais, resolvem problemas. A explicação é fácil: o homem, inteligente e livre, foi criado por Deus para
“acabar” a obrada da criação, precisamente resolvendo problemas. Isto é, decidindo. Duas notas definem a
decisão:

a) É pessoal, não coletiva.


Ainda que se aceite o consenso, isto é, que se faça o que determina a maioria dessa aceitação exige
uma decisão pessoal anterior. Se entende assim a força do voto.

b) Tem uma dupla direção:

 Em relação com os motivos e a finalidade que se pretende. As coisas se fazem por e para algo.

 Em relação com os destinatários, que pode ser o mesmo sujeito que decide, outras pessoas ou
coisas. Por exemplo, que saia beneficiado, ou meus filhos, amigos, ou parentes ou inclusive que
se escreva um livro.

Ambas notas nos ajudam a determinar a qualidade moral das decisões humanas.

Serão boas ou melhores as decisões que apontar a um bom fim, e aumenta a bondade das mesmas se
beneficia a mais pessoas ou coisas.

As decisões se tomam em uma realidade concreta, não no ar nem nos sonhos. Esta realidade terá de
ser tida em conta, para adaptar-se a ela, se é cooperadora da bondade da decisão, ou para modificá-la se a
contradiz. A realidade ou entorno das decisões atuam a modo de meios com os quais há que contar. De
maneira que uma decisão será boa se conjuga um bom fim com meios também bons.

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INTRODUÇÃO

O FIM NÃO JUSTIFICA OS MEIOS

Como se sabe se um meio é bom ou mau? Há muitos modos de descobrir a validade dos meios. Nós
escolhemos um:

UM MEIO É BOM, SE SE PODE


“LER” EM EXPLICAÇÃO
DE VIRTUDE

Das virtudes humanas que podem ajudar a qualificar de boa ou má determinadas decisões,
escolhemos as chamadas virtudes cardinais. A razão é óbvia: são as que estão mais diretamente relacionadas
com a resposta humana aos problemas. Isto é, são as que reclamam mais a intervenção pessoal dos sujeitos.
Como se o homem, com sua boa conduta, “provocasse” a ajuda de Deus para continuar trabalhando bem.

Certamente, não há virtude unicamente humana. Somos os suficientemente frágeis como dar-nos
conta de que, por nós mesmos, não poderíamos chegar muito longe em nossas boas intenções. Pode
começar, se o fazemos, mas perseverar ... Necessitamos da ajuda de alguém. Pedir ajuda é de sábios.

COMEÇAR É DE MUITOS,
PERSEVERAR, DE SÁBIOS

Contudo, e reconhecendo que a empresa é árdua e ambiciosa, vamos seguir adiante.

Objetivos do livro
Tida em conta da perplexidade de muitas pessoas ante alguns problemas relacionados com a conduta
sexual, problemas que demandam algumas respostas corretas e de acordo com a normal natural e cristã, se
trata de:

1. Examinar algumas situações reais, ou casos, que nos permitam refletir sobre o acerto ou o erro de
algumas decisões tomadas no passado pelos educadores.

2. Perfilar qual ou quais das decisões possíveis em um momento dado são as que podem ser
consideradas como boas. E tudo isso, argumentado.

Estrutura do livro
É conveniente explicar aqui o início do livro, quais são as linhas de fundo que o constróem, mas
também como essas linhas foram ordenaram, de tal modo que o leitor não lhe chama a atenção encontrar-se
com idéias ou assunto que foram de algum modo mencionados anteriormente.

São três os vértices em torno aos quais se move o livro:

as decisões

a linha argumental os educadores

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INTRODUÇÃO

As decisões se “medem” ou valorizam em termos de virtude. Isto é, se contempla conforme o fim que
se persegue com ela, conforme os procedimentos que se seguem.

UMA DECISÃO É BOA, SE PERSEGUE


UM BOM FIM E USA UNS MEIOS
CORRETOS

Os educadores são em nosso caso os pais principalmente, mas também qualquer pessoa enfrentada a
uma decisão, da qual possa derivar-se um bem para alguém. No livro mencionaremos a amigos, irmãos e pais.
Excluímos, por razão de brevidade, aos professores. Suas situação específica merece, a nosso entendimento,
um tratamento mais amplo. Entretanto, acreditamos que ler estas páginas também pode lhes ajudar.

Por último, o argumento. Dissemos anteriormente que vamos centrar-nos em temas que tocam
diretamente à moralidade relacionada com o sexo. Não pretendemos dar aqui doutrina alguma sobre a moral
sexual, ainda que seja evidente que os problemas os sofram aqueles que querem viver uma moral natural,
inscrita na própria natureza do homem e da mulher, que além disso, foi revelada por Deus no Gênesis, e é
custodiada, defendida e difundida pela Igreja Católica. Os que não têm presente esta perspectiva, pode ser que
não sintam problema algum, ainda que o tenham, porque estão vivendo de costas ao que sua própria natureza
de seres livres e responsáveis está lhes demandando.

 DEUS PERDOA SEMPRE


 O HOMEM, ALGUMAS VEZES
 A NATUREZA, NUNCA

Esta questão, que estabelece conflito entre uma moral sexual permanente, por um lado, e uma moral
de situação, por outro, centrado muitas vezes o problema no plano de crenças religiosas. Como se a moral
permanente apenas regesse para católico. Pois bem, ainda que possa referir-se a este estabelecimento, não
se mostra intenção de entrar no debate, muito menos de discutir que razões tem a Igreja para ir contracorrente
nos tempos atuais. Vamos centrar na responsabilidade dos educadores, que está inscrita nas duas
coordenadas anteriormente citadas:

a) a dos fins: trabalhar moralmente bem, isto é, orientar-se ao bem objetivo, o que de seu é bom, nos
agrada ou não;

b) a dos meios: comportar-se conforme uns procedimentos corretos, isto é, que facilitem o
cumprimento dos fins bem escolhidos.

Desenvolvimento do livro
O livro que se oferece aos olhos do leitor neste momento está composto por uma introdução, a qual
acaba com estas linhas, e seis capítulos. Lhe seguem algumas breves orientações pedagógicas.

Os quatro primeiros capítulos vê encabeçados pelas quatro virtudes cardinais, seguindo a ordem que
aparece nos tratados de moral: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

Estes quatro capítulos têm um desenvolvimento bastante parecido entre si. Começam por um caso –ou
um episódio de um caso adequado ao tema- cujo comentário vai afluindo parte da doutrina correspondente à
virtude que se vai estudar. Esta doutrina se completa e ordena de modo mais sistemático ao final de cada
capítulo. Pretendemos assim utilizar o método que recebe o nome de indutivo, e que parte da experiência, ou
da realidade selecionada, para extrair ou induzir alguns princípios que depois serão ratificados e justificados
pela teoria.

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INTRODUÇÃO

As vezes se descreverá mais de um caso em cada capítulo. Isto ocorre quando há aspectos da
conduta que apelam a faceta diferente da mesma virtude. Na realidade, este procedimento se seguiu conforme
avançamos no livro e as questões são mais complexas, ou inclusive quando se supõe que os leitores estão o
suficientemente ilustrado como para fazer-se cargo rapidamente de problemas mais complexos.

No capítulo V há uma síntese e um resumo do que foi visto anteriormente. O capítulo VI trata da
autoridade dos pais nos dias atuais. Se inseriu ao final do texto, porque entendemos que pode revisar de
noções vistas anteriormente e porque serve também de síntese ainda que, evidentemente, tenha um conteúdo
próprio.

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A PRUDÊNCIA

CAPÍTULO - I
A PRUDÊNCIA

CASO: Elisa

Elisa atribuía seu humor ao fato de que seus pais não se intrometessem em sua vida. Que não
bisbilhotassem seus assuntos, nem averiguassem sobre seus projetos, suas amizades ou seus costumes.

Mas os pais não podiam permitir. O tom desafiante das palavras de Elisa, suas más respostas, suas
ausências inexplicáveis, lhes faziam desconfiar dela. O pior de tudo eram suas idéias sobre a questão sexual.
Para Elisa não lhe importa que seus parceiros fossem solteiros ou casados, com tal de que lhe agradassem.
Não tinha vergonha em admitir as relações pré-matrimoniais, e dava a impressão de que inclusive tinha alguma
prática no tema.

O clima na casa era tenso, taxante, os pais sofriam muito. Por isso, quando Elisa teve a oportunidade
de um trabalho fora da cidade na qual viva, os pais viram o céu aberto. Não apenas a afastaria das más
companhias, mas talvez a separação fizesse bem para todos. Entretanto antes de deixá-la partir, já que Elisa
era menor de idade, lhe fizeram prometer que não teria relações sexuais com ninguém.

Ver-se independente, com dinheiro, e sem fiscalização familiar, parece que transformou Elisa. Assim
pois, se via muito responsável em seu trabalho, suas companheiras a apreciavam, e ela mesma ficou mais
alegre e comunicativa. Os amigos anteriores foram pouco a pouco desaparecendo de cena. Tudo a fazia
pensar que tinha acabado a disputa ruim.

Ao chegar o verão. Elisa pediu a seus pais permissão para fazer uma viagem ao estrangeiro com duas
amigas, as mesmas que em uma ocasião levou à sua casa. Os pais, felizes por sua filha, e animados pela
conduta que ela adotou nos último tempos, cederam.

Depois de pouco tempo Elisa ter voltado, Bárbara uma amiga da mãe se inteirou: de que não eram
duas meninas as acompanhantes de Elisa na viagem, mas um menino que conheceu em uma festa do bairro.

Foi então quando se estabeleceu a Bárbara um problema. O que fazer?, falar ou calar-se? E se fala,
para quem? Além do mais, porque tinha de intervir?

Comentário do caso “Elisa”


Bárbara se encontra ante um dilema, falar ou calar-se. Se fala, o dilema é converter em algo mais
complexo, que podemos chamar trilema: a quem deve falar?, aos pais, a Elisa, aos três personagens por sua
vez?

Está claro que deve tomar uma decisão, ainda que esta seja a de calar-se. Suspender a ação é às
vezes resultado de uma decisão. Como lhe ocorria àquele professor que, quando reprovava a alguém, podia
dizer:

- Não reprovo à pessoa, reprovo o argumento, porque não tenho elementos suficientes para saber
se este aluno pode ser aprovado.

Para decidir, Bárbara deve discernir primeiro que fatores ou elementos garantem sua decisão.
Tentaremos reunir estes elementos no quadro da página seguinte.

Se trata agora de ver qual é o motivo mais importante ou valioso, de tal modo que os demais motivos
se subordinem a ele. Os motivos se referem a dois tipos: os valores, os sentimentos.

Os valores
Como acabamos de ver, os valores são razões “de fundo” que vão mais além da mera situação na qual
alguém se encontra, e que justificam e motivam uma ação uma decisão coerente com eles.

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A PRUDÊNCIA

Entre Bárbara e os pais de Elisa há uma relação de amizade. A amizade supõe, sempre e em qualquer
situação, uma série de valores: a lealdade, por exemplo e, em íntima relação com a lealdade –que é a
coincidência com os valores do outro- a disposição de ajuda. Bárbara, em consequência, deveria reger-se por
critérios de lealdade e de ajuda quando se estabelece o que fazer com os pais.

QUADRO 1

Decisão: de falar de calar

Motivos:
- lealdade - evitar sofrimentos

- direito dos pais de - submeter-se ao fato


saber consumado

- responsabilidade de - medo de ser recusada


pais

Referidos a: VALORES SENTIMENTOS

Ainda que Bárbara não fosse amiga íntima de Elisa –ou não tão amiga como dos pais- deverá também
ter em conta de que a lealdade e a ajuda de uns não pode converter-se em deslealdade ou falta de ajuda para
com outros.

Por outro lado, estão os valores que justificam e motivam a atuação dos pais em sua relação em Elisa,
e a de Elisa para com seus pais.

Estes valores, como vimos no quadro anterior; se centram para os pais em torno à responsabilidade.
Mas para atuar responsavelmente, há que estar informado. Informar é a decisão a tomar por Bárbara, que é a
que sabe o que aconteceu.

Se aos pais lhes corresponde atuar responsavelmente, a Elisa lhe “toca” reger-se pelo valor de
piedade. Piedade equivale a

AMOR, DEVOÇÃO
RESPEITO, GRATIDÃO
TERNURA

As palavras anteriores podem também generalizar-se a todos os filhos, isto é, afetam à condição de
filiação.

De modo que Bárbara fique comprometida a intervir no caso estamos vendo, pela força dos valores
que estão “debaixo” dos vínculos que unem aos pais e indiretamente com Elisa.

O que nos detemos um pouco neste ponto tem, junto com o fim de ir esclarecendo posturas, outra
intenção. Isto é, pretende denunciar uma carência que se observa com frequência a nosso redor. Há pessoas
que decidem e se comportam sem saber muito bem por que e para que o faz. Ou, se apurar encontrará razões
fracas, de tipo subjetivo ou sentimental. Daí que distinguimos o que são valores objetivos -o racionais- e o que
são valores subjetivos ou sentimentais.

Os sentimentos
Os sentimentos são, como seu nome indica, algo que se sente, e, em geral se sente em termos
agradáveis, ou positivos, ou em termos desagradáveis, ou negativos. E, já sabe, o agradável é mais atrativo
que o desagradável. De onde podemos concluir que os sentimentos atuam às vezes como motivo para
comportar-se ou tomar decisões (porque “atraem“ o “repelem”).

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A PRUDÊNCIA

Está claro que é mais agradável satisfazer que sofrer, e a ninguém lhe agrada ser recusado. Mas nem
um nem outro sentimento devem tomar-se como motores da decisão ainda que se devam ter em conta como
efeitos secundários a assumir, beneficiosos em uns casos, custosos em outros.

Ou, dito de outro modo:

OS VALORES ESTÃO ACIMA


DOS SENTIMENTOS

Hoje em dia, entretanto, parece que o sentimento, a emotividade, tem muito boa impressão. Em
ocasiões até chegam a passar adiante dos valores.

COMO OCORRE QUANDO OS


PAIS SE INIBEM DE
INTERVIR PRÓXIMOS DE SEUS FILHOS
POR MEDO DE SOFRER OU DE FAZER SOFRER

Outras vezes os sentimentos dão passagem a valores novos, porque necessitam justificar-se em algo.
Esta postura, quando compartilhada por muitas pessoas recebe o nome de ideologia hedonista.

 O hedonismo exalta o prazer e recusa a dor.

 Para justificar um e outro “se inventa“ uma interpretação reducionista da pessoa:

 “A pessoa se realiza apenas mediante o prazer”, quando todos sabemos que o sofrimento bem
aceito -sem masoquismo-, é fonte de maturidade humana, e, no plano da fé, também de
maturidade sobrenatural.

O problema de Bárbara
Depois de considerar os motivos de sua eventual intervenção, Bárbara todavia teve outro problema,
que é o mesmo que tem o médico quando cura uma ferida. Nenhum dos dois sabe se o resultado vai ser
positivo:

- Se o doente vai se curar.

- Se Elisa vai mudar.

De algum modo, a ação de Bárbara, como a do médico, equivale à conduta do bom intermediário, que
atua quando é preciso e apenas do modo que for necessário ocultando-se à hora de recolher os frutos. Por
mais agradável que seja saber que foi graças a sua intervenção Elisa corrigiu-se, não é assunto seu, mas sim
dos pais. Em consequência, o que Bárbara tem que fazer é: fazer e desaparecer.

Agir com a cabeça


Querer alguém é maravilhoso. Querer-lhe de coração, isto é, ser compassivo (padecer com), além
disso, é satisfatório, gratificante. O ruim é quando apenas se quer com a cabeça ou apenas com o coração:

- Se se quer apenas com a cabeça, pode acabar sendo rígido ou desumano.

- Se se quer apenas com o coração, pode acabar sendo cego.

CONVERTER-SE EM CEGO, QUANDO SE É


EDUCADOR, É MUITO GRAVE
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A PRUDÊNCIA

Se corre o risco que denunciar a frase aplicada aos fariseus: são cegos que guiam a outros cegos.

Quando se diz que “o amor é cego”, se pode entender a frase como algo bom ou algo mau:

- Bom: não mede a entrega, nem condiciona ao que o outro dá.

- Mau: não pensa que é melhor amor o que ajuda ao outro a ser feliz, nem se lembra que a
felicidade custa.

Os custos da decisão
Voltando aos valores que motivam a decisão a tomar no caso que comentamos, nos encontramos com
valores bons, mas contraproducentes. Isto é,

- é bom ser leal;


- é bom ser responsável;
- é bom evitar sofrimentos.

Como tudo não pode ser, pois soprar e aspirar por sua vez não é possível, se trata de hierarquizar, os
valores de categorias superior, renunciando aos outros ou colocando-os em segundo lugar, a fim de conseguir
potenciar o bem ou suavizar o mau que se pode derivar dessa hierarquia. Isto é o que chamamos pagar os
custos da decisão.

Se entende por custos, a parte de renúncia que aparece em qualquer escolha. Há custos obrigatórios,
como:

- não poder estar em dois lugares por sua vez (tocando as campainhas e na processão).

Quando em lugar de ser obrigatórios, os custos são opcionais, se tratará de funcionar com os critérios
que regem em economia, isto é:

- máximo benefício;
- mínimo custo;
- ... ou em relação excelente qualidade-preço.

O problema consiste agora em determinar a espécie de benefício ou do custo. No terreno educativo


estamos no âmbito da qualidade sobre a quantidade, isto é dos valores sobre as coisas.

- O esforço, a superação, o amor, o serviço, a lealdade, etc. são valores.


- O tempo, a saudade, o dinheiro, a tranquilidade, etc., são “coisas”

Quando a qualidade é elevada, da boa, vale a pensa seguir este princípio:

SE GASTA O QUE SE DEVE,


AINDA QUE SE DEVA O QUE SE GASTE ...

A decisão de Bárbara
O que aconselharíamos a Bárbara? Definitivamente, que fale. Se fala, se comportará como uma boa
amiga, mas além disso, se exercitará no desprendimento. Cumprirá o ditado, que por mim não fique, e não
buscará a complacência que é o lógico desejar depois da boa ação. De modo que Bárbara também sairá com a
melhor decisão de falar. Além disso, terá resistido na repugnância que todos sentimos à hora de enfrentar-nos
aos problemas.

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A PRUDÊNCIA

Falar sim, mas para quem? Há três possibilidades:

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A PRUDÊNCIA

- aos pais, sem Elisa;

- a Elisa, sem os pais;

- aos três personagens por sua vez.

Consideremos os prós e os contra das três opções:

- Bárbara é amiga dos pais, não (ou menos) de Elisa. A lealdade lhe obriga primariamente com os
pais.

- É provável que Elisa não aceite o conselho de Bárbara. Em todo caso, Bárbara deve contar antes
com a autorização dos pais, porque, senão, estaria suplantando um papel que lhe corresponde a
eles.

- Não está facultada para erguer-se em árbitro dos problemas que há entre pais e filha, exceto que o
outorguem expressamente.

Em consequência, deve falar, sim, mas primeiro aos pais, e sempre contando com outros fatores.

Suponhamos que um dos pais ou ambos sofrem do coração. Bárbara falaria com eles, “o quanto
antes”, ou procuraria o momento oportuno, a ocasião apropriada, e escolheria as palavras mais delicadas? Ao
que há que fazer, haverá que acrescentar “o modo” como há que fazê-lo. Um e outro constituem o núcleo da
virtude da prudência. Mas, repetimos, um e outro, não um sem o outro.

A virtude da prudência
Acabamos de definir de um modo simples o que é a prudência em ativo, isto é, a atuação prudente.

- Por outro lado, é fazer bem as coisas, preferindo o que deve fazer-se ao que apetece fazer. O deve
avaliar a qualidade da ação.

- Por outro, é fazê-la do melhor modo possível,

NÃO DIGA QUE A BOA


ORIENTAÇÃO DA AÇÃO
FICA DANIFICADA POR
UM MAL PROCEDIMENTO

No caso de Bárbara, atuar mal seria falar, por exemplo, desbaratadamente. Pelo contrário, falar
primeiro com os pais é mais eficaz com respeito a Elisa, que dirigir-se a própria Elisa.

Mas trabalhar assim, atendendo aos dois planos (o que –ou finalidade-, e o como- ou procedimento-)
estabelece uma série de problemas.

Alguns problemas

O primeiro dos problemas que se refere os valores motivadores da conduta.

- Se Bárbara estivesse de acordo com as relações pré-matrimoniais, nem sequer teria estabelecido
advertir algo, nem aconselharia nada.

Por isso, tomar decisões lança antes de mais nada ao mundo das convicções pessoais, e, se um é
honesto, a sua constante revisão, a fim de que não se desviem da verdade. Lembremos:

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A PRUDÊNCIA

ESFORÇAR-SE AJUDA AOS OUTROS


BENEFICIA AO “AJUDANTE”

Outro problema se refere a análise da situação, a qual se diagnostica desde o julgamento que se
aproxima da verdade ou do erro do assunto que se trata. E neste caso, se analisa a conduta de Elisa em
relação à norma moral da castidade própria dos solteiros, que devem manter a pureza de seu corpo e de sua
alma, para oferecê-la no futuro em toda sua integridade conforme o estado que adotem: castidade conjugal
para os casados, castidade perfeita para os consagrados a Deus. Como Elisa não está de momento em
nenhuma das situações, deve perseverar seu corpo e seu espírito, sem contaminá-lo com precipitações ou
desvios, que de um modo geral pervertem o reto sentido de sua sexualidade.

Fases da atuação prudente

Definido este problema de fundo, se trata de arbitrar os modos de abordá-la e resolvê-lo. Mas para
isso há que contar com alguns fatores, alguns dos quais vai condicionar a intervenção de Bárbara, e outros que
vão lhe facilitar.

Bárbara contempla a situação concreta da família. Se dá conta de que ela não é indiferente ao tema,
que os pais são antes que ela, e o que o assunto é relevante. Vai assim “separando” alguns âmbitos de outros,
dando-lhe a cada um seu significado e valor.

Pois bem, o que Bárbara está fazendo com estas operações não é nada mais que deliberar. Com o
que,

DELIBERAR É A PRIMEIRA OPERAÇÃO


DA ATUAÇÃO PRUDENTE

Ao deliberar, Bárbara está sendo objetiva. Como se colocasse o problema diante dela, e o examinasse
com a cabeça, deixando pelo momento o sentimento que, diante de ajudar-lhe, poderia conduzir-lhe talvez pelo
caminho da crítica, interna ou externa (os típicos falatórios, por exemplo). Assim resultará que não é que Elisa
“seja” uma fresca, ou uma insensata, ou uma inconsiderada com o sofrimento de seus pais. Se o é ou não, não
interessa aos efeitos que se pretende, que são os de ajudar deixar essa conduta, conduta que lhe prejudicou.

Na mente de Bárbara se fixaram, em consequência, duas idéias:

- Os pais devem estar informados.


- Elisa deve retificar.

Ao formular ambas frases, Bárbara passou a diagnosticar.

A SEGUNDA FASE
DA ATUAÇÃO PRUDENTE É
ELABORAR UM DIAGNÓSTICO OU JULGAMENTO

É o que faz o médico depois de examinar os sintomas que se observou previamente no doente, mas os
dados obtidos com as oportunas análises e provas. O médico pede essas análises para avaliar melhor, com
maior certeza, e apenas uma vez examinadas as informações, emite o diagnóstico, ou julgamento sobre a
espécie da patologia e seu tratamento.

Mas isto não basta. Terá que fazer algo, para cortar o mal ou para conseguir a cura. Esta fase que se
denomina poder ou ordem (“faça-o” ou “façamos–nós”).

13
A PRUDÊNCIA

A ÚLTIMA FASE DA ATUAÇÃO


PRUDENTE RECEBE O NOME DE
PODER OU ORDEM

Nas grandes ocasiões, esta fase se traduz em decisões de muita importância. Nas situações
frequentes, talvez apenas lhe dê importância. Entretanto, todos temos muitas oportunidades de decidir. E, se
isto é assim, o melhor é que nossas decisões sejam prudentes.

Síntese da atuação prudente

Resumamos o anterior. Comportar-se de modo prudente significa:

 Atender tanto ao fim como aos meios adequados, isto é, bons também.

 Objetivar a questão, sem deixar-se levar pelo sentimentalismo paralisante ou pela opinião
subjetiva que possa conduzir à parcialidade.

 Recorrer um processo de três fases:

- a deliberação;
- o julgamento;
- a ordem.

Para, no final, atuar ou deixar de atuar, postergando a ação ou anulando-a definitivamente, se for
conveniente.

Condutas que se opõem à prudência

A prudência se opõe a imprudência. Se é imprudente quando se atua com precipitação, também


quando se deixa passar a oportunidade, por indecisão ou indiferença. Hoje em dia, teria que atender a esta
última postura, a indiferença.

Quando há um acidente na estrada e os carros não param para socorrer as vítimas, ou não avisam à
polícia, estamos ante uma situação imprudente. Normalmente a esta omissão de ajuda se chama insolaridade,
egoísmo ou injustiça.

A prudência, se vê aqui, está na origem das demais virtudes. Por isso pode dizer-se corretamente que

A MÃE DE TODAS AS VIRTUDES,


É A PRUDÊNCIA

Já o dizia um autor:

“BOM É O QUE ANTES É


PRUDENTE”

A prudência, virtude guia

Se isto é assim, teremos que ter em conta esta virtude ao desenvolver o resto do livro. Apenas a efeitos
de organização separamos umas virtudes das outras. Veremos como, longe disso, se encadeiam umas com as
outras como as cerejas. Mas as mais presentes em todos os casos vai ser a prudência.

14
A JUSTIÇA

CAPÍTULO - II
A JUSTIÇA

CASO: Marta

Marta é irmã de Henrique, esposo de Diana. O casal está divorciado. Há anos houve uma história de
infidelidade, à qual se acrescenta Henrique e o incumprimento de seus deveres econômicos para com sua
mulher e filhos.

Atualmente Henrique vive em outro país. Encontrou a mulher com a qual tem um filho, e, certamente,
continua sem dar um tostão a sua família. De modo que é o ruim do filme, tanto que Diana aparece como a
heroína que, com uma gentileza admirável, criou a seus quatro filhos.

Poderia dizer-se, uma história de nossos dias. Entretanto, Marta tem de imediato um problema.

Henrique anunciou que vem a sua terra de origem para ver seus irmãos. Faz mais de cinco anos que
não os vê. Mas Diana está muito firme. Ameaçou.

Ou ele ou eu.

A postura de Diana é compreensível. Uma vez sua cunhada foi aos país onde Henrique vive, e esteve
em sua casa. Conheceu à segunda mulher, e ao menino. Quando Diana se inteirou, lhe retirou o cumprimento.

Por outro lado, está a fraternidade, e detrás, os pais, que já morreram. Por acaso pode abster-se da
vida de seu irmão?, com que cara se atreveria a olhar-lhes de frente?

Há outra razão. Marta tem um filho um pouco “pirata”. Todavia é uma criança, mas se algum dia se
comportar como Henrique, ela a mãe preferirá, que um irmão lhe levante a mão?

Se aceitar a visita de Henrique, Diana vai se incomodar. E Marta quer e admira muito a Diana. Marta
não sabe o que fazer.

Comentário de caso Marta


De novo, estamos ante uma decisão a tomar em uma situação dilemática. Marta tem que optar por ver
ou não ver seu irmão Henrique. Mas agora sabemos como deve operar: com prudência. Isso lhe leva a
percorrer os três passos.

Decisão

Prudência Ordem

A decisão
Nesta fase, Marta deve começar por selecionar os aspectos ou planos que lhe vão permitir organizar os
dados. Estes aspectos são:

- Os laços de família que lhe unem a Henrique (fraternidade), e a Diana (fraternidade política).

- As preferências afetivas (com Diana mais que com Henrique).

- Os deveres com Henrique, mais que com Diana.

15
A JUSTIÇA

Com estes três critérios, se pode compor o seguinte gráfico:

Marta

cunhadas
afetos
Diana Henrique

Separados os dados, e reagrupados conforme certas afinidades, podemos comparar qual ou quais
deles têm uma maior força ou peso, de modo que devam preferir-se aos demais. Está claro que,
objetivamente, isto é, independentemente das circunstâncias,

- os irmãos vem antes que as cunhadas;


- os deveres vem antes que os afetos.

Pensar assim nos remete a um determinado sistema de valores, ou de convicções:

AS COISAS SÃO COMO SÃO,


GOSTAMOS OU NÃO
OS DEVERES PEDEM PARA SER CUMPRIDOS

O juízo
Em consequência, Marta deve decidir-se ver a seu irmão Henrique. Porque a fraternidade diz
incondicionalidade e, portanto,

- querer e admirar a sua cunhada não tem por que colocar em risco seus deveres fraternos.

- O ressentimento de Diana, por mais explicável que seja sem ela, não tem por que prolongar-se em
Marta.

A ordem
O dever lhe obriga a ver Henrique. Mas, junto ao dever, ou melhor, dentro do dever, está a
necessidade e a disposição de ajudar-lhe. Por isso a conversa entre os dois irmãos não pode ser uma mera
visita. Tem que conter uma mensagem de tipo moral. Não esqueçamos que Henrique está em falta com sua
esposa e com seus filhos, mas também com os valores e requisitos do casamento. Além disso, estão os pais,
que podem reclamar a intervenção de Marta próximo de seu irmão. Como se ela estivesse no lugar deles.

A preparação
A própria entrevista é outra ocasião de viver a virtude da prudência. Haverá que deliberar –ou ter em
conta- uma série de dados:

- Henrique é maior de idade.


- Henrique é independente.
- Henrique é um ser humano como Marta.

16
A JUSTIÇA

Pode supor-se que não está disposto a mudar de vida. Tudo isso, mais outras questões que poderiam
contribuir-se, talvez estejem induzindo Marta a manter-se a margem, a não intervir. Isto é, os argumentos que
podem assaltar a Marta na linha de inibir-se, atuam sob modo de pressão ou chantagem. Marta fará bem em
precaver-se contra eles. Tanto mais se ela mesma pode provocar-se essa chantagem, já que em seu interior
talvez pense que quem se portou mal foi seu irmão. Ou também pode ocorrer que Henrique merece o
isolamento ou o afastamento de sua família.

Nossa protagonista haverá de deliberar de novo entre seus sentimentos e seus deveres. Deverá julgar
que os deveres vem primeiros que os sentimentos, para atuar em consequência.

Marta terá que contemplar sua decisão com as formas ou modos mais “prudentes“, isto é, procurando
que o benefício seja maior que o custo, sobretudo em qualidade.

Os custos da entrevista
Um provável custo da decisão de ver Henrique será o incômodo de Diana. Já tinha dito antes.

Ou ele ou eu

Mas há que questionar se esta postura é justa, ainda que seja compreensível. Diana tem o direito a
decidir por si própria, mas não o de impor sua decisão a terceiros. Mas todavia, as pessoas que tiveram uma
relação com seu marido no passado (como ocorre na situação apresentada: a separação conjugal; senão
for assim, a esposa seria a primeira). Impor uma conduta, ou pretender tomar represálias se os outros não
seguem essa conduta, é um outro modo de fazer chantagem. E, já sabe, chantagem é muito perigoso porque
mexe com fatores afetivos, isto é, coloca em risco algo bom:

- A harmonia da relação entre irmãos ou cunhadas.

Ainda que tenha suas razões:

- A “jogada” de Henrique.

Marta tem que concluir a jogada. Não basta ir ver seu irmão e lhe fazer recomendações morais. Terá
que aproveitar a oportunidade que Diana oferece se esta se incomoda, para esclarecer sobre seus direitos, e
sobre os limites desses mesmos direitos. Assim, poderá lhe ajudar a ser menos rígida e intransigente.

O prêmio da boa ação


Há uma idéia que afirma o seguinte:

O PRÊMIO DA BOA AÇÃO


É ELA MESMA

Portanto, os resultados não devem determinar nossas decisões, ainda que seja bom tê-los em conta.
Poderíamos lembrar Marta da citação evangélica.

“QUE SUA MÃO DIREITA NÃO SAIBA


O QUE FAZ SUA MÃO ESQUERDA”

As vezes somos impacientes e queremos ver logo os resultados. Outras vezes, nos desanimam alguns
resultados contrários ou diferentes dos esperados. De algum modo, estamos agindo como se o resultado fosse
a medida de nossas ações. De modo, que se não acontece o que esperamos, acreditamos que fracassamos.

Valeria a pena lembrar aqui a recomendação de um auto espiritual:

- “Fracassou? ... Não, adquiriu experiência. Siga em frente!”

17
A JUSTIÇA

A justiça como fidelidade


Nos movemos no comentário do caso “Marta” dentro do plano de duas virtudes, a prudência e a justiça
para determinar os deveres e direitos, com sua correspondente hierarquia ou lista de prioridades. Isto é, se
viram quais vêm primeiro e os que vêm depois. Explicaremos um pouco mais nesta segunda virtude.

Ao cumprir um dever fraterno, Marta vive três tipos de fidelidades.

- Uma, em relação com os valores ou princípios que regem o matrimônio e a paternidade. Ao


repreender seu irmão, que não os está seguindo, ela própria está definindo-os.

- Outra, em relação com sua condição de irmã, e os deveres inerentes à fraternidade.

- E a terceira, em relação aos méritos de Diana.

Nos três casos, está

DANDO A CADA UM O QUE É SEU

Pois bem, dar a cada um o que é seu é uma definição prática da justiça. Em outros termos, nos
deparamos com a frase evangélica,

“DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR


E A DEUS O QUE É DE DEUS”

O César, em nosso caso, são Henrique e Diana, as pessoas.

Na figura de Deus podemos ver o Bem e a Verdade, concretizados aqui nos valores ou princípios que
dão sentido à fraternidade, e que a preenchem de uma série de normas a cumprir.

Ser justo é, pois, ser fiel a ambos aspectos, tanto às pessoas como às idéias.

A justiça como unidade


A palavra justiça tem a mesma raiz que o verbo ajustar. Ajustar é encaixar uma peça em outra, de
modo que ambas, mesmo sendo diferentes, ao unirem-se, cumprem uma só função. Como o parafuso e a
porca sustentando a viga.

Como a oferta do mercado, que reclama a demanda. Ou como a fraternidade, que reclama a
incondicionalidade.

Olhando ao plano sobrenatural, essa justiça, entendida como fidelidade a Deus e a seus preceitos, leva
à santidade. O homem santo por excelência é São José, do qual precisamente se diz que foi “homem justo e
bom”.

No plano humano, a justiça está reclamando o respeito a honra e à dignidade das pessoas, que é
anterior e superior a seus atos. E exige também o respeito a honra e à dignidade das instituições com as quais
o indivíduo está comprometido. O vimos em relação com o casamento. Analisemos-o um pouco mais.

18
A JUSTIÇA

Fidelidade e união no matrimônio


Se fala de fidelidade e de união no casamento como bens. Nós vamos estudar como contrato, isto é
como um conjunto de direitos e deveres que obrigam a ambos esposos.

Hoje em dia há um setor de pessoas que recusam casar-se diante de testemunhas, e com papéis por
medo. Acreditam que é mais espontânea e autentica sua união, precisamente porque não se atam com
promessas que não sabem se poderão cumprir no futuro.

Entretanto, quando se unem, é que preferiram a essa pessoa sobre outras. E no seu íntimo acreditam
em seu íntimo que essa é a mulher ou o homem de sua vida. O que lhes freiam a assinar um papel é o medo a
deixar de querê-la.

Pois para isso existem os “papéis”, para demonstrar que, apesar do medo, isto é, apesar de conhecer a
própria fragilidade, que pode um dia deixar de querer o que hoje quer, se compromete a ser exigido, reclamado
inclusive legalmente, se falha

Pois para isso existem os “papéis”, para demonstrar que, apesar do medo, isto é, apesar de conhecer
a própria fragilidade, que pode um dia deixar de querer o que hoje quer, se compromete a ser exigida,
reclamado inclusive legalmente, se falha.

O “papel”, a assinatura dos cônjuges no ata do matrimônio, se pudesse falar, diria coisas como estas:

- Lhe quero tanto que quero entregar-me a ti para toda a vida. Mas como não fio em mim, me firmo
aqui mesmo que te quero, e assim, se falhar alguma vez poderá reclamar. Melhor ainda, mais que dar-te meus
direitos, ou comprometer-me a alguns deveres, o que estou fazendo ao assinar é pedir-te ajuda para ser-te
sempre fiel, estando muito unido a ti.

Antigamente quando o pretendente se declarava a sua amada, costumava colocar-se de joelhos ante
ela. Esse gesto de devoção, era também um gesto de petição de ajuda. Como fazemos quando nos
ajoelhamos ante o altar.

Condutas que se opõem à justiça


Se costuma dizer que à justiça se opõe a injustiça, o que é o mesmo que arrebatar o que é “de cada
um”. No plano que estamos estudando, é injustiça a infidelidade e a insolidariedade.

A INFIDELIDADE SE ASSOCIA À FALTA


DE RESPONSABILIDADE

A responsabilidade nos leva a cumprir as próprias promessas ou os deveres que se derivam de nossos
compromissos. No extremo contrário podemos falar de:

Irresponsabilidade ilimitada

A insolidariedade leva a cometer abusos, tais como ignorar os direitos dos inocentes que estão atados
a nossas decisões. O aborto e o divórcio, por exemplo, são medidas injustas, além de insolidárias. Para
satisfazer à mãe que não ”deseja” o filho, ou para dar-lhe ao cônjuge infiel o direito a divorciar-se, estão
oprimindo os direitos do filho à vida -direito primordial- e o direito do filho a viver toda sua vida com os pais que
lhe geraram, e não com outros. No caso dos esposos, se viola o direito a continuarem casados durante toda
sua vida.
Se esquecem, ou se desprezam os direitos da própria instituição, paterno-filial no caso dos filhos,
conjugal no dos esposos.

NO FUNDO, SE COMETE A INJUSTIÇA


QUANDO SE VIVE NO MAIS PURO
EGOÍSMO

19
A FORTALEZA

CAPÍTULO - III
A FORTALEZA

CASO: A saída

- Quero me casar no civil. Preciso da autorização de vocês. Como vão dizer que não, lhes peço que
me dêem a maioridade.

Quem disse isto foi Flávia, a segunda dos oito filhos do casal Gomes.

Falou o pai:

- Não podemos dar-lhe a maioridade. Por duas razões. A primeira, porque não estamos de acordo
com o casamento apenas no civil. Um batizado –e você o é- ou se casa na Igreja, ou não se casa.
A segunda, porque não podemos dar mau exemplo a seus irmãos. Quando for maior de idade, e
lhe faltam apenas seis meses, você poderá decidir. Entretanto, terá que ajustar-se às normas da
casa ...

- Não se trata de esperar por esperar, já temos experiência matrimonial.

Susto e assombro nos pais. Reagindo, interviu a mãe:

- Estaríamos dispostos a esquecer tudo. Isto ficaria entre nós, se prometer não ter relações sexuais
até que atingir a maioridade e se casar.

- Não quero ser desonesta comigo mesma. Não estou disposta a mudar ...

- Então ... –a lentidão das palavras revelava o peso de sua dor- ...terá que sair de casa. Não
podemos amparar sob nosso teto alguém que está em uma disposição como a sua ...

Comentário do caso “A saída”


Esta é uma situação que ainda que pouco frequente em nossos dias, apresenta uma cena muito forte,
a qual merece ser comentada. O comentário vai nos dar uma base para estudar o que há por atrás da história.

A primeira coisa a perguntar-nos é:

- Como se explica a saída de Flávia?

- Os pais fizeram bem ou mau?

Os elementos da saída
Na cena descrita anteriormente há dois tipos de elementos, que podem ser considerados como causas
explicativas da respostas dos pais. Estes elementos são: intelectual e afetivo.

a) De tipo intelectual

Em primeiro lugar, nos encontramos ante um conflito de fidelidades. Nos pais, a suas profundas
convicções com respeito aos princípios morais e à normas da Igreja. Em Flávia, a sua sinceridade.

No plano da responsabilidade social, os pais pensam nos irmãos e Flávia em si mesma. É um pouco o
bem comum contra o bem privado.

Se temos que valorizar estes dados para diagnosticar o problema, teríamos que dizer que as
“obrigações” dos pais são mais graves que as de Flávia, porque lhes transcendem.

20
A FORTALEZA

b) De tipo afetivo

Dá a impressão de que Flávia não dá a seus pais a menor abertura. Pois bem, se comporta como
quer, “coloca-lhes contra a parede”. Isto é, como se sua saída, mais que decisão dos pais, tivesse sido
provocado pela filha.

Flávia situa ao mesmo nível suas razões que a de seus pais. Com o qual parece que estamos
assistindo a um combate, onde se espera que um ganhe e o outro perca.

Esta impressão, junto com a surpresa, pode talvez explicar a prontidão da resposta dos pais. Mais que
resposta, soa a reação. Mas que uma reação tem por trás um dever de fidelidade.

No fundo, o problema é uma mistura entre os elementos intelectuais ou argumentais e os elementos


afetivos ou sentimentais. Daí que este caso deixe a mais de um incômodo ante a resposta dos pais.

Os pais fizeram bem ou fizeram mal?

O efeito imediato é que Flávia vá viver com seu namorado. Isto é, que se produza o contrário do que os
pais queriam. E, além disso, de algum modo, esse final foi provocado por eles.

Os pais de Flávia são responsáveis por esta última conduta de sua filha? Em parte, sim; em parte,
não. Vejamos-o.

A surpresa é provável que tivesse desencadeado nos pais sentimentos de ira ou de desgosto.
Expulsaram a filha por isso, são em parte responsáveis.

Determinaram sua própria “impossibilidade” de mudar, e foram consequentes com ela, não o são.

Afinal de contas, Flávia o que ela quer, não porque os pais se incomodaram com ela. Isto é, que é ela a
máxima responsável por seus atos. Daí que o incômodo dos pais não é motivo suficiente para culpar-lhes.

Contudo, esta solução, a saída de Flávia, não é a única possível. Teria provavelmente que apelar à
prudência, que daria um pouco mais de tempo aos pais e a filha para refletir. Mas em nenhum caso, a decisão
final deveria intervir o reto julgamento dos pais. Isto é, se eles não estão dispostos a admitir sob seu teto a uma
pessoa que convive mal com todos, não é Flávia quem vai fazer-lhes mudar o modo de pensar. Têm direito a
decidir sobre os âmbitos que lhes pertencem, neste caso, a casa. É assim como os pais exerce sua liberdade.
Voltaremos mais adiante sobre este ponto.

Seja como for, os pais sabem que sua decisão final tem um custo, e estão dispostos a pagá-lo. Este
custo vai desde a constatação da vida que vai levar Flávia adiante, o que vai lhes fazer sofrer muito, até a
dúvida sobre o que poderiam ter feito melhor. Além de atrever-se as iras de mais de um “bienpensante”.

Resistir a esses custos envia à virtude da fortaleza.

A fortaleza como resistência


Assim como a prudência tem a ver com o discernimento –o que fazer e como fazê-lo para trabalhar
bem- e a justiça, com a fidelidade ao bem fazer.

A FORTALEZA SUPÕE AGUENTAR O


O MEDO A SOFRER

21
A FORTALEZA

O soldado que vai ao combate sabe que pode ser ferido, e que talvez perca a vida. Mas, se não
desiste, está resistindo a esse medo. É assim como é forte. Todo mundo gosta de conservar a vida; a ninguém
lhe atrai ter problemas, mas quando a causa o merece –isto é, tem sentido para o afeto-, então tiram forças de
fraqueza, e se segue adiante. De modo que a força para resistir arranca do âmbito dos motivos. De novo,
estamos no tema dos valores.

Esta é a razão que avalio a conduta de Santo Tomás Moro ante as pretensões do rei Henrique VIII da
Inglaterra, quando este quis firmar-se o Ata de Supremacia, pelo qual passava a ser o chefe da Inglaterra
anglicana, suplantando a legítima autoridade do Papa.

Sua família, seus amigos, as pessoas em geral, lhe animava a firmar. Lhe diziam algo que em nossos
dias poderia formular-se assim:

Está manipulando a cabeça!

E se a manipulou. Mas em nenhum momento se fez o mártir ou o herói. Tinha “as mãos atadas” por
suas convicções que lhe obrigavam como católico antes que como súdito do rei. Sua resistência não era
resistência nem obstinação, mas efeito de uma integridade de vida, ancorada em uns valores, ou motivos,
verdadeiros.

Então, vale mais não ter convicções?

UM HOMEM SEM CONVICÇÕES É UM


INÚTIL, MARIONETE NAS MÃOS
DOS MANIPULADORES

Risco contra a fortaleza

O contrário da resistência é a claudicação. Se pode claudicar pelas duas vias que descobrimos ao
comentar o caso, a intelectual e a afetiva.

Plano intelectual

No plano intelectual estamos na confusão ou no erro. E um dos erros atuais é este:

Não deixe para amanhã o que pode desfrutar hoje.

No tema sexual, o desfrute vem considerar que uma pessoa se realiza conforme más gratificações
emotivas tenha. Daí que pretenda uma educação sexual “emotiva e gratificante”, que dure “desde o berço até a
tumba”, e que se concretize no maior número de experiências sexuais, com a conseguinte precaução contra as
gravidez não desejadas.

Me preocupam enormemente essas mães que publicamente apoiam e defendem o aborto voluntário
que suas filhas desejam ou se fazem praticar. Me preocupa, pelo que supõe a mudança de mentalidade em
algumas pessoas que, pelo fato de ser mãe, têm que conhecer o prazer que produz dar vida, e ao contrário,
sabem a dor que se sente quando se dá morte. É algo que vai contra a natureza da maternidade.

QUE NÃO SE ENGANEM: VOCÊ SABE QUE


O ABORTO NUNCA SERÁ ALGO NORMAL

O extremo dos perigos contra a fortaleza está no que se originou lavagem cerebral.

22
A FORTALEZA

A lavagem cerebral

Aqui se exige muito, e se pede que as pessoas resistam às frustrações ou as incomodidades. Há um


preço, e este às vezes é muito duro.

- Matar entre os terroristas. O que se nega a matar joga sua própria vida.

- Delatar aos familiares nos regimes totalitários. Quem não o faz é visto como um traidor na pátria.

No tema que nos ocupa, há lavagem de cérebro quando se acredita firmemente que se respeita a
liberdade dos filhos, deixando-lhes que tenham relações sexuais com quem quiser, o que hoje em dia se
expressa falsamente com “fazer o amor” (o amor é outra coisa), e por sua vez lhes enche de preservativos ou
de anticonceptivos. Longe de respeitar-lhes, estão induzindo aos filhos a viverem essa “liberdade sexual”.

A “LIBERDADE SEXUAL”:
NÃO LHE PARECE, MAIS UMA
ESCRAVIDÃO SEXUAL?

Lavagem cerebral, por último, quando se acredita que uma pessoa virgem é uma pessoa doente,
imatura ou pervertida.

Plano afetivo: a coação

Falamos anteriormente da chantagem como atentado à liberdade para decidir. Agora é o momento de
voltar sobre o tema, vendo-o como um risco contra a virtude da fortaleza. A liberdade se opõe a falta de
liberdade, que nós podemos denominar coação.

Tipos de coação

Vejamos dois tipos de coação: física e psicológica ou afetiva.

a) Física

Esta coação se limita ao físico; portanto sendo dolorosa, é a menos grave. As grades por exemplo.
Disse R. Alvira:

“NÃO SE PODE AMURALHAR


UM SORRISO”

b) Psicológica ou afetiva

Esta é a versão à qual damos particular preferência nas páginas anteriores, porque entendemos que é
a que mais pode afetar às relações familiares.

A coação afetiva é a que chamamos chantagem. É o sistema que utilizam os sequestradores, quando
obrigam aos familiares do sequestrado a “comprar” com dinheiro a liberdade de seu ser querido, só pena de
perdê-lo ou de passar à opinião pública como umas pessoas desalmadas e cruéis. A chantagem é um
procedimento que joga com os sentimentos das pessoas.

Pois algo acontece passa na família. Na família pode dar-se a chantagem em um duplo sentido:

1. Dos pais aos filhos.

É o caso dos pais autoritários, que identificam a boa conduta dos filhos com a complacência dos pais.
As vezes essa complacência é correta, e quase sempre acompanha à boa ação, mas nunca é o fim da
educação.
23
A FORTALEZA

2. Dos pais aos filhos.

Ocorre isto quando os filhos ameaçam com acometer ações piores que as que estão fazendo. Se
amparam assim no mal menor. Como ocorreu a Carmem.

CASO: Carmem

À noite Carmem descobriu na escrivaninha de sua filha Nali duas pílulas. Ao averiguar o tipo, Nali lhe
respondeu:

- São dois anticoncepcionais.


- Para quem?
- Para uma amiga e para mim.
- Você usa anticoncepcionais?
- Claro. Pois você não gostaria que eu aparecesse grávida aqui em casa .... Mas se lhe incomoda
tanto, não continuarei...

Comentário do caso “Carmem”


O dilema de Carmem se move entre vários extremos:

- Não querer que sua filha use anticoncepcionais.

- Não querer que sua filha seja uma mãe solteira.

- Saber o que sua filha faz.

Se movem os três argumentos no mesmo plano de importância? Qual é o mal maior e o mal menor?
Em sentido positivo qual o bem menor e o bem maior?

É bom não ficar grávida sendo solteira. Mas é melhor não cometer nenhum pecado mortal. E é melhor
também, sendo mãe, não dar mal exemplo a uma filha. De modo que Carmem deveria responder mais ou
manos assim:

- Não venha com chantagem. Se ficar grávida ou não, isso será sem meu consentimento. De modo que
nesta casa não entram anticoncepcionais.

As vezes se acredita que os pais não têm que meter-se nas intimidades dos filhos. Esta opinião para
mim tem o efeito de um anticoncepcional. Se colocar filhos no mundo é apenas um fato biológico, que me
impede guiar meus filhos e orientar-lhes para o bem, então me tacham de procriadora. Sendo assim não me
interessa ter filhos.

O “conselho” de um pai
Há muitos anos tive a oportunidade de ir a um congresso sobre a fertilidade feminina. Ali, um
“moralista” se mostrou partidário do uso da pílula de um modo seletivo. Isto é, algumas recomendação às
prostitutas, mas também daria a uma filha que estivesse correndo risco de ficar grávida.

- Essa é a melhor forma de fazer prostitutas-, pensei.

CASO: O batismo

Estamos ante um episódio final do caso com que se inicia este capítulo: “A saída”.

Passado um tempo, os pais e Flávia se reconciliaram. Ao nascer seu primeiro filho, Flávia disse a seus
pais o seguinte:

24
A FORTALEZA

- Se me dizer que alguém vai morrer ou vai acontecer algo muito terrível se não batizarmos esta
criança, o faremos. Mas senão, já sabem nossas idéias ...

- Se ninguém morreu anteriormente ...

A criança não foi batizada. Como se explica esta mudança nos pais católicos, posto que, sacramento
por sacramento, tanto vale o matrimônio canônico quanto o batismo ...?

Abandonar por cansaço


A fraqueza destes, em contraste coma fortaleza da primeira cena se pode explicar, com certa lógica,
pelo cansaço. Depois de deixar de sofrer (como no caso de Elisa), ou depois de estar sofrendo durante muito
tempo, às vezes se tem a tentação de ceder. “Para não continuar sofrendo.”

O CANSAÇO É UM RISCO
PARA A FORTALEZA

Há ocasiões nas quais ocorre todo o contrário. Por que se diz, por exemplo, que os soldados cansados
são os que ganham as batalhas?

Não é o cansaço a causa da falar de fortaleza, ainda que seja um risco. A verdadeira causa está em
deixar-se vencer pelo medo a sofrer, ou pelo medo de enfrentar os problema desde a perspectiva da verdade e
do bem.

A fortaleza como ataque


Até agora analisamos diversas situações de fortaleza como resistência. De fato, é a situação mais
frequente, talvez a que, sendo a parte mais importante, se aprecie menos. Mas nos resta outra vertente, a
fortaleza como ataque. Vejamos-o como um caso.

CASO: Guto

Um belo dia Guto desapareceu da casa de seus pais sem dar explicações. Andou por aí e quando os
pais tentaram encontrá-lo através da polícia, lhes ameaçou com matar alguém. Assim que optaram por
esperar. Uma espera que, como é de se supor, foi angustiosa.

Passaram-se mais de dois anos. Um belo dia, apareceu acompanhado de uma menina com a qual
declarou que vivia, todavia sem estar casados. Ao chegar a noite, os pais se perguntaram que plano tinha
Guto. E quando este lhes disse que dormiria com a menina na casa, não pensaram duas vezes ao responder-
lhe:

- Você tem direito a dormir aqui, porque está em sua casa, mas ela, não. Não podemos aprovar esse
tipo de relação.

- Pois se ela não ficar, eu também não fico.

Partiram. Mas desta vez os pais ficaram mais tranquilos. Tinha muito claro o respeito que o lar, como
símbolo dos valores vividos em sua família, representava.

Depois de um tempo. Guto voltou, desta vez sozinho. O mais chamativo foi o semblante, sofrido e
arrependido. E suas palavras:

- Você não, você não ...

Ao aparecer, Nádia, a irmã caçula, que estava grávida.

25
A FORTALEZA

Comentário do caso “Guto”


Estes pais sofreram, mas esse sofrimento não parece ter enfraquecido a firmeza de seus princípios
morais, na realidade se referem às relações pré-matrimoniais. Tiveram que pagar o custo da dolorosa ausência
de seus filhos, e, posteriormente, a dor de vê-lo partir de novo. Mas estabeleceram algumas regras do jogo
para sua família, e as deixaram muito claras, de modo que Guto teve que respeitá-las. Provavelmente as
conhecia. Não viu como discutir a oposição de seus pais quando estes lhe disseram que não podiam ficar com
a menina.

Por isso não surpreende que Guto parecesse aborrecido pela gravidez de sua irmã, e, a frase é muito
significativa, pela injustiça que essa situação supunha para os pais.

- Você não ...

Ao estabelecer as regras do jogo, e ao ser consequente com elas, este pais cometeram um ato de
audácia. Esse ato de audácia é a fortaleza vista como ataque.

CASO: Os convidados

André trouxe um casal de convidados à casa de seus pais. Esse casal, anunciou, que não estavam
casados oficialmente, ainda que morassem juntos.

Os pais, católicos praticantes, alojaram à menina e procuraram para o menino um quarto em um hotel.
No dia seguinte, domingo, todos foram a Missa, os convidados também. A hora de comungar, puderam
observar que os convidados se aproximaram do altar para receber a comunhão.

Depois do café da manhã, em um lugar à parte o pai pegou ao garoto e a mãe à garota. Com todo
carinho, lhes disseram que em sua situação não estavam em tais condições de receber ao Senhor.

Comentário do caso “Os convidados”


È incômodo abordar uma questão assim, sobretudo com pessoas convidadas e às quais não se
conhece e, além disso, sobre as quais não tem autoridade. Mas a oportunidade de dar-lhe critérios era
provavelmente a única, e o bem que se podia derivar era superior ao mal momento que teriam que passar
juntos.

Se se faz com delicadeza e correção, há muita gente que o agradecerá. Mas não se faz nem para que
o agradeça nem sequer para que mudem, mas porque nesse momento alguém tem que prestar sua voz à boa
doutrina. E, em assunto que tem a ver com a fé e com a moral, é obrigação grave para os católicos.

Ainda que custe, há que fazê-lo. Esta é também a fortaleza como ataque.

Um certo elogio da fraqueza


Ter medo de sofrer, ou de começar um empreendimento duro e esforçado ou incômodo, não significa
que não se é forte. Pelo contrário, é próprio do inconsciente e precipitado não calcular os custos que suas
decisões podem provocar.

A fortaleza não se opõe a fraqueza, mas a temeridade.

A CONSCIÊNCIA DE FRAQUEZA É PRÓPRIA


DO INTELIGENTE

Se é inteligente quando se vê a situação globalmente, desde as causas aos efeitos, passando por seu
desenvolvimento ou processo, e se calculam os custos e os benefícios. Mas também, se é inteligente quando
se medem as próprias forças e se reconhece que, muitas vezes, não temos as energias suficientes para levar
adiante o que nos propomos. É então medida de inteligência pedir ajuda a quem nos pode dá-la.
26
A FORTALEZA

Quando se trata de assuntos que exaltam nossas forças psicológicas -efetivas- ou morais –critérios- é
conveniente não fiar-nos em nós mesmos.

NINGUÉM É UM BOM JUIZ DE SI MESMO

Deus, quer conhecer bem nossa fraqueza, está esperando que lhe peçamos na oração as forças
necessárias para ser em todo momento fiéis a sua Vontade, e para ser bons instrumentos, se temos que ser
seus porta-vozes ante aqueles que Ele nos encomenda. No caso dos pais, os filhos.

Síntese das três primeiras virtudes cardinais


Por alguma razão a fortaleza aparece em terceiro lugar nos tratados sobre as virtudes. E que vem a ser
o meio necessário para que a prudência e a justiça não fiquem apenas no papel.

O prudente é que sabe ordenar os meios convenientes para obter um bom resultado, distinguindo
benefícios e custos.

O justo é que cumpra o dever e exige os direitos correspondentes à boa ação.

O forte é o que resiste aos ataques contra o cumprimente dos deveres, e é valente ao reclamar o
direito a acometer boas ações.

PARA SER FORTE, É NECESSÁRIO AMAR


O QUE É BOM

27
A TEMPERANÇA

CAPÍTULO – IV
A TEMPERANÇA
CASO: Carla e Daniel

Carla e Daniel casaram “de uma hora para outra” há dois meses. Aparentemente, nada fazia suspeitar
que as coisas estavam mal entre eles. Depois de seis anos, Daniel praticamente já fazia parte da família, e
ainda que não tivessem resolvido a situação econômica, tinham em troca projetos para o casamento.

Os jovens se mostravam tristes e sentidos enquanto anunciavam a novidade aos pais de Carla. Se via
que, mais que procurá-lo, o fato havia lhes acontecido. O que em outros tempos se chamava ter um quarto de
hora frouxo.

Não houve cenas. Os noivos queriam casar-se. Tudo foi resolvido com delicadeza e facilidade. A mãe
comentava, como em brincadeira:

- E logo dizem que é necessário muito tempo para preparar um casamento ...

Entretanto, havia tristeza no ambiente. Algo ficava pendente. Por isso, após alguns dias de reflexão, e
enquanto os recém casados andavam de viagem, os pais descobriram a causa de seu mal estar.

Assim, quando Daniel e Carla voltaram, os pais tiveram uma conversa com eles.

Os meninos cometeram um ato que teria algumas consequências:

1ª A moral. O pecado de impureza foi perdoado por Deus na Confissão.

2ª A social. O casamento amenizaria os comentários das pessoas.

3ª A paterna. Os pais sofreram a causa de sua filha, e na medida em que Daniel foi aceito pela família,
por ele também.

4ª A familiar. Os demais filhos estavam esperando uma atuação dos pais, que lhes esclarecesse sobre
o grau de firmeza de seus princípios morais.

Sendo assim como nas duas primeiras questões os pais não tinham nada o que dizer, se em troca nas
outras duas. Isto é, havia uma duplo agravo que os jovens cometeram:

- A dor produzida aos pais.

- O possível dano de sua autoridade como pais.

Ambos agravos estavam reclamando uma reparação. O cômodo era calar de deixar passar o tempo,
mas não era nem o justo nem o forte. Tampouco o prudente.

A primeira noite em que a família inteira se reuniu no lar recém estreado do jovem casal, ao benzer-se
a mesa, Daniel pronunciou algumas palavras. Nelas, gaguejando um pouco, pedia perdão a todos pelo prejuízo
que lhes tinha causado, aos pais em primeiro lugar, mas também aos irmãos. Ninguém disse nada. Bem, sim O
pai, disse:

- Bom proveito.

E pela noite, quando os pai ficaram sozinhos, houve entre eles um olhar de cumplicidade. O pai falou
previamente com Daniel.

A ferida ficou, mais que estancada ou curada, esquecida. Como se nunca tivesse ocorrido nada.

O ARREPENDIMENTO
BORRA O PASSADO

28
A TEMPERANÇA

Comentário do caso “Carla e Daniel”


A atuação destes pais está nos falando de firmeza, mas também de serenidade. A serenidade foi como
o caldo onde se viveram as demais virtudes que estudamos nas páginas precedentes. Entre outras coisas,
porque deixou salvo a dignidade dos implicados na história.

A dignidade dos filhos e dos pais


Nada do que alguém faça, por maior que seja o mau causado e por mais perversa que seja a intenção,
deve afetar sua dignidade. Esse é o valor que corresponde à pessoa que é intocável e intransferível.

A dignidade dos pais


Em nossos dias parece que os pais esqueceram um pouco que eles estão a serviço dos deveres que
lhes corresponde com pais, ainda que como pessoas estejem cheios de defeitos. E como pais há de reclamar
um respeito à função da paternidade, que é uma condição que em primeiro lugar lhes obriga a eles próprios.

Quando João Paulo II visitou a seu agressor na prisão, lhe deu um abraço. O Papa havia perdoado de
todo coração a Alí Agca, mas isso não impediu que o processo judicial seguisse seu curso. Não podia o Papa
“omitir o compromisso” as normas previstas para os assassinos, por maior que fosse. Era algo superior a suas
possibilidades.

Esse respeito que os pais devem a seu cargo lhes leva a reclamar uma reparação, e a fazê-lo cumprir,
se a conduta dos filhos a agravasse. Isto é, se faltaram ao respeito que lhes devem os pais, pelo fato de ser
seus filhos.

A diferença com o Papa é que, assim como neste caso quem exige a reparação na Justiça,
independentemente de que o Papa perdoasse ou não a seu assassino no caso dos pais, são estes os que
devem reclamar a reparação. Porque o que estão defendendo não são suas pessoas, Luís ou Flávia por
exemplo, mas a figura do pai e da mãe, às quais eles próprios devem respeito.

Os pais são, pois,

Vítimas dos erros

Juizes dos filhos

É um pouco o que ocorre com o sacramento da Confissão.

A confissão
Deus Nosso Senhor não necessita de nosso arrependimento. Pode ajudar-nos e salvar-nos sem nossa
cooperação, mas, como é infinitamente justo, “não pode” deixar de escolher um arrependimento no pecador.

Como os homens fomos fizemos a sua imagem e semelhança, a paternidade humana deve também
inspirar-se na paternidade divina da qual toma exemplo e inspiração. E, do mesmo modo que a culpa se repara
na Confissão por um procedimento sacramental, as palavras que representam a dor de coração e do propósito
da emenda no penitente, e a justiça exige que a culpa seja reparada por uma penitência –normalmente é uma
pequena oração-, também basta com uma palavra dos filhos que fizeram algo ruim acompanhada pela dor e
pelo arrependimento, para que os pais lhes perdoem de todo coração. E o abraço conciliador, seguir a
celebração e o prazer, como ocorreu na parábola do filho pródigo.

29
A TEMPERANÇA

O filho pródigo
Lembre-se que o filho desperdiçador voltou a olhar sua casa quando passou fome. Enquanto tinha
dinheiro o desperdiçava com mulheres ruins. Entretanto, o pai não foi atrás para recuperá-lo. Ficou em casa,
ainda que a cada dia se assomava ao caminho por si o via voltar. É de supor os sofrimentos desse pai, apesar
de que nos fala dele na Escritura. Quando o filho voltou, arrependido, suas palavras foram:

- Pequei contra o céu e contra ti ...

Habitualmente se entende por “céu” e por “ti” a Deus Nosso Pai. Mas, de um modo um tanto livre,
também podemos distinguir, atribuindo a expressão “céu” a Deus Pai, e ”ti” ao pai da carne. Na contrição do
filho pródigo se reúnem as duas paternidades, porque a ambas tinha ofendido com sua conduta.

De maneira que cabe encontrar aqui uma evocação, ou melhor uma aplicação, do quarto mandamento
do Decálogo. Os filhos devem respeito, devoção e carinho a seus pais, virtudes que se reúnem e englobam na
virtude da piedade.

A virtude da piedade
Lembremos: piedade é o sentimento que devem ter os filhos por aqueles com os quais têm contraída
uma dívida impagável, como é a do ter recebido deles a vida. Por isso a piedade se dirige aos pais da carne e
ao Pai Eterno.

O perdão e a necessidade
Era muito pouco o que o pai da parábola exigia a seu filho. Pouco, mas profundo –saindo do coração-
e imprescindível, ainda que a volta do filho fosse motivada a princípio pela necessidade.

Quantas vezes as necessidades ou os problemas são providenciais, e acabam produzindo frutos que
compensam muito os prejuízos anteriores. Por isso, nem sempre acertar equivale a não ter problemas.

Não tem mais êxito o que não tem problemas que o que, tendo-os, os enfoca bem, e pelo ato, de
enfocá-los bem, os resolve à metade.

O perdão e o esquecimento
De vez enquando se ouve esta frase:

- Me perdoe mas não posso esquecer.

Contra a que se pode esgrimir esta outra:

- Se não há esquecimento, não há perdão.

Perdão vem de per-dão, isto é, mais que dom, super-dom ou hiper-dom. Isto é, o que se esquece não
é o fato, que é difícil de esquece e fica na memória, mas justamente que esse fato é ou foi uma ofensa.

O QUE SE ESQUECE É
A OFENSA RECEBIDA

No caso anterior, como no filho pródigo, a ofensa se esquece porque houve uma restituição da honra
do ofendido. Se não há fica como uma avaliação pendente.

CASO: A avaliação pendente

30
A TEMPERANÇA

Marina não queria sair de férias com seus pais. Desgostosos, estes fizeram um pacto com ela. Ficaria
a metade do tempo com eles, e a outra metade ficaria no apartamento da cidade, estudando as matérias que
estava com notas baixas.

Quando ligavam para ela, nunca estava em casa. Ao final do verão, averiguaram. E o que descobriram
não lhes agradou. Esteve todo esse tempo acompanhada por um jovem, suposto namorado, de muitas
garantias. Ao cabo de um tempo, ambos brigaram. Nunca lhe disseram nada.

Hoje em dia Marina está casada com outro homem, e é muito feliz. Os pais também estão contentes.
Mas no íntimo a parte, e como confidência, com certa tristeza, a mãe confessou a uma amiga:

- Entre minha filha e eu, há diálogo.

Comentário do caso “A avaliação pendente”


Este caso se diferencia do de Carla e Daniel, em primeiro lugar, pela história, mas sobretudo pelo
comportamento dos pais: ali ativos, aqui, passivos.

Esta mãe se cala, não sabe muito bem porque, mas o que se vê é que tampouco toma decisões.
Decidem os acontecimentos, e, certamente, sua filha, que rompe com o primeiro namorado e se casa com o
segundo. Visto deste modo, podemos pensar que sem uma intervenção as cosias se consertaram.

Ora bem, por que está triste e pensa em avaliações pendentes? Podemos descobrir alguma razão que
nos o explique?

Se há, a razão está justamente no que destacamos dos pais de Carla, e aqui não vemos. Ali houve
reparação de um agravo, reparação que seguiu à contrição dos filhos e a sua manifestação expressa. Aqui não
houve nada disso. Não estabeleceu nenhum a violência, mas provavelmente se perdeu também a
oportunidade:

1ª De fazer Marina refletir sobre seus deveres para com a moral sexual e para com seus pais.

2ª De reforçar a autoridade de seus pais, restaurando além disso a confiança perdida, ou pelo menos
afetada, pelo engano ao qual nos tinha submetido.

Calar e admitir o curso dos acontecimentos vinha a ser, assim, curar em falso uma ferida.
Provavelmente o tempo suavizaria o mal estar da mãe, mas nem para ela nem para ninguém é uma política
aconselhável.

O problema existe para ser resolvido


Pois bem. Há quem abaixa a cabeça, para não ver o problema, e assim não tem que resolvê-lo, mas
isto não é nem virtuoso nem educativo.

Ante uma situação problemática, há que:

- definir o problema e diagnosticar seu tratamento (virtude da prudência);


- estabelecer os meios para resolvê-lo (justiça e fortaleza);
- esperar a paz conseguinte como fruto da boa orientação e ação (temperança).

A virtude da temperança
Temperança tem a mesma raiz que templo, e de templo vem contemplar, contemplação.

O templo é um lugar para contemplar. E contemplar é olhar com carinho, com admiração. Por isso se
disse:

- Amar é andar com contemplações.


- Amar é andar com respeito.

A raiz etimológica da palavra nos desvelou o sentido desta virtude:

31
A TEMPERANÇA

- Apenas o que ama vive a temperança.

O que ama a alguém gasta todas suas energias em servir a seu amado, amando-lhe e ajudando-lhe.
Todo o restante, ou está vinculado a este objetivo, ou padece em importância, porque para ele,

O MUNDO É BOM
PORQUE VOCÊ EXISTE.
QUE BOM QUE VOCÊ
EXISTE!

Esta atitude produz um sentimento de confiança, de otimismo. E a partir desta atitude, não há problema
que rompa a serenidade. Porque temperança também diz: serenidade, equanimidade e equilíbrio interior.

O equilíbrio interior
Um não pode se temperado com apenas propondo-o, como tampouco pode ser prudente ou justo. Mas
para tudo temos que pedir ajuda. Sozinhos, não iríamos muito longe. O que acontece é que esse pode
exercitar-se na prudência, na justiça e na fortaleza a força de empenho; mas não pode, por mais que o tente,
ser moderado.

Porque a temperança é o resultado em si mesmo do fato de tentar viver as virtudes. Vem a ser como o
prêmio que recebe quando se esforça durante muito tempo em ser bom. Ou quando um ama muito.

A temperança e a moderação
Outras das interpretações etimológicas da palavra temperança nos remete ao latim. E em latim,
temperança vem de temperantia, isto é, temperatura. Como a temperatura do corpo.

Quando temos uma temperatura de 36,5° não notamos nosso corpo. Nos sentimos bem nele. Em
troca, se passamos de 37°, nosso corpo se faz sentir, por via de mal estar, dores ou mal estar. A temperatura é
o indicado de nossa ordem ou desordem interior. Pois o mesmo ocorre no ânimo.

A ordem do ânimo reflete a ordem de nossas potências. O superior tem mais relevância, pesa mais que
o inferior. Por isso o homem temperado usa moderadamente os bens materiais, porque atende primeiro aos
bem espirituais, que habitam na alma, “nas coisas de cima”. Se, pelo contrário, se dá prioridade aos bens
materiais estes arrastam aos espirituais. Já o disse o refrão.

QUANDO NÃO SE VIVE COMO SE PENSA,


SE ACABA PENSANDO COMO SE VIVE

É bom aborrecer-se?
Dá a impressão de que a temperança se opõe ao aborrecimento. Entretanto, não é assim. O
aborrecimento é positivo se cooperam algumas das seguinte razões:

1. Se se quer demonstrar a gravidade do erro ou a malícia do ato. Como ocorreu quando


Jesus expulsou violentamente aos comerciantes do templo.
2. Quando não há outro modo de que a gente se inteire. Como ocorre com os filhos pequenos,
que parece que apenas reagem quando sua mãe se aborrece.
3. Quando se quer obter alguns resultados rapidamente. Como no caso de reprova uma má ação
de uma vez por todas.

32
A TEMPERANÇA

Em qualquer caso, o aborrecimento deverá tomar-se como uma medida que serve à educação. Isto é,
como um meio. Mas resulta que nem sempre é para educar pelo que alguém se indigna. Muita vezes, alguém
se indigna porque já não pode mais, por cansaço, desânimo, ou simplesmente porque tem um caráter nevoso.

Estas últimas situações são as que hão que revisar à luz da virtude da temperança. Para ela vale a
expressão,

O ABORRECIMENTO É EFICAZ EM RAZÃO INVERSA


A SUA FREQUÊNCIA

A temperança e a soberbia
Outro dos riscos que podem atacar a temperança é a soberbia,

- de si mesmo;
- de todo um grupo ou família.

A soberbia, que é o pecado por antomasia, se caracteriza por estas duas notas:

- A suficiência.
- A cegueira.

Ambas notas levam o sujeito a comportar-se de modo rígido e duro, pouco compreensivos com defeitos
dos demais e, pelo contrário, a acreditar que ele não tem nenhum defeito, porque está em posição da verdade.
Assim não pode viver a temperança. Lembre-se a temperança, deriva do amor, e o amor é compreensivo,
tolerante, paciente serviçal ... O soberbo, em troca,

- utiliza às pessoas;
- perverte os valores.

O efeito que produz o trato com uma pessoa soberba é a irritação.

A temperança da paz
A temperança, ao contrário da soberba, se comporta como a saúde. Faz brotar a energia vital e
transmite alegria e otimismo. Dá paz ao sujeito e irradia paz a seu redor. Essa é a diferença com o pacifista.

- O pacifista foge a guerra.


- O pacífico da paz.

Paz e paciência têm a mesma raiz. E assim, como a paz é consequência da guerra, às vezes a
paciência não é passividade, mas esperança ativa, que prepara os bons frutos trabalhando-os. Como fez o que
negociou com os talentos recebidos.

A paciência é também sinal de esperança. Quando se luta, nesta maravilhosa tarefa que é a educação,
tudo é para o bem.

Síntese das quatro virtudes cardinais.

Podemos fazer uma agrupação das virtudes conforme os destinatários ou beneficiários das mesmas.

A prudência se traduz em obras ao exterior. Ilumina algumas decisões bem orientadas e corretamente
levadas à prática.

A justiça se ocupa das relações com os demais e com as coisas. As vezes entre essas coisas está a
dignidade pessoal, à qual o indivíduo deve respeito, como se deve aos demais.

A fortaleza leva ao esquecimento de si, na resistência ao mal, e na luta pelo bem. Neste esquecimento
cabe até a entrega da própria vida.

33
A TEMPERANÇA

A temperança é, por fim, como o prêmio que se recebe pela boa ação.

Viver ou tentar viver as virtudes humanas, ou ao menos na medida das forças humanas, produz esse
estado habitual que torna à pessoa tão atrativa, acolhedora, hospitaleira, e sempre disponível.

34
FAÇAMOS UMA REVISÃO

CAPÍTULO – V
FAÇAMOS UMA REVISÃO

Entendemos por síntese a transcrição, em termos mais reduzidos, da “sustância” de algo.


Normalmente a síntese se expressa mediante generalizações ou resumos dos aspectos que mais se repetem e
também se formula por meio de conceitos, que são idéias que tem um valor universal.

Pois bem; pretendemos agora resumir algumas das idéias que foram trabalhadas ao longo do livro, e
se for possível, ratifica alguns conceitos com os quais nos movemos e, fiéis a nosso estilo o faremos servido-
de um caso completo, tal com o fizemos em uma ocasião anterior.

Para o desenvolvimento deste capítulo, escolhemos a mesma fórmula que nas anteriores.
Começaremos pois pela narração, à qual seguirá o comentário.

CASO: Um duplo desgosto

- Vou me casar ...

- Por acaso você está grávida, está?

- Estou sim ...

Assim de supetão foi dada a notícia, e assim tão intenso foi o assombro de Amanda. Após o assombro
veio a histeria:

- Meu Deus, pela segunda vez! Mas o que fiz na vida para merecer isto?

Amanda e Fernando têm quatro filhos. O mais velho, Artur, se casou há três anos, porque, ele também
ia ser pai. Trancou a matrícula na Faculdade -terceiro ano de medicina- e se precaveram, por um tempo, o
jovem casal e a criança, entre uma e outra família de pais, até que Artur conseguiu um emprego de barman em
uma discoteca. Entretanto, Raquel, sua mulher, continuava estudando, ao parecer brilhantemente, carreira de
Letras.

A criança e suas gracinhas encantavam aos avós das duas famílias e se esqueceram dos princípios da
história. A final de contas, o casal, tinha que casar na Igreja, e adquirir a graça do sacramento ...

Só que ultimamente as coisas não ia bem entre os jovens. Raquel reprovava a seu marido o qual não
teve mais ambições, e ela que, com tanto estudo, estava deixando de dar atenção a criança e a ele. Algumas
vezes recorreu a sua mãe para contar-lhe de suas desavenças com sua mulher. Inclusive pensava na
separação. Amanda, que sempre acreditou que sua nora tinha se “casado” com más intenções com seu filho,
secretamente tomou partido por ele. Mãe, enfim ...

Mas desta vez era mais grave; primeiro, porque se tratava de Irene, que era mulher. Segundo, porque
havia por trás uma história de desgostos e de enfrentamentos inúteis que se acumularam nestes dois anos, e
que havia deteriorado de algum modo a relação entre os pais e a filha.

Irene, “passava” pela casa de seus pais, mais “vivia” nela. Quase nunca ia jantar, costumava chegar
por volta das três ou quatro da madrugada, e com a desculpa de que era maior de idade e que trabalhava
dispunha de dinheiro, organizava suas diversões conforme sua vontade, sem inteirar a seus pais do tipo de
vida que levava e das amizades que tinha. Quanto ao mais era uma menina agradável e educada, carinhosa e
prestativa, mas que guardava sua intimidade cuidadosamente.

Os pais o sabiam e sofriam por isso, mas, ao ponto que com as brincadeiras não podiam conseguir
nada, iam passando como podiam, suportando algumas vezes, fazendo como se não se dessem conta de
outras e pulando as ruins. Era sua cruz.

E agora, grávida. A história de Artur se repetiria, claro. Assim que, quando Amanda recobrou o
incentivo e se acalmou um pouco perguntou:

35
FAÇAMOS UMA REVISÃO

- O que vai fazer?

- Me caso, mas no civil. Não acredito na Igreja, nem no casamento indissolúvel. Sendo assim, se
algum dia não nos entendermos mais, me divorciarei e em paz. Não quero ficar como meu irmão ...

O desgosto dos pais foi duplo. Fernando acuso a sua filha de pisotear os princípios morais da família,
de prejudicar sua fama (“Como vão pensar que lhe educamos?”). Amanda lhe disse de tudo: que não queria
vê-la pela frente, que a renegava, que era uma má filha...

- Não aprendeu com o exemplo alheio?

Irene e o pai de seu filho Ernesto se manifestava muito contentes com a idéia do casamento e de ter
um filho. Assim que o desgosto dos pais lhes parecia algo assim como dano social. Ele “passavam” por tudo
isso. De modo que decidiram convidar à cerimônia às duas famílias -que seria como queria– e organizaram
um almoço em um restaurante da cidade para comemorar o acontecimento.

Amanda e Fernando, desconcertados, se estabeleceram uma série de perguntas:

 Deveriam ir ao casamento civil, ou não?


 Deveriam ir ao almoço no restaurante, ou não?
 Deveriam animar aos familiares a assistir a cerimônia e/ou ao almoço ou não?

Comentário do caso “Um duplo desgosto”


Este caso tem duas partes: um relato e algumas perguntas. Seguiremos esta ordem em nossos
comentários.

O relato ou a interação entre os personagens


Temos aqui um problema que afeta a três tipos de personagens principais, e dois secundários. Os
principias são os filhos (um primeiro círculo), e os secundários, os “atribuídos”, esposa e marido
respectivamente (segundo círculo). Talvez valha a pena reproduzir esta relação em um gráfico:

Pais

Raquel-Artur Irene-Ernesto

A efeitos do que nos interessa, nos centraremos no círculo interior. Observamos nele uma influência
recíproca entre os três elementos, e assim comprovamos, por exemplo que:

 Os pais reagem pior ante Irene, porque tinham a experiência de Artur. De ter sido Irene a primeira,
provavelmente teria sido diferente. Estamos ante o problema pela segunda vez.

 O caso de Irene é mais grave que o de Artur, porque é mulher. O problema da garota.

 Irene não quer casar na Igreja, conforme testemunho próprio, porque não acredita nela, mas
também porque não quer que ocorra a ela ”o mesmo“ que ocorreu a seu irmão. Problema da
Igreja e do casamento indissolúvel.

 Artur censura sua irmã. Não aprendeu com os exemplos alheios? Por reflexo de sua própria
experiência, ao parecer não muito positiva. Problema da projeção pessoal.

36
FAÇAMOS UMA REVISÃO

Se observa, em primeiro lugar, que o que pensam fazem e dizem uns tem certa relação com o que
pensam, fazem ou dizem os outros. Isso é o que queremos dizer ao falar de interação. E cada uma das idéias
que aparecem no caso, contém uma mensagem, que faz referência as demais mensagens. Mas vamos fixar-
nos ordenadamente com os quatro problemas que acabamos de formular.

A segunda vez
Ante problemas que se repetem, podem dar-se duas respostas: que se consideram como problema ou
que não lhes dá importância. Aqui vamos referir-nos às primeiras, isto é, aquelas que dão valor ao fato de que
uma filha ficar grávida antes de casar-se, e que decida casar-se apenas no civil, sendo cristã. Neste caso, pode
ocorrer:

a) Que a gente goste menos ainda. Acontece isto quando há alguns princípios firmes.

b) Que a gente se acostume. Pode ocorrer isto por várias razões. Uma delas é a de que não se tem
os princípios muito integrados, o que facilita que a gente se deixe levar pelas opiniões da maioria,
ou pela pressão de grupos de pressão. Esta resposta é muito frequente hoje em dia.

c) Que se descubra o sentido positivo da dor. Esta terceira postura necessita de uma concepção
transcendente da vida. O homem e a mulher, que foram criados para ser felizes, entretanto hão de
ganhar-se essa felicidade com esforço, esforço que comporta dor. E, ante a evidência do mal no
mundo e do mal produzido por nós mesmos, a única razão está em olhar a Cristo, que sendo Deus,
quis abraçar a dor e a morte para salvar-nos e dar-nos exemplo e ânimo. É necessário a fé para
entender esta última postura, mas é certo que a dor também é um bom motivo para aproximar-se a
ela, nem sequer seja por razão de nossa indigência. Já o disse o refrão:?

- Nos lembramos de Santa Bárbara apenas quando chove ou trovoa?

Onde estão estes pais? Dá a impressão, pelo que nos diz, que podemos situar na primeira e na terceira
postura. Lembremos que incomodar-se não é sempre negativo. Mas tampouco estão livres da opinião pública
(“Como vão pensa que lhe educamos?”), nem de sentir-se ofendidos em seus princípios morais. O que sim
podem fazer é servir-se da contrariedade para aproximar-se mais a Deus e pedir-lhe luz a fim de encarar bem
a situação, cobrando força para enfrentar as decisões corretas.

Se trata de uma garota


Hoje em dia se fala, e se vive conforme o critério de igualdade dos sexos. Se isto for assim, e fazendo
abstração da condição de segundo “pênalti”, não teria que ter diferenças entre Artur e Irene ante esses pais.
Mas, há?

A resposta merece vários enfoques, por sua vez entrelaçados.

- Enfoque antropológico.
- Enfoque psicológico.
- Enfoque sociológico.
- Enfoque moral e cristão.

Desde a antropologia, há que lembrar que ambas, o homem e a mulher, são iguais em dignidade, o
que quer dizer que têm os mesmos direitos naturais ... Estes direitos se concentrarão, nas realidades de cada
caso, em um direito e uns deveres civis, idôneos a cada circunstância ou “caminho”. E assim, resultará que a
igualdade radical, sem deixar de sê-lo, se diversificará na prática, por um lado, mas também deverá ter em
conta as condições de cada “caminho” ou via escolhida para passar esta vida, por outro lado.

 O chefe de uma empresa, independentemente de que seja mulher ou homem, tem o direito de ser
respeitado, por seus subordinados, sejam estes homens ou mulheres, e estes, o dever de
respeitar-lhe e de cumprir bem com seu contato.

 O pai de família tem o dever de amar a seus filhos, ainda que os trate a sua modo, dentro de sua
original individualidade.

- Paula, por exemplo, organizará sua casa de modo diferente como o faz como o faz sua vizinha,
Joana.
37
FAÇAMOS UMA REVISÃO

E assim até o infinito. Isto é, os direitos e os deveres civis estão em relação com os requisitos do cargo
e com a o âmbito de autonomia, iniciativa e originalidade de cada qual. E será mais meritório o que, em
igualdade de condições, o faz melhor.

Outra coisa é que um disponha do próprio corpo para um uso diferente daquele para o qual foi criado.
Aqui podemos falar de requisitos da natureza, onde falávamos de exigência do cargo, ou de deveres e direitos
entre pessoas, grupos ou instituições. Estes princípios (porque estão no princípio, na origem), terão de estar
presentes em qualquer circunstância, e poderão ser vividos conforme o estado civil de cada caso.

A mulher foi preparada pela natureza para procriar, coisa que o homem não pode fazer. Pois bem, esta
diferença biológica condiciona, por um lado, o modo de ser e estar no mundo das mulheres e dos homens, e,
por outro, recebeu um tratamento diferente ao longo da história. Isto é, a diferença biológica condicionou à
percepção psicológica e à interpretação sociocultural e histórica.

Quando uma mulher carrega em seu ventre a uma criança e a ama -as crianças, tão frágeis
fisiologicamente, entretanto têm uma grande força à hora de despertar amor-, sente que está dando vida. Uma
vida dela –descalcificação, descamação da pele e queda do cabelo às vezes, entrega de seu próprio tempo e
interesses-, mas, sobretudo, sabe que está dando uma vida que se começa, e que necessita de sua mãe para
desenvolver-se e levar a cabo, desde o ponto de vista biológico. Desde a antropologia, essa vida é um projeto
de realização. E ninguém tem o direito de impedi-la, ou de, como se diz corretamente, de abortá-la.

 Visto do lado psicológico, a mãe é raiz, fonte de vida.

 Visto do antropológico, é poder, força.

 Dela depende o futuro da humanidade.

Nem todas as culturas pensaram nestes termos, talvez tampouco a atual. Mas isso não é obstáculo
para que não se deva voltar às raízes. E é justamente essa raiz explicativa da maternidade a que deve orientar
a conduta das mulheres. Também a de Irene.

Qualquer criança merece o melhor. As vezes tratamos melhor aos animais que aos “cachorros” de
homem. Pois bem, um modo de dar o melhor a uma criança é

CUMPRIR SEUS DIREITOS DE VIVER


COM OS PRÓPRIOS PAIS
QUE A PROCRIARAM,

e que sejam os próprios pais que lhe criem e lhe eduquem. Um segundo modo consiste em:

DAR-LHE UMA SITUAÇÃO DE


LEGITIMIDADE SOCIAL

dentro de uma família legalmente constituída. Por último, teria de convidar aos pais a refletir sobre sua
condição de filhos de Deus, e sobretudo o encargo que Deus deu às famílias, desde o Gênesis, de criar os
filhos para o céu.

Desprezar, ou não ter em conta estas qualidades femininas e da maternidade, é, além de uma falta, um
enorme desperdiço de energias.

A Igreja e a indissolubilidade do matrimônio


Irene argumenta que não quer casar na Igreja, por duas razões: uma, porque diz não ter fé; outra, por
não querer arrepender-se como seu irmão.

38
FAÇAMOS UMA REVISÃO

A fé é um dom de Deus. Certamente há quem perde a fé, mas o que acontece a muitos é que “fogem”
das práticas de piedade, na realidade do culto e da assistência à Igreja. Talvez Irene pertença ao grupo dos
“católicos não praticantes“. Contudo, não é nossa intenção catequizá-la. Aceitamos o fato e seguimos adiante.

A ambígua expressão de Daniel, não sabemos se se refere ao matrimônio em geral ou ao fato do


matrimônio precipitado. Tampouco se nos diz se Daniel está arrependido de ter-se casado na Igreja, em
relação com seus problemas conjugais. Quem interpretou foi Irene. E, com ele, uma boa parte da opinião
pública de hoje. Quem sabe se dessa corrente publicitária tirou Irene sua opinião. Ou talvez de seu noivado ...
O que está claro é que não se inspirou em seus pais ...

A Igreja defende e sustenta o matrimônio indissolúvel. Logo virá a vida, com seus problemas. A
indissolubilidade não o remédio aos problemas, tomara que seja. Mas se tem um montão de vantagens.
Mencionaremos algumas:

 Dá segurança. Saber que é para toda a vida dá muita tranquilidade, e se podem investir em outras
causas as energias que de outro modo teria que destinar a assegurar-se o futuro.

 Dá uma nova oportunidade. Quantas vezes ocorre que aqueles cônjuges, à noite, depois de uma
brincadeira, diziam a si mesmo:

- Te pressionaria contra a parede! e que, na manhã seguinte, com o abraço reconciliador, se


retificavam:

- Que bom que não lhe pressionei!

 Permite viver o matrimônio com sentido de vocação. Isto é, é um modo de passar pelo mundo
fazendo algo que deixará frutos de amor e é onde ele/ela pode se aperfeiçoar pessoalmente.

 Dá à vida uma dimensão de permanência, é escola de fidelidade.

Há outras razões, quase todas de mais peso, mas contribuímos com estas que são as que diríamos a
Irene se pudéssemos.

Claro que Irene se confessa fraca à hora de encarar uma fidelidade vitalícia ... Mas não é esse o
argumento válido.

Quem pode afirmar a priori que sempre vai fazer o que promete agora?

Todos somos fracos. O que acontece é que, a nossa fraqueza, se acrescenta a “astúcia” para
encontrar o melhor aliado na graça de Deus, que generosamente reparte a Igreja através dos Sacramentos.

A projeção pessoal
Daniel ri para sua irmã quando passa a noite em sua casa. Fica a dúvida do que quer dizer com essa
frase, que repetimos várias vezes:

- Não aprendeu com os exemplos alheios?

Pode ser que queira advertir-lhe sobre o que acontece quando se começam mal as coisas. Ou talvez
seja um modo de retrair-lhe do compromisso matrimonial ... Em qualquer caso está projetando sua própria
história na de sua irmã. Mas isto não é bom. Cada um tem suas cadaunadas, dizia um velho e bom amigo
meu. Irene terá que resistir as consequências de seus atos, juntando fortaleza e responsabilidade. Aos pais ao
irmão, aos amigos e orientadores, lhes corresponderá informar-lhe o mais adequada e corretamente possível,
sobretudo no referente ao matrimônio, incluindo, certamente, uma visão otimista, realista, do matrimônio
cristão.

As perguntas
Lembremos que as perguntas que se fazem Amanda e Fernando dá voltas sobre a conveniência ou
não, de ir à cerimônia do casamento, do almoço, e à oportunidade de convidar ou não aos familiares.

39
FAÇAMOS UMA REVISÃO

Cada vez mais estão estabelecendo situações como está em nosso mundo, e não é infrequente que os
afetados, senão compartilham a idéia do matrimônio civil, se sintam perplexos, sem saber o que fazer. Vejamos
os argumentos que se escondem atrás destas posturas:

 Por um lado, está o respeito à relação afetiva ou de parentesco com os noivos. Sobretudo quando
se trata dos pais e dos irmãos.

 Por outro, o respeito e a fidelidade a alguns princípios morais.

 Por outro, o possível efeito que poderia derivar-se da assistência ou da ausência a este tipo de
atos.

Contemplados os três aspectos, se trata de convocar à virtude da prudência, que conduzirá,


sucessivamente, às demais virtudes.

A prudência na atuação
Podemos refletir os três tipos de razões em um triângulo. No vértice, estariam as razões referidas aos
princípios, e nos dois ângulos da base, os referentes as razões de relação humana.

Princípios

Filhos e familiares
Sociedade em geral

Se trata de deliberar, ou de discernir, quais destas razões têm mais peso. Mas, ainda que seja lógico
deduzir que é mais sólido o plano dos princípios, entretanto a relação com os demais é também muito
importante.

Há que pensar no efeito que a presença ou a ausência a um casamento civil ou a sua comemoração
social pode produzir nos demais assistentes ou não. Nos filhos e nos menores de idade, por exemplo. E
decidir, depois de ter ponderado possíveis escândalos ou desorientação. Uma vez mais, nossas decisões hão
de ser guiadas pelo bem dos demais, começando pelos mais próximos.

“Mais papistas que o Papai”?


Esta era a acusação que a família toda fazia ao casal Peres, pais de seis filhos menores de idade. Ao
parecer, que eles se negaram a assistir o casamento da irmã do pai, que se casava com um divorciado, pelo
que, apesar de sua formação cristã, “não podia casar-se na Igreja“. Aline e Manoel Peres argumentavam que
não iriam ao ato para não desconcertar a seus filhos, que poderiam duvidar da firmeza dos valores cristãos no
quais tinham sido educadores, em relação com o matrimônio.

- Jesus comia com publicanos e pecadores –era a réplica que esgrimiam os parentes, um pouco como
reprovação, outro pouco como pressão ...

E Manoel e Aline sofriam sem saber o que fazer ... Contemplando os custos e benefícios, preferiam
passar por retrógrados e resistir as iras dos familiares. Mas no fundo, ia crescendo a verdadeira resposta:

- Jesus certamente comia com publicanos, não com pecadores (ainda que se aproximara à mesa a
lavar-lhe os pé com perfume e secá-los com seus cabelos). Mas aproveitava a oportunidade para repreender-
lhes, como Simão, ou para perdoar seus pecados como à mulher adúltera. E, a todos, para recomendar-lhes
que não pecassem mais.

40
FAÇAMOS UMA REVISÃO

A presença de Jesus entre os pecadores tinha um sentido redentor. Se queremos seguir-lhe, nossa
presença nestes atos deveria ter um sentido apostólico. Mas quando esse objetivo ficara comprometido pela
incompreensão ou o escândalo farisaico de alguns, de novo teria que seguir ao Mestre, que preferiu resistir as
iras dos duvidosos, antes ofender a Deus.

Ir ou não? Poderíamos perguntar-nos, como Hamlet. A resposta prudente, depois do que dissemos,
seria:
 Fazer aquilo que for produzir mais frutos de bem.

 Fazer aquilo que for beneficiar a mais pessoas.

 Fazer aquilo que atenda primeiro aos mais necessitados.

As demais virtudes
Para comportar-se assim, olhando a um fim bom, e subordinando os meios a esse fim (ou atuação
prudente), é necessário viver as demais virtudes. Dizíamos que todas se entrelaçam como as cerejas.

Trabalhar com justiça significa dar a cada um o que é seu, sendo por sua vez uma hierarquia correta de
valores.

1. Deus;
2. os demais;
3. eu;

Isto é centrando-nos no tema que nos ocupa, é preferível o servir aos valores permanentes tentando
que os demais os vivam, ainda que seja a custo de desgosto ou de incompreensões.

Mas isto exige o exercício da fortaleza, ou o que é o mesmo, resistir às pressões de fora, quando estas
são incorretas, ainda que isso nos leve a fama, e bons critérios, oportuna ou inoportunamente. A causa do
cristão o vale.

E não cair, na armadilha de fazer tragédia. Isto é, ser moderado, sereno, equânime, sóbrio em
preocupações. Como dizia o mesmo amigo das cadaunadas,

- Nunca acontece nada,

- e se acontece,

- o que acontece?

41
A AUTORIDADE DOS PAIS

CAPÍTULO – VI
A AUTORIDADE DOS PAIS

Um objetivo de nosso tempo


O termo “objetivo” indica algo assim como provocação, oportunidade de descobrir uma medida ou
atitude inédita. Ou, inclusive, pode significar a oportunidade de resolver um problema para o qual não serve as
soluções conhecidas até o momento. Pois bem, ante o tema da autoridade dos pais há pessoas que se sentem
desconcertadas, ou abertamente têm uma opinião negativa.

- É algo fora de moda, impossível de viver, ou não serve para nada, porque total, nada lhe dá
importância ...

Se pode acreditar que esta opinião é própria de alguns, nem de todos, ainda que pareça que hoje está
estendendo-se, não apenas entre os desencantados, mas também entre muitas pessoas.

Sobre a tensão das gerações


Para apoiar esta suspeita do desprestígio da autoridade na família, repassemos as mudanças que se
produziram nas relações entre os pais e os filhos.

Por referir-nos a nossos país, e centrando-nos nos últimos cinquenta anos, podemos distinguir três
fases ou etapas de uma duração aproximada de vinte anos cada uma. Estas etapas são:

- anos 40 – 60
- anos 60 – 80
- anos 80 – até hoje.

Anos 40 – 60

Entre os anos quarenta e sessenta, a autoridade paterno-materna não era discutida, ainda que não se
acatara em ocasiões. Teria que falar melhor de autoridade paterna, posto que as esposas e mães recebiam,
em geral, um trato equivalente aos filhos, e a opinião pública recomendava que, ainda que estivessem melhor
dotadas que seus maridos, não deveriam brilhar mais que eles.

A titularidade da cabeça de família recaia nos homens e assim se exercia na maioria dos casos.

Anos 60 – 80

Os anos sessenta coincidem com a chamativa década do desenvolvimento ou “década prodigiosa”.


Aumenta o bem estar material, se cuidam mais dos serviços e da qualidade de vida, se ampliam as
possibilidades de promocionar. A Universidade abre sus portas a mais pessoas; se atravessam as fronteiras e
se viaja mais ao estrangeiro para aprender idiomas. Se adia o momento em que os filhos se emancipam, por
motivos de trabalho ou de matrimônio, e muda a situação.

Por um lado, os filhos dependem economicamente dos pais durante mais tempo. Por outro, adquirem
uma maior margem de liberdade. Esta liberdade é encaixada pelos pais de modos diferentes.

Há pais que concordam com o novo sistema de relações familiares. São os pais que reflete a Sra.
Collange em seu livro “Eu, sua mãe”.

Quando a autora desse livro se queixa ante uma real ou suposta filha pós-adolescente (com mais de 18
anos), de que não conversa com ela, que faz sua vida a margem da atenção de seus pais, ou não respeita os
costumes e normas da casa, concentra sua queixa neste lamento:

- Se lhes damos de tudo ...

42
A AUTORIDADE DOS PAIS

Há pais que conservam os valores e normas herdados e se opõem às novidades” que traz uma
liberdade dos filhos que não vai acompanhada da correspondente responsabilidade. São estes pais que
estabelecem a chamada tensão de gerações. Dizemos bem. São os pai, não os filhos, os que criam o
problema. Ao menos, esta é a impressão que se vai introduzindo na opinião pública. Se começa a acusar de
intransigentes, antiquados, autoritários e rígidos. E essa opinião vai diminuindo as convicções desses pais que
se mantém firmes em alguns princípios morais, digamos-o de uma vez, têm raízes cristãs.

Contra a resistência, que arrasta consigo ou provoca uma série de problemas na casa, vai cobrando
força esta outra afirmação:

DOIS NÃO BRIGAM SE UM NÃO QUER

Para não brigar, é melhor não saber. Ou, se se sabe, fazer como se não soubesse.

Anos 80 – até hoje

Chegamos à última fase, a dos anos oitenta, próxima a nossos dias. Nos anos oitenta, as posições
iniciadas nas etapas anteriores, cobram plena função da natureza. Se definem com toda clareza as posturas
dos pais, nos seguintes tipos (com toda a gama de intermédios, como lógico):

 Os pais permissivos.

São os herdeiros daqueles que davam tudo e não reclamavam nada aos filhos. Como se todos os
deveres estivessem do seu lado e todos os direitos do lado dos filhos. Deste tipo de pais podem diferenciar os
subtipos:

1. Os permissivos convencidos

São os que acreditam que, como os filhos são hoje mais “espontâneos” e “sinceros”, são melhores que
os filhos da geração anterior, que eles mesmos inclusive. E dão por boas todos as mudanças, inclusive as que
são objetos de nossa atenção, isto é, a conduta sexual “livre”. Estes pais podem ser simbolizados pela autora
que comentamos, quando em uma parte do livro e em meio de seu lamento pelas desatenções de sua filha, lhe
lembra que ela e sua geração –correspondente ao ’68 francês-, lhes trouxeram a revolução sexual.

2. Os permissivos por fraqueza

São aqueles que, não estando de acordo com as novas modas dos jovens, entretanto, se sentem
exaltados pela pressão de seus filhos -a chantagem agressiva ou sutil- e, sobretudo, pela pressão dos meios
de comunicação. Para ajudar a este tipo de pais foi escrito preferencialmente este livro.

 Os pais não permissivos.

Estes por sua vez, se subdividem em dois tipos:

1. Os que se opõem radicalmente e sem admitir composições nem matizes.

Estes pais estão em fraco retrocesso e a ele pode reservar-se com propriedade o qualificativo de
autoritários. Estes pais optam pela norma, prescindindo da pessoa.

2. Os que têm um plano claro e realista.

Isto é, são pais que conhecem uma opção de vida que respeita e este ao serviço da dignidade humana
e se aderem a ela, mas, ao aplicá-la, têm em conta às pessoas e suas circunstâncias. Isto é, (se soubemos
fazê-lo bem até agora), são os que se esforçam por servir ao bem de seus filhos através de um correto
exercício da autoridade. A autoridade é pois um meio educativo, não um fim em si própria.

43
A AUTORIDADE DOS PAIS

Conceitos de autoridade e sua relação com a autoridade dos pais


Depois deste breve percurso histórico sobre a prática da autoridade nos pais, pode ser interessante
deter-nos nos conceitos e os conteúdos mais relevantes da autoridade em geral, uma de cuja, aplicação é a
autoridade dos pais.

Podemos enfocar o estudo da autoridade desde três ângulos ou facetas, que estão entre si
relacionadas:

 A autoridade como valor.

 A autoridade como virtude.

 A autoridade como um tipo específico de relação humana.

A autoridade como valor


O termo valor indica algo tão simples como isto: o que vale. Ora bem, o que vale pode valer para mim
ou para todo um grupo (os amigo, por exemplo), ou uma coletividade (o sentimento pátrio), ou pode valer em si
mesmo, ainda que ninguém o valorize. Estamos então ante dois tipos de valores, o valor subjetivo e o valor
objetivo.

O valor subjetivo

O que vale pode vale para mim ou para todo um grupo ou uma coletividade. Se estamos neste
segundo caso, falamos de valor cultural ou de moda. Cabe também que valha para uns mais que para outros
ou em alguns aspectos para uns mais que para outros, como ocorre em nossa sociedade plural e mutável.

Podemos aventurar dizendo que apreciam mais a autoridade os que mandam que os que têm que
obedecer, ou que é mais valorizada pelos superiores que pelos inferiores. Em geral, esta valorização depende
dos resultados que se obtenham. Isso é, estamos ante uma valorização “funcional” ou utilitário. Assim que,
conforme o serviço ou os benefícios que se obtenham da autoridade, se lhe terá em mais ou menos apreço.

A AUTORIDADE SE MEDE EM
GRAUS DE EFICÁCIA

Não estamos contra este conceito. Apenas que, uma vez mais, haverá que examinar o tema dos
objetivos, cuja qualidade vai permitir pesar e medir a utilidade dos meios. No caso estudado anteriormente,
pretendemos, confirmar o valor positivo da autoridade, quando está a serviço de um bom objetivo.

Na família, que por princípio é uma pequena sociedade, é necessário uma organização. Nesta
organização se incluem os fins (os valores e objetivos mais importantes, em geral os dos pais), e os meios (a
contribuição de cada um, a normas previstas, os costumes e “ritos”). Alguém tem que fazer-se cargo de que
esses fins se alcancem e de que se vivam essas normas e costumes. Pois bem, esse alguém é o que detém a
autoridade. Assim resulta que

A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR RECLAMA


À AUTORIDADE

Mas continua sendo um valor utilitário ou funcional, útil quando é necessário. Mas útil certamente,
quando a família é numerosa que quando é reduzida. Mas, também, quando os filhos são pequenos.

O valor objetivo

Para explicar o valor objetivo da autoridade -que é boa em si, ainda que a pratique- vamos recorrer,
uma vez mais, à etimologia.

44
A AUTORIDADE DOS PAIS

Autoridade vem de duas vozes, ou está relacionada com dois vocábulos latinos. Por um lado, tem a
mesma raiz que o termo autor, que quer dizer autor, e por outro de augere, que significa elevar, enaltecer,
subir. Em nossa linguagem, equivale a potenciar, enriquece, promocionar.

O autor de si mesmo

Todo autor é reconhecido, quando assina suas obras, seja um quadro, um livro ou um descobrimento.
Assinar uma obra é reconhecê-la como própria e, portanto, assumir as consequências que se derivem de tê-la
criado, se estas são boas ou más. O autor sabe que a crítica valorizará sua obra, mas nem por isso vai deixar
de inventar ou produzir, nem muito menos vai renegar, se é honesto, de reconhecer sua “autoritária”.

O autor se distingue, pois, pelas notas. Por um lado, tem a liberdade de produzir algo que seja seu e o
fazer a sua maneira, ainda que o tenham encarregado. Por outro lado, tem a responsabilidade de assumir as
consequências que se derive do efeito que sua obra vai produzir nos demais e na sociedade.

LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
PESSOAL SÃO AS DUAS NOTAS
DA “AUTORIA” DE UMA OBRA,
SEJA DO GÊNERO QUE FOR

Uma obra própria é também uma decisão, na medida em que essa decisão foi tomada livre e
responsavelmente. Portanto tomar decisões se pode entender como:

 ser autor de suas próprias obras;

 ser autor de si mesmo;

 fazer a si mesmo.

A autoridade, referido ao plano de si mesmo, equivale ao que normalmente se entende por


autodomínio ou maturidade pessoal.

Uma definição popular mas muito correta, da maturidade humana é esta:

NÃO JOGAR AS CULPAS DE MEUS


PRÓPRIOS ERROS AOS
QUE ME EDUCARAM

A autoridade para fazer autores


Quando vai melhorando em sua capacidade de dirigir-se a si mesmo -autodirigir-se, de algum modo se
está potenciando ou elevando. Em francês o vocábulo élever significa educar. Portanto, um se educa a si
mesmo quando se exercitam em acometer ações livres e responsáveis, isto é, em tomar decisões bem
orientadas e virtuosamente aplicadas, se queremos prosseguir com nosso argumento. Mas aqui vamos nos
referir aos educadores, aos pais em particular.

Educar é colocar aos educandos em situações para que tomem decisões livres e responsáveis, isto é,
de que sejam autores de suas obras do que é o mesmo que ser autores de si próprios. González Simancas
dirá:

EDUCAR É SER AUTOR DE AUTORES

45
A AUTORIDADE DOS PAIS

Fazer isto, dedicar-se a educar, é uma tarefa custosa e, para os pais, vitalícia. Porque os resultados
são incertos -não se educa para obter resultados, ainda que seja lógico esperá-los e prevê-los-, e porque
alguém dá tudo de si. Portanto, o exercício da autoridade na família há de se entender como um serviço ao
bem dos filhos.

Liberdade

Responsabilidade Serviço

são três condições que avaliam a autoridade, independentemente das circunstâncias ou os pareceres de uns e
outros. Portanto, a autoridade vale por si própria.

A autoridade como virtude


A autoridade pode ser enfocada como uma virtude se a entendemos como uma qualidade humana
chamada a crescer ou desenvolver-se, para benefício do próprio sujeito (autor) e dos beneficiários aos quais
está destinado o exercício dessa autoridade (autoridade educativa).

Vista como uma virtude, a autoridade se confunde no exercício da ordem. Ou, ao menos, nós vamos
ver desde o exercício da ordem. Há uma primeira questão: a autoridade nasce ou se faz?

A questão é irrelevante. Todos conhecemos a pessoa que ordena muito bem e que de algum modo
nascera com essa qualidade. Se lhes nota porque apenas se irritam, sabem ter contentes a seus subordinados,
e conseguem levar adiante os propósitos do empreendimento no qual estão envolvidos. E isso com total
serenidade, como se não lhes custasse esforço.

Este é o caso dos diretores natos que encontramos, por exemplo, nos líderes políticos ou nos
personagens que configuraram a história passada ou presente. Outras vezes, estes líderes se aperfeiçoam
nas escolas criadas para fazer diretores. Mas, é este o caso dos pais de família, ou das pessoas próximas à
famílias?

Se fosse assim, que apenas pudessem mandar os que sabem fazê-lo porque nasceram com esse dom
ou porque nasceram para isso, teríamos que colocar em dúvida o direito primário que assiste a todas as
pessoas para casar-se e ter filho. Se Deus não coloca obstáculos para ninguém neste tema, quem somos nós
para desqualificar a alguém?

Exceto casos dramáticos –que os pais prendem a seus filhos ou os maltratam de tal modo que há
retirar-lhes a guarda- a lei reconhece e protege os direitos dos pai a exercer a ordem em sua família. Mas não
são as qualidades pessoais, nem a proteção legal, as que avalia ou determinam a qualidade da ordem dos
pais, mas sua condução de pais, em primeiro lugar, e depois, o amor que têm por seus filhos, amor que
acertará em sua atuações ou decisões na mesma medida em que se rege conforme critérios de virtude.

Da maneira que as dote de ordem não pode exigir-se a priori nos pais, ainda que deva animar-lhes a
que reflitam sobre o amor que têm por seus filhos, e que procurem que esse amor se concretize em atos de
serviço. Com o qual uma vez mais, se confirma que

O BEM É DIFUSIVO DO SEU:


AMAR FAZ BEM AO AMANTE TANTO
QUANTO AO AMADO

46
A AUTORIDADE DOS PAIS

A autoridade como um tipo específico de relação humana


Quando entre duas ou mais pessoas um ocupa um lugar superior e outro ocupa um lugar inferior, ao
superior se atribui automaticamente a autoridade. Esta é a terceira interpretação do termo autoridade, que
vamos considerar a comunicação.

Outorgar a autoridade a alguém é tanto dar-lhe o poder. Falaremos pois do poder no exercício da
autoridade. Este poder tem duas versões, o domínio por um lado e a sabedoria por outro.

O domínio

O domínio, ou potestas em latim se refere a dois planos:

a) O plano do reconhecimento por parte dos demais de que alguém possa mandar. Podemos assim
falar de domínio real, que se chama também legal porque está acolhida no direito civil.

b) O plano do reconhecimento da auto-superioridade de alguém por sua competência ou por seus


dotes ou qualidade pessoais. Estamos ante o chamado domínio moral, autoridade moral ou
prestígio.

Vejamos tais planos mais detalhadamente.

O domínio real
- “Meu capitão, meu capitão ... trago um prisioneiro ...”

- “Entre ...”

- “Não me deixe ...”

Com ou sem reconhecimento legal, está claro que o soldado não pode mandar ante um prisioneiro que
o sujeita. As vezes ocorre isto na família, mas não é o comum.

Não é esta tampouco a aceitação que se encerra no termo “real”. Ora bem, nos referimos aos âmbitos
do direito. Por domínio real entendemos o reconhecimento de que alguém possa mandar, e isto, por duas
razões:

- porque tem âmbitos de autonomia;


- porque tem faculdade para delegar.

Âmbitos de autonomia
Podem os pais mandar sobre seus filhos, sempre e em qualquer plano, ou este exercício do poder tem
que condicioná-lo conforme as circunstâncias?

Mandar sempre e em qualquer plano absurdo e inviável. A história demonstra que os tiranos -que
assim se chama- acabam, ou sozinhos ou desprezados, ou são, entregues à violência desatada de seus
inimigos.

Ordenar bem equivale a usar desse poder corretamente, isto é, colocar-se a serviço daqueles com os
quais se sustenta uma relação de superioridade-inferioridade.

ORDENAR É SERVIR

Contudo, é necessário um âmbito concreto de poder, para que este serviço não fique no terreno dos
princípios. E assim, temos que perguntar-nos por questões tais como:

47
A AUTORIDADE DOS PAIS

a) Podem ordenar os pais a todos os filhos da mesma maneira, sem fazer distinção de idades, sexo
ou caráter?

b) Pode mandar, também da mesma forma no plano da conduta exterior (ações), e no da conduta
interior (pensamentos, crenças, valores)?

c) Terá algo a ver a pergunta a) com a pergunta b)?

O poder real e as circunstâncias dos filhos

É critério de prudência –ou de sentido comum, que afinal de contas é o mesmo responder que as
circunstâncias pessoais dos filhos são fatores que condicionam o exercício da autoridade dos pais.

Todo mundo sabe que há filhos mais sensíveis que outros aos prêmios e castigos, ou que sentem mais
que outros a um erro ou a uma injustiça. Com estes filhos os pais costumam ter mais cuidado com sua
conduta, sobretudo se se trata de decidir sobre eles, ou se os assuntos se referem ao âmbito de sua
intimidade. Em geral, se admite que com as pessoas emotivas –sentimentais, nervosas ou coléricas- há que
ser mais cautelosos que com as fleumáticas, amorfas e apáticas. O caráter de cada filho é um fator ao qual há
que adaptar-se.

O que se trata de um menino ou uma menina também influência à hora de outorgar permissivos, como
por exemplo, as saídas noturnas. Não por machismo pernoitado, mas porque as meninas têm menos
resistência física ante um eventual agressor.

Por último está a idade. É do domínio pública que os meninos pequenos têm menos campo de
autonomia que os filhos maiores. A autonomia vai se adquirindo paralelamente ao aumento da
responsabilidade -ou se gradua para que se possam ter experiência de responsabilidade-, mas em todo caso,
há um convencionalismo aceito, que marca uma linha divisória nesta relação de autonomia-presença de
responsabilidade: a maioridade.

As condutas e as idades dos filhos

Dos três fatores anteriores parece ser a idade o dado mais significativo à hora de deliberar, decidir e
intervir os pais no âmbito das conduta dos filhos.

Lembremos. Há dois tipos de condutas, externas –ou ações– e internas -ou pensamentos, sentimentos,
crenças e valores-. Pois bem, quando se trata de crianças pequenas, os pais podem informar, ajudar a viver ou
exige seu cumprimento, em um amplo leque de questões que vão desde a conduta exterior -normas de
disciplina e de convivência- até a interior –costumes religiosos, valores pessoais, familiares e sociais-. Sem
grandes preocupações pelo que dirão, os pais sensatos sabem que:

- ainda que as crianças tenham uma consciência que lhe dita o que está certo e o que está errado,

- convém que esses princípios se concretizem em determinados comportamentos,

- para o qual a autoridade de seus pais é fonte de moralidade. O que aprovam os pais é, para as
crianças pequenas, o bom.

Isto é prudência, não imposição. Há em nossa época algumas correntes liberais que pretendem
“antecipar acontecimentos“, acreditando ingenuamente que as crianças sabem decidir sempre, e que sem guia
escolheram melhor. E assim o que conseguem é desorientá-los.

O QUE PODE SOAR A RESTRIÇÃO


NAS CRIANÇAS PEQUENAS É FONTE
DE SEGURANÇA

Se se trata de questões referidas a critérios morais longe de reduzi-los, se lhes dá as crianças


pequenas marcos de referência onde vão remeter e comparar suas próprias experiências .
48
A AUTORIDADE DOS PAIS

As coisas mudam com a maioridade, aos 18 anos hoje. Por um lado, aumenta sua autonomia real
(horários flexíveis, maior participação nas decisões, projetos pessoais, etc ...)

Os pais vão restabelecendo-se a um discreto segundo plano em muitos assuntos, e é bom que seja
assim. Mas, e quando se trata de aspectos que afetam à consciência, isto é, que são de índole moral ou
espiritual? Os pais têm que inibir-se também do que acreditam, pensam ou sentem seus filhos.

A liberdade dos filhos maiores e o domínio dos pais

O poder real e legal dos pais é vitalício. Suas formas, em troca, hão de adaptar-se à crescente
autonomia dos filhos, autonomia que lhes vem dada não apenas pelo que são -dignos e responsáveis nos
casos melhores, mas nem sempre- mas pelo acordo dos 18 anos. Este dado “marca”, por assim dizê-lo, uma
relação paterno-filial de mais nível nas diferenças. Os pais e os filhos maiores vão se igualando.

Assim que no plano da conduta interior pode discrepar uns e outros, não deve atuar de modo
impositivo, coativa sobre a consciência de alguém. Ora bem, o que esteve na verdade contraiu com ela uma
dívida: servi-la.

A VERDADE OBRIGA A SERVI-LA

Em consequência, o que está na verdade se sente impelido a custodiá-la defendê-la e difundi-la.


Portanto, sem impor –se se há que estar disponível para sugerir, assessorar, orientar o descobrimento e
posterior conquista da verdade a quem não a tem.

Normalmente se acredita que são os pais os que farão este trabalho com seus filhos. Mas às vezes, e
tomara que ocorra muito mais vezes, são os filhos os que podem ajudar a seus pais.

Se isto ocorre, se pode chegar a produzir a igualação entre as gerações pela via da correspondência,
que é tanto como dizer co-responsabilidade.

Se o amor se concretiza no diálogo dar-receber, os pais e os filhos serão amigos entre si quando tantos
uns como outros estiverem em condições de

DAR AO OUTRO
RECEBER DO OUTRO

Se olhamos à conduta exterior, isto é, às ações, teremos também que matizar. Os filhos têm uma
grande liberdade de ação em muitos planos: amizades, estudos, ócio dinheiro tempo, etc. Têm também alguma
restrição que se podem resumir no ditado popular.

O QUE PAGA
MANDA

Quando falam de “pagamento”, estamos certamente evocando o dinheiro. Isto é, se os pais dão
dinheiro a seus filhos, inclusive se são maiores de idade, têm direito a conhecer o destino desse dinheiro ou a
menos quando o algarismo é significativo, e também têm, direito a opinar ao respeito. Mas também há
“pagamentos “ não monetários, como é o sustentamento do filho no lar.

No princípio, os donos da casa são os pais. A eles, pois, lhes corresponde estabelecer as normas que
querem que rijam na convivência, bem entendido que essas normas terão de atender às necessidades e se
adotarão às circunstâncias de todos, sempre com flexibilidade, prudência e, no possível, mediante decisões
compartilhadas.

49
A AUTORIDADE DOS PAIS

Esta realidade é, na maior parte dos casos, prazerosa e não estabeleça problemas. Mas alguma vezes
se há problemas. Então o momento de lembrar a dimensão legal e real do domínio paterno-materna, o qual vai
obrigar aos pais os primeiros, por razão do serviço de bem a seus filhos que justifica o uso de sua autoridade.

Não é apenas uma razão de serviço aos filhos que leva aos pais exercer o domínio. É também uma
oportunidade para seu próprio desenvolvimento pessoal e dos pais.

A consciência de liberdade nos pais

A força de dar-se aos filhos, os pais correm o risco de esquecer-se de si próprios.

Ao exercer a autoridade, os pais aprendem a servir, mas também tem oportunidade de saber mais.
Saber mais pode ajudar-lhes a ser melhores, mais donos de seus atos mais livres, mais seguros.

 Crescer em liberdade é crescer em segurança pessoal.

 Crescer em segurança pessoal ajuda a caminhar na verdade.

Faculdade para delegar

Não sei se todavia continua vigente a fórmula matrimônio “por poderes”.

Esta era (ou é) que permite contrair matrimônios “a distância” quando os noivos estão separados e não
podem reunir-se para casar-se. Uma pessoa –um amigo em geral- representava ao noivo na cerimônia de
casamento, e assim os noivos, se convertiam em esposos podiam juntar-se sem reparo das famílias nem
impertinência da pessoa.

Para que esta fórmula fosse positiva, era necessário testemunhar que o noivo não podia recorrer junto
à noiva, mas também se esperava que o amigo fosse fiável, isto é, que não mudaria a suplência pela
suplantação.

O noivo delegava em um amigo o poder de representar-lhe, justamente, porque ele era o noivo isto é,
era ele quem tinha o domínio ou faculdade para delegar. E o “delegado“ devia responder à confiança de quem
tinha esse poder.

Este exemplo nos serve para explicar uma das dimensões da autoridade como domínio, na realidade,
para podê-lo aplicar às relações entre o pais e os filhos.

OS PAIS SÃO OS PRIMEIROS


RESPONSÁVEIS PELA EDUÇÃO DOS
FILHOS

Mas os pais nem sempre podem estar adiante para educá-los, nem tampouco ”dominar” todas as
matérias que compõem o corpo de conhecimento ou capacidades da educação. Daí que devam procurar uns
“delegados”, que são normalmente os professores alguns peritos, amigos ou inclusive os filhos maiores sobre
os pequenos. Estes, em lei, devem ser colaboradores dos pais, não seus competidores, e devem atuar como
suplente, não como suplantadores.

Tanto o noivo como os pais, quando delegam, outorgam sua confiança, e com ela, concedem as
vítimas uma ampla mudança de manobra -iniciativa, atuação, poder- mas se reserva a última palavra, que
consiste em conservar o direito a reiterar-lhe o “poder” se por alguma razão estes deixam de merecer sua
confiança, ou se portam de modo desleal.

O tema que ocupa nossa atenção aqui, o domínio paterno-materna entendida como faculdade para
delegar, tem um amplo campo de ação nas interferências que podem haver entre a família como instituição
outra agência sociais educativas (a escola) ou políticas (o Estado).

50
A AUTORIDADE DOS PAIS

Faz um tempo a televisão espanhola difundiu um “spot” publicitário, onde se fazia propaganda de
preservativos destinados aos jovens. Neste anúncio -apresentado em forma de cena-, estava presente um
grupo de jovens e um professor. Brilhavam por sua ausência os pais. Essa foi uma boa oportunidade para
lembrar a todos a quem compete primariamente a autoridade como poder -de decidir, de ordenar as virtudes –
prudência, justiça, fortaleza e temperança– para reclamar esse poder se em um algum momento é arrebatado.

A autoridade como poder moral

Dizíamos anteriormente que o domínio podia ver-se de duas formas: real e legal, ou moral ou
autocrítica. Nos toca agora desenvolver este último ponto.

A autoridade moral equivale ao reconhecimento inteligente e livre que a gente faz sobre a
superioridade de alguém. Esta superioridade pode ser reconhecida em dois planos. O primeiro, pelo bem que
se faz ou que se tem que fazer, ou competência. O segundo, pela razão das qualidades humanas ou virtudes
de quem faz o que tem que fazer, ou admiração.

Assim como sobre a competência apenas pode julgar com propriedade os que sabem disso, isto é, os
que são também competentes na mesma matéria, se admira alguém quando lhe reconhecem como valiosas
determinadas qualidades, todavia quando quem admira não as tem. Competência e admiração se fundam na
linguagem corrente no vocábulo prestígio.

Em consequência, é mais fácil ter prestígio técnico ou reconhecimento da competência profissional,


que prestígio moral. Porque este exige um acordo no plano dos valores, isto é, obriga a admirar à pessoa, não
apenas pelo que faz, mas pelo que é.

Daí que, antes de conseguir prestígio, os pais e educadores, também os professores e governantes ou
qualquer um que ocupe um posto de categoria superior deva interessar-se em fazer bem as coisas. O normal
será que lhes “presenteie” também o prestígio, mas, nem sempre ocorre, nem automático. Ora bem, se a
concede isso é muito bom para aproveitá-lo, sem a intenção de servir melhor aquele que tem seu cargo.

O PRESTÍGIO NUNCA É O FIM EM SI PRÓPRIO


MAS UM MEIO PARA MELHOR SERVIR

Funcionando assim se está contribuindo ao aperfeiçoamento, não apenas dos filhos, mas dos próprios
pais.

A sabedoria

Com este ponto acabamos de descrever os conteúdos ou operações da autoridade, que podemos
refletir graficamente assim:

Mandar

Poder Saber

Mandar, poder e saber, são as três operações da autoridade.

Por sabedoria podemos entender integração de saberes, maturidade humana, sedimentação da


experiência, aprendizagem de vida. E, como não irradiação para o exterior, autêntica eficácia de vida. E isto
conecta com a idéia com a qual encerrou o parágrafo anterior, o aperfeiçoamento dos pais.

Teria que insistir e voltar sobre esta idéia:

51
A AUTORIDADE DOS PAIS

OS ADULTOS BENEFICIÁRIOS
DA EDUCAÇÃO
SÃO OS EDUCADORES

A qual deveria acrescentar-se esta segunda idéia:

- A sabedoria não está fechada no cenáculo da ciência;

- está aberta e ao alcance daquele, com coração nobre e reta intenção, orienta sua vida ao amor e
por amor, converta seu campo de atividade em ocasião de oferecer a todos, sobretudo aos que
lhes está encomendado, o melhor serviço de que seja capaz.

Deste modo falava a escritora russa Tatiana Goritscheva:

“ ... essa autoridade inconfundível, que não violenta e oprime, mas que apaixona e entusiasma a
paternidade“.

Acreditamos que é uma boa definição da sabedoria.

A quem corresponde a última palavra

Enquanto os pais correm com os gastos da casa, a ele lhes corresponde a última palavra na
determinação das regras do jogo da convivência familiar seja no plano da presença física como no da
colaboração na casa, material ou moral. Certamente estas regras serão flexíveis, ou mais flexíveis que com os
filhos menores, mas o mais importante que os pais tenham direito a dizer algo a respeito.

Calar e aguentar, ou aceitar indiscriminadamente os costumes dos filhos, sem que estes tenham em
conta os mínimos deveres para com seus pais, que afinal de contas são os que pagam, é um ato de injustiça
por parte dos filhos. Como ocorreria se os pais não reconhecessem que seus filhos cresceram e que muita
vezes querem medir esse crescimento em graus de autonomia. É toda uma aprendizagem para as duas
partes, o de inteirar-se em conviver com algumas pessoas sem hipotecar a liberdade de ninguém.

Se a educação significa o desenvolvimento da liberdade e se se educam por sua vez os educadores e


os educandos, podemos afirmar que

OU JOGAMOS TODAS AS CARTAS DA


LIBERDADE E DA RESPONSABILIDADE,
OU SE ROMPE O BARALHO

1. Nos temas de consciência.

O problema mais grave se estabelece, entretanto, no âmbito da consciência. Isto é, no qual pensa os
filhos e nos quais pensam os pais.

Aqui não cabe exigir uma correspondência “ao que se paga”. Não se pode comprar a consciência de
ninguém. Entretanto, a educação alcança esse âmbito, sobretudo a esse âmbito, e portanto lhes compete aos
pais.

Os pais têm poderes, ou deveres, como se lhes quer chamar.

a) Passar-se por Pedrinho, sem tomar represália senão lhes dá importância. Ou, o que é o mesmo,
não cansar-se nem jogar a toalha.

52
A AUTORIDADE DOS PAIS

b) Marcar alguns limites debaixo dos quais o respeito à consciência se traduz em cumplicidade ao
mal. Isto é,

 não toleram leituras espetáculos, condutas ou conversações que denigrem o tom moral da família
ou deterioram o respeito que merece a própria casa;

 não permitir que o filho enganado influa negativamente entre seus irmãos menores.

Neste tipo de situações, há que seguir este critério:

O INTERESSE DA COMUNIDAD DEVE


PREVALECER SOBRE O INTERESSE DO
INDIVÍDUO

2. A flexibilidade

As idéias anteriores se apresentam como critérios de atuação que deveriam ser revisados conforme
as condições do sujeito, as possibilidades do ambiente ou qualquer outro tipo de dificuldades.

“Revisados” não quer dizer que devam desprezar-se. Talvez tenha de reprovar-se a decisão, como
víamos anteriormente se o custo é muito elevado.

No caso “A saída“, por exemplo, a firmeza de Flávia pode ver-se como uma insolência, se ela se nega
a outorgar certa razão aos pais. Neste sentido pode ser que a lição que recebe com a saída seja mais
importante que a aparente perca da filha para os pais. Em outros casos, onde a falta se deve à pura fraqueza,
talvez tenha que dar um pouco de corda ...

A autoridade como saber

Falamos da autoridade como ordem e como poder. Nos resta agora tratar da autoridade como saber.

A sabedoria responde ao que os romanos chamavam autoritas, e que nós entendemos como
ascendência moral ou prestígio. Falaremos pois da autoridade desde o âmbito do prestígio.

O valor relativo do prestígio

O prestígio pode entender-se como o reconhecimento do mérito de um.

Voltando ao tema da eficácia, que mencionamos anteriormente, acreditamos que este tipo de prestigio,
mais encontrado que procurado, pode estar na base da eficácia educativa dos pais e dos educadores em geral.
Com o qual conectamos com outra idéia exposta mais acima: ao educador não deve importar-lhe tanto os
resultados de sua gestão, quanto fazê-lo bem ele mesmo. Em algum momento tive a intenção de titular este
livro com o seguinte parágrafo.

O aperfeiçoamento dos pais


Quando se fala de educação na família se supõe que nos referimos aos filhos. Isto é, se acredita, ou se
tem a impressão, de que os pais já estão educados e de que por ser pais sabem educar aos outros. E assim
resulta que quando os pais se enganam resistem as críticas das pessoas com mais intensidade que quando é
o filho que engana.

Mas isto é errôneo. Os pais nunca foram pais ante de ter seu primeiro filho. Para dizê-lo com toda
certeza, não são os pais que fazem aos filhos, mas os filhos que fazem aos pais.

53
A AUTORIDADE DOS PAIS

“Fazer aos pais” equivale a colocar-lhe em transe de descobrir até onde pode levar-lhes o amor que
têm por seus filho , no plano das virtudes humanas. Isto é,

EDUCAR BEM AOS FILHOS PROMOVE


O APERFEIÇOAMENTO DOS PAIS

Assim resulta que, passado o tempo, os pais que querem educar bem a seus filhos a força de
examinar-se a si mesmos sobre as mesmas questões nas quais querem que seus filhos estejam ”fortes”, estão
desenvolvendo as ganas de responder positivamente às exigências dessas mesmas questões. Vão se
aperfeiçoando, em suma. São coisas que faz o amor.

54
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

APÊNDICE
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

Na impossibilidade de mostrar aqui todas as idéias expostas no texto, pegamos as que nos pareceram
mais significativas.

1) Os pais costumam pedir receitas na educação de seus filhos, mas isso não garante que os filhos a
seguirão. Sendo assim,

AS RECEITAS NÃO SERVEM NA


EDUCAÇÃO FAMILIAR

2) A melhor orientação é a retidão de intenção

QUE NÃO FIQUE POR MIM, HÁ QUE


FAZER O QUE PUDER

3) O homem é o único ser que resolve problemas

DECIDIR É RESOLVER ENCARAR OS


PROBLEMAS

4) Para que a decisão seja boa, é necessário:

CONJUGAR UM BOM FIM COM


BONS MEIOS

5) O bom educador intervém quando é necessário e apenas do modo que for necessário, ocultando-
se à hora de recolher os frutos:

FAZER E DESAPARECER

6) Quando a decisão persegue um bom fim,

SE GASTA O QUE SE DEVE, AINDA QUE


SE DEVA O QUE SE GASTE

55
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

7) A hora de trabalhar bem, convém concordar:

“QUE SUA MÃO DIREITA NÃO SAIBA O


QUE FAZ SUA MÃO ESQUERDA”

8) Ser justo é ser fiel a Deus e aos demais:

“DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR


E A DEUS O QUE É DE DEUS”

9) É uma boa medida pedir ajuda nos problemas

NINGUÉM É UM BOM JUIZ DE SI PRÓPRIO

10) A chantagem, a coação afetiva, brinca com os sentimentos das pessoas.

11) Se pode claudicar:

 Por cansaço.

 Por medo de sofrer.

 Por medo de fazer sofrer.

12) O melhor êxito consiste em

RESOLVER BEM OS PROBLEMAS

13) Ante a ofensa:

 Se lembra o fato.
 Se esquece a ofensa.

14) Não esqueça que:

A TEMPERANÇA SE VIVE
QUANDO SE AMA

15) A temperança torna o homem, sereno, equânime, pacífico, confiante e otimista.

56
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

16) Lembre:

A OFENSA É TANTO MAIS EFICAZ


É A RAZÃO O INVERSO A SUA FREQUÊNCIA

17) A soberbia se caracteriza por:

 A suficiência.
 A cegueira.

18) Uma pessoa soberba:

 Primeiro, atrai,
 Depois, irrita,
 Por último, repele.

19) Há pais que, para não brigarem, preferem:

 não saber;
 e, para não saber;
 não perguntam.

Essa é uma medida educativa.

20) Na família:

A AUTORIDADE DOS PAIS É UM


MEIO, NÃO UM FIM

21) A autoridade na família é necessária:

 para uma boa organização;


 para um bom guia aos filhos.

22) A maturidade humana pode entender-se assim:

NÃO JOGAR A CULPA DE MEUS


ERROS, AOS QUE
ME EDUCARAM

23) Convém desorientar as crianças,

A DESORIENTAÇÃO É
O PREÂMBULO DA MANIPULAÇÃO

57
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

24) Os pais devem ser conscientes de que têm poder:

O QUE PAGA, MANDA

25) Pensem bem;

É BOM TER PRESTÍGIO, MAS,


MAIS QUE PROCURÁ-LO, É MELHOR
ENCONTRÁ-LO

58
ÍNDICE

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...........................................................................................................................................................
Somos a geração perdida?...............................................................................................................................1
Os problemas de pais e os educadores de hoje..............................................................................................2
Decisões e virtudes humanas...........................................................................................................................3
O que é uma decisão?......................................................................................................................................3
a) É pessoal, não coletiva.................................................................................................................................3
Objetivos do livro...............................................................................................................................................4
Estrutura do livro...............................................................................................................................................4
Desenvolvimento do livro..................................................................................................................................5

CAPÍTULO - I
A PRUDÊNCIA.....................................................................................................................................................7
Comentário do caso “Elisa”...............................................................................................................................7
Os valores.........................................................................................................................................................7
Os sentimentos.................................................................................................................................................8
O problema de Bárbara....................................................................................................................................9
Agir com a cabeça............................................................................................................................................9
Os custos da decisão......................................................................................................................................10
A decisão de Bárbara.....................................................................................................................................10
A virtude da prudência....................................................................................................................................11

CAPÍTULO - II
A JUSTIÇA.........................................................................................................................................................14
Comentário de caso Marta..............................................................................................................................14
A deliberação..................................................................................................................................................14
O juízo.............................................................................................................................................................15
A ordem...........................................................................................................................................................15
A preparação...................................................................................................................................................15
Os contos da entrevista..................................................................................................................................16
O prêmio da boa ação....................................................................................................................................16
A justiça como fidelidade................................................................................................................................17
Fidelidade e união no matrimônio...................................................................................................................18
Condutas que se opõem à justiça..................................................................................................................18

CAPÍTULO - III
A FORTALEZA..................................................................................................................................................19
Comentário do caso “A saída”........................................................................................................................19
Os elementos da saída...................................................................................................................................19
A fortaleza como resistência...........................................................................................................................20
Comentário do caso “Carmem”.......................................................................................................................23
O “conselho” de um pai...................................................................................................................................23
Abandonar por cansaço..................................................................................................................................24
A fortaleza como ataque.................................................................................................................................24
Comentário do caso “Guto”.............................................................................................................................25
Comentário do caso “Os convidados”............................................................................................................25
Um certo elogio da fraqueza...........................................................................................................................25
Síntese das três primeiras virtudes cardinais.................................................................................................26

59
ÍNDICE

CAPÍTULO – IV
A TEMPERANÇA...............................................................................................................................................27
Comentário do caso “Carla e Daniel”.............................................................................................................28
A dignidade dos filhos e dos pais...................................................................................................................28
A dignidade dos pais.......................................................................................................................................28
A confissão......................................................................................................................................................28
O filho pródigo.................................................................................................................................................28
A virtude da piedade.......................................................................................................................................29
O perdão e a necessidade..............................................................................................................................29
O perdão e o esquecimento............................................................................................................................29
Comentário do caso “A avaliação pendente”.................................................................................................30
O problema existe para ser resolvido.............................................................................................................30
A virtude da temperança.................................................................................................................................30
O equilíbrio interior..........................................................................................................................................31
A temperança e a moderação.........................................................................................................................31
É bom aborrecer-se?......................................................................................................................................31
A temperança e a soberbia.............................................................................................................................32
A temperança da paz......................................................................................................................................32

CAPÍTULO – V
FAÇAMOS UMA REVISÃO...............................................................................................................................33
Comentário do caso “Um duplo desgosto”.....................................................................................................34
Relato ou a interação entre os personagens..................................................................................................34
A segunda vez................................................................................................................................................35
Se trata de uma garota...................................................................................................................................35
A Igreja e a indissolubilidade do matrimônio..................................................................................................36
A projeção pessoal.........................................................................................................................................37
As perguntas...................................................................................................................................................37
A prudência na atuação..................................................................................................................................38
“Mais papistas que o Papai”?.........................................................................................................................38
As demais virtudes..........................................................................................................................................39

CAPÍTULO – VI
A AUTORIDADE DOS PAIS..............................................................................................................................40
Um objetivo de nosso tempo..........................................................................................................................40
Sobre a tensão das gerações.........................................................................................................................40
Conceitos de autoridade e sua relação com a autoridade dos pais...............................................................42
A autoridade como valor.................................................................................................................................42
A autoridade para fazer autores.....................................................................................................................43
A autoridade como virtude..............................................................................................................................44
A autoridade como um tipo específico de relação humana...........................................................................45
O domínio real.................................................................................................................................................45
Âmbitos de autonomia....................................................................................................................................45
O aperfeiçoamento dos pais...........................................................................................................................51

APÊNDICE
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS.....................................................................................................................53

ÍNDICE................................................................................................................................................................57

60

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