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Ficha Técnica

Título: Crianças Sim


Título original: The Yes Brain
Autor: Daniel J. Siegel, Tina Payne Bryson
Revisão: Laura Alves
Design e ilustrações: Misa Ender
Capa: Joana Tordo
ISBN: 9789892345611

LUA DE PAPEL
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© 2018, Mind Your Brain, Inc., e Tina Payne Bryson, Inc.


Tradução portuguesa autorizada por acordo com Bantam
Books, uma chancela de Random House, Penguin Random
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em vigor
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mencionadas foram alteradas, exceto no caso dos
familiares dos autores. Este livro não pretende substituir as
consultas com o seu médico nem os conselhos de
profissionais de saúde.
Daniel J. Siegel, M.D.
Tina Payne Bryson, Ph.D.
CRIANÇAS SIM
The Yes Brain
How to cultivate courage, curiosity,
and resilience in your child
Traduzido do inglês por
C. S. C. Marques
Para Alex e Maddi,
os meus melhores professores para uma abordagem
da vida com um Cérebro Sim. (DJS)
Para Ben, Luke e JP:
Tenho orgulho em vocês e fico maravilhada
com a luz que trazem ao mundo. (TPB)
Não tenho medo das tempestades
porque elas ensinam-me a manobrar o meu navio.
Louisa May Alcott, in Mulherzinhas
INTRODUÇÃO
“Desejo tanto para os meus filhos: felicidade, estabilidade
emocional, sucesso académico, competências sociais, uma forte
autoestima e muito mais. É difícil saber por onde começar. Quais as
principais características em que nos devemos concentrar para os
ajudarmos a viver vidas felizes e com sentido?”
Onde quer que estejamos, ouvimos sempre uma variante desta
frase. Pais que querem ajudar os filhos a conseguir um bom
desempenho e a tomar as decisões corretas mesmo quando a vida
os põe à prova. Querem que eles sejam capazes de se preocupar
com os outros, mas que ao mesmo tempo consigam levantar-se
sozinhos. Querem que sejam independentes, mas que
simultaneamente consigam viver relacionamentos reciprocamente
compensadores. Querem que saibam evitar o desalento quando as
coisas não correm de feição.
Uau! É uma grande lista e pode deixar-nos a nós, pais (ou aos
profissionais que trabalham com crianças), sob grande pressão.
Então, em que é que nos devemos focar?
O livro que tem nas mãos é uma tentativa de dar resposta a essa
pergunta. A ideia principal é que os pais podem ajudar os filhos a
desenvolver um Cérebro Sim, que apresenta quatro características
principais:
*
Equilíbrio: capacidade de lidar com emoções e comportamentos
para que as crianças tenham menos probabilidade de perder a
calma e o controlo;
Resiliência: capacidade de recuperar face aos inevitáveis
problemas e desafios da vida;
Discernimento: capacidade de olharem para dentro de si, de se
perceberem a si próprios, e de usarem essa aprendizagem para
tomar decisões corretas e assumir o controlo das suas próprias
vidas.
Empatia: capacidade de perceberem a perspetiva dos outros e
de se preocuparem o suficiente para tomar a iniciativa de melhorar
a situação na altura certa.
Nas páginas que se seguem, vamos apresentar-lhe o Cérebro Sim
e discutir formas práticas de incentivar estas qualidades nos seus
filhos e de lhes ensinar estas importantes competências para a
vida. Pode, sem dúvida, ajudar os seus filhos a tornarem-se mais
equilibrados emocionalmente, mais resistentes à adversidade, mais
introspetivos para se compreenderem a si próprios e mais
empáticos e diligentes para com os outros.
Não podíamos estar mais entusiasmados por poder partilhar
consigo esta abordagem inspirada na ciência.
Acompanhe-nos e desfrute desta jornada de aprendizagem sobre
o Cérebro Sim.
Dan e Tina
CAPÍTULO 1
O Cérebro Sim: apresentação
Este livro serve para ajudar as crianças a dizer sim ao mundo.
Serve para as incentivar a terem uma mente aberta, disponível
para aceitar novos desafios e dar novas oportunidades a quem são
e a tudo o que podem vir a ser. Serve para lhes dar um Cérebro
Sim.
Se já assistiu a uma palestra do Dan, talvez tenha participado
num exercício em que ele solicita à audiência para fechar os olhos
e prestar atenção às reações físicas e emocionais enquanto ele
repete uma determinada palavra. Ele começa por dizer
reiteradamente “não” de uma forma um tanto áspera. Repete-o
sete vezes, e depois começa a dizer “sim” de forma muito mais
suave, uma e outra vez. Por fim, pede aos participantes para
abrirem os olhos e descrever o que sentiram. O que relataram foi
que a parte do exercício do “não” os deixou na defensiva e com
uma sensação de bloqueio, de irritação e de tensão, ao passo que
quando Dan insistiu no “sim” categórico, se sentiram recetivos,
calmos, descontraídos e leves. Os músculos do rosto e as cordas
vocais relaxaram-se, a respiração e o ritmo cardíaco regressaram
ao normal e sentiram-se mais abertos, e menos limitados,
inseguros ou desafiantes. (Se quiser, feche agora os olhos e tente
fazer o exercício. Eventualmente solicite a ajuda de um familiar ou
amigo. Registe o que se passa no seu corpo enquanto ouve
repetidamente a palavra “não” e depois a palavra “sim”.)
Estas duas respostas diferentes – a resposta ao “sim” e a
resposta ao “não” – dão-lhe uma ideia do que queremos dizer
quando falamos de um Cérebro Sim e do seu oposto, o Cérebro
Não. Se desenvolver esta ideia e pensar nisto como toda uma
filosofia de vida, um Cérebro Não faz com que se sinta reativo
quando interage com os outros, o que torna praticamente
impossível ouvir, tomar decisões corretas ou ligar-se a outra pessoa
e preocupar-se com ela. Uma conduta centrada na sobrevivência e
na autodefesa vai deixá-lo cauteloso e fechado quando chegar o
momento de interagir com o mundo e de aprender novas lições. O
seu sistema nervoso desencadeia uma resposta luta-evasão-
paralisação-colapso: luta pressupõe atacar, evasão pressupõe fugir,
paralisação pressupõe ficar momentaneamente imobilizado e
colapso pressupõe desmoronar-se e sentir-se completamente
desamparado. Qualquer uma destas quatro reações à ameaça pode
ser desencadeada, impedindo-o de se sentir recetivo, de comunicar
com os outros e oferecer respostas flexíveis. É a reação de um
Cérebro Não.
Em contrapartida, um Cérebro Sim é ativado por outros circuitos
do cérebro que conduzem à recetividade e não à reatividade. Os
cientistas usam a designação “sistema de envolvimento social” para
se referirem ao conjunto de circuitos neurais que nos ajudam a
relacionar-nos abertamente com os outros – e até connosco
próprios. Como resultado da recetividade e de um sistema de
envolvimento social, sentimo-nos muito mais aptos a enfrentar
desafios de forma sólida, clara e flexível. Nesta condição de
Cérebro Sim abrimo-nos a uma sensação de tranquilidade e
harmonia que nos permite absorver, assimilar e aprender novas
informações. Esta mentalidade do Cérebro Sim é o que queremos
para os nossos filhos, para que aprendam a ver os obstáculos e as
novas experiências não como barreiras paralisadoras, mas como
simples desafios a enfrentar, ultrapassar, e dos quais podem retirar
ensinamentos. Quando as crianças reagem com a mentalidade de
um Cérebro Sim, tornam-se mais flexíveis, mais abertas a
compromissos, mais desejosas de arriscar e de explorar. São mais
curiosas e imaginativas e preocupam-se menos com os erros.
Também são menos rígidas e teimosas, o que faz com que se
relacionem melhor e sejam mais flexíveis e resilientes quando se
torna necessário lidar com a adversidade. Conhecem-se a si
próprias e funcionam a partir de uma bússola interna precisa, que
orienta as suas decisões e a forma como tratam os outros. Guiadas
por um Cérebro Sim, agem mais, aprendem mais, e tornam-se
melhores. Abrem-se ao mundo a partir de uma condição de
equilíbrio emocional, acolhendo tudo o que a vida tem para
oferecer – mesmo quando as circunstâncias não são as que
gostariam.
A primeira mensagem para todos os pais é muito animadora: os
pais têm o poder de estimular os filhos a experimentar este tipo de
flexibilidade, recetividade e resiliência. É a isto que chamamos
força mental – dar aos nossos filhos uma mente forte. E não é
obrigando-os a assistir a uma série de palestras sobre coragem ou
curiosidade nem tendo com eles muitas conversas longas, intensas
e de olhos-nos-olhos. Na verdade, só precisamos das nossas
interações quotidianas com eles. Tendo em mente os princípios de
um Cérebro Sim, que damos a conhecer nas páginas seguintes,
pode aproveitar o tempo que passa com os seus filhos – quando os
leva à escola ou janta com eles, quando brincam juntos, ou mesmo
quando tem de os repreender – para influenciar a forma como eles
reagem às circunstâncias e interagem com as pessoas que os
rodeiam.
Isto porque um Cérebro Sim é muito mais do que um estado de
espírito ou do que uma perspetiva de vida. Sim, definitivamente
também é isso. E como tal, proporciona aos seus filhos uma
bússola interior que os ajuda a encarar os desafios diários com
segurança e entusiasmo. É a base para se tornarem fortes de
dentro para fora. Mas um Cérebro Sim é também um estado
neurológico que emerge quando a mente se envolve de
determinada forma. Se compreendermos alguns pormenores
básicos sobre o funcionamento do cérebro, conseguimos ajudar a
criar um ambiente propício ao desenvolvimento de um Cérebro Sim
nos nossos filhos.
Como explicamos mais à frente, o Cérebro Sim é criado por uma
atividade neural que envolve uma parte específica do cérebro
designada por córtex pré-frontal, uma área que faz a ligação entre
diversas partes entre si, controla o pensamento de ordem superior
e facilita a curiosidade, a resiliência, a compaixão, o discernimento,
um espírito aberto, a resolução de problemas e mesmo a ética. À
medida que crescem e se desenvolvem, as crianças podem
aprender a prestar atenção e a recorrer com mais frequência às
funções desta parte do cérebro. Por outras palavras, pode ensinar
os seus filhos a desenvolver esta importante área neural que
sustenta a resistência mental. Consequentemente, eles conseguirão
controlar melhor o seu corpo e as suas emoções, ao mesmo tempo
que ouvem com mais atenção os seus impulsos interiores,
tornando-se mais confiantes. É disto que falamos quando nos
referimos ao Cérebro Sim: um estado neurológico que ajuda as
crianças (e os adultos) a enfrentar o mundo com abertura,
resiliência, empatia e autenticidade.
Em contraste, um Cérebro Não depende menos da interligação
do córtex pré-frontal e mais de um cérebro menos estruturado, que
envolve a atividade de menos e mais primitivas regiões do cérebro.
É nesta condição de Cérebro Não que respondemos a uma ameaça
ou nos preparamos para um ataque iminente. Como resultado,
tornamo-nos intensamente reativos, defensivamente preocupados
com a possibilidade de cometermos erros ou de que a curiosidade
nos possa trazer algum problema. E esta condição pode até evoluir
para a ofensa, impedindo muitas vezes novos conhecimentos e
repelindo a participação dos outros. Atacar e rejeitar são as duas
formas de um Cérebro Não lidar com o mundo. O olhar de um
Cérebro Não sobre o mundo manifesta-se pela teimosia, ansiedade,
competição e ameaça, deixando-o muito menos habilitado para
lidar com situações difíceis ou conseguir um pleno conhecimento
de si próprio ou dos outros.
As crianças que enfrentam o mundo com um Cérebro Não ficam
dependentes da sua sorte e dos seus sentimentos. Ficam presas às
suas emoções, incapazes de as alterar, queixando-se da sua
realidade em vez de encontrar formas saudáveis de lidar com ela.
Ficam preocupadas, muitas vezes de forma obsessiva, por
enfrentarem algo novo ou cometerem um erro, em vez de tomarem
decisões com a abertura de espírito e curiosidade de um Cérebro
Sim. A teimosia comanda o quotidiano de alguém com um Cérebro
Não.
Será que alguma destas situações lhe faz lembrar o seu ambiente
em casa? Se tem filhos, é provável que sim. A verdade é que todos
caímos num Cérebro Não – tanto as crianças como os adultos.
Sermos rígidos e/ou reativos uma ou outra vez é algo que não
podemos evitar por completo. Mas conseguimos compreendê-lo.
Assim, quando os nossos filhos se esquecem, podemos encontrar
formas de os ajudar a usar mais rapidamente o Cérebro Sim. E,
mais importante ainda, podemos dar-lhes as ferramentas para que
sejam eles próprios a consegui-lo. As crianças mais novas agem
mais vezes com um Cérebro Não do que as crianças mais velhas e
os adultos. Um Cérebro Não aparentemente omnipresente é típico
e normal no desenvolvimento de uma criança de 3 anos – como
quando grita furiosamente porque a sua harmónica se molhou,
ainda que tenha sido ela a deitá-la no lavatório cheio de água. Mas
com o tempo, e à medida que o desenvolvimento prossegue,
podemos ajudar os nossos filhos a desenvolver a capacidade de se
controlarem, de recuperarem das dificuldades, de compreenderem
as suas próprias experiências e serem atenciosos para com os
outros. Dessa forma, cada vez mais, o “não” passa a “sim”.
Agora pense nisso por um momento. Como é que a vida em sua
casa poderia mudar se os seus filhos respondessem melhor às
situações do quotidiano – conflitos com irmãos, momento de
desligar equipamentos eletrónicos, cumprimento de regras,
discussões por causa dos trabalhos de casa, conflitos por causa da
hora de deitar – com um Cérebro Sim em vez de um Cérebro Não?
O que mudaria se eles fossem menos rígidos e teimosos e
conseguissem controlar-se melhor quando as coisas não correm
como desejam? E se estivessem mais recetivos a novas
experiências em vez de as recearem? E se tivessem mais
consciência dos seus próprios sentimentos e fossem mais
atenciosos e empáticos para com os outros? Não seriam muito
mais felizes? Não seria toda a família muito mais feliz e tranquila?
Como é que a vida em
sua casa mudaria se os
seus filhos fossem
capazes de responder às
situações do quotidiano
com um Cérebro Sim em
vez de reagirem com um
Cérebro Não?
É para isso que este livro serve: para ajudar a desenvolver um
Cérebro Sim nos seus filhos, concedendo-lhes o espaço, a
oportunidade e as ferramentas para se transformarem em pessoas
abertamente comprometidas com o seu mundo, sendo plenamente
autênticos e conscientes de si próprios. É assim que ajudamos as
crianças a desenvolver a resistência mental e a resiliência.
Incentivar um Cérebro Sim não é ser permissivo
Sejamos claros desde o início quanto àquilo que um Cérebro Sim
não é. Agir de acordo com um Cérebro Sim não é dizer sempre que
sim aos seus filhos. Não se trata de ser permissivo, de desistir, de
os proteger das desilusões ou de os resgatar de situações difíceis.
E também não se trata de educar uma criança submissa, que
obedece automaticamente aos pais sem pensar por si própria. Pelo
contrário, trata-se de ajudar as crianças a perceberem quem são,
quem podem vir a ser, fazendo com que sejam capazes de
ultrapassar as desilusões e os fracassos e escolher uma vida plena
de relacionamentos e de significado. Nos capítulos 2 e 3 veremos
como é importante fazer com que as crianças percebam que as
frustrações e os insucessos fazem parte da vida – e apoiá-las
enquanto aprendem essa lição.
Na verdade, o que resulta de um Cérebro Sim não é uma pessoa
que está sempre feliz ou que nunca tem problemas ou sentimentos
negativos. Definitivamente, não é isso. Não é esse o objetivo da
vida, nem isso é possível. O Cérebro Sim não conduz a uma
espécie de perfeição ou de paraíso, mas à capacidade de sentir
alegria e dar um sentido à vida mesmo perante os desafios.
Permite às pessoas criarem raízes e compreenderem-se a si
próprias, tornarem-se flexíveis na aprendizagem e na adaptação e
traçarem um objetivo. Faz com que aprendam não só a ultrapassar
situações difíceis, mas a sair delas ainda mais fortes e sensatas. É
a forma de dar um sentido à vida. Com um Cérebro Sim
conseguirão igualmente lidar com a sua vida interior, com os outros
e com o mundo. É disso que falamos quando nos referimos a uma
vida plena de relacionamentos e de autoconhecimento.
Agir de acordo com um
Cérebro Sim não é dizer
sempre que sim aos seus
filhos. Não se trata de ser
permissivo, de desistir,
de os proteger das
desilusões ou de os
resgatar de situações
difíceis. Pelo contrário,
trata-se de os ajudar a
perceber quem são e
quem podem vir a ser, de
os ajudar a ser capazes
de ultrapassar as
derrotas e escolher uma
vida plena de sentido.
Quando as crianças e os adolescentes também conseguem
desenvolver a capacidade de se acalmarem – aprendendo a
aptidão de voltar a reagir com um Cérebro Sim depois de terem
reagido com um Cérebro Não –, conseguimos transmitir-lhes um
importante elemento de resiliência. Na Grécia Antiga usavam um
termo para designar este tipo de felicidade assente no significado,
nas ligações, e numa satisfação serena. Chamavam-lhe
eudaimonia, e é um dos mais poderosos e duradouros presentes
que podemos dar aos nossos filhos. Ela ajuda-nos a prepará-los
para o tipo de vida bem-sucedida que aspiramos para eles,
permitindo-lhes amadurecer a sua própria identidade enquanto os
ajudamos a adquirir competências ao longo do caminho. E, claro,
desenvolvendo o nosso próprio Cérebro Sim.
Há que admiti-lo: não há dúvida de que as crianças estão a
crescer num mundo controlado por um Cérebro Não. Pense num
comum dia de escola, cheio de regras e regulamentos, testes
normalizados, rotinas de memorização e procedimentos
disciplinares iguais para todos. Uau! E têm de lidar com isso seis
horas por dia, cinco dias por semana, durante nove meses?
Caramba! Para além disso, considere os horários compactos que
muitos de nós lhes impomos, cheios de aulas de “enriquecimento”
e explicações particulares e outras atividades, que os mantêm
acordados até muito tarde, fazendo com que percam horas de sono
porque têm de terminar os trabalhos de casa que não tiveram
tempo de fazer durante o dia por estarem demasiado ocupados a
“enriquecer-se”. Quando a isto acrescentamos a forma como os
conteúdos digitais se tornaram atrativos, com estímulos sonoros e
visuais que absorvem a atenção das nossas crianças 24 horas por
dia num prazer efémero a que os Gregos chamavam hedonia,
somos levados a perceber que cultivar um Cérebro Sim é
especialmente importante nestes tempos modernos, de forma a
conferir aos nossos filhos uma verdadeira e duradoura felicidade no
sentido da eudaimonia, relacionamento e tranquilidade.
Muitas vezes, estas distrações digitais e os horários preenchidos
são experiências que impedem – e por vezes até minam – a
ativação do pensamento de um Cérebro Sim. Algumas podem, de
facto, proporcionar experiências enriquecedoras e outras podem
ser verdadeiramente nocivas (embora não estejamos convencidos
da verdadeira necessidade de algumas práticas educacionais
geralmente aceites, como evidencia o trabalho inspirador realizado
tanto nos EUA como em outras partes do mundo por educadores
que vêm desafiando a norma no domínio dos trabalhos de casa,
horários das aulas e disciplina.) Sim, é verdade que as crianças
precisam de aprender a gerir rotinas, a cumprir um calendário e a
completar tarefas que não são propriamente agradáveis ou
divertidas. Iremos repetir esta ideia ao longo do livro. A questão é
que se pensarmos no número de horas diárias que uma criança
passa a fazer trabalhos próprios de um Cérebro Não, ou
empenhada em atividades características de um Cérebro Não,
torna-se muito mais importante que nos esforcemos para lhes
proporcionar, sempre que possível, interações próprias de um
Cérebro Sim. Queremos que o lar se torne um local onde a
abordagem do “sim” é consistentemente enfatizada e prioritária.
Uma outra questão sobre o que não é um Cérebro Sim: não se
trata de colocar mais pressão sobre os pais para que sejam
perfeitos ou evitem sempre contrariar os filhos. Na verdade, a ideia
aqui é mesmo que haja um pouco de descontração. Tal como os
seus filhos não têm de ser perfeitos, você também não. Livre-se de
algumas tensões. Envolva-se emocionalmente com eles tanto
quanto possível, ao mesmo tempo que permite que eles se
desenvolvam, apoiando-os ao longo do caminho.
Se pensarmos no número
de horas diárias que uma
criança passa a fazer
trabalhos próprios de um
Cérebro Não, ou
empenhada em
atividades características
de um Cérebro Não,
percebemos como é
importante esforçarmo-
nos para lhes
proporcionarmos, sempre
que possível, interações
próprias de um Cérebro
Sim.
Se já conhece os nossos livros O Cérebro da Criança e Disciplina
Sem Dramas, percebe de imediato que O Cérebro Sim é a
continuação e o aprofundar do que falámos antes. Estes três livros
centram-se na convicção de que o cérebro das nossas crianças – e
consequentemente as suas vidas – é significativamente
influenciado pelas suas experiências, incluindo a forma como
comunicamos com elas, que modelo representamos e o tipo de
relação que com elas desenvolvemos. Em O Cérebro da Criança
explicámos a importância de promover intencionalmente a
integração, tanto no cérebro dos nossos filhos como nos seus
relacionamentos, permitindo-lhes ser ao mesmo tempo
autoconfiantes e relacionarem-se genuinamente com as pessoas
que os rodeiam. Em Disciplina Sem Dramas dedicámo-nos a
perceber a mente dos nossos filhos através dos seus
comportamentos, desmontando as componentes das suas ações e
compreendendo que as questões de disciplina são oportunidades
para os ensinar a desenvolver competências.
Neste livro aprofundamos esses conceitos e aplicamo-los na
tentativa de perceber qual é o tipo de experiência global que
pretendemos que os nossos filhos tenham na sua interação com o
mundo. Nas páginas seguintes vamos concentrar-nos em transmitir
novas formas de pensar num Cérebro Sim e desenvolvê-lo em cada
criança, para que elas possam libertar o seu esplendor único, fazê-
lo crescer e expandir-se, ao mesmo tempo que iluminam e
reforçam a consciência que têm de si próprias e do mundo que as
rodeia. Vamos apresentar-lhe algumas das mais recentes e
pioneiras pesquisas científicas relativas ao cérebro e ajudá-lo a
aplicar esses conhecimentos na sua relação com os seus filhos.
Embora muitos dos conceitos que lhe vamos apresentar nestas
páginas possam representar uma mudança naquilo que pensa e na
maneira como age enquanto progenitor, requerendo mesmo
alguma prática para implementar algumas dessas mudanças,
outras há que vai poder começar a pôr em prática desde já, hoje
mesmo, para fazer a diferença no desenvolvimento dos seus filhos
e no relacionamento que tem com eles. Basta perceber alguns
princípios de um Cérebro Sim para o ajudar a sobreviver aos
desafios do aqui e agora diário que enfrenta como progenitor – as
derrotas, as batalhas por causa do tempo passado em frente aos
ecrãs e da hora de ir dormir, o medo de falhar ou das novas
experiências, as irritações por causa dos trabalhos de casa, o
perfecionismo rígido, a teimosia, os conflitos entre irmãos – ao
mesmo tempo que o ajudamos a desenvolver competências de
longo prazo nas suas crianças, que lhes permitam levar vidas
intensas e interessantes.
A propósito, ao longo do livro iremos dirigir-nos aos pais, mas
tudo o que aqui dissermos adequa-se a todos os que gostam e
cuidam de crianças. Destina-se a avós, professores, terapeutas,
treinadores e muitos outros incumbidos da grande e compensadora
responsabilidade de ajudar as crianças a crescer plenamente
confiantes em si próprias. É gratificante saber que há tantos
adultos que gostam de crianças a trabalhar em conjunto para as
orientar nas suas vidas, e que podem ajudar a apresentar-lhes os
princípios do Cérebro Sim.
O cérebro “moldável” integrado
O que dissemos até agora e o que vamos abordar ao longo do
livro é baseado nos últimos estudos sobre o cérebro. A lente
científica através da qual estes desafios parentais são analisados é
a neurobiologia interpessoal (NBIP), uma visão multidisciplinar
baseada em pesquisas realizadas em diferentes regiões do globo. O
Dan é o editor fundador da Série Norton sobre Neurobiologia
Interpessoal, uma extensa biblioteca profissional com mais de 50
volumes com dezenas de milhares de referências científicas; por
isso, se for tão obstinado como nós e pretende entusiasmar-se com
a ciência pura e dura por trás destas ideias, estas obras são do
melhor que pode consultar. Mas não precisa de ser um
neurobiólogo para perceber alguns princípios da NBIP que podem
melhorar a sua relação com os seus filhos a partir deste momento.
O foco na neurobiologia interpessoal é precisamente aquilo que o
próprio nome indica: a neurobiologia vista de uma perspetiva
interpessoal. Simplificando, a NBIP debruça-se sobre a forma como
a nossa mente, o nosso cérebro e os nossos relacionamentos
interagem e nos condicionam. Pode pensar nisto como “o triângulo
do bem-estar”.
Os estudos da NBIP focam-se no interior do cérebro de uma
pessoa, bem como nas relações que emergem entre os cérebros
das diferentes pessoas ao interagirem umas com as outras.
Talvez o conceito-chave que guia a NBIP seja a integração, que
resume o que acontece quando partes diferenciadas trabalham
juntas como um todo coordenado. O cérebro é composto por várias
partes, cada uma com diferentes funções: os hemisférios esquerdo
e direito; as partes superior e inferior do cérebro; neurónios
sensoriais, centros de memória, e muitos outros circuitos
encarregados de funções como a linguagem, as emoções e a
coordenação motora; e assim por diante. Estas diferentes partes do
cérebro têm as suas próprias responsabilidades, as suas próprias
tarefas a desempenhar. E quando trabalham juntas como uma
equipa, como um todo coordenado, o cérebro torna-se integrado,
para conseguir concretizar mais e de forma mais eficaz do que
conseguiria se as partes que o integram funcionassem
separadamente. É por isso que temos vindo a falar ao longo dos
anos em parentalidade para um cérebro integrado: queremos
ajudar as crianças a desenvolver e integrar o seu cérebro, para que
as suas diferentes regiões se tornem mais ligadas, quer
estruturalmente (ou seja, a forma como se ligam fisicamente
através dos neurónios) quer funcionalmente (ou seja, a forma
como trabalham, ou funcionam, em conjunto). Tanto a integração
estrutural como a funcional são a chave para o bem-estar geral de
um indivíduo.
As mais recentes pesquisas neurocientíficas confirmam a
importância de um cérebro integrado. Possivelmente já ouviu falar
do Projeto Conetoma Humano, um estudo apoiado pelo NIH
(National Institutes of Health)1, que junta biólogos, médicos,
cientistas informáticos e físicos num vastíssimo estudo do cérebro
humano. Uma das descobertas-chave do projeto, no âmbito do
qual foram analisados mais de 20 mil cérebros humanos saudáveis,
é especialmente relevante para o que aqui estamos a tratar.
Quando pensamos em todos os objetivos que uma pessoa
ambiciona na vida – felicidade, saúde física e mental, carreira e
estudos académicos bem-sucedidos, satisfação nos
relacionamentos, etc. – a primeira condição para atingir esses
resultados positivos é ter um cérebro integrado que revele o quão
interligado está o conetoma, ou seja, a forma como as diferentes
áreas do cérebro estão ligadas umas às outras. Por outras palavras,
se quer ajudar os seus filhos a crescer como alguém que é capaz
de dar sentido à vida e ter sucesso no futuro, não há realmente
nada mais importante do que ajudá-los a desenvolver um cérebro
integrado. Temos vindo a escrever sobre formas práticas de o
conseguir, e é também esse o assunto deste livro. Enquanto pais –
ou enquanto avós, professores ou profissionais de saúde – têm a
oportunidade de dar à criança que amam experiências que gerem
essas importantes ligações no seu cérebro. Todas as crianças são
diferentes e não há uma solução que se adeque a todos os casos,
mas com esforço e intencionalidade conseguirá criar um espaço na
vida dos seus filhos que os ajude a ligar as diferentes regiões do
cérebro, quer estruturalmente quer funcionalmente, para que essas
regiões possam comunicar e colaborar umas com as outras de
forma a produzir estes efeitos positivos.
Se quer ajudar os seus
filhos a crescer como
alguém que é capaz de
dar sentido à vida e ter
sucesso no futuro, não há
realmente nada mais
importante do que ajudá-
los a desenvolver um
cérebro integrado.
Um Cérebro Sim é o resultado de um cérebro integrado em
funcionamento, que promove o desenvolvimento de ligações
estruturais integradas no próprio cérebro. Quando promove um
Cérebro Sim nas suas interações com os seus filhos, está a reforçar
a capacidade de eles desenvolverem um cérebro mais integrado.
E é fácil perceber porque é que a integração é tão importante.
Usamos o acrónimo FACES para descrever as características de um
cérebro integrado.

Um cérebro integrado interligado, no qual as diferentes partes


trabalham juntas como um todo coordenado e equilibrado, é mais
flexível, adaptável, coerente, enérgico e sólido, no sentido de
estável. Consequentemente, uma criança com um cérebro
integrado conseguirá controlar-se melhor quando as coisas não
correm à sua maneira. Em vez de responder aos outros a partir de
uma posição de reatividade, em que fica à mercê das
circunstâncias e das suas emoções, ela estará mais apta a reagir
com uma atitude de recetividade, disposta a e capaz de decidir
como quer responder às diferentes situações e desafios. É assim
que as crianças desenvolvem o autoconhecimento e uma bússola
interior para as guiar, com objetivos e motivação própria.
Essa é a mentalidade de um Cérebro Sim, e é possível perceber
porque é que leva as crianças a tomarem melhores decisões, a
relacionarem-se melhor com os outros e a compreenderem-se
melhor a si próprias.
Uma razão-chave, que conduz ao desenvolvimento de níveis mais
altos de integração, é o facto de o cérebro ser flexível, ou
maleável, e de se alterar com base nas nossas experiências. Este
conceito é conhecido por neuroplasticidade e refere-se ao facto de
não ser apenas a mente de uma pessoa ou a sua forma de pensar
que muda ao longo da sua vida. Claro que isso acontece, também,
mas a neuroplasticidade é muito mais do que isso. É a própria
arquitetura física do cérebro que se adapta a novas informações,
reorganizando-se e criando novos caminhos neurais baseados
naquilo que a pessoa vê, ouve, toca, pensa, pratica, etc. Tudo
aquilo a que prestamos atenção, tudo o que enfatizamos nas
nossas experiências e interações, cria novos elos de ligação no
cérebro. Se alguma coisa chama a nossa atenção, faz disparar um
conjunto de neurónios. E quando os neurónios disparam em
conjunto (quando se ativam em simultâneo), geram-se novas
ligações (como se criassem uma nova instalação elétrica).

A neuroplasticidade leva a algumas questões muito importantes


que os pais têm relativamente aos tipos de experiências que
proporcionam aos filhos. Como os pais têm a capacidade de –
através de onde e de como dirigem a atenção dos filhos – construir
e fortalecer ligações importantes nos seus cérebros, é crucial que
pensem nessas experiências e no tipo de ligações que estão a
ajudar a estabelecer nos seus jovens cérebros. Sempre que
dirigimos a atenção, os neurónios funcionam. Em modo de Cérebro
Sim, quando os neurónios funcionam, funcionam de forma
construtiva, alterando e integrando o cérebro.
Ou seja, quando está a ler com o seu filho e lhe pergunta porque
é que achas que isso deixou a menina triste está a dar-lhe a
oportunidade de construir e reforçar a empatia e o circuito do
envolvimento social no seu cérebro. Apenas por dar ênfase a essa
emoção particular está a construir o circuito do autoconhecimento.
Ou quando conta anedotas ou lança adivinhas, está a dar atenção
ao humor e à lógica, ajudando o seu filho a desenvolver esses
aspetos dentro dele. Da mesma forma, expondo o seu filho à
humilhação tóxica e ao criticismo excessivo, quer seja da sua parte
ou da parte de um professor, explicador ou de outra pessoa
qualquer, isso criará caminhos neurais que irão afetar a sua
autoestima. Esse estado de Cérebro Não que surge das interações
consigo também fará o cérebro desenvolver-se – mas aí não estará
a desenvolver-se de forma integrada.
A escolha é sua: Cérebro Sim ou Cérebro Não? Tal como um
jardineiro usa um ancinho, ou um médico um estetoscópio, um
progenitor pode usar a ferramenta da atenção para ajudar a
desenvolver e ligar partes importantes do cérebro da criança. É
assim que pode guiar o crescimento do seu filho em direção à
integração.
Da mesma forma, quando negligencia algumas componentes do
desenvolvimento do seu filho, essas componentes do cérebro
podem ser “podadas” – podem ficar subdesenvolvidas e até
definhar e morrer. Isto significa que se as crianças não passarem
por determinadas experiências, ou se a sua atenção nunca for
dirigida para um determinado tipo de informação, podem perder o
acesso a essas capacidades, especialmente durante a adolescência.
Se, por exemplo, o seu filho nunca ouviu falar de generosidade e
de dádiva, a parte do seu cérebro responsável por essas funções
pode deixar de se desenvolver em pleno. E o mesmo se passa se
não lhe for proporcionado tempo livre para brincar, ser curioso e
explorar. Esses neurónios não conseguirão funcionar, e a integração
necessária que conduz à prosperidade não ocorrerá da mesma
forma.
Algumas destas capacidades poderão ser adquiridas mais tarde
na vida, com esforço e determinação, mas é preferível oferecer
essas experiências que desenvolvem o cérebro logo na infância ou
na adolescência, altura em que podem crescer. Como iremos
explicar uma e outra vez ao longo do livro, aquilo que faz ou que
deixa de fazer conta, e aquilo a que dá ou deixa de dar atenção vai
ter impacto naquilo em que o seu filho se irá tornar.
Outros fatores, como o temperamento ou diferentes variáveis
congénitas, também são importantes quando se trata de traçar o
desenvolvimento da estrutura e funcionamento do cérebro. Os
genes podem desempenhar um papel importante no desenho do
cérebro e, consequentemente, no comportamento de cada criança.
Mas também podemos influenciar as nossas crianças de forma
significativa através das experiências que lhes proporcionamos,
mesmo perante diferenças congénitas que fogem ao nosso
controlo. Isto significa que estar em sintonia com as
particularidades do seu filho para descobrir qual o tipo de
experiências de que ele precisa, e ajudá-lo a concentrar-se de
acordo com o seu temperamento individual, são maneiras
importantes de o auxiliar a criar novos desenvolvimentos do
cérebro. A experiência molda o desenvolvimento das ligações no
cérebro – na infância, na adolescência, e ao longo da nossa vida
adulta!
Os quatro princípios de um Cérebro Sim
Se já leu os nossos livros anteriores, sabe que falamos muito de
construir o que designamos por cérebro do andar de cima. É óbvio
que o cérebro é excecionalmente complexo, pelo que simplificámos
este conceito particular comparando o desenvolvimento do cérebro
de uma criança a uma casa em construção, com rés-do-chão e
primeiro andar. O rés-do-chão representa as partes mais primitivas
do cérebro – o tronco cerebral e o sistema límbico – situadas nas
regiões inferiores do cérebro, que vão do cimo do pescoço até à
cana do nariz. Chamamos-lhe o cérebro do andar de baixo, sendo
responsável pelas nossas principais operações mentais e neurais,
incluindo as emoções fortes, instintos e funções básicas como a
digestão ou a respiração. O cérebro do andar de baixo funciona de
forma muito rápida, sendo que a maior parte das vezes não temos
consciência de que está a fazer o seu trabalho. Muitas vezes faz
com que sejamos reativos em determinada situação, agindo sem
pensar, já que é lá em baixo que estes processos automáticos
instintivos e de ordem inferior têm lugar.
Quando nascemos, a parte inferior do nosso cérebro já está
bastante bem desenvolvida. Por sua vez, o cérebro do andar de
cima é a parte da casa que continua maioritariamente em
construção, e que é responsável por um pensamento mais
complexo, pelas competências emocionais e de relacionamento. É
construída a partir do córtex cerebral, que é a camada mais
externa do cérebro, logo atrás da testa, continuando em direção à
parte de trás da cabeça como uma meia cúpula que cobre o
cérebro do andar de baixo. O cérebro do andar de cima permite-
nos planear antecipadamente, avaliar as consequências, resolver
problemas difíceis, considerar várias perspetivas e desempenhar
outras atividades cognitivas complexas associadas a uma função
executiva. A maior parte do que vivemos conscientemente no
nosso quotidiano, embora não tudo, é resultado de processos
mentais complexos do cérebro do andar de cima.
O cérebro do andar de cima vai evoluindo à medida que a criança
cresce e amadurece. Na verdade, só quando uma pessoa chega
perto dos 25 anos é que a construção do cérebro do andar de cima
fica completa. Se quer uma razão para ser paciente com o seu filho
quando ele se está a portar mal, ou a ser de alguma forma
irracional, basta esta: o seu cérebro ainda não está completamente
formado e ele é, pelo menos em algumas ocasiões, literalmente
incapaz de controlar as emoções e o corpo. Nesses momentos, ele
está a agir com o cérebro do andar de baixo, que é como o de um
réptil primitivo. E é aqui que entra o papel do progenitor. Um dos
seus principais papéis como cuidador desta criança é alimentá-la e
amá-la enquanto a ajuda a construir e a fortalecer o seu cérebro
do andar de cima. De certa forma, assume o papel do cérebro do
andar de cima até que o dela esteja completamente formado. Ao
longo deste processo pode ajudar a moldar o cérebro do seu filho,
integrando-o e proporcionando-lhe experiências de um Cérebro
Sim, que desenvolvem as diferentes funções do cérebro do andar
de cima e o ajudam a equilibrar as funções do cérebro do andar de
baixo.
Se quer uma razão para
ser paciente com o seu
filho quando ele se está a
portar mal ou a ser de
alguma forma irracional
basta esta: o cérebro dele
ainda não está
completamente formado
e ele é, pelo menos em
algumas ocasiões,
literalmente incapaz de
controlar as emoções e o
corpo.
Faz ou não sentido que queira ajudar a desenvolver a parte do
cérebro do seu filho que lhe permitirá ser uma pessoa razoável,
carinhosa, resiliente e responsável? Isso é o que o cérebro do
andar de cima faz. Para sermos mais específicos, há uma secção do
cérebro do andar de cima, o córtex pré-frontal (CPF) que é
responsável por praticamente todos os comportamentos que
esperamos de um ser humano maduro e carinhoso com um
Cérebro Sim ativo: flexibilidade e capacidade de adaptação, tomada
de decisões e planeamento, controlo do corpo e das emoções,
autoconhecimento, empatia e integridade. São estes os
comportamentos que resultam de um córtex pré-frontal (CPF)
completamente formado e altamente funcional e são a essência da
inteligência social e emocional. Quando o CPF de uma pessoa está
a desempenhar o seu papel, quando origina a integração, essa
pessoa está feliz e ligada e sente-se confortável no mundo. É o que
origina o tipo de felicidade da eudaimonia, permitindo uma vida
plena de significado, relacionamentos e equanimidade. Essa pessoa
encara o mundo com a perspetiva de um Cérebro Sim.
Como irá perceber nos capítulos seguintes, pegámos na lista de
comportamentos que emergem de um CPF integrado e
simplificámo-la naquilo que chamamos os Quatro Princípios de um
Cérebro Sim:
Quando o Córtex Pré-frontal e as áreas que o integram se
empenham e fazem o seu trabalho, o Cérebro Sim emerge
conforme ajudamos e incentivamos a criança a crescer e a
desenvolver-se tal como é. Tendo sempre o cuidado de permitir
que cultive a sua identidade e temperamento próprios, ensinamos-
lhe as capacidades e competências que a poderão ajudar ao longo
da vida. Estes quatro princípios são as ramificações que emergem
de um cérebro do andar de cima empenhado e integrado.
Por exemplo, quando percebemos que a criança tem dificuldade
em lidar com emoções fortes, ajudamo-la a construir a
competência do equilíbrio, ou seja, a controlar o seu corpo e as
suas emoções e a tomar decisões acertadas, mesmo quando se
sente perturbada. Ou se ela tem geralmente dificuldade em ser
persistente quando enfrenta circunstâncias adversas, podemos
trabalhar com ela, ensinando-a ser mais resiliente. Ao conseguir
um maior equilíbrio e mais resiliência, ela sente-se mais apta a
desenvolver o discernimento necessário para se compreender
genuinamente a si própria e às suas emoções, ou seja, para poder
decidir realmente aquilo por que se interessa e o que quer vir a ser.
É essa a essência do que designamos por bússola interior. Daí que
o quarto princípio de um Cérebro Sim seja a empatia, em que a
criança usa esses pontos fortes e a perceção para melhor
compreender e se preocupar consigo e com os outros e agir de
forma decente e ética. Como iremos explicar no capítulo 5, usamos
aqui o termo genérico “empatia”, com o seu amplo leque de
significados científicos, incluindo o sentir as emoções dos outros
(ressonância emocional), imaginar o ponto de vista do outro
(perspetivar), compreender o outro (empatia cognitiva), partilhar a
felicidade do outro (alegria empática), e uma preocupação solidária
e atenta com o propósito de ajudar (empatia compassiva).
Qualquer um destes quatro princípios é uma competência a
aprender e cada passo sucessivo em direção a uma visão global de
um Cérebro Sim deixa os seus filhos mais perto de viverem uma
vida plena de equilíbrio, resiliência, discernimento e empatia.
É preciso, no entanto, perceber que este processo é cíclico. Um
Cérebro Sim conduz a maior equilíbrio, resiliência, discernimento e
empatia numa criança. Assim, à medida que trabalhamos para
encorajar e promover esses princípios, a abordagem de um
Cérebro Sim ao mundo é reforçada, promovendo, uma vez mais,
um maior equilíbrio, resiliência, discernimento e empatia. É um
processo constante orientado para o crescimento que conduz a
resultados cada vez melhores no seu filho. Isto revela, em grande
medida, uma descoberta fascinante da ciência: a integração gera
mais integração. A interação de um Cérebro Sim promove mais
comportamentos próprios de um Cérebro Sim. Quando, no seu
papel de progenitor, aprende a ficar atento a estas competências e
a desenvolver um Cérebro Sim, pode ter a feliz surpresa, como nós
e muitos dos que trabalham connosco tiveram, de esta nova
competência se reforçar positivamente a si própria. (Talvez já
tivesse chegado a essa conclusão e estivesse até a pensar oh, Dan
e Tina, isso é óbvio, não é preciso ter cérebro para perceber isso.
Mas nós diríamos antes que é preciso ter um Cérebro Sim!) Tendo
sempre em mente que o CPF e as outras partes do cérebro do
andar de cima continuam em construção, podemos então trabalhar
para sermos pacientes e prudentes, e não esperarmos mais do que
as crianças são capazes em termos de comportamento e
perspetiva.
Mas, ao proporcionar aos seus filhos experiências que os
encorajam a ser mais equilibrados, resilientes, perspicazes e
empáticos, estará a desenvolver, a fortalecer e a sustentar o seu
cérebro do andar de cima, preparando-os para uma vida de
sucesso a longo prazo. Ajudá-los-á a desenvolver um Cérebro Sim
forte com todos os benefícios que isso proporciona.
Lembre-se, cada um dos quatro princípios é uma capacidade que
o seu filho pode desenvolver com a prática e com a sua orientação.
Enquanto algumas crianças são naturalmente mais equilibradas,
resilientes, perspicazes e empáticas, o cérebro de cada criança
também é moldável e capaz de crescer e de se desenvolver
baseando-se nas experiências integradas a que a criança foi
sujeita. Assim, vamos apresentar-lhe a informação básica sobre
cada um dos princípios, bem como cada medida prática que pode
adotar para ajudar a promover e desenvolver essa capacidade
específica na vida do seu filho.
Encorajar um Cérebro Sim acarreta vantagens significativas,
tanto a curto como a longo prazo. O benefício mais imediato é o
facto de o seu papel enquanto progenitor se tornar mais fácil. Uma
criança que tenha desenvolvido uma maior capacidade de aceder
ao seu Cérebro Sim será não só mais feliz e mais interessada no
que a rodeia, como será também mais flexível, tornando-se mais
fácil trabalhar com ela, uma vez que a reatividade é substituída
pela recetividade (em breve falaremos mais deste aspeto).
É esse o benefício diário de proporcionar ao seu filho a
capacidade de ativar o Cérebro Sim: uma criança mais tranquila e
descontraída e um relacionamento progenitor-filho mais forte. O
benefício a longo prazo é que estará a construir e a integrar o
cérebro do andar de cima do seu filho e a ensinar-lhe competências
que ele vai usar ao longo da adolescência e na idade adulta. Afinal,
estes quatro princípios são a pedra de toque da eudaimonia de
uma vida saudável, feliz e autêntica.
No final de cada capítulo encontrará duas secções concebidas
para lhe facultar mais formas de pôr em prática as ideias
adquiridas ao longo desse capítulo. A primeira, “O Cérebro Sim
crianças”, é uma história de banda-desenhada pensada para o
ajudar a discutir com o seu filho as ideias desse princípio
específico. Recorremos a essa abordagem em outros livros e
ouvimos repetidamente pais, professores e médicos dizerem como
é útil poderem não só eles próprios processar a informação, mas
também transmiti-la às crianças. Por exemplo, depois de ler o
capítulo sobre resiliência, estará apto a ler a secção “O Cérebro Sim
crianças” com o seu filho, podendo debater juntos o que significa
enfrentar medos e superar obstáculos e como aplicar esses
conhecimentos no quotidiano.
O benefício mais imediato
de promover um Cérebro
Sim nos seus filhos é o
facto de o seu papel
enquanto progenitor se
tornar mais fácil. O
benefício a longo prazo é
que estará a construir e a
integrar o cérebro do
andar de cima do seu
filho e a ensinar-lhe
competências que ele vai
usar ao longo da
adolescência e na idade
adulta.
A segunda secção no final de cada capítulo chama-se “O Meu
Próprio Cérebro Sim”. Aqui terá a oportunidade de pensar nas
ideias de cada capítulo, não só enquanto progenitor que procura
compreender e transmitir competências importantes ao filho, mas
também como indivíduo que está interessado em crescer e
aprender ao longo da vida. Afinal de contas, o seu filho irá olhar
para si como exemplo a seguir. Como dizemos sempre às nossas
audiências, praticamente todas as ideias e técnicas que ensinamos
destinam-se tanto a crianças como a adultos. Isso não quer dizer
que tenha de ser sempre perfeito ou estar atento a tudo em cada
momento. Mas estabelecer uma melhor comunicação e desenvolver
qualidades de relacionamento, ser mais aberto e recetivo a novas
experiências, encontrar maior sentido na vida quotidiana, sentir-se
mais feliz e realizado – quem é que não o ambiciona? E isto é
exatamente o que proporciona um Cérebro Sim. Por isso, cada
capítulo terminará dando-lhe a oportunidade de pensar na sua
própria vida e nos benefícios de viver de uma forma ainda mais
resiliente, equilibrada, introspetiva e empática.
No final do livro vai encontrar a “Folha para o Frigorífico” do
Cérebro Sim, na qual fazemos um breve resumo das principais
ideias do livro. Pode copiar essa página e colocá-la na porta do
frigorífico, ou tirar uma fotografia com o telemóvel e recorrer a ela
quando precisar de recordar ideias-chave ou referir-se ao Cérebro
Sim em conversas com outras pessoas.
Tudo o que apresentamos nestas páginas é baseado na ciência.
Mas também percebemos que os pais andam geralmente
sobrecarregados e exaustos, debatendo-se frequentemente para
encontrar uns minutos aqui e acolá para comer, dormir e até ir à
casa de banho. Procurámos, por isso, tornar tudo o mais acessível
e simples possível, baseando-nos na ciência, mas juntando-nos a si
na qualidade de pais para tornar tudo mais direto, preciso e eficaz.
Sentimo-nos profundamente honrados por nos ter incluído nesta
difícil e gratificante viagem que é a parentalidade. Na verdade,
sentimos grande respeito e admiração por tudo o que enfrenta no
processo de educar os seus filhos e continuar a trabalhar
arduamente para o fazer de forma intencional e carinhosa, em vez
de se limitar a ligar o piloto automático e fazer o que via os seus
pais fazer. Esse tipo de intencionalidade carinhosa fará um longo
caminho até proporcionar aos seus filhos um Cérebro Sim,
ajudando-os a abordar a vida com honestidade, entusiasmo e
alegria.
1É a organização central de investigação médica do sistema de
saúde americano, composta por 27 institutos, cada um com o seu
programa específico, maioritariamente dedicados ao estudo de
doenças específicas ou sistemas do corpo humano (N. da T.)
CAPÍTULO 2
O Cérebro Sim: equilíbrio

Alex adorava ver o filho mais novo, Teddy, jogar futebol – desde
que tudo corresse bem. Se a equipa de Teddy estivesse a ganhar, e
se ele marcasse golos, era tudo fantástico. Mas quando ele falhava
um golo ou um passe, ou se a sua equipa perdesse, Teddy perdia o
controlo. Saltava-lhe a tampa, desperdiçando o papel integrador do
seu CPF do cérebro do andar de cima e permitindo ao seu cérebro
do andar de baixo tomar o controlo. Acontecia o mesmo sempre
que era substituído para que outras crianças pudessem jogar.
Continuava a correr para o campo e, por vezes, Alex tinha de o
agarrar para ele se manter fora das quatro linhas.
As reações de Teddy ao desapontamento eram de alguma forma
compreensíveis – afinal de contas só tinha 8 anos e era muito
competitivo. E as crianças de 8 anos por vezes têm dias difíceis em
que não lidam bem consigo próprias. O problema era que as
explosões de Teddy ocorriam com muita frequência, e em situações
que pareciam não incomodar as outras crianças da mesma idade.
Na verdade, Alex ficava imediatamente receoso assim que alguma
coisa corria mal quando Teddy estava a jogar. (E se já assistiu a
jogos de futebol com crianças de 8 anos, percebe que Alex tinha
muitas ocasiões para se sentir receoso!) Ele sabia que assim que a
equipa ficasse em desvantagem, ou se Teddy falhasse um passe ou
o árbitro lhe fizesse uma advertência, a ele ou à equipa, Teddy iria
começar a fazer beicinho, a chorar, chegando mesmo por vezes a
sair do campo, recusando-se a jogar.
Do que é que Teddy precisava naquele momento da sua vida?
Precisava de equilíbrio, o primeiro princípio que emerge de um
Cérebro Sim. A capacidade de se controlar – o que significa
equilibrar o corpo e as emoções – era diminuta, por isso não era
preciso muito para o destabilizar e o fazer perder o controlo.
Acreditamos que já teve, ocasionalmente, experiências
semelhantes com os seus próprios filhos, quando eles ficam
desequilibrados e sentem dificuldade em controlar as emoções e o
comportamento. Talvez já tenha visto os seus filhos a
comportarem-se como o Teddy quando as coisas não correm como
gostariam. Ou talvez tenham uma forma particular de lhe
demonstrar que não são capazes de se controlar. As crianças mais
novas, quando estão desequilibradas, fazem birras, atiram objetos,
agridem, dão pontapés ou mordem. Também se podem observar
alguns destes comportamentos em crianças mais velhas
desequilibradas, só que estas já sabem como irritar os pais
recorrendo aos seus conhecimentos de vocabulário e compreensão
da psicologia para os magoar com o que dizem. Outras crianças,
tanto mais novas como mais velhas, limitam-se a fechar-se ou a
esconder-se, quer literal quer simbolicamente, evitando
completamente os outros e sofrendo sozinhas.
A questão é que todas as crianças perdem o seu equilíbrio
emocional. Pode acontecer com maior ou menor frequência, mas
ser desequilibrado faz parte da infância. Na verdade, se lhe parece
que o seu filho nunca se irrita ou perde o controlo, então
possivelmente tem motivos para se preocupar. Algumas crianças
controlam rigorosamente as suas emoções de forma a nunca se
mostrarem impressionadas, e se persistirem neste comportamento
arriscam-se a bloquear emocionalmente a sensação de vitalidade
que resulta de uma vida afetiva equilibrada. A infância é o período
em que se aprende a experimentar uma ampla variedade de
emoções de vários de tipos e intensidades, e por vezes isso implica
necessariamente “perder o controlo”, porque a intensidade das
emoções sobrepõe-se à capacidade de pensar de forma clara. Bem-
vindo ao clube dos seres humanos!
A falta de equilíbrio e a reatividade frequente podem ter origem
em inúmeras fontes:
> Idade de desenvolvimento
> Temperamento
> Traumas
> Perturbações do sono
> Desafios das transformações sensoriais
> Questões clínicas e de saúde
> Perturbações cognitivas e de aprendizagem ou outras
desordens e discrepâncias
> Cuidadores indiferentes ou que potenciam as dificuldades
> Desfasamento entre as exigências do meio e a capacidade da
criança
> Perturbações de saúde mental
Estas causas de reatividade afetam as crianças a vários níveis,
mas mais uma vez os resultados são reconhecíveis: caos emocional
expresso em acessos de raiva – gritam, fingem, ultrapassam os
limites, apresentam ansiedade extrema – e/ou em desinteresse ou
rigidez na forma como se fecham, depressão e isolamento. Repare
em como este conjunto de respostas desequilibradas se assemelha
às duas margens da corrente de um rio de equilíbrio integrante: de
um lado o caos, do outro lado a rigidez. O equilíbrio dá-se
aprendendo a fluir por essa corrente de flexibilidade,
adaptabilidade, coerência (resiliência, com o tempo) energia e
estabilidade – as FACES da corrente de equilíbrio que resulta da
integração.
Há uma razão para o equilíbrio ser o primeiro dos quatro
fundamentos de um Cérebro Sim. De uma forma muito real, os
outros três fundamentos – resiliência, discernimento e empatia –
dependem todos da capacidade que a criança tem de apresentar
algum equilíbrio emocional e controlo. Na verdade, todas as lições
que pretendemos ensinar aos nossos filhos, a par dos resultados
que gostaríamos de ver – ligações fortes com familiares e amigos,
sono reparador, sucesso académico, e a sensação de felicidade na
vida – dependem do equilíbrio. Mais, quando as crianças estão fora
de si, não conseguem aprender. Não vale a pena tentar ensinar
uma criança quando ela está a fazer uma birra. Já dificilmente o
conseguirá ouvir, quanto mais seguir instruções ou tomar decisões
acertadas sobre como lidar com as suas próprias emoções.
Todas as lições que
pretendemos ensinar aos
nossos filhos, a par dos
resultados que
gostaríamos de ver –
ligações fortes com
familiares e amigos, sono
reparador, sucesso
académico, e a sensação
de felicidade na vida –,
dependem do equilíbrio.
Assim, uma das nossas
principais tarefas
enquanto pais,
independentemente da
idade das crianças, é
ajudá-las a serem mais
equilibradas.
Tentando simplificar o mais possível, o equilíbrio é crucial em
todos os aspetos do comportamento do seu filho. Quando uma
criança está desequilibrada e fora de controlo, qualquer que seja a
causa, o comportamento reativo pode tornar tudo mais stressante
e difícil para toda a gente – e especialmente para a própria criança.
Assim, uma das nossas principais tarefas como pais,
independentemente da idade dos filhos, é ajudá-los a serem mais
equilibrados recorrendo à “corregulação”. Isto implica apoiá-los
enquanto voltam a serenar, ao mesmo tempo que lhes
transmitimos competências que no futuro os vão ajudar a manter a
calma e a restabelecer a serenidade mais facilmente. Falemos
então de como o poderá fazer.
O equilíbrio é uma competência que se aprende
Apesar do seu comportamento descontrolado no campo de
futebol, Teddy não tem necessariamente uma perturbação de
humor ou comportamental que requeira uma intervenção
terapêutica de longo prazo ou a prescrição de medicamentos. E,
definitivamente, não precisa de uma resposta própria de um
Cérebro Não do seu pai, em que Alex o castiga ou o envergonha
por perder o controlo. Pelo contrário, Teddy precisa que o pai lhe
dê uma resposta típica de um Cérebro Sim, focada em ajudá-lo a
atingir o equilíbrio emocional, através do desenvolvimento de novas
competências que lhe permitam controlar-se.
Foi o que Tina explicou a Alex quando ele foi ao seu consultório.
Para algumas crianças, a intervenção de um profissional é
necessária e muito útil a fim de expandir a sua “janela de
tolerância” e desenvolver a sua capacidade de controlar o corpo e a
mente. “Janela de tolerância” é um termo que o Dan inventou para
definir qual o intervalo de ativação do cérebro em que funcionamos
bem. Para lá do limite máximo da janela a nossa mente torna-se
caótica. Abaixo do limite mínimo, tornamo-nos rígidos. Quando a
janela para uma certa emoção, como a tristeza ou a irritação, é
muito estreita, nesse estado emocional é fácil uma criança
descontrolar-se à mínima provocação. Com outra emoção, como o
medo, a mesma criança pode ser capaz de ter mais tempo de
tolerância antes de o seu comportamento se tornar caótico ou
rígido.
Há muitos fatores que podem fazer com que a janela de uma
determinada criança seja muito estreita. Por exemplo, o
comportamento do Teddy pode indiciar um distúrbio do
processamento sensorial, PHDA, um trauma passado, ou qualquer
outra coisa que possa estreitar a sua janela para a frustração.
Neste caso, pode precisar de apoio e de uma intervenção
profissional. Mas como Tina explicou a Alex, antes de mais, Teddy
teria de desenvolver as competências do autocontrolo. O seu
comportamento, como todos os comportamentos, era na verdade
uma forma de comunicação, e era como se ele estivesse a gritar –
ao seu pai e a todos os que o rodeavam no campo de futebol – que
ainda não adquirira as competências ou estratégias para se sentir
equilibrado e capaz de controlar as suas emoções e ações. Tina
trabalhou com Alex e Teddy para desenvolver algumas destas
competências reguladoras, ajudando-o a expandir a sua janela de
tolerância (como explicaremos a seguir).
Na verdade, o
comportamento é uma
forma de comunicação.
E isto é o que um Cérebro Sim significa realmente: a capacidade
de alcançar estabilidade emocional e controlar o corpo e a mente.
Ou seja, avaliar as nossas opções e tomar decisões acertadas –
sendo flexível. E isso implica ser capaz de voltar relativamente
depressa à estabilidade após momentos e sentimentos difíceis, a
base da serenidade. Ou seja, mantermos o controlo da mente, das
nossas emoções e comportamentos e reagir positivamente a
circunstâncias e emoções difíceis. Quando ocasionalmente
rebentamos a janela de tolerância, tal como a vida nos pode levar
a fazer, com o tempo acabaremos por recuperar o equilíbrio
emocional. É a isto que nos referimos quando falamos de equilíbrio.
Explicando de outra forma: uma criança com uma mente
equilibrada revela reações de flexibilidade. Em vez de perder o
controlo perante alguma circunstância que não lhe agrade, ela
adapta-se. Consegue parar para pensar na melhor forma de
responder à situação. Contrariamente a uma reação rígida e quase
involuntária às circunstâncias, a criança consegue compreender
que tem opções e que, com alguma flexibilidade, consegue tomar
decisões acertadas (dependendo, claro, da idade da criança e da
etapa do seu desenvolvimento). Não há absolutamente nada de
errado no facto de o Teddy revelar frustração, irritação e deceção.
Na verdade, é positivo e saudável que manifeste essas emoções.
Lembre-se de que uma vida com significado é uma vida com
sentimento. Porém, ele precisa de desenvolver as competências
para reagir de uma forma produtiva e saudável, apesar de
continuar a sentir as emoções. E um cérebro equilibrado é capaz
de sentir as emoções, expressá-las convenientemente, e depois
recuperar com flexibilidade, não lhes permitindo tomar o comando
e ditar as regras.
Quando as crianças são muito novas, não apresentam ainda o
desenvolvimento cerebral que lhes permite manter o equilíbrio
emocional de forma consistente. (Por alguma razão alguém
inventou a expressão “os terríveis dois”, a par de “os difíceis três” e
“os frustrantes quatro”.) E como o cérebro do andar de cima ainda
não está completamente desenvolvido, uma das nossas tarefas
enquanto mentores é usar o nosso próprio cérebro desenvolvido
para ajudar as crianças a recuperar o equilíbrio. É aqui que entra a
corregulação. Ajudamo-las a ficarem mais serenas sendo uma
presença reconfortante que lhes transmite segurança,
manifestando que estaremos sempre ao seu lado enquanto
durarem estas fortes emoções que as arrasam.
Iremos aprofundar esta ideia mais à frente e no capítulo 3 mas,
na verdade, a chave para ajudar os seus filhos quando eles ficam
fora de si é proporcionar-lhes essa presença carinhosa e
reconfortante. Na maior parte das vezes, as crianças portam-se mal
porque naquela altura não conseguem controlar o corpo nem as
emoções e não porque não o queiram. Por isso, antes de começar
a dar-lhes lições ou a transmitir-lhes verbalmente o que pretende
delas ou o que devem ou não fazer, elas precisam que as ajude a
recuperar o equilíbrio. Pode fazer isso através da ligação –
abraçando-as, reconfortando-as, ouvindo-as, compreendendo-as e
ajudando-as a sentirem-se seguras e amadas. É assim que
recuperam o equilíbrio. Nessa altura, e só nessa altura, faz sentido
falar-lhes de qual o comportamento apropriado ou de como devem
controlar-se melhor no futuro.
Lembre-se de que as crianças não gostam de sentir que
perderam o controlo. Sentirem-se descontroladas é assustador para
elas. Nós podemos ajudá-las a recuperar o equilíbrio emocional.
Quando não contam com a nossa ajuda, podem ter de se
confrontar com os seus próprios descontrolos emocionais intensos
e stressantes. É nessas alturas que somos muitas vezes
confrontados com as terríveis birras: “A minha bolacha em forma
de peixe partiu-se e é a pior coisa que já me aconteceu na Vida!
Cola-a! Cola-a!” Este tipo de resposta reativa e intensa é própria de
uma certa idade. Mas à medida que as crianças crescem e se
desenvolvem, podemos fazer com que experimentem uma série de
emoções em segurança, mesmo emoções intensas, ajudando-as a
recuperar o equilíbrio emocional de uma forma flexível, para que
aproveitem os benefícios de um Cérebro Sim.
O equilíbrio e a zona verde
Eis uma boa forma de refletir sobre a janela de tolerância. É
possível que se lembre de ter aprendido há muito tempo, nas aulas
de ciências, acerca do sistema nervoso autónomo. Existem dois
ramos do sistema nervoso que estão mais desenvolvidos – o
sistema nervoso simpático (que funciona como o pedal do
acelerador para nos animar e amplificar a nossa excitação física e
emocional, bem como aumentar o nosso ritmo cardíaco, a cadência
respiratória e a tonificação muscular que nos permite levantar e
mover) e o sistema nervoso parassimpático (que funciona mais
como um travão para nos acalmar e acalmar a excitação do nosso
sistema nervoso, permitindo-nos respirar mais calmamente e
descontrair os músculos). Quando estamos num ambiente seguro
estes dois ramos interagem de modo fluido, o que diz muito sobre
os nossos diferentes estados ao longo do dia. Quando fica cheio de
sono durante a reunião da tarde o seu sistema parassimpático está
mais ativo, e quando se sente frustrado e tenso por estar preso no
trânsito no regresso a casa, ou quando se zanga com os seus
filhos, é o seu sistema simpático que está a funcionar. O cientista
Stephen Porges desenvolveu o que denominou de Teoria Polivagal
para explicar como a excitação do nosso sistema nervoso tem
impacto no nosso corpo e nos sistemas que regulam as nossas
relações sociais.
Aqui fica um modelo simples que explica visualmente a ideia.
Muitos analistas usaram múltiplas variações deste tipo de modelo,
que, na sua forma mais simples, se concentra em três zonas que
podem influenciar o seu filho num dado momento.
Quando os dois ramos do sistema nervoso estão bem
equilibrados, conseguimos ter autocontrolo. Chamamos a este
estado “a zona verde”, o que significa que uma pessoa está a
funcionar em modo Cérebro Sim. É quando nos encontramos
dentro da janela de tolerância. Quando uma criança está na zona
verde, o seu corpo, as suas emoções e comportamento encontram-
se regulados. Ela sente-se equilibrada e o seu acelerador simpático
e os travões parassimpáticos estão a funcionar de forma
coordenada. Ela sente que está controlada e lida bem consigo
própria, mesmo que haja algo que a contrarie ou que lhe inspire
sentimentos negativos tais como frustração, tristeza, medo, raiva
ou ansiedade. (Olhe para a imagem abaixo. Este livro é a preto e
branco, mas conseguirá perceber a ideia.)

No entanto, por vezes, as coisas não correm desta forma e a


criança deixa-se dominar pelas emoções. Isto quer dizer que a
intensidade da emoção a leva a ultrapassar os limites da janela de
tolerância. No caso de uma criança mais nova, tal pode acontecer
porque não lhe deram um segundo gelado, ou os seus colegas não
a chamaram para brincar, ou então porque se sente
verdadeiramente frustrada por continuar a cair ao aprender a andar
de bicicleta. Para uma criança mais velha, pode ter a ver com um
jogo que lhe correu mal, ter recebido uma má nota ou ter-se
zangado com um irmão. Tal como acontece na vida de qualquer
um de nós, ou não conseguiu o que queria, ou sente verdadeiro
medo, pânico, raiva, frustração ou vergonha. Resumindo, não
consegue lidar com a exigência da situação. E, subitamente, torna-
se muito mais difícil manter-se equilibrada e calma, nos limites da
zona verde.
Então, pelo contrário, a criança entra na “zona vermelha”. Tal
como acontecia muitas vezes com Teddy, que era um frequentador
assíduo da zona vermelha. Alex conseguia ver os sinais físicos
óbvios da zona vermelha que apareciam quando Teddy carregava
no acelerador. O seu ritmo cardíaco e respiratório aumentava.
Semicerrava os olhos ou abria-os demasiado. Cerrava os dentes e
os punhos e ficava com os músculos tensos. A sua temperatura
corporal aumentava e a pele ficava vermelha ou às manchas. A
explicação mais científica para esta resposta da zona vermelha é o
facto de o sistema nervoso autónomo da criança entrar num estado
de hiperestimulação, desencadeando uma resposta de stress
agudo. O seu cérebro do andar de baixo assume o controlo das
suas emoções e do seu corpo e, consequentemente, do seu
comportamento. Isso pode resultar numa birra, ou na indiferença
perante os que a rodeiam, ou no atirar de objetos ou numa
combinação de tudo isto e mais ainda. Gritar, morder, agressões
verbais ou físicas, tremores, choro, riso descontrolado, entre
outros, são comportamentos típicos da zona vermelha. Se é como
a maioria dos pais, neste momento consegue visualizar o seu
próprio filho e perceber como ele ou ela reage quando está a
entrar na zona vermelha.
Esta explosão da zona vermelha é o que acontece quando
perdemos o controlo. É uma reação de um Cérebro Não que explica
o que se passa quando as crianças (e por vezes os adultos, que
descrevem adequadamente a experiência como “vi tudo vermelho”)
têm reações que, usualmente, um adulto não tem. Na verdade,
muitos dos problemas de comportamento pelos quais as crianças
são castigadas são de facto sintomas da zona vermelha, quando as
crianças não escolhem verdadeiramente comportar-se daquela
forma. Perderam apenas o controlo e muitas vezes não conseguem
tomar opções corretas ou “parar de chorar” ou “acalmar-se já”. São
respostas típicas de um Cérebro Não.
Ao invés, para resolver a situação de Teddy, Alex e Tina
desenvolveram uma resposta de um Cérebro Sim com quatro
vertentes. Primeiro, falaram com Teddy sobre a zona vermelha.
Depois ensinaram-lhe técnicas para se acalmar, como por exemplo
abrandar a cadência da respiração. Em terceiro lugar, ensinaram-no
a lidar com frustrações ligeiras recorrendo à dramatização e a jogos
de tabuleiro, em que as coisas nem sempre corriam como ele
queria, mas confrontando-o com pequenos desafios. As pequenas
frustrações prepararam-no para lidar melhor com as maiores, tal
como perder um jogo de futebol. Foi desta forma que o ensinaram
a alargar a sua janela de tolerância para a frustração. Por fim, Tina
trabalhou com Alex no sentido de primeiro acalmar e confortar
Teddy quando ele se mostrava perturbado, adiando o momento de
lhe corrigir o comportamento para uma altura em que ele já
estivesse calmo e pudesse realmente ouvir o que o pai tinha para
lhe dizer. (A propósito, vamos discutir em pormenor cada uma
destas estratégias em diferentes capítulos do livro.)
Ocasionalmente, porém, as crianças ficam perturbadas e não
entram na zona vermelha. Por vezes uma falha no equilíbrio atira-
as para a “zona azul”. Aqui, as estratégias defensivas não passam
tanto pelo “lutar ou fugir” da zona vermelha, mas por uma resposta
paralisante que passa pela “imobilidade ou desmaio”. Na zona azul,
em vez de responder a uma situação adversa agindo, uma criança
responde desligando-se. Esta reação pode ocorrer em vários graus.
Algumas crianças podem limitar-se a esconder as emoções,
calando-se e evitando toda a gente, não permitindo que a ajudem.
Outras podem mesmo retirar-se do contexto ou da situação. E há
ainda as que chegam a um extremo denominado dissociação, em
que separam interiormente as emoções dos pensamentos e até das
sensações físicas. Este comportamento ocorre mais
frequentemente em situações em que há um passado traumático.
Os sinais físicos de um “colapso ou desmaio” como reação da
zona azul são tensão arterial e ritmo cardíaco baixos, respiração
mais lenta, músculos e postura descontraídos e ausência de
contacto visual. Ou seja, pode ser semelhante à forma como um
gambá se finge de morto para evitar o perigo. Por vezes também
registamos uma resposta paralisante, em que os músculos se
contraem, o ritmo cardíaco aumenta, verificando-se uma
imobilidade temporária, uma impassibilidade, que é um estado
ativo, mas sem movimento. A resposta da zona azul é interior e
não se manifesta através de uma explosão visível. Enquanto a zona
vermelha se manifesta por uma hiperestimulação do sistema
nervoso autónomo, a zona azul pode ser definida como uma
espécie de hipoestimulação, que aciona um travão de diversas
formas: a reação do desmaio desliga a fisiologia interna, e a
paralisação desliga o movimento externo. Uma criança entra na
zona azul quando não vê nenhuma saída óbvia de uma situação
que para ela é desconfortável, assustadora ou perigosa.
É raro alguém poder “escolher” o estado em que se encontra. O
sistema nervoso determina automaticamente qual a reação que lhe
parece ser mais adequada à situação, baseando-se em muitos
fatores, tal como as circunstâncias no momento, a memória de
experiências passadas e o temperamento inato.
Há muitas formas de as pessoas responderem a situações difíceis
e emoções intensas e aqui simplificamos muito para explicar o
nosso ponto de vista. Porém, a ideia principal é que as crianças na
zona verde geralmente lidam bem consigo próprias, tomam
decisões acertadas e mantêm o equilíbrio e o controlo sobre as
suas emoções, o seu corpo e as suas decisões. Mostram-se abertas
a relacionarem-se com o que as rodeia de forma saudável e
significativa, e são mais recetivas a aprender. É assim que atuam
dentro da sua janela, a da zona verde. Mas quando se sentem
arrasadas pela emoção ou pela ameaça do meio que as rodeia,
tornam-se reativas, entrando na caótica e explosiva zona vermelha
ou na rígida e indiferente zona azul. Em qualquer dos casos não
lhes é possível manter o equilíbrio e lidarem bem consigo próprias,
ao passo que as crianças que se encontram na zona verde flexível
conseguem encontrar novas e produtivas formas de dar resposta a
momentos desafiantes. Isto acontece porque estão a reagir a partir
da sua janela de tolerância. Mas, a dado momento, todas as
crianças entram na zona vermelha ou na zona azul. É o que
acontece às crianças (e aos adultos), e devemos encorajá-las a
experimentar todo o género de emoções. Mas as crianças que
tenham uma zona verde ampla e resistente como recurso interior
conseguem sentir frustração, desilusão, tristeza e medo, ao mesmo
tempo que permanecem na zona verde. Aqui têm um amplo
conjunto de janelas de tolerância para um espetro mais largo de
experiências emocionais, mesmo as mais intensas. Sentem-se
equilibradas e adaptadas, mesmo perante os desafios e a
adversidade.
Se queremos ajudar as
nossas crianças a
sentirem-se mais
equilibradas, para que
permaneçam controladas
e enfrentem as
dificuldades da vida com
mais graciosidade e
calma, temos duas
tarefas principais: ajudá-
las a regressar à zona
verde quando ficam
zangadas, e ajudá-las a
expandir essa zona verde
ao longo do tempo.
Tudo isto conduz a uma conclusão óbvia para os pais: se
queremos ajudar as nossas crianças a sentirem-se mais
equilibradas, para que permaneçam controladas e enfrentem as
dificuldades da vida com mais graciosidade e calma, temos duas
tarefas principais: ajudá-las a regressar à zona verde quando ficam
zangadas, e ajudá-las a expandir a zona verde ao longo do tempo.
É assim que as presenteamos com um vasto conjunto de janelas
dentro das quais elas podem experimentar o mundo. No capítulo 3
iremos abordar a forma de construir e expandir a zona verde do
seu filho. Mas, por agora, vamo-nos concentrar naquilo que pode
fazer para que o seu filho entre e permaneça na zona verde.
Qual é o grau de equilíbrio do seu filho?
Pense no seu filho em termos de flexibilidade emocional e
equilíbrio comportamental. Coloque a si próprio algumas questões
relacionadas com a solidez da zona verde do seu filho, com a forma
como ele se sente afetado por circunstâncias desafiantes ou
emoções fortes, e quais os sentimentos com maiores e menores
janelas de tolerância.
Como referimos antes, é natural que as crianças percam o
equilíbrio emocional em dados momentos. É, pois, importante que
os pais pensem no que é que desencadeia nos filhos uma
reatividade típica de um Cérebro Não, e como poderão ajudá-los a
readquirir o equilíbrio depois de perderem o controlo e agirem de
forma extremada, caótica, uma reação típica da zona vermelha, ou
de forma rígida e desligada numa reação típica da zona azul.
Baseados no trabalho de Bruce McEwen sobre o stress tóxico,
desenvolvemos algumas perguntas que há anos colocamos aos
pais nos nossos consultórios para os ajudar a perceber como
poderão apoiar os filhos quando eles enfrentam dificuldades. Pense
no seu filho e coloque a si próprio algumas questões:
> Qual é a dimensão da zona verde do meu filho para
determinadas emoções? Por outras palavras, com que facilidade
é que ele lida com o desconforto, medo, irritação e desilusão?
Considerando a sua idade e nível de desenvolvimento, estará
ele preparado para enfrentar as contrariedades sem cair
rapidamente nas zonas vermelhas ou azuis?
> Com que facilidade deixa o meu filho a zona verde? Que tipo
de emoção ou situação o leva para o vermelho caótico ou para
o rígido azul? Tendo de novo em conta a sua idade e nível de
desenvolvimento, será que questões menores o perturbam
atirando-o para fora da zona verde e para um descontrolo
emocional?
> Haverá estímulos típicos que levem o meu filho ao
desequilíbrio? Será que esses estímulos se prendem com
necessidades físicas, como ter fome ou precisar de descansar?
Será que lhe faltam algumas competências emocionais ou
sociais e precisa de as adquirir?
> Até que ponto é que o meu filho ultrapassa os limites da zona
verde? Quando entra na zona vermelha ou azul, qual é a
intensidade da sua reação? Que nível de desequilíbrio atinge o
caos ou rigidez quando sai da zona verde?
> Por quanto tempo fica o meu filho fora da zona verde, e com
que facilidade regressa a ela? Qual o nível de resiliência do seu
filho? Quando fica descontrolado, quão difícil é para ele
recuperar o equilíbrio e o autocontrolo?
Iremos explorar estas questões e ideias até ao final do capítulo e
do livro), para que quanto melhor conseguir aceder às
competências e ao temperamento únicos do seu filho, melhor
consiga implementar as estratégias que apresentamos. Tudo aquilo
de que falamos aqui tem como objetivo ajudar os seus filhos a
atingir mais equilíbrio a curto prazo – tornando o quotidiano mais
fácil e mais pacífico – ao mesmo tempo que o ajudamos a si a
ensinar-lhes competências para o futuro, para que eles passem a
maior parte do tempo na zona verde, crescendo como adolescentes
ou adultos que conseguem controlar-se e viver em tranquilidade e
equanimidade.
Dan ajudou uma jovem mãe a experimentar estes benefícios de
curto e longo prazo de um Cérebro Sim quando ela veio ter com
ele porque, mesmo depois de várias semanas de um lento e
cuidadoso período de adaptação, o filho reagia mal de cada vez
que tinha de se separar dela e ficar no infantário. Enquanto as
outras crianças se habituaram a despedir-se dos pais, a sua grande
ansiedade tornava ainda mais problemático o momento da
separação. O filho prometia que ia à escola, e juntamente com a
mãe fazia planos pormenorizados e diligentes, mas todos os dias às
oito da manhã entrava na zona vermelha. No transporte partilhado
começava a gritar, a cuspir, a morder e mesmo a rasgar a roupa.
Tudo o que dizemos aqui
é para tornar os seus
filhos mais equilibrados a
curto prazo – facilitando
o vosso dia a dia –, ao
mesmo tempo que o
ajudamos a si a
transmitir-lhes
competências para o
futuro, para que eles
vivam sobretudo na zona
verde, crescendo como
adolescentes e adultos
que conseguem
controlar-se e viver em
tranquilidade.
Esta mãe zelosa e preocupada veio pedir ajuda a Dan. No que se
referia a separar-se da mãe, a janela de tolerância do filho era
diminuta, quase inexistente. Ele perdia rapidamente o equilíbrio
perante este estímulo particular e afundava-se na zona vermelha,
incapaz de se controlar até a mãe prometer que não se ia embora.
A estratégia do Dan para com esta mãe passou por lhe ensinar
essencialmente aquilo que vamos explicar até ao final deste
capítulo. Começou por a ajudar a compreender que a sua presença
era a melhor estratégia que o filho tinha para se manter
controlado. O problema era que, quando ela se ausentava, ele não
tinha outras estratégias concretas para se manter na zona verde. A
ligação que tinha com a mãe mantinha-o controlado. Por vezes ela
sentia que essa dependência era opressiva, mas Dan explicou-lhe
que a necessidade que o filho sentia de estar com ela era a sua
melhor estratégia de adaptação e de sobrevivência, ajudando-o a
enfrentar o medo e a ansiedade. Tal como o choro de um bebé, ou
uma criança pequena que corre para o pai quando ouve um ruído
assustador, o filho contava com ela para o ajudar a suportar o
stress provocado pela situação e lidar com o seu desequilíbrio e
caos interior. Esta estratégia de sobrevivência fazia sentido, mas
como ele não tinha outras competências e estratégias que o
ajudassem a estabilizar as suas emoções e a tolerar a separação,
revelava-se um stress para ele e para a mãe.
Uma reação de um Cérebro Não teria feito com que o “sucesso”
dependesse do facto de o rapaz se tornar submisso,
independentemente do stress que pudesse sentir. Podia ter-se
baseado na vergonha (“nenhuma das outras crianças precisa que a
mãe fique aqui”) ou na minimização dos sentimentos do rapaz (“tu
já és crescido, não precisas de ficar triste”). Pelo contrário, Dan
ajudou a mãe a agir com um Cérebro Sim, que reconhecia,
respeitava e respondia às emoções do filho. Primeiro, mãe e filho
escreveram juntos e ilustraram um livro sobre como é difícil a
separação matinal, mas também como a escola é divertida. Depois
praticaram separações por períodos muito curtos em locais onde
ele se sentia confortável e seguro, aumentando esses períodos
gradualmente, tornando assim a separação mais tolerável.
Também falaram da “atitude corajosa” e de como era muito
diferente daquela “atitude preocupada” e praticaram a versão do
“rapaz corajoso”. Por fim recorreram à ajuda do professor, que se
disponibilizou a ir buscá-lo à zona de acolhimento, permitindo que
a mãe o acompanhasse de início. Depois, gradualmente (a um
ritmo que ele tolerasse), ela distanciava-se mais e ausentava-se
por períodos de tempo mais longos, ou seja, alargando
progressivamente a sua janela de tolerância para a separação.
Respeitando estas etapas, a mãe conseguiu compreender e
respeitar as emoções e vivências do filho.
Estas técnicas tiveram uma eficácia comprovada com esta
criança, mas cada criança é um caso. A questão não é memorizar
um conjunto de etapas, mas ajudar as crianças a adquirir
competências, criando espaço e oportunidades que as ajudem a
cultivar um cérebro mais equilibrado. A base para ajudar o seu filho
a ser mais equilibrado (e resiliente e generoso e ético) é a sua
ligação com ele. Tudo começa, e sempre, com o relacionamento.
Integração no relacionamento pais-filhos
Em capítulos anteriores falámos-lhe de como a integração no
cérebro de cada indivíduo conduz a um Cérebro Sim. Explicámos
que a integração ocorre quando as diferentes partes do cérebro
fazem o seu trabalho, ao mesmo tempo que interagem para
desempenhar tarefas importantes mais eficazmente do que seria
possível se atuassem sozinhas. Isso também se aplica ao
relacionamento entre pais e filhos.
A integração acontece quando partes diferenciadas também
estão ligadas. Por exemplo, numa relação interpessoal, cada
pessoa mantém a sua individualidade enquanto interage com os
outros como um todo coordenado. Esta integração não trata de
misturar ou tornar tudo igual e uniforme. A integração tem como
característica essencial manter as diferenças e estabelecer ligações
que não anulem essas diferenças. É uma das razões pelas quais as
relações saudáveis e integradas podem ser tão desafiantes –
precisamos de ser ao mesmo tempo diferentes, mas unidos.
Isto é particularmente importante num relacionamento pais-
filhos, em que há duas pessoas intimamente ligadas, mas em que
as diferenças têm de ser respeitadas, promovendo deste modo
uma integração saudável. Idealmente, seria assim: uma criança
fica zangada. Talvez a sua filha de 3 anos fique furiosa porque lhe
disse que ela não pode ver o seu programa de TV preferido porque
já esgotou o tempo reservado para ver televisão nesse dia.
Enquanto ela entra na zona vermelha e começa a fazer uma birra,
você estabelece de imediato uma ligação empática com ela, para
que se sinta compreendida e ouvida. Com um tom de voz empático
e uma expressão facial calma, as suas palavras podem soar assim:
“Querias mesmo ver outro episódio. Estás a sentir-te zangada e
triste? Sim, é difícil. Eu compreendo. Eu estou aqui.”
Não altera a sua decisão quanto ao programa, mas ela sabe que
a está a ouvir e que está ali para a ajudar. É essa a parte ligada da
integração. Unindo um cérebro ao outro você fica profundamente
sintonizado com o estado emocional do seu filho e dá-lhe uma
resposta condicionada quando ele perde o filtro e começa a
descarrilar. “Condicionada” significa que a forma como comunica
com ele responde diretamente de forma positiva ao que ele lhe
está a comunicar a si. Como resultado desta ligação sintonizada –
em que se sintoniza com a condição interior do seu filho e não
apenas com o comportamento visível – consegue perceber e ajudá-
lo quando ele entra na zona vermelha ou azul, resvalando para um
estado em que não há esperança nem pode ser ajudado. Em vez
de responder apenas a reações exteriores, está a focar a sua
atenção naquilo que pode ser o seu mundo interior – vermelho,
verde ou azul – comunicando de forma adequada com esse estado
interior do seu filho. Ao mesmo tempo dá-lhe o apoio e a prática
para tolerar sentimentos difíceis, mostrando-lhe que consegue lidar
com as emoções dele, mesmo quando ele próprio não consegue.
Assim, através da sua comunicação sintonizada com o seu filho, ele
poderá aprender a alargar a sua janela de tolerância.
Já abordámos ao pormenor esta ideia noutras alturas,
especialmente no nosso livro Disciplina Sem Dramas. Como
explicámos nesse livro, a disciplina é a forma de ensinar e
transmitir competências para que, com o tempo, precise cada vez
menos de disciplinar, porque os seus filhos vão adquirindo
competências que os tornam mais autodisciplinados. E como a
essência da disciplina é ensinar, as crianças precisam de estar num
estado de espírito que lhes permita aprender. Ou seja: na zona
verde. Normalmente, a forma mais eficaz de ajudar uma criança
perturbada e reativa a regressar à zona verde é a ligação. Todas as
crianças são diferentes, e nós queremos sempre estar conscientes
das diferenças individuais e de desenvolvimento. Mas para a
maioria, e na maioria dos casos, quando uma criança está
desequilibrada e perde o controlo, a resposta parental mais eficaz
(para a sanidade de todos e até para uma disciplina efetiva) é ligar-
se e redirecioná-la.
Esta estratégia requer que primeiro estabeleça uma ligação –
antes de tentar dar-lhe uma lição, corrigir o comportamento ou
resolver o problema. Da mesma forma que faríamos se o nosso
filho estivesse magoado fisicamente, queremos confortá-lo quando
está magoado psicologicamente. Ligar-se significa oferecer-lhe uma
presença serena e empática proporcionando-lhe afeição física,
expressões faciais empáticas e palavras afetuosas e compreensivas.
Funcionará de forma ainda mais eficaz se nos conseguirmos sentar
numa posição descontraída, mais baixa do que o nível dos olhos da
criança, e se dissermos solidariamente: “Estou aqui ao pé de ti”.
Este tipo de ligação ajuda a criança a recuar para a zona verde,
onde ela se torna mais calma e mais recetiva ao que temos para
lhe dizer. Depois, podemos redirecioná-la para melhores
comportamentos e tomadas de decisão, e falar-lhe de outras
estratégias a que pode recorrer se se deparar com uma situação
idêntica. É aqui que definimos os limites que ajudam os nossos
filhos a sentirem-se protegidos e responsáveis pela sua conduta, o
que inclui fazer o que é correto e empenhar-se em corrigir o que
necessita de ser corrigido. Resumindo, é esta a abordagem ligar-e-
redirecionar, e assenta principalmente na ligação que devemos
estabelecer com os nossos filhos e em estarmos em sintonia com
as suas emoções.
Mas uma reação de um Cérebro Sim parental saudável também
dá espaço à diferenciação. Por outras palavras, não vai querer
perder a identidade nem perturbar o equilíbrio de uma forma que,
em vez de garantir simultaneamente diferenças e ligações, você e
o seu filho se tornem excessivamente ligados. Esta falta de
equilíbrio no relacionamento, ou seja, na ligação que estabelece
com o seu filho sem manter o seu eu diferenciado, pode levar a
dificuldades de equilíbrio interno da criança. É importante enfatizar
aqui que o equilíbrio na integração não significa que deva manter a
distância ou deixar de amar o seu filho. Significa apenas que
devemos incentivar tanto a ligação como a diferenciação enquanto
componentes fundamentais do amor e do apoio. Esta diferenciação
é importante, por isso vamos olhar atentamente para um exemplo.
Quando uma criança se fecha ou tende para a instabilidade, a
sua tarefa não é tomar para si próprio as emoções dela, ou evitar
de todo que ela as sinta, ou ainda prevenir que algum dia ela tenha
de lidar com situações difíceis. Em vez de ir a correr encontrar a
supercola que vai colar a bolacha em forma de peixe, ou sair de
imediato para ir ao supermercado comprar uma nova embalagem
de bolachas, deve permanecer ligado e sintonizado, mas também
diferenciado: “Eu sei, meu amor. Estás mesmo zangada porque a
bolacha se partiu, não é? É uma chatice que isto tenha acontecido.”
Por consequência, apesar de não “resolver” o problema da
criança naquele momento, ela sente a sua profunda ligação e
empatia, o que lhe permite regressar a um estado ajustado e de
equilíbrio. Na verdade, a criança vai sentir-se mais segura na vida
através dessa diferenciação, sabendo que você conseguirá
controlar o desequilíbrio dela sem perder o controlo. Você e o seu
cérebro do andar de cima a funcionar adequadamente vão ajudá-la
a ativar o cérebro do andar de cima, permitindo-lhe regressar à
zona verde. Com este tipo de corregulação irá permitir-lhe sentir as
emoções, enquanto lhe garante uma rede segura, um “local suave
para aterrar”, para que ela não se sinta sozinha na sua angústia.
Imagine que deixava o seu estado integrado para entrar no
estado desequilibrado da criança. Isso faria com que perdessem a
diferenciação e entrassem numa ligação excessiva. Nesse caso, se
ela começasse a chorar, você atirava-se ao chão e começaria
também a chorar. Espelhamento a mais, diferenciação a menos. Em
vez disso, você acompanha-a na sua frustração e caos emocional
sem a resgatar de imediato desse sentimento, e depois guia-a de
regresso ao equilíbrio da zona verde com a sua presença, toque e
empatia. A diferenciação no relacionamento significa que lhe
permitirá sentir as inevitáveis emoções difíceis da vida, mas a união
implica que estará suficientemente ligado para a manter a salvo e a
ajudar a recuperar o equilíbrio. É este o poder da integração para
cultivar o bem-estar nas nossas vidas. E essa é a arte da
parentalidade com Cérebro Sim.
Mais uma vez, esse é o Cérebro Sim ideal: ser suficientemente
diferenciado para permitir ao seu filho enfrentar as experiências
difíceis e sentir as suas emoções, enquanto continua
suficientemente ligado a ele para lhe mostrar os limites e o
conforto que o ajudará a regressar rapidamente à zona verde, e
até mesmo expandi-la no futuro. É o que designamos por O Ponto
Ideal do Cérebro Sim.
O Ponto Ideal do Cérebro Sim: será que consegue manter
um firme equilíbrio?
Em teoria, uma vez que todas as nossas reações e respostas aos
nossos filhos ajudam a potenciar ou dificultar o desenvolvimento
do seu Cérebro Sim, devemos conseguir atingir mais vezes o ponto
ideal e estabelecer apenas a ligação suficiente e a diferenciação
suficiente.
Apesar disso, não existem pais ideais. Nenhum de nós consegue
ser sempre um ótimo progenitor. Reagimos muitas vezes de uma
forma que não integra os dois parâmetros.
Num dos extremos do espetro da integração estão os pais que
são tão diferenciados, que se tornam distantes dos seus filhos.
Menosprezam as suas emoções e respondem ao desequilíbrio
emocional, minimizando ou criticando os seus sentimentos. Como
consequência, os filhos podem ter de resolver sozinhos as suas
dificuldades, mesmo aquelas que face ao seu grau de
desenvolvimento não estão preparados para enfrentar.
Muitas vezes não conseguimos perceber o mal que fazemos
quando censuramos e denegrimos os nossos filhos e os seus
sentimentos. Quando afastamos, negamos ou rebaixamos; quando
os culpamos ou lhes pregamos um sermão; quando nos demitimos
ou os deixamos desligados e os envergonhamos por causa dos
seus sentimentos – quando reagimos às suas emoções com alguma
destas atitudes, estamos efetivamente a castigá-los por terem
sensações humanas e saudáveis e por expressarem o que se passa
dentro deles. Isto pode levar ao entorpecimento de todas as
emoções, ensinando às crianças que os seus sentimentos e
experiências não devem ser partilhados.
Em vez de serem ajudados a regressar à zona verde, e em vez de
desenvolverem competências que possam vir a usar no futuro,
quando tiverem de enfrentar emoções fortes vão permanecer num
estado de desequilíbrio, sem qualquer apoio. Assim, restam-lhes
duas opções: ficarem ainda mais irritados e sair da zona verde, ou
aprenderem a esconder os seus verdadeiros sentimentos. A
diferenciação sem ligação suficiente deixa as crianças entregues às
suas tempestades emocionais sem qualquer tipo de apoio. Não
admira que não consigam alcançar o equilíbrio emocional e
comportamental.
No outro extremo do espetro da integração o problema é
diferente, e acontece quando os pais se limitam a ligar-se sem
diferenciação suficiente. Por vezes designamo-lo como “deixar-se
enredar”. Acontece quando os pais não respeitam a individualidade
do filho, ou quando a identidade do pai ou da mãe se transforma
exclusivamente em “progenitor”. Dá origem a um fenómeno que é
conhecido como “parentalidade helicóptero”, e traduz-se numa mãe
que fica devastada e magoada porque o seu filho de 4 anos está a
atravessar uma fase em que só quer que seja o pai a ir deitá-lo
todas as noites. Ou num pai que faz os trabalhos de casa do filho
que anda na secundária, ou quando um dia vai assistir a uma aula
da filha no infantário, e não consegue seguir as indicações da
professora para que deixe a criança tentar ultrapassar a sua
dificuldade em descascar uma banana.
Estes são exemplos de como os pais precisam de se ligar menos
e diferenciar-se mais – para bem dos filhos e também para seu
próprio bem. Estes pais sentem-se desconfortáveis quando os
filhos expressam individualidade e diferentes desejos e emoções.
Têm uma janela de tolerância tão estreita relativamente à
infelicidade ou às dificuldades dos filhos que, repetidamente, se
substituem a eles e correm para os socorrer, em vez de os
deixarem sentir, tentar, cometer erros e aprender.
Há alturas em que todos nos sentimos demasiado envolvidos na
vida dos nossos filhos. É uma tentação real que emerge do nosso
amor por eles. Por vezes, fazemos mais do que devíamos.
Apertamos-lhes os atacadores, ou vamos ao balcão buscar-lhes
mais ketchup em vez de deixarmos que sejam eles próprios a
desempenhar essas tarefas. Ou então, por vezes, quando
enfrentam alguma dificuldade ou desafio, saltamos logo para os
apoiar, para os ajudar a fazer “as coisas como deve ser”. Falamos
com um professor. Mediamos um conflito com um amigo.
Telefonamos ao explicador.
É claro que há alturas em que temos de apoiar e defender os
nossos filhos. Por vezes temos mesmo de ser verdadeiramente
impetuosos a fazê-lo. Por isso, vamos certificar-nos de que fomos
claros: nada é mais importante do que o seu relacionamento com
os seus filhos. Se já leu alguma coisa do que cada um de nós
escreveu ao longo dos anos, sabe como damos importância à
ligação entre pais e filhos. Simplificando, é impossível “estragar” os
seus filhos por lhes dar demasiada atenção ou amor. Não precisa
de se preocupar com o facto de ser um progenitor helicóptero que
lhes dá imenso amor e carinho. Na verdade, cada vez mais
pesquisas demonstram que, como nas últimas décadas os pais se
têm empenhado mais no bem-estar e desenvolvimento dos filhos,
as crianças têm-se revelado mais saudáveis, felizes e seguras.
Evitam mais as confusões, frequentam a escola durante mais
tempo, e têm melhores resultados académicos. Segundo quase
todas as avaliações, as crianças saem-se melhor quando os pais
dão importância à ligação e à sintonia no relacionamento.
Dito isto, amar os nossos filhos quer dizer evitar os extremos; a
ligação-sem-diferenciação está num extremo do espetro da
integração, e manifesta-se quando nos substituímos a eles e lhes
resolvemos os problemas, sabotando a oportunidade que teriam de
aprender a lidar com situações difíceis. Ter de argumentar com um
professor ou resolver um problema com um amigo pode ser uma
grande oportunidade de aprendizagem. Por isso, queremos dar aos
nossos filhos o benefício de ganharem experiência usando o seu
cérebro solucionador de problemas do andar de cima, da mesma
forma que usam a voz e a sua capacidade de comunicação. Além
disso, ao deixá-los resolver as situações sozinhos, estamos a
ensinar-lhes que eles conseguem tolerar o desconforto. Uma ótima
forma de desenvolver a resiliência e a confiança é ter de enfrentar
uma situação delicada e conseguir sair dela de forma vitoriosa.
Quando passam por várias experiências em que têm de analisar
uma situação, debater-se com um problema e depois encontrar
possíveis soluções, os seus cérebros tornam-se mais competentes
para fazer o mesmo no futuro.
Queremos ensinar as crianças a valorizarem-se e a perceberem
que acreditamos nelas e na sua capacidade de resolver problemas
sozinhas. Podem então descobrir como são verdadeiramente fortes
e capazes, mesmo que não tenham consciência disso. Podem sair
de uma situação difícil dizendo “eu consegui!”
Por outras palavras, queremos evitar envolver as crianças numa
bolha. Os nossos filhos são preciosos, mas não são frágeis.

Quando colocamos os nossos filhos numa redoma de vidro e os


protegemos de qualquer tipo de desconforto, inquietação, ou de
um potencial desafio, estamos na verdade a torná-los mais frágeis,
deixando-os menos aptos para atingirem sozinhos o equilíbrio.
Estamos a dizer-lhes explicita e inadvertidamente: “Não me parece
que consigas resolver isto, e precisas de mim para te proteger ou
para o fazer por ti.” Agindo dessa forma, negamos-lhes o privilégio
de sentirem as emoções, de experimentarem o desconforto e de
perseverar até encontrarem a forma de sair da situação e
perceberem que são fortes e desembaraçados.
Quer que os seus filhos acreditem que acredita neles? Quer que
sejam desembaraçados, resilientes e emocionalmente equilibrados?
Quer que sejam capazes de desenvolver a coragem e uma energia
mental robusta para tolerarem desafios e se sentirem à altura de
os enfrentar? Quer que eles aprendam a não serem vítimas das
suas emoções nem das circunstâncias? Então deixe-os sentir.
Deixe-os lidar com a indecisão, o desconforto, o desalento e a
desilusão.
A nossa missão é
acompanhar os nossos
filhos nos momentos
complicados, dando-lhes
a entender que podem
contar connosco e dando-
lhes espaço para
sentirem, para
participarem ativamente
na resolução dos
problemas e descobrirem
os limites das suas
próprias capacidades. O
profundo amor que
temos pelos nossos filhos
faz com que queiramos
protegê-los. Mas para
eles crescerem melhor, é
nesse amor que temos de
nos apoiar para sermos
fortes e deixarmos que
sejam eles a descobrir as
suas próprias forças.
Por outras palavras, evite sentir-se ligado ao seu filho de tal
forma que não deixa espaço para a diferenciação. Lembre-se, a
nossa missão enquanto progenitores não é livrar os nossos filhos
das situações difíceis e sentimentos desconfortáveis. A nossa
missão é acompanhar os nossos filhos nos momentos complicados,
dando-lhes a entender que podem contar connosco e dando-lhes
espaço para sentirem, para participarem ativamente na resolução
dos problemas e para descobrirem os limites das suas próprias
capacidades. O profundo amor que temos pelos nossos filhos faz
com que queiramos protegê-los. Mas para eles crescerem melhor, é
nesse amor que temos de nos apoiar para sermos fortes e
deixarmos que sejam eles a descobrir as suas próprias forças.
A sua missão é estar presente, pronto para os ajudar e confortar
quando caem, deixando-os ao mesmo tempo aprender as
importantes lições com que se deparam para estabelecerem o
equilíbrio. Vai querer encontrar esse Ponto Ideal do Cérebro Sim,
com uma saudável e adequada dose tanto de diferenciação como
de ligação.
Agenda equilibrada, cérebro equilibrado
Muito do que dissemos até agora tem a ver com ajudar as
crianças a conseguirem equilíbrio interior de forma a disciplinarem
o cérebro e o corpo. Um fator externo importante, que contribui
para essa disciplina emocional, é o espaço que cria na vida do seu
filho para lhe permitir crescer e desenvolver-se de forma saudável.
Por outras palavras, há uma relação clara entre um cérebro
equilibrado e uma agenda equilibrada, em que é permitido às
crianças serem crianças sem terem todos os segundos planeados e
preenchidos por trabalhos de casa ou atividades programadas.
Em grande medida, as crianças desenvolvem competências de
disciplina emocional através das amizades, brincadeiras
espontâneas e tempo livre, em que têm oportunidade de ser
curiosas e imaginativas.
Um horário menos preenchido também proporciona mais tempo
para a família e para os amigos, e para aprender as lições que
essas relações ensinam. Até o tédio cria importantes oportunidades
para crescer e aprender. Preocupamo-nos tanto com a vida
académica dos nossos filhos, mas uma das lições mais importantes
que pode oferecer a uma criança quando ouve a inevitável queixa
das férias de verão “estou aborrecido” é responder algo do género:
“E se fosses fazer qualquer coisa no jardim? Vejo ali uma pá, fita
adesiva e uma mangueira estragada. Vais divertir-te.”
Ouvimos uma história magnífica sobre Richard Feynman, o físico
premiado com o prémio Nobel, de uma amiga que o conheceu
quando tinha 14 anos. Tendo tido oportunidade de conversar com
ele, perguntou-lhe como é que ele se tinha tornado tão inteligente.
Ele respondeu-lhe que era simples. Desde os 4 anos que os seus
pais o trancavam fora de casa, atrás da qual havia um ferro-velho.
O jovem Feynman tinha de lidar com máquinas e motores
abandonados, e a dada altura começou a reparar relógios. O
simples tédio e a necessidade de encontrar alguma coisa para fazer
levaram a todo o género de desafios mentais e desenvolvimento
intelectual, o que acabou por criar uma das mais brilhantes mentes
das últimas décadas. E apesar de não defendermos a ideia de
trancar as crianças fora de casa, ou de lhes darmos rédea solta
num ferro-velho, e sem estarmos a prometer que fazê-lo pode
levar ao prémio Nobel, encorajamos os pais a dar espaço e tempo
livre suficientes aos filhos para que possam descobrir-se a si
próprios e ao mundo.
Isto vai ao encontro do que os líderes da NASA e do Laboratório
de Propulsão a Jato dizem sobre a necessidade de alterarem o seu
processo de recrutamento. Inicialmente davam mais importância a
recrutar os licenciados com as melhores notas e provenientes das
“melhores” faculdades do país, mas começaram a aperceber-se de
que muitos destes jovens adultos não eram lá muito bons a
resolver problemas. Aprenderam a dominar o sistema académico e
ganharam uma série de prémios universitários. Mas a tendência
para “pintar dentro das linhas” e funcionar bem numa cultura de
Cérebro Não traduziu-se, inevitavelmente, na incapacidade de
descobrir abordagens diferentes e criativas para resolver dilemas
difíceis. Assim, nos seus processos de recrutamento, estas agências
começaram a dar prioridade a graduados com um histórico
consistente de jogos ou trabalhos manuais durante a infância e a
adolescência. Eram pessoas que construíam coisas na infância, que
tinham um passado de muita brincadeira, aquelas que melhor
resolviam os problemas.
Todos estes destaques, para além de premiarem e priorizarem as
suas relações com os seus filhos, dizem-nos que a outra forma
primordial de os ajudar a conseguir equilíbrio nas suas vidas é
protegendo o tempo deles e mantendo uma série de oportunidades
orientadas para as velhas brincadeiras do universo infantil. Dar-lhes
tempo para explorarem e descobrirem e desenvolverem
importantes competências emocionais, sociais e intelectuais através
das brincadeiras e da tentativa e erro. Quando todos os segundos
são planeados, as crianças passam ao lado destas oportunidades.
A ciência de brincar
Não estaremos a exagerar se dissermos que brincar livremente
começa a ser uma atividade perigosa para a maior parte das
crianças de hoje. Em casa, o tempo para brincar está cheio de
atividades estruturadas, aulas e exercícios. Na escola, as aulas
começam cada vez mais cedo, com mais aulas (com os alunos a
passarem mais tempo sentados) focadas em aumentar as
competências das crianças no sentido da perfeição e dos bons
resultados em testes normalizados, deixando-lhes cada vez menos
tempo para construírem torres, brincarem à apanhada e
empenharem-se em jogos de faz de conta. Mais, outras forças
sociais contemporâneas intrometem-se no que antes era do
domínio da brincadeira, como os meios de comunicação, a
eletrónica e o poder do like na vida e nas mentes das crianças.
Nenhuma destas forças competitivas é intrinsecamente má. Mas
tornam-se um problema real quando começam a substituir cada
vez mais o tempo de brincar, que na verdade é essencial para um
bom desenvolvimento tanto dos humanos como dos outros
mamíferos. Sabia, por exemplo, que mesmo quando a parte
superior do cérebro de um rato, o córtex do andar de cima, não
funciona como deve ser, o rato fica com limitações das capacidades
cognitivas tais como a memória e a aprendizagem, mas continua a
brincar? Esta descoberta do neurocientista Jaak Panksepp sugere
fortemente que a necessidade de brincar está profundamente
enraizada, mesmo em mamíferos primitivos, e que eles envolvem o
andar de baixo, estruturas inferiores do cérebro, tal como acontece
nos impulsos instintivos para a sobrevivência e os relacionamentos.
Estas regiões inferiores também influenciam diretamente o
crescimento de regiões corticais superiores, permitindo o melhor
desenvolvimento de um cérebro integrado. Outro estudo, este
realizado por Stuart Brown em criminosos no corredor da morte,
encontrou duas grandes semelhanças nas diferentes infâncias dos
condenados: tinham sofrido algum tipo de abuso e tinham sido
privados das brincadeiras de crianças.
Estudos deste género revelam a importância de não dedicar a
infância exclusivamente a ter aulas de piano, ateliês de química e
programas académicos após as aulas, mas antes reconhecer a
necessidade fundamental de as crianças poderem ser crianças,
limitando-se a brincar. A música, as ciências e o percurso
académico são importantes, claro, tal como o tempo para ver
televisão. É evidente que não temos nada contra o facto de as
crianças alcançarem o domínio de determinadas competências. Se
há uma profunda paixão por um talento específico, esse talento
deve ser explorado. Mas não à custa da oportunidade de as
crianças poderem imaginar, serem curiosas ou simplesmente
brincarem, tudo isso importante para o seu crescimento, o seu
desenvolvimento e para se conhecerem a si próprias. Pensem
assim: brincar livremente é uma atividade do Cérebro Sim, porque
a criança está apenas a explorar a sua própria imaginação, a
experimentar novos comportamentos e interações com terceiros
sem julgamentos ou ameaças. E brincar livremente não é o mesmo
que praticar desportos estruturados. Ambos desempenham o seu
papel na vida das crianças. No desporto, as regras e a configuração
usual em que uma equipa ganha e a outra perde, desencadeiam
frequentemente um sentimento de avaliação do que é certo e
errado. Ter tempo para brincar liberta literalmente a criança para
explorar a sua própria imaginação.
O impulso de brincar é ancestral e é parte integrante dos seres
humanos. Pesquisas recentes demonstram-no uma e outra vez. Por
vezes, os estudos revelam o que já havíamos intuído: por exemplo,
que brincar reduz o stress. A propósito, conseguimos encontrar
estes resultados tanto em comunidades e escolas com grandes
recursos e de estratos sociais elevados, como nas mais
empobrecidas e com maiores dificuldades. Há descobertas ainda
mais surpreendentes. Os investigadores descobriram, por exemplo,
que a simples brincadeira com blocos de construção leva ao
desenvolvimento da linguagem nos bebés. O mesmo acontece no
jardim-escola, onde as crianças que brincam depois de ali serem
deixadas ficam menos perturbadas e toleram a separação de forma
mais equilibrada do que os colegas a quem os professores leem
uma história. O simples ato de brincar funciona com um fator de
proteção no que se refere ao controlo das emoções.
Uma perspetiva simplista acerca do ato de brincar pode levar a
assumir que quando uma criança brinca, ela está apenas a passar
o tempo ou a divertir-se – o que é benéfico, claro – e não
exatamente a “conquistar” algo ou a fazer qualquer coisa
“construtiva” que lhe permita desenvolver a mente. Contudo,
estudos sobre a ciência de brincar demonstram que o simples ato
de brincar oferece inúmeros benefícios – tanto cognitivos como
não-cognitivos – muito para além do gozar o momento (o que
acreditamos mesmo ser algo intrinsecamente bom). Brincar é o
trabalho das crianças. Desenvolve competências cognitivas,
melhora a linguagem e a capacidade de resolver problemas e
promove outras funções executivas tal como planear, prever,
antecipar consequências e adaptar-se às surpresas. Cada uma
destas qualidades é própria de um Cérebro Sim. Brincar promove a
integração. As competências sociais, relacionais e até de retórica
das crianças melhoram quando elas brincam, uma vez que têm de
negociar as normas do recreio e determinar as regras implícitas e
explicitas de um jogo ou de um grupo. Têm de perceber como é
que entram no jogo e negociar com os outros quando eles não
estão de acordo. Aprendem a ser honestas, a revezar-se, a serem
flexíveis e a comportar-se de forma ética. E são confrontadas com
dilemas e aprendem o que é a empatia, na medida em que
determinam a forma como reagem aos que foram deixados de fora.
Para além destes benefícios sociais, brincar também oferece
vantagens psicológicas e emocionais, ajudando a desenvolver um
cérebro equilibrado.

Quando brincam, as crianças ganham prática e desenvolvem


todas as qualidades de um Cérebro Sim, tais como lidar com a
desilusão, manter a atenção e ganhar consciência do mundo em
redor. Desempenham papeis e ultrapassam medos e sentimentos
de impotência. Reforçam o equilíbrio emocional e a resiliência e
desenvolvem a capacidade de tolerar a frustração quando as coisas
não correm como querem. Tudo porque lhes é permitido brincar.
O equilíbrio e a criança com horários sobrecarregados
Quando falamos com os pais sobre a importância do divertimento
e do tempo livre num horário equilibrado, somos inevitavelmente
confrontados com a pergunta de como é que fizemos com os
nossos próprios filhos. Antes de a Tina ter filhos, decidiu que
quando os tivesse apenas os deixaria participar numa atividade de
cada vez. Já tinha ouvido falar dos perigos para as crianças de um
horário sobrecarregado, e de como as que participavam em muitas
atividades ficavam cansadas e saturadas. Não conseguiam ter
tempo para estar com a família, ficavam fartas e começavam a
detestar qualquer atividade que os pais lhes propusessem. Tudo
isto fazia sentido para ela, por isso declarou que se os seus filhos
quisessem ter aulas de dança, seria a sua única atividade até as
aulas terminarem. Se quisessem praticar um desporto, não se
envolveriam em mais nenhuma atividade até ao fim da época. Não
iria sobrecarregar os seus filhos (Quando se trata de filhos
hipotéticos, somos sempre pais excelentes ou mesmo ideais!)
Depois nasceu o seu primeiro filho, e ela percebeu todas as
oportunidades que ele poderia ter, e todos os seus diferentes
interesses. E percebeu que a sua decisão de “uma atividade de
cada vez” iria ser posta à prova. Ela e o marido queriam que o filho
tivesse aulas de piano. E ele também queria entrar para os
escuteiros com os seus colegas da escola. E depressa se tornou
evidente que a sua paixão era o desporto. Ele queria praticar todos
os desportos em todas as épocas. Piano, escuteiros, desporto.
Juntemos tempo para brincar, fazer os trabalhos de casa e sair com
a família; como é que iriam conseguir conciliar tudo? E ainda era só
o primeiro filho. Agora tem três, cada um com as suas próprias
oportunidades e paixões.
Dan teve a mesma experiência com os seus filhos e passou
muitas tardes e noites intensas em atuações musicais e torneios de
vólei. Isto é o que os pais fazem e ficamos gratos por haver tantas
oportunidades valiosas e divertidas ao alcance dos nossos filhos.
Mas, afinal, quando é que o muito se torna demasiado?
Mais uma vez, tem a ver com o equilíbrio e o respeito pelas
particularidades de cada um. Acreditamos que ter crianças com
horários sobrecarregados é uma preocupação para muitas famílias.
Porém, para outras famílias, a falta de ocupação, com as crianças
horas a fio diante de um televisor, é um problema. Os nossos
próprios filhos frequentaram escolas exigentes e estiveram
envolvidos em todo o género de atividades, e por vezes ficámos
preocupados por considerarmos que estavam demasiado ocupados.
Mas tendo passado muitos anos a tentar alcançar um equilíbrio
saudável relativamente aos interesses dos nossos filhos, também
queremos ser realistas e razoáveis. Normalmente as crianças
adoram ser ativas e, enquanto isso for saudável e os pais
conseguirem tempo livre, sem permitir que a família se torne refém
do calendário de atividades, podemos alimentar as suas paixões e
deixá-los participar nas atividades divertidas de que eles gostam.
Então, como é que alcançamos o saudável equilíbrio de um
Cérebro Sim? Aqui estão algumas perguntas que encorajamos os
pais a fazer quando nos procuram no nosso consultório:
> O meu filho parece frequentemente cansado ou mal-humorado
ou transmite outros sinais de desequilíbrio, tais como sentir-se
stressado ou ansioso? Será que o meu filho está stressado?
> Será que o meu filho está tão ocupado que não tem tempo
livre para brincar e ser criativo?
> Será que o meu filho dorme o suficiente? (Se uma criança tem
tantas atividades que apenas possa fazer os trabalhos de casa à
hora de ir dormir, então isso é um problema.)
> Será que o horário do meu filho está tão preenchido que ele ou
ela não tem tempo para sair com os amigos ou os irmãos?
> Será que andamos todos tão ocupados que não conseguimos
sentar-nos à mesa para jantarmos juntos regularmente? (Não
precisam de fazer todas as refeições juntos, mas se só
raramente se sentam à mesma mesa, isso é um problema.)
> Será que está sempre a dizer ao seu filho: “Despacha-te?”
> Será que também anda tão ativo e stressado que as suas
interações com os seus filhos são na sua maioria reativas e
impacientes?
Se respondeu afirmativamente a alguma destas questões, talvez
seja altura de fazer uma pausa e refletir. Se respondeu “sim” mais
do que uma vez, então sugerimos que pense seriamente se os seus
filhos não estão demasiado ocupados.
Se, pelo contrário, não há nenhum sinal de que o seu filho esteja
sobrecarregado, então não precisa de se preocupar com esta
questão. Provavelmente o seu filho é ativo, desenvolvido e feliz, e
conseguiram encontrar uma forma de alcançar um equilíbrio
saudável que tanto promove um Cérebro Sim como permite que ele
se desenvolva. Também é bom lembrar que todas as crianças são
diferentes, e cada uma delas terá impulsos e limites diferentes para
os seus dias e semanas. É importante respeitar a singularidade de
cada criança.
O que pode fazer: estratégias de um Cérebro Sim para
promover o equilíbrio
Estratégia n.º 1 de um Cérebro Sim para promover uma
mente equilibrada: otimize o sono
Somos uma nação de gente que sofre de privação crónica do
sono. Continuamos a registar demasiada depressão e ansiedade
nos jovens, e muitos dos sintomas associados a estes dois
diagnósticos podem ter origem ou serem potenciados pela privação
crónica do sono. As crianças, em particular, perdem com frequência
horas de sono por causa das opções bem-intencionadas dos pais
ou da escola para preencher ao máximo os seus dias com
atividades enriquecedoras. Ironicamente, os pais estão com
frequência tão empenhados em garantir que as crianças tenham
tempo para se divertir e passar tempo em família, para além de
todas as atividades letivas, que o importantíssimo sono é
sacrificado no altar do enriquecimento, e o momento de ir dormir é
cada vez mais empurrado para horas tardias.
O tempo de descanso reduzido é um problema, porque o sono é
essencial para o equilíbrio do corpo e da mente. Novas perspetivas
do sono, por exemplo, sugerem que é necessário um sono
adequado para permitir a limpeza das toxinas geradas pela
ativação neural durante o dia, de forma a que possamos começar
um novo dia com um cérebro fresco e limpo. O sono é a higiene do
cérebro. Sem o tempo de sono suficiente, todas as funções do
cérebro e do corpo ficam comprometidas, tal como a capacidade
de prestar atenção, de recordar, de aprender, de ser paciente e
flexível e até mesmo a capacidade de processarmos os alimentos
que ingerimos.
É evidente que uma criança em crescimento precisa ainda mais
de dormir do que um adulto. A Academia Americana da Medicina
do Sono, cujas diretrizes foram aprovadas pela Academia
Americana de Pediatria, recomenda o seguinte para cada grupo
etário:

É muito tempo de sono, e, sem ele, a zona verde das crianças


encolhe e a sua janela de tolerância estreita-se, deixando-a
vulnerável para se tornar cada vez mais volátil emocionalmente e
menos habilitada para se controlar e resolver problemas.
Isto não é surpresa para si – os seus filhos tornam-se mais
reativos e menos equilibrados e resilientes quando estão cansados
e têm horas de sono a menos. É por isso que pode sentir receio de
um ameaçador e iminente mau-humor quando os seus filhos lhe
pedem para ir passar a noite a casa de um amigo. Uma das
experiências transversais a todos os pais é quando, num sábado ou
domingo à tarde, têm de lidar com uma criança exausta na zona
azul ou vermelha, melancólica ou irritadiça.
Mas não são apenas as festas do pijama que transtornam o sono
das crianças, dando origem a comportamentos próprios da zona
azul ou vermelha. Apresentamos aqui alguns fatores que podem
condicionar o sono:
> Um horário demasiado preenchido. Reflita sobre o facto
de as muitas atividades poderem estar a interferir com a hora das
refeições e de ir dormir. (Daremos sugestões específicas na
próxima estratégia de um Cérebro Sim.)
> Um ambiente caótico ou barulhento. Uma casa ou
vizinhança que continua ativa e barulhenta, ou irmãos que
partilham o quarto, mas têm horários diferentes para dormir,
podem ser um desafio para os pais empenhados em proporcionar
um sono regular aos seus filhos. São circunstâncias que talvez não
consiga alterar facilmente. Nesses casos pode ter de ser criativo
para bloquear a luz, levar as crianças para o quarto delas só depois
de adormecerem, ou usar um ruído de fundo para abafar o
barulho.
> Horário de trabalho dos pais. O sono das crianças pode
ficar comprometido quando os pais só conseguem chegar a casa
para jantar e ajudar nos trabalhos de casa muito tarde. Mais uma
vez, se estas circunstâncias não podem ser alteradas, pode ter de
recorrer à criatividade, pedindo até a ajuda dos irmãos ou de um
vizinho para ajudar nos trabalhos de casa ou fazer com que as
crianças jantem mais cedo durante a semana, chegando depois os
pais a tempo de lhes contar uma história antes de adormecerem e
só depois irem jantar. Cada uma das famílias tem de perceber o
que funciona melhor no seu caso.
> Lutas de poder à hora de dormir. Quando à hora de dormir
se gera um ambiente de controvérsia, de stress, de zanga ou
medo, o cérebro faz uma associação negativa entre o sono e toda a
rotina da hora de ir dormir, pelo que as crianças tenderão a resistir
cada vez mais ao sono. Se, pelo contrário, criarmos associações
positivas com a hora de dormir, as crianças sentir-se-ão seguras,
descontraídas e até ligadas em vez de stressadas e agressivas.
Talvez tenha de reformular a sua rotina da hora de dormir,
dedicando mais tempo para ler, aconchegar-se e estar presente.
Enfatizar a união quase sempre faz com que a criança adormeça
mais rapidamente e sem dramas, o que permite que os pais
tenham mais tempo para eles próprios e passem menos tempo a
discutir com os filhos.
> Falta de tempo para “desacelerar”. Quanto mais
aprendemos sobre as crianças, mais compreendemos a importância
de atender às necessidades do sistema nervoso de cada uma.
Especialmente no que se refere ao sono, os pais têm de dar ao
corpo e ao sistema nervoso tempo para desacelerar. Nós não
conseguimos passar automaticamente do estado de vigília para o
estado de sono – passamos por um processo de “desaceleração”
em que o nosso sistema nervoso começa a abrandar e nos permite
adormecer. Temos de dar prioridade ao cérebro da criança,
concedendo-lhe tempo para passar a estados de excitação cada
vez menores até ela adormecer.
Claro que esta relação entre o sono e o equilíbrio não se aplica
apenas às crianças. Pense na sua própria experiência. Quando
dorme menos, não sente que fica com um cérebro menos
equilibrado? Não fica com menos paciência e com menos
capacidade de controlar as suas próprias emoções? A diferença é
que os adultos tiveram muitos anos de prática para tentar manter o
controlo, mesmo quando estão cansados. Nem sempre
conseguimos, mas temos cérebros completamente desenvolvidos e
tivemos mais oportunidades para tentar melhorar nesta matéria.
Normalmente estamos mais conscientes das nossas falhas quando
estamos com falta de sono e podemos controlar-nos mais. Já as
crianças podem passar rapidamente para a zona azul ou vermelha,
não tendo ainda as competências suficientemente desenvolvidas
para regressar facilmente à zona verde por elas próprias. Então,
pense em formas de melhorar o sono dos seus filhos durante a
noite, para que eles consigam ter equilíbrio emocional e um
comportamento controlado durante o dia.
Estratégia n.º 2 de um Cérebro Sim para promover uma
mente equilibrada: sirva o prato da mente saudável
Como certamente saberá, o Ministério de Agricultura dos Estados
Unidos substituiu a pirâmide alimentar por uma versão diferente,
um exemplo ilustrado de “eu escolho o meu prato”, com a imagem
de um prato que inclui todos os grupos de alimentos (frutos,
vegetais, proteínas, cereais e lacticínios) para nos recordar como
deve ser a nossa alimentação diária para melhorar a nossa
condição física.
No que se refere ao equilíbrio mental e emocional dos seus filhos,
como seria o prato recomendado para uma mente forte e
equilibrada? Quais são as experiências que promovem a integração
e ajudam as crianças (e os adultos) a ligar partes do cérebro e a
juntarem-se aos membros da família e da comunidade, respeitando
as diferenças e promovendo relacionamentos empáticos com os
outros?
Para responder a estas questões, o Dan e o David Rock, um líder
no mundo da consultoria organizacional, criaram aquilo a que
chamaram o prato da mente saudável, composto por sete
atividades mentais essenciais e diárias (incluindo brincar e dormir,
de que já falámos antes) para otimizar a massa encefálica e criar
equilíbrio e bem-estar:
> Tempo de concentração: quando nos concentramos
firmemente numa tarefa com um objetivo, aceitamos desafios
que estabelecem ligações profundas no cérebro.
> Tempo de diversão: quando nos permitimos ser espontâneos
ou criativos, desfrutando de novas experiências divertidas,
estamos a ajudar o cérebro a estabelecer novas ligações.
> Tempo para relacionamentos: quando nos relacionamos
com os outros, de preferência pessoalmente, e quando nos
damos tempo para apreciar a ligação à natureza que nos rodeia,
ativamos e reforçamos os circuitos relacionais do cérebro.
> Tempo de exercício físico: quando exercitamos o nosso
corpo de modo aeróbico, se não houver nenhuma restrição de
saúde, estamos a fortalecer o nosso cérebro de várias formas.
> Tempo de introspeção: quando refletimos intimamente de
forma serena, concentrando-nos nas sensações, nas imagens,
nos sentimentos e pensamentos, estamos a ajudar o nosso
cérebro a integrar-se.
> Tempo de descontração: quando estamos descontraídos,
sem nenhum objetivo específico, e deixamos simplesmente a
nossa mente vaguear ou repousar, estamos a ajudar o cérebro a
recarregar baterias.
> Tempo de sono: quando damos ao cérebro o descanso de
que ele necessita, consolidamos a aprendizagem e recuperamos
das experiências do dia.

Baseado em Healthy Mind Platter, copyright © 2011


David Rock e Daniel J. Siegel
Estas sete atividades diárias constituem o conjunto completo de
“nutrientes mentais” de que o seu cérebro e os seus
relacionamentos necessitam para funcionar de forma plena. Ao
darmos oportunidade às crianças para aceder diariamente a cada
um destes nutrientes, estamos a promover a integração nas suas
vidas, permitindo que os seus cérebros coordenem e equilibrem
estas atividades. Estas atividades cerebrais essenciais fortalecem as
ligações internas do cérebro e as ligações aos outros e ao mundo
que as rodeia. Qualquer uma destas atividades a mais ou a menos
ao longo do tempo pode resultar num problema.
Sendo assim, a nossa segunda estratégia de um Cérebro Sim
para promover uma mente equilibrada é certificar-se de que as
experiências e horários dos seus filhos abrangem as várias
necessidades representadas no Prato da Mente Saudável. Por
exemplo, os seus filhos podem passar a maior parte do tempo de
concentração na escola, tal como o tempo de divertimento e de
relacionamento. E, possivelmente, fazem exercício físico quando
têm aulas de dança ou praticam algum desporto. Mas quando olha
para a agenda semanal, talvez repare que o seu filho não tem
tempo para a introspeção ou para descansar, ou até que não
dorme o suficiente. Ou pode acontecer que tenha um filho mais
introspetivo, que passa a maior parte do tempo sossegado ou
concentrado e tem muito tempo de interiorização. Nesse caso, ele
pode precisar de tempo de exercício físico para movimentar o
corpo, ou mais tempo para se relacionar e se divertir com os
colegas ou para partilhar refeições em família.
Também é possível que esteja a exigir demasiada concentração
aos seus filhos, dando demasiada importância às notas, de tal
forma que lhes seja difícil dedicar tempo saudável às outras
atividades do prato. Tome consciência de que é rara a criança que
só tem notas 5 na escola, ou que executa todas as tarefas na
perfeição. Se der mais importância aos excelentes resultados
académicos e conhecimentos em detrimento de tudo o resto, o seu
filho pode sentir que, faça ele o que fizer, nunca será suficiente. O
psicólogo infantil e autor Michael Thompson diz-nos que ouviu de
muitas crianças e adolescentes que os pais se preocupavam mais
com as notas que tinham do que com eles. Dão mais atenção à
meta do que à viagem de descoberta, mais aos resultados do que
ao esforço. Não admira, por isso, que haja tantos adolescentes com
elevados níveis de ansiedade e depressão e poucos
relacionamentos que ajudem a moderar esses sentimentos.
Tirando as recomendações sobre as horas de sono já referidas,
não sugerimos períodos de tempo específicos para as outras
atividades no Prato da Mente Saudável. Não há uma receita ideal
para uma mente saudável, uma vez que todas as pessoas são
diferentes e as necessidades de cada uma se alteram com o
tempo. O objetivo é estar consciente do espetro completo das
atividades cerebrais e, tal como acontece com os nutrientes
essenciais, dar o seu melhor para incluir os ingredientes certos na
dieta mental dos seus filhos, de preferência, pelo menos algum
tempo todos os dias. Da mesma forma que não quer que comam
piza todos os dias, não devemos dar às crianças apenas tempo de
concentração e pouco tempo de sono. Mais uma vez, a chave é
equilibrar o dia com estas atividades mentais essenciais. O
equilíbrio e a saúde mental baseiam-se na melhoria das nossas
relações com os outros e com o mundo que nos rodeia, e também
na consolidação das ligações no interior do nosso próprio cérebro.
A propósito, sabemos que assumir um verdadeiro compromisso
para estabelecer o equilíbrio na vida do seu filho pode parecer
assustador. Mas, por vezes, isso significa apenas não seguir na
direção ditada pela sociedade. Pode parecer-lhe assustador reduzir
o número de explicações ou atividades extracurriculares e deixar
correr, permitindo ao seu filho desenvolver-se ao seu ritmo. Mas
quando se trata dos seus filhos, tente permitir-se ir para além de
uma estrita definição de sucesso. Permita-se questionar o peso dos
trabalhos de casa. Permita-se sair da passadeira do “sucesso” e
fazer o que é melhor para o seu filho e para a sua família.
Daí, o Prato da Mente Saudável. Quando variamos o foco de
atenção neste espetro de atividades mentais, estamos a dar ao
cérebro uma série de oportunidades para se desenvolver de forma
diferenciada. É verdade que o tempo passado a divertir-se, a
trabalhar, a refletir ou a relacionar-se lhe preenche o dia, mas
também ensina e cria competências. Quando preparamos o terreno
para reservar tempo para cada uma destas atividades, não só
estamos a permitir que o cérebro se ative e se ligue a um leque
mais vasto de atividades cerebrais de que os nossos filhos são
capazes, como estamos também a marcar-lhes o ritmo e o sentido
de uma vida equilibrada. Apenas por ter consciência do Prato da
Mente Saudável e transmitir esse conhecimento aos seus filhos,
pode criar diariamente a propensão para o equilíbrio e bem-estar
mental.
O Cérebro Sim das crianças: fale aos seus filhos sobre o
equilíbrio
Ter um cérebro equilibrado é um conceito que podemos
transmitir aos nossos filhos. E as conversas que tivermos com eles
sobre o equilíbrio e as características de um Cérebro Sim, no geral,
irão ajudá-los a compreender os conceitos básicos da saúde mental
e emocional. Para além disso, quanto mais consciência eles tiverem
do equilíbrio no geral – tanto da mente como dos horários
familiares – melhor conseguirão recompor-se quando se sentirem
desequilibrados.
Para o ajudar a fazê-lo, incluímos aqui uma parte “O Cérebro Sim
das Crianças”, que pode ler juntamente com os seus filhos, para
que seja mais fácil falar-lhes sobre os seus próprios Cérebros Sim.
Faremos isso no final de cada um dos capítulos seguintes.
Desenvolvemos estas estratégias a pensar em crianças dos 5 aos 9
anos, mas pode adaptá-las à idade e desenvolvimento dos seus
filhos.
O meu próprio Cérebro Sim: promover o meu próprio
equilíbrio
Pare agora por um momento para pensar se a sua própria vida é
equilibrada. Colocamos-lhe aqui três questões que o ajudarão a
explorar o seu próprio sentido de equilíbrio. Talvez queira refletir na
sua resposta através de um registo escrito, ou talvez queira falar
com outros pais sobre como estas questões o afetaram.
1. Pense na sua própria zona verde. Sai facilmente desta zona e
é-lhe difícil regressar a ela depois de entrar na zona vermelha
ou azul? Faça estas perguntas no geral, claro, mas concentre-se
primeiro nas suas experiências com os seus filhos. Permanece
mais tempo na zona verde, vermelha ou azul?
2. Pense se está suficientemente integrado na relação com os
seus filhos. Será que é demasiado diferenciado sem ligação,
deixando os seus filhos emocionalmente entregues a si
próprios? Ou está demasiado ligado sem diferenciação, levando
a que se confundam? Qual é a percentagem de tempo que
passa no ponto ideal da integração, em que se mantém
emocionalmente ligado e solidário com os seus filhos, ao
mesmo tempo que lhes dá espaço para que se sintam
autónomos (considerando a sua idade e temperamento
particular)?
3. Como é que está o seu próprio Prato da Mente Saudável? Olhe
de novo para o prato, mas desta vez pense especificamente na
sua própria agenda diária e em como gasta o seu tempo e
energia.
Tendo estas perguntas em mente, despenda alguns minutos a
desenhar o seu próprio prato, considerando a forma como passa a
maior parte do tempo. Desenhe um círculo e divida-o como se
fosse um gráfico circular com 24 partes, uma para cada hora do
dia. Quantas horas do dia dedica a dormir, a fazer exercício físico, a
relacionar-se, etc.? Talvez o aspeto do seu prato seja mais ou
menos como o que mostramos a seguir.
Quando pensa nas horas do seu dia, quais são as atividades do
Prato da Mente Saudável às quais dedica consistentemente menos
tempo? Não queremos ser utópicos. Geralmente, os pais são
pessoas cujas circunstâncias não lhes permitem dedicar tempo a
atividades saudáveis. Isto é ainda mais evidente quando se trata
de pais de crianças muito pequenas. Nesse caso, podem até ter
dificuldade em conseguir tempo para comer e ir à casa de banho,
quanto mais para dormir o suficiente ou para refletir (ou para
desenhar o seu próprio prato). Nós percebemos. Também já
passámos por isso.

Ainda assim, continua a ser útil avaliar se está a conseguir


manter algum tipo de equilíbrio na sua vida, independentemente
de isso lhe parecer irrealista neste momento. O simples ato de
verificar o que lhe está a faltar – quer seja sono, exercício físico,
tempo para si, tempo para descontrair ou qualquer outra das
atividades diárias essenciais no Prato da Mente Saudável – pode
oferecer-lhe uma perspetiva sobre as necessidades pessoais que
neste momento não estão a ser satisfeitas e, pelo menos, dar-lhe a
oportunidade de pensar em como é que vai conseguir satisfazê-las
no futuro. O nosso próprio equilíbrio é fundamental para que a
nossa zona verde seja suficientemente sólida, a fim de podermos
corresponder às necessidades dos nossos filhos.
Voltamos a frisar que não é muito fácil conseguir uma mente
equilibrada quando se é responsável pelo bem-estar e
desenvolvimento de uma criança. Mas quanto mais desejar
alcançar o equilíbrio e desenvolver o seu próprio Cérebro Sim, mais
apto estará para proporcionar o mesmo àqueles que estão ao seu
cuidado.
CAPÍTULO 3
O Cérebro Sim: resiliência

Alanah era sem dúvida uma menina inteligente, de 9 anos, que,


apesar das suas inegáveis capacidades e competências, sofria de
ansiedade permanente. Preocupava-se com tudo: os testes na
escola, o envolvimento social, o aquecimento global, a eventual
morte da mãe e a saúde do seu porquinho-da-índia. Os seus pais
levaram-na a uma consulta da Tina quando a ansiedade se traduziu
em fortes ataques de pânico que interferiram com as suas
atividades regulares e lhe provocaram grande angústia. Como se
isso não bastasse, ainda enfrentava problemas crónicos de saúde
que os especialistas diziam ser “apenas psicológicos”.
À medida que Tina ia conhecendo Alanah, foi percebendo que a
sua jovem cliente era naturalmente muito conscienciosa e que a
tendência para o perfecionismo fazia parte da sua personalidade.
Ficava ansiosa na maior parte das áreas da sua vida. Tina
reconhecia esta espiral de ansiedade quando Alanah se
concentrava num possível desafio, depois tinha dificuldade em
enfrentar esse mesmo desafio, e a seguir ficava preocupada porque
não o tinha resolvido como devia. Por exemplo: um dia Alanah
esqueceu-se do almoço em casa. Ficou preocupada com a
vergonha que iria sentir por não ter almoço quando os seus
colegas estivessem a comer, depois começou a ficar preocupada
com o facto de poder ficar tão faminta que não conseguiria prestar
atenção às aulas, consequentemente, não iria perceber os
trabalhos de casa, o que faria com que tivesse uma nota baixa no
próximo teste. Sentiu-o com tal intensidade, que começou a
esconder-se regularmente na casa de banho da escola por longos
períodos sempre que enfrentava um ataque de pânico. Tal como
muitos outros receios, esta experiência comum na infância –
esquecer-se do almoço em casa – conduziu-a a um ciclo que se
tornou cada vez mais incapacitante. Esta espiral de ansiedade
estava a desenvolver um Cérebro Não, um estado de atividade
neural que a deixava virtualmente paralisada de cada vez que
enfrentava um obstáculo ou um ligeiro revés.
Voltaremos à história de Alanah mais adiante neste capítulo, e
explicaremos a abordagem de Tina a este caso e como ela ajudou
Alanah a voltar a ter um cérebro integrado e a ficar recetiva, ou
seja, a desenvolver um Cérebro Sim. Mas antes, queremos
apresentar-lhe o segundo dos quatro princípios de um Cérebro
Sim: a resiliência.
No capítulo 2 falámos de como ajudar as crianças a tornarem-se
mais equilibradas para lhes ser mais fácil manterem-se na zona
verde. Agora vamos abordar a forma como incentivamos a
resiliência e a coragem nos nossos filhos, ou seja, não se trata
apenas de se manterem na zona verde, mas da forma como podem
expandi-la e consolidá-la. Quanto maior for a sua janela de
tolerância em momentos difíceis e em situações de desconforto,
mais resilientes se tornarão face à adversidade, em vez de se
desmoronarem de cada vez que as coisas não correm à sua
maneira. A resiliência também se refere à capacidade de recuperar,
e do tempo que se leva a passar da zona vermelha ou azul à zona
verde – a forma como se consegue recuperar do caos e da rigidez
e voltar à harmonia da zona verde.
Em modo de Cérebro Não, as crianças sentem medo, pavor e
tornam-se reativas, intimidadas por complicações imprevistas,
sentindo-se incapazes de controlar o corpo, as emoções e as
decisões. Queremos, por isso, que desenvolvam a resiliência de um
Cérebro Sim e que saibam que têm as competências – ou que as
podem adquirir – que as ajudarão a enfrentar a adversidade com
coragem e a recuperar dos fracassos. Ou seja, que conseguirão
atingir um sucesso pleno e duradouro nas suas vidas – quer
tenham preocupações e sofram de ansiedade como a Alanah, quer
sejam apenas crianças que estão a crescer no nosso mundo
stressante, apressado e exigente, em que a vida nem sempre corre
como planeado.
Objetivo: desenvolver competências em vez de reprimir
comportamentos inadequados
Vamos começar por pensar na melhor maneira de reagir quando
as crianças agem de forma desagradável. Muitos pais acham que o
objetivo é abolir os comportamentos indesejados, fazê-los parar ou
desaparecer. Mas lembre-se: comportamento é comunicação. E um
comportamento problemático é, na verdade, uma mensagem em
que as crianças estão a dizer-lhe: “Preciso de ajuda para criar
competências nesta área. Ainda não consigo fazê-lo como devia.”
Sendo assim, o primeiro objetivo quando os nossos filhos estão em
dificuldades não deve ser livrar-se do mau comportamento ou
abolir o caos da zona vermelha ou a rigidez da zona azul, mas
perceber o que lhes podemos transmitir: as competências para que
numa próxima vez consigam lidar melhor com o problema. É claro
que queremos minimizar os comportamentos problemáticos. Todos
os pais querem. (Acreditem que também nós os dois quisemos
livrar-nos de uma série de comportamentos dos nossos filhos nas
suas várias fases.) Afinal, de cada vez que os nossos filhos perdem
o controlo, é difícil para eles, para nós e para toda a família. Mas se
queremos que as crianças desenvolvam um Cérebro Sim,
precisamos de nos concentrar menos em abolir o comportamento
problemático e mais em ajudá-las a desenvolver competências para
que aprendam a regressar à zona verde, de preferência sem ajuda.
Sendo assim, o primeiro objetivo quando os nossos
filhos estão em dificuldades não deve ser livrar-se
do mau comportamento ou abolir o caos da zona
vermelha ou a rigidez da zona azul, mas perceber o
que lhes podemos transmitir: as competências para
que numa próxima vez consigam lidar melhor com o
problema.
Quanto mais apoiarmos os nossos filhos no desenvolvimento das
competências de que necessitam, primeiro para evitar que saiam
da zona verde, e depois para que consigam regressar quando as
coisas não correm como gostariam, mais aptos estarão a ter uma
vida equilibrada e de bem-estar – o que, claro, fará com que a
existência seja mais agradável tanto para eles como para toda a
família. É o aspeto da equanimidade da felicidade dos gregos, a
eudaimonia. Equanimidade não significa que uma pessoa esteja
permanentemente calma; quer apenas dizer que essa pessoa
aprendeu a surfar as ondas das suas emoções com competência e
agilidade. Quando caem, já aprenderam a forma de subir à prancha
e voltar a surfar. A resiliência é um presente que podemos dar aos
nossos filhos e que perdurará. Como diz o velho ditado: dá um
peixe a um homem e irás alimentá-lo por um dia. Ensina o homem
a pescar e ele terá alimento para a vida inteira.
Uma das mães que conhecemos utilizou este conceito de
“comportamento é comunicação” para lidar habilmente com um
problema relacionado com o seu filho de 4 anos, o Jake. O
professor telefonou-lhe a dizer que o filho entrava constantemente
em conflito com os colegas de turma. De cada vez que iam jogar à
bola para o recreio, Jake acabava sempre frustrado por ter de
esperar pela sua vez e pegava na bola e atirava-a para a rua por
cima da vedação. Ou quando jogavam à apanhada, Jake ficava
muitas vezes zangado e até agressivo quando era apanhado.
Se a mãe de Jake tivesse lidado com este assunto de uma
perspetiva repressiva, poderia ter prometido recompensas ou
ameaçar com castigos para evitar que Jake agisse de forma tão
impulsiva ou hostil quando as coisas não corriam como ele queria.
E essa é a atitude que tanto pais como professores adotam com
mais frequência: tentam abolir o mau comportamento recorrendo
apenas a estratégias comportamentais como os quadros de
autocolantes ou outros métodos baseados na estratégia do pau e
da cenoura.
Mas a mãe de Jake lidou com a situação do seu filho numa
perspetiva de um Cérebro Sim, reconhecendo que as atitudes do
filho apenas lhe diziam quais as competências que lhe faltavam:
nomeadamente, que ele não tinha aptidão para partilhar e esperar
pela sua vez e que ainda não aprendera a ser um bom desportista.
O que não significava que ele fosse mau. Não significava que ele
era “um problema”. Queria apenas dizer que ela tinha de encontrar
uma forma de fazer com que ele aprendesse a esperar pela sua
vez, melhorando a sua capacidade de saber jogar com os colegas.
Por isso, falou com o professor, e descobriram formas fáceis e
rápidas de o treinar nesse sentido – tais como envolvê-lo no
planeamento dessas atividades, simular situações em que ele tinha
de esperar para assumir o papel do professor, e fazer com que o
Jake ajudasse a desenvolver histórias sobre partilhar e jogar à vez,
usando bonecos e personagens de filmes de ação (“Jake, ajuda-me
a ensinar o Batman a partilhar isto com o seu amigo.”)
Esta abordagem também pode ser eficaz com crianças mais
velhas. Se a sua filha de 11 anos quer ir acampar com os colegas e
passar a noite fora, mas tem medo de estar longe de casa toda a
noite, então ela está a dizer-lhe que precisa de desenvolver
competências relativamente à tolerância para se separar dos pais.
Algumas noites passadas em casa de colegas ou dos avós poderão
ajudá-la a adquirir resiliência nestas situações. Isto contrasta com
uma abordagem de um Cérebro Não em que lhe diria: “Isto não é
motivo para te preocupares. Já tens idade para fazer isso.” O
problema desta abordagem bem-intencionada é que ela preocupa-
se efetivamente e não se sente suficientemente apta para o fazer.
O que quer dizer que esta resposta descura claramente os seus
sentimentos, deixando-a confusa e pouco confiante na sua
capacidade de perceber o que o seu íntimo lhe diz, e não há nada
que possa fazer para se sentir melhor. Pior ainda, perde a
oportunidade de desenvolver competências que lhe possam ser
úteis no futuro.
Quando encaramos o comportamento dos nossos filhos como
uma forma de comunicação que nos permite saber quais as
competências e estratégias que ainda precisam de aprender e
desenvolver, então a nossa resposta pode ser mais consciente e
solidária, já para não dizer mais eficaz. Isto porque esta perspetiva
nos permite olhar para os nossos filhos como alguém que precisa
da nossa ajuda e está a passar por um momento difícil, em vez de
nos limitarmos a reagir, tornando as coisas ainda mais difíceis para
nós. Esta forma de agir alimenta uma relação parental baseada na
confiança, em que acreditamos que reforçando as competências, e
permitindo ao mesmo tempo que estas se desenvolvam, o cérebro
dos nossos filhos irá desenvolver o tipo de ligações que dão origem
à resiliência. Ajudamo-los, assim, a crescer de forma a se tornarem
o tipo de pessoa que leva uma existência enriquecedora, feliz e
com significado.
Resiliência, recetividade e expansão da zona verde
Vamos agora refletir sobre o que, na prática, significa
desenvolver a resiliência. Uma perspetiva útil é abordar os desafios
da vida de forma criativa e enfrentá-los com determinação e
lucidez. Tem tudo a ver com a já abordada recetividade versus
reatividade. A reatividade bloqueia a resiliência; a recetividade
incentiva-a. Por isso, se quer ajudar os seus filhos a lidar com a
adversidade de forma saudável e madura, a primeira coisa que tem
de fazer é ajudá-los a desenvolver a recetividade.

Quando uma criança é reativa fica à mercê do que a rodeia; tudo


o que pode fazer é reagir. A recetividade, pelo contrário, permite-
lhe observar e avaliar o que a rodeia e responder de forma
proactiva. Ela pode escolher como vai responder e agir
intencionalmente, em vez de reagir automaticamente sem uma
decisão consciente da sua parte. É isso que acontece na zona
verde.
É por isso que dizemos que o nosso objetivo a curto prazo é
ajudar as crianças a serem mais equilibradas e a permanecerem na
zona verde quando se zangam. Na zona verde elas mantêm-se
recetivas e o seu circuito de aprendizagem permanece ativo, o que
quer dizer que elas conseguem pensar, ouvir e compreender,
aprender a tomar as decisões corretas, considerar as
consequências e pensar nos sentimentos dos outros. Percebem que
mantendo o equilíbrio podem sentir emoções fortes, mas continuar
a pensar de forma clara e manter uma comunicação cooperativa.
Por outras palavras, na zona verde as crianças podem reagir
emocionalmente, mas permanecer equilibradas, conseguindo
aceder ao seu cérebro do andar de cima muito mais facilmente.
Um cérebro do andar de cima bem desenvolvido e uma vasta e
sólida zona verde são as chaves para enfrentar o fracasso e a
adversidade de uma perspetiva equilibrada.
Dito isto, o nosso objetivo a longo prazo é expandir a zona verde
ao longo do tempo. É aqui que se começa a construir a resiliência.

Pretendemos expandir a janela de tolerância das crianças face às


dificuldades, para que se tornem cada vez mais aptas a lidar com o
sofrimento e a adversidade. Uma zona verde pouco desenvolvida
torna mais provável que uma criança se sinta confusa ou rígida
mais facilmente, mais frequentemente e de forma mais intensa. O
objetivo não é abolir completamente a zona azul ou vermelha. Na
verdade, há alturas em que é necessário e importante que entrem
na zona vermelha ou azul – momentos de perigo ou outras
situações em que, perante uma ameaça, se exige uma resposta
adequada para sobreviver. Mas queremos que as crianças sejam
cada vez mais capazes de perceber quando é necessário sair da
zona verde, vivendo a maior parte das suas vidas nessa zona calma
e clarividente. É o que quer dizer expandir a zona verde.
Uma das formas de expandir a zona de tolerância é permitir que
as crianças enfrentem a adversidade, que sintam desapontamento
ou outras emoções negativas, e até deixá-las falhar. É assim que
irão desenvolver a coragem e a perseverança. Se já leu algum dos
nossos livros, sabe que acreditamos piamente na importância de
estabelecer limites para as crianças, ajudando-as a aprender a lidar
com aquilo que nem sempre corre como elas querem. Uma grande
parte do desenvolvimento de um Cérebro Sim resiliente passa por
ensinar às crianças que chegará o dia em que terão
inevitavelmente de enfrentar momentos e tempos difíceis. Assim,
em vez de as socorrer ou proteger de qualquer emoção ou situação
penosa, devemos acompanhá-las nesses tempos difíceis, ajudando-
as a desenvolver a resiliência, a aprender e a crescer com os
fracassos, continuando, apesar disso, a tomar decisões acertadas
no meio da tempestade emocional. Queremos que interiorizem a
nossa mensagem: “Estou aqui contigo. Vais ultrapassar isso. Eu sei
que é difícil, mas vais conseguir. Eu estou aqui.” É assim que
ajudamos a expandir a sua zona verde: ensinando-lhes de forma
carinhosa que conseguirão enfrentar esses momentos, ultrapassar
a frustração e os fracassos, e ficar mais fortes e sensatas.
Uma das formas de
expandir a zona de
tolerância é permitir que
as crianças enfrentem a
adversidade, que sintam
desapontamento ou
outras emoções
negativas, e até deixá-las
falhar. É assim que
ajudamos a expandir a
sua zona verde:
ensinando-lhes de forma
carinhosa que
conseguirão enfrentar
esses momentos,
ultrapassar a frustração e
os fracassos, e ficar mais
fortes e sensatas.
Expandir a zona verde requer alguns gestos simples da sua
parte:
Ou pode envolver assuntos mais complexos e tristes. Depois de
dizer ao seu filho de 7 anos que o seu adorado animal de
estimação morreu, o próximo passo pode ter de ser sentar-se com
ele e abraçá-lo enquanto ele chora e lhe diz tudo aquilo que
adorava nele. Ou quando os melhores amigos da sua filha de 12
anos lhe dizem que ela já não é suficientemente popular para se
juntar a eles ao almoço, e você tem de resistir à tentação de ligar
aos pais das outras crianças ou a algum responsável da escola a
exigir que a aceitem. Em vez disso, deve manter-se junto dela e
deixar que sinta o seu amor e apoio enquanto ela enfrenta uma dor
que nunca antes experimentara e depois ajudá-la a pensar em
algumas formas de resolver o problema.
Por outras palavras, há alturas em que devemos deixar que os
nossos filhos se magoem, e até que fracassem, sem irmos a correr
em seu auxílio, privando-os dessas preciosas lições de
desenvolvimento da resiliência. E quando estamos emocionalmente
presentes nesses momentos e os confortamos, fazemos muito mais
do que expandir a sua zona verde. Nos seus circuitos de memória,
estas experiências ensinam às crianças que há situações que
podem ser duras, mas que elas conseguem enfrentá-las e
recuperar. Da próxima vez que se depararem com uma situação
difícil, a parte da memória que será ativada estará relacionada com
essas experiências em que enfrentaram desafios e foram
efetivamente capazes de os ultrapassar.
Empurrar e apoiar: quando deixar que resolvam os
problemas sozinhos
Quando dizemos aos pais para ajudarem os filhos a expandir a
zona verde, deparamo-nos frequentemente com a mesma
pergunta: “Sim, mas como é que sei quando devo deixá-lo resolver
os seus problemas ou quando devo intervir?”
Lembramo-nos sempre da resposta de uma aluna da Tina:
Empurrar e apoiar. Por vezes os nossos filhos precisam que os
desafiemos a ultrapassarem-se a si próprios. Rebentar a bolha em
que se refugiaram e incentivá-los a arriscar perante circunstâncias
e desafios a que não estão habituados. É a parte do empurrar:
desafiá-los e deixá-los desenvolver a resiliência, a força, a
resistência e a coragem. Trata-se, claro, de “pressionar os limites”
das suas capacidades e não de os empurrar literalmente para
fazerem alguma coisa. É uma das formas de os levar a expandir a
sua zona verde, de aprenderem a sair da zona de conforto. Quando
intercedemos e impedimos uma criança de enfrentar um problema
que poderia resolver sozinha, não lhe damos oportunidade de ela
aprender a enfrentar uma questão complicada ou de perceber até
onde vai a sua capacidade de lidar com situações difíceis. Ter de ir
falar com um professor ou resolver um problema com um amigo
pode ser uma grande oportunidade de aprendizagem. Conceda à
criança o benefício de praticar a comunicação e a lógica. Empurrar
significa ensiná-la a ser assertiva e perceber que pode ser ao
mesmo tempo respeitadora e determinada, ainda que fique
nervosa por marcar uma posição ou enfrentar um desafio. As
crianças só percebem que conseguem fazer uma coisa quando a
fazem!
Mas só se não lhes causar uma angústia tão grande que lhes
afete o seu sistema nervoso, remetendo-as para a zona vermelha
ou azul. Se pressionarmos demasiado as crianças antes de estarem
preparadas, o seu sistema nervoso ficará sujeito a uma angústia
demasiado desconfortável e o tiro pode sair-nos pela culatra,
deixando-as ainda mais medrosas e dependentes e menos
dispostas a crescer, ou seja, encolhendo mesmo a sua zona verde.
Então, há momentos em que os nossos filhos precisam mesmo do
nosso apoio. Quando enfrentam um obstáculo demasiado grande
ou um desafio que simplesmente não conseguem resolver por eles
próprios. Quando não lhes é mesmo possível resolver o assunto
sozinhos. Talvez o seu filho de 3 anos ainda não esteja preparado
para se sentar a almoçar com os amigos com quem brinca no
parque e precise que se sente com ele à parte até estar pronto
para se juntar aos colegas. Ou talvez a sua filha, que frequenta a
terceira classe, sinta receio em se ir deitar sozinha, por causa da
imagem de Halloween que viu nessa tarde num cartaz, precisando
por isso que fique com ela até adormecer. Ou talvez o professor de
História do seu filho, no ensino secundário, lhe esteja a dar tantos
trabalhos de casa que ele não consegue ir às outras atividades nem
dormir o suficiente, e você sente que tem de interferir para
perceber melhor o que se passa. Não devemos pedir às crianças
para desempenharem sozinhas tarefas que estão para lá das suas
capacidades. Então, sempre que enfrentam um desafio que é
demasiado grande para resolverem sozinhas, devemos apoiá-las
firmemente. Embora haja momentos em que lhes damos um
empurrão, pedindo-lhes que assumam desafios que estão para lá
da sua zona de conforto, nestas alturas devemos servir-lhes de
amortecedor, fazendo-lhes perceber que estamos ao seu lado, que
estamos ali para as proteger.
Tenha presente que o cérebro é uma máquina de fazer
associações, pelo que devemos tentar antecipar quando é que o
nosso empurrão irá levar o cérebro da criança a associar o desafio
desconfortável a um sentimento positivo (“Eu consegui!” ou “Afinal
não foi assim tão mau e até me diverti”) ou se esse empurrão leva
a uma associação negativa, fazendo com que se torne ainda menos
provável que ela queira voltar a tentar numa próxima
oportunidade. Se considera que poderá vir a ser uma experiência
negativa e demasiado intensa para o seu filho, tente apoiá-lo,
dando pequenos passos na direção do objetivo.
Então como é que sabemos que atingimos o ponto de equilíbrio
ideal para que o prato não fique demasiado frio nem demasiado
quente? Como é que sabemos o que é “mesmo certo?” Por outras
palavras, como é que podemos ajudar os nossos filhos a enfrentar
apenas a adversidade suficiente, sem ir além das suas
capacidades? Quando é que os devemos empurrar ou apoiar?
Bem, não é fácil. Aqui fica a forma como o explicamos aos pais
que procuram o nosso consultório. Pedimos-lhes para responderem
a cinco perguntas.
Perguntas que podem ajudar a definir quando é que o seu
filho precisa de um empurrão e quando precisa do seu
apoio.
1. Qual é o temperamento do seu filho e em que fase de
desenvolvimento se encontra, e do que é que ele ou ela precisa
neste momento?
Não se esqueça de que o seu filho se pode sentir
emocionalmente e até fisicamente perturbado perante situações
difíceis. O que para si pode parecer um pequeno passo, aos olhos
do seu filho pode parecer um mergulho num enorme precipício.
Por vezes uma criança precisa de dar mais passos pequenos, de
mais prática, de mais tempo ou de mais apoio da sua parte.
Noutras alturas, a mesma criança consegue enfrentar o
desconforto e pode precisar apenas do seu empurrão. Esteja
atento à forma como o seu filho reage e ao que isso revela sobre
as suas necessidades nesse momento. Tente sintonizar-se com a
atual experiência interior do seu filho, revelada através dos seus
sinais e comunicação, e não com o que você pensa que ele
deveria estar a sentir.
2. Será que você está consciente de qual é o verdadeiro
problema?
Quais são os elementos que estão a fazer com que o seu filho
resista a enfrentar este obstáculo ou a lidar com este desafio em
particular? Talvez você tenha assumido que ele acha que dormir
fora é assustador porque vai ficar longe de si, mas na verdade
pode ter mais a ver com o medo que sente de poder vir a fazer
chichi na cama. Ou talvez pense que a renitência dele para entrar
na equipa de natação tem a ver com a sua preguiça para fazer
exercício físico e se esforçar a treinar quando, na verdade, o
problema pode estar mais relacionado com o facto de ter de usar
um fato de banho em público. Por isso, fale com o seu filho e
tente perceber qual é o verdadeiro problema. Só nessa altura
poderá ajudá-lo na sua resolução.
3. Quais são as mensagens que lhe transmite quanto a assumir
riscos e a fracassar?
Em adultos percebemos a importância de enfrentar os nossos
medos e de estarmos dispostos a tentar e falhar. Temos a noção
do quanto aprendemos quando falhamos ou fazemos asneira e
percebemos que cada erro é uma oportunidade para crescer e
para o autoconhecimento. Mas será que está a passar aos seus
filhos esta importante lição de vida? Quais são as mensagens
explícitas e implícitas que transmite aos seus filhos no que se
refere a assumir riscos? Para “serem cautelosos”? Para pensarem
por eles próprios? Para perceberem quando é que o fracasso é
aceitável? Será que a mensagem que envia é para que façam
sempre tudo bem ou de modo perfeito, sendo que os seus filhos
não se sentem livres para pintar fora das linhas? Será que na sua
família o “ups!” é visto como uma oportunidade de
aprendizagem? Nós conhecemos um pai que, quando deixa o seu
prudente filho de 9 anos na escola, todos os dias lhe diz: “Hoje
arrisca”. E se esta mensagem não é adequada para todas as
crianças, para este rapaz reservado e cuidadoso é mesmo o tipo
de mensagem que o pode levar a desenvolver a mentalidade de
um Cérebro Sim. Aprendemos quando arriscamos e cometemos
erros, pelo que podemos agarrar outra oportunidade e voltar a
tentar. O Cérebro Sim fomenta a coragem, permitindo-nos
perceber que, com ajuda de terceiros ou por nós próprios,
podemos estar sempre a aprender.
4. Será que o seu filho precisa de adquirir competências para
lidar com os potenciais (e inevitáveis) fracassos?
Novamente, o objetivo não é proteger os seus filhos do fracasso,
mas ajudá-los a adquirir competências que os levem a
ultrapassar a adversidade. Uma dessas competências é a
capacidade de reconhecer que superar dificuldades é muitas
vezes parte de um longo percurso. Por outras palavras, quando
sentimos dificuldades, isso não quer dizer que há algo de errado
connosco. Por isso, uma das melhores lições que podemos dar
aos nossos filhos é o conceito do “ainda”, defendido pela
psicóloga Carol Dweck. Quando as crianças dizem “não consigo
fazer isto” ou “não estou preparado”, faça com que acrescentem
a palavra “ainda”. Isso incentiva uma atitude de possibilidade e
dá-lhes uma enorme força, porque funciona a partir de um
Cérebro Sim e da ideia de que poderão vir a ser bem-sucedidos e
a alcançar o sucesso, desde que estejam dispostos a preparar-se,
a persistir e a trabalhar em função desse sucesso.
5. Será que está a dar ao seu filho as ferramentas que lhe vão
permitir regressar à zona verde e expandi-la?
Uma das mais importantes ferramentas que pode dar ao seu filho
é a capacidade de se acalmar e recuperar o controlo sempre que
cair na zona vermelha ou azul.
Uma das ferramentas mais fáceis e eficazes de usar, e de que já
lhe falámos em capítulos anteriores, é fazer com que ponham
uma mão no peito e outra na barriga e respirem fundo e devagar.
Este simples gesto pode ser uma importante ferramenta para os
acalmar. Depois poderão tomar decisões mais inteligentes – e
corajosas – sobre quais os desafios a enfrentar. (Voltaremos a
falar destas ferramentas mais à frente neste livro).
Refletir sobre estas perguntas poderá ajudá-lo a ter mais
consciência do estado do seu filho – e do seu próprio estado – para
decidir se o deverá empurrar ou apoiar num momento difícil. Estar
atento implica ter consciência do que se passa dentro de si, da
mesma forma que deve estar aberto e recetivo ao que se passa no
interior do seu filho. Tudo começa com um estado de espírito
intencional, um estado de espírito que se concentre
propositadamente nas necessidades específicas – de
encorajamento ou orientação – do seu filho. Quando os nossos
filhos estão perturbados, tudo o que queremos é ser tão
determinados e ponderados quanto possível na resposta que lhes
damos. A tolerância ao medo, ao desafio e ao risco, varia de
criança para criança. Algumas mergulham alegremente de cabeça
em situações novas e difíceis, tirando até prazer em resolver
problemas e ultrapassar obstáculos. Outras sentem-se
verdadeiramente desconfortáveis em correr riscos e enfrentar
experiências novas e desafiantes. E, muitas vezes, a mesma
criança vai reagir de forma diferente consoante o momento. Por
vezes são previsivelmente imprevisíveis. Por isso, não se esqueça
de que cada criança é única e complexa. Consoante a situação,
tome decisões sobre o que é melhor para esta criança única, neste
momento em particular, e o que a levará a desenvolver e a
expandir aquilo que acredita ser capaz de fazer. É o que chamamos
resiliência.
O que pode fazer: estratégias de um Cérebro Sim para
incentivar uma mente resiliente
Estratégia n.º 1 de um Cérebro Sim para incentivar um
cérebro resiliente: inunde o seu filho com os quatro Ss.
Como com quase tudo o que se relaciona com a parentalidade, o
relacionamento é a chave para desenvolver a resiliência. Um
poderoso indicador da resiliência e grau de evolução de uma
criança, no que toca à otimização do seu comportamento social,
académico e emocional, é a forma como essa criança desenvolveu
ou não um relacionamento seguro com pelo menos uma pessoa –
um dos pais, um avô ou um cuidador. É isso mesmo: ao ter para
com os seus filhos toda a atenção que naturalmente esperam
receber (não tem de ser perfeita), fazendo com que se sintam
ligados e protegidos, está a dar-lhes a oportunidade não só de se
sentirem mais felizes e realizados, mas de virem a ser mais bem-
sucedidos emocionalmente, socialmente e até academicamente.
Este tipo de cuidado integrado proporciona às crianças o que
designamos por vínculo seguro, em que sentem os quatro Ss2:
Os quatro Ss ajudam as crianças a sentirem-se seguras e
protegidas, especialmente quando estão perturbadas. Elas
percebem que podem contar consigo, que as protege e que as
sente e as ama profundamente – mesmo quando não gosta da
forma como se comportam. Sabem que vai tranquilizá-las e ajudá-
las a acalmar quando estiverem perturbadas. E sentem toda a
segurança que lhes dá – porque se sentem protegidas, sentem a
sua atenção e a tranquilidade que lhes transmite. Em termos
neurológicos, estas repetidas experiências de relacionamento
seguro possibilitam a ativação do cérebro de forma otimizada,
proporcionam o desenvolvimento saudável do cérebro do andar de
cima, e permitem que as crianças se sintam mais seguras em todos
os aspetos da sua vida. Quando lhes proporcionamos os quatro Ss
de forma consistente (não de forma perfeita) expandimos as suas
zonas verdes, ou seja, fazemos com que se sintam cada vez mais
aptas a enfrentar os problemas sozinhas.
Há uma razão francamente óbvia: quando os seus filhos sabem
que lhes cobre a retaguarda – que os acompanha e os apoia e os
ama em todos os momentos – isso dá-lhes a segurança de que
precisam e na qual confiam. Esse forte vínculo relacional
desenvolve uma base segura a partir da qual podem aventurar-se
para o desconhecido, sabendo que se a situação se tornar
demasiado difícil podem sempre voltar atrás e contar consigo. É
assim que desenvolvem a confiança e a coragem para saírem da
sua zona de conforto e tentar algo novo, desconfortável e até
assustador.
Outra razão pela qual uma forte relação entre os pais e as
crianças promove a resiliência é porque, quando passa tempo de
qualidade com os seus filhos, consegue conhecê-los mais
profundamente. O resultado é que se torna mais sintonizado para
reconhecer os sinais – tanto emocionais como físicos – que lhe
dizem que o seu filho está prestes a ultrapassar os limites da zona
verde e precisa de ajuda para regressar ao centro. Pode acontecer
que o seu filho tenha tendência para interiorizar. Pode perceber
que ele se retira ou evita o contacto social, e reconhece que é um
indicador de que possivelmente se está a sentir desconfortável e
que os circuitos do “recolhimento” foram ativados. Ou que está a
ser exigente consigo próprio. Seja qual for a razão, ele pode estar
prestes a desligar-se, a tornar-se rígido e a encaminhar-se para a
zona azul. Ou o seu filho pode ser mais extrovertido e, por
oposição à atitude mais passiva e de recolhimento de quem
interioriza, age em vez de entrar em colapso interior. Talvez faça
uma birra, grite, mostre desprezo ou agressividade. Claro que estes
são sinais óbvios de que está a sentir-se confuso e prestes a entrar
na zona vermelha.
Por outras palavras, graças ao estreito relacionamento com os
seus filhos, consegue ter a capacidade de perceber o que eles
estão a precisar a dada altura. Pode ter consciência das alterações
que vão ocorrendo, e decidir a forma como lhes pode fazer face.
Pode determinar qual a necessidade de empurrar ou apoiar perante
uma situação, e quando deve interferir prontamente ou evitar fazê-
lo, consentindo que o seu filho enfrente a frustração e a
adversidade por mais algum tempo para permitir que a zona verde
continue a expandir-se.
Num primeiro momento, pode parecer-lhe transcendente saber
quando é que a decisão certa é empurrar ou apoiar. Mas com a
prática, algumas tentativas e inevitáveis erros, vai perceber que
esta forma de abordagem de um Cérebro Sim por parte dos pais dá
bons resultados. É como diz a velha expressão da ciência: “A sorte
favorece a mente bem preparada”. Aprender estes princípios
prepara a sua mente para as possíveis oportunidades que possam
surgir ao seu filho – e a si – fazendo com que esteja pronto para se
sintonizar com a sua experiência e pressioná-lo ou apoiá-lo de
forma natural, consistente, reforçando as suas competências e
desenvolvendo os seus recursos.
A boa notícia relativamente aos quatro Ss é que, provavelmente,
já fazem parte das suas interações diárias com os seus filhos.
Sempre que se senta à mesa com os seus filhos na hora das
refeições, sempre que os leva ao parque, sempre que se ri com
eles quando veem um vídeo engraçado, e até sempre que discute
com eles e depois faz as pazes – todas estas experiências
aprofundam o vínculo que mantém com eles e todas promovem a
resiliência e um cérebro integrado. Na verdade, se o seu filho sentir
que tem a sua atenção, se se sentir protegido, seguro e tranquilo
junto de si, não precisa de fazer mais nada, porque não há nada
mais importante para desenvolver um cérebro integrado e
resiliente.
Estratégia n.º 2 de um Cérebro Sim para incentivar uma
mente resiliente: dê-lhe as ferramentas para ver com a
lente da mente
Uma das melhores formas de desenvolver a resiliência – bem
como praticamente qualquer outra importante qualidade
psicológica ou relacional – é dar às crianças as ferramentas para
que possam ver com a mente. Mindsight, ou Visão da Mente, é um
termo inventado pelo Dan e que, na sua forma mais simplista,
significa a capacidade de perceber e compreender a própria mente
e também a mente dos outros. É uma forma de sentir e de dar
sentido à vida mental interior que todos temos. A visão de mente
engloba três facetas: discernimento, empatia e integração. Como
iremos explicar em capítulos subsequentes, o discernimento centra-
se no entendimento da própria mente. É a capacidade de
autoconhecimento e de autorregulação. Empatia é a capacidade de
compreender a mente dos outros e permite que nos coloquemos
no lugar deles, percebendo as suas emoções e sendo solidário com
eles. E a integração, como já dissemos, é ligar as diferentes partes
para que possam trabalhar em conjunto, quer seja no próprio
cérebro, quer seja no relacionamento com os outros. A integração
no relacionamento, por exemplo, respeita as diferenças e cultiva a
comunicação solidária que liga duas ou mais pessoas umas às
outras. Contemplar a mente com a própria mente é pôr em prática
o discernimento, a empatia e a integração.
As competências que levam à visão da mente são, por isso,
ferramentas que nos permitem alterar a perspetiva que temos de
uma situação e ganhar mais controlo sobre as nossas emoções e
impulsos para podermos, passo a passo, tomar as decisões
acertadas que nos permitem melhorar as nossas relações com os
outros. Ao ajudarmos as crianças a desenvolver as ferramentas da
visão da mente, estamos a dar-lhes a capacidade de evitarem
tornarem-se vítimas das suas emoções e das circunstâncias, só
pelo facto de conhecerem algumas estratégias que as ajudam a
lidar com o que lhes acontece. Como consequência, aprendem a
usar a mente e o corpo para alterar o seu cérebro e as suas
emoções.
Foi o que Tina fez com Alanah, a menina de que lhe falámos no
início deste capítulo: ensinou-lhe estratégias para que ela
melhorasse o seu discernimento interior e ajudou-a a perceber, e
depois a enfrentar, o seu medo e ansiedade. Tina sabia que
precisava de ir retirando as várias camadas para perceber de onde
vinha a ansiedade de Alanah e examinar cuidadosamente o que
contribuía para a grande excitação do seu sistema nervoso e lhe
causava os ataques de pânico. Por outras palavras, ela precisava de
perceber porque é que a sua jovem cliente apresentava uma zona
verde tão estreita, porque é que lhe faltava tanto equilíbrio e
resiliência. Mas primeiro Alanah precisava de se descontrair.
Precisava de usar ferramentas que a ajudassem a acalmar quando
sentia que estava prestes a sofrer esses estados de inquietação.
Por isso, antes de mais Tina falou-lhe da zona verde e deu-lhe
um objetivo: arranjar forma de passar mais tempo na zona verde
onde tudo era mais calmo e seguro. Depois Tina começou a
introduzir algumas ferramentas elementares da visão da mente.
Claro que todas as crianças são diferentes e algumas estratégias
resultam melhor do que outras. Para Alanah houve duas
ferramentas que se revelaram especialmente eficazes: a primeira
foi o exercício de mindfulness que explicámos pormenorizadamente
no capítulo 2, na parte dedicada ao “Cérebro-Sim das Crianças”.
Tina começou por lhe pedir que fizesse uma coisa todas as noites
antes de dormir. Disse-lhe: “Quando começares a ficar com sono e
sentires os olhos a fecharem-se e o teu corpo a ficar relaxado,
quero que ponhas uma mão no peito e outra na barriga. Tenta
fazê-lo agora mesmo e repara como parece que acalma e
reconforta. Apenas por estares aqui sentada a respirar com uma
mão no peito e outra na barriga. É isso que pretendo que faças
todas as noites antes de ires dormir.” Depois Tina explicou esta
técnica à mãe de Alanah e deu-lhes a “missão” de a pôr em prática
todas as noites.
Todas as semanas, quando Alana ia à consulta de Tina, falavam
sobre a rotina tranquilizante da noite e praticavam-na ali no
consultório. Algumas semanas depois, Tina começou a reparar que
quando Alanah punha as mãos no peito e na barriga, respirava
fundo automática e imediatamente. Depois o tónus muscular
suavizava-se e o seu corpo relaxava-se de forma visível.
Da primeira vez que aconteceu, Tina chamou-lhe a atenção para
isso: “Reparaste? O que é que acabou de acontecer ao teu corpo?”
O que Tina pretendia era ensinar Alanah a monitorizar o que estava
a acontecer no interior do seu corpo. Alanah ainda não tivera
consciência da sua calma e descontração, mas quando Tina lhe
chamou a atenção para tal, ela reconheceu-o de imediato. As duas,
com a colaboração da mãe de Alanah, falaram sobre o que se
estava a passar – sobre os conceitos de equilíbrio e resiliência. Tina
explicou que os neurónios que se ativam em simultâneo também
se ligam em simultâneo, e que este exercício estabeleceu ligações
no cérebro de Alanah para associar a sensação das mãos no peito
e no estômago à serenidade. Esses neurónios ativavam-se juntos e
ligavam-se tanto para a memória como para as competências.
Alanah percebeu de imediato estes conceitos e compreendeu que a
experiência de se acalmar antes de ir dormir se relacionava, no seu
cérebro, com a experiência de colocar as mãos seguindo um
padrão.
O próximo passo, então, seria usar esta técnica sempre que se
sentisse ansiosa. Tina explicou-lhe que para onde quer que ela
fosse, teria sempre aquelas magníficas ferramentas à sua
disposição: as mãos. E que as podia usar sempre que começasse a
sentir medo, ansiedade e pânico. Na escola, em casa, na casa de
uma amiga ou noutro lado qualquer, ela podia limitar-se a colocar
as mãos subtilmente no peito e na barriga e despertar esse estado
de equilíbrio e tranquilidade sempre que fosse necessário. Tina
também lhe ensinou uma estratégia cognitiva básica do livro O Que
Fazer Quando Você Se Preocupa Demais3, de Dawn Huebner, em
que a criança imagina que tem o monstrinho das preocupações
sentado no seu ombro e com quem pode dialogar. A criança pode
agradecer ao seu cérebro por essa faculdade que a tenta proteger
de ameaças imaginárias e por ser um “vigilante” atento aos
perigos. Mas também pode tentar pedir ao monstrinho das
preocupações para, de vez em quando, se acalmar e fazer menos
alarido relativamente àquele medo em particular. Alanah achou
esta ideia maravilhosa e ela e Tina divertiram-se a imaginar o que
ela poderia dizer ao monstrinho das preocupações. Na semana
seguinte ela irrompeu no consultório de Tina com os olhos
brilhantes e um grande sorriso e gritou: “Consegui! Estava a
começar a ter um ataque de pânico e consegui evitá-lo.” Ela contou
a Tina o episódio que, uma vez mais, estava relacionado com o
esquecimento do almoço. Disse que assim que se sentiu a entrar
na zona vermelha e num intenso estado de stress por causa do
medo, se lembrou do que andara a aprender: “Primeiro posicionei
as mãos e respirei fundo e depois discuti com o monstrinho das
preocupações. Disse-lhe ‘não é assim tão mau! Posso pedir
dinheiro emprestado à Carissa para comprar o almoço. Ela traz
sempre dinheiro a mais.” E depois concluiu, com a justa medida de
determinação, muito ao jeito dela: “Depois disse ao monstrinho das
preocupações que já não precisava dele para me ajudar a
preocupar-me mais com o dinheiro para o almoço.”
Como é evidente, as ferramentas da visão da mente provaram
ser particularmente eficazes no caso de Alanah, pelo que ambas
festejaram este importante triunfo da resiliência. Depois Tina
facultou-lhe mais uma ferramenta da visão da mente, que ajudou
Alanah a cimentar a lição sobre o poder de usar o seu corpo e a
sua mente para influenciar a forma como o seu cérebro funciona.
Sem nunca usar o termo, Tina ensinou-lhe os fundamentos da
neuroplasticidade.
Alanah adorava a neve, pelo que, num quadro branco do
consultório, Tina desenhou uma simples montanha coberta de neve
e disse a Alanah: “À medida que as tuas preocupações se tornam
cada vez maiores, tu sobes cada vez mais alto nesta grande
montanha coberta de neve. E chegas ao cimo dessa montanha de
preocupações e sentes-te sufocada. No passado, para desceres,
entravas num trenó e descias até aterrares na Terra dos Ataques
de Pânico.” Ela desenhou o caminho na montanha e mostrou-lhe
aonde a levava, à Terra dos Ataques de Pânico no fundo da
montanha.
E continuou: “Sempre que as tuas preocupações se
intensificavam, voltavas a subir ao topo da montanha, voltavas a
entrar no trenó e voltavas a descer exatamente pelo mesmo
caminho, uma e outra vez, em direção à Terra dos Ataques de
Pânico.
Mas sabes o que fizeste hoje? Estavas no cimo da montanha,
mas, em vez de desceres pelo caminho de sempre que levava à
Terra dos Ataques de Pânico, usaste as tuas ferramentas, pegaste
no trenó e desceste por outro caminho. Encontraste um lugar
completamente diferente! Desceste por um caminho que nunca
tinhas percorrido, conheceste o caminho da descontração e
aterraste na Terra dos Dias Felizes.”
Tina desenhou o novo trajeto na montanha e continuou: “E o
melhor de tudo isso é que da próxima vez que as tuas
preocupações forem tão grandes que te encontres no cimo da
montanha, já sabes que não tens de descer pelo caminho que te
leva à Terra dos Ataques de Pânico. De vez em quando ainda
poderás tomar esse caminho. Na verdade, é o caminho que estás
habituada a seguir e o sulco é profundo. Mas há sempre neve a
cair, e quanto menos usares esse caminho para a Terra dos
Ataques de Pânico, mais coberto de neve ele ficará. E quanto mais
desceres pelo outro trajeto, mais fácil se tornará percorrê-lo e
segui-lo no futuro. Este novo caminho irá tornar-se aquele a que te
irás habituar e onde terás o teu trenó à espera, e vais acabar por
ter mais um excelente dia como o de hoje.”
Tina trouxe ao de cima a promissora mensagem da
neuroplasticidade, recordando a Alanah o poder da sua mente e do
seu corpo para alterar o seu cérebro atual. Ela explicou-lhe que os
caminhos na montanha coberta de neve são como as ligações no
seu cérebro. Podem tornar-se mais pequenos e mais ténues ou
maiores e mais profundos, dependendo da atenção e do uso que
lhes damos. E isto é apenas mais uma forma de controlarmos o
que sentimos e o modo como reagimos ao que nos acontece.
É este o poder das ferramentas da Visão da Mente. Aprendemos
a reconhecer e depois a alterar a nossa experiência interior. A razão
por que acreditamos tanto nas ferramentas da Visão da Mente tem
a ver com o facto de elas permitirem que as crianças percebam e
canalizem o poder da sua mente, mudando a forma como veem e
enfrentam as circunstâncias com as quais se deparam. Permitem-
lhes expandir a sua zona verde. A Visão da Mente permite que
crianças como Alanah possam sentir-se ansiosas e preocupadas
sem saírem da zona verde em vez de, por exemplo, entrarem na
zona vermelha com um ataque de pânico. Tal como Alanah
começou a perceber que não tinha de permanecer indefesa face às
suas circunstâncias e medos, queremos ajudar todas as crianças a
desenvolver uma mentalidade em que comecem por assumir que
são donas dos seus destinos e que, ainda que por vezes a vida seja
difícil e nem sempre consigam o que desejam, podem pegar nas
rédeas e tomar decisões sobre a forma como a enfrentam e sobre
quem querem vir a ser. É isso a resiliência.
O Cérebro Sim das crianças: ensine aos seus filhos o que é
a resiliência
Na parte dedicada ao “Cérebro Sim das Crianças”, no capítulo 2,
apresentámos às crianças o conceito de zona verde e discutimos o
que acontece quando saímos dessa zona e entramos na zona
vermelha ou azul. Neste capítulo “O Cérebro Sim das Crianças”
ajudamo-lo a incentivar a resiliência nos seus filhos, falando-lhes
explicitamente sobre como lidar com os desafios. A principal lição
centra-se em ajudar as crianças a enfrentar situações difíceis e a
acalmarem-se para que não se sintam indefesas perante as
circunstâncias e as emoções que enfrentam. Por outras palavras,
pode explicar-lhes que há muitas situações na vida que podem ser
difíceis e que é normal que se sintam desafiadas por aquilo com
que se deparam, mas que são essas dificuldades que nos tornam
mais fortes. Aqui fica um exemplo de como começar essa
conversa:
2No original, the four Ss: safe, seen, soothed, secure. Procurámos
palavras começadas por S que conseguissem transmitir a ideia
original. (N. da T.)
3Artmed Editora, Brasil. Versão original What to do When You
Worry Too Much (N. da T.)
O meu próprio Cérebro Sim: incentivar a resiliência em
mim mesmo
Agora que já refletiu bastante sobre como desenvolver a
resiliência nos seus filhos, pare um pouco e aplique essas ideias na
sua vida. Quanto mais desenvolvermos o nosso Cérebro Sim, mais
os nossos filhos serão capazes de expandir o deles.
Aqui ficam algumas perguntas para refletir na sua própria história
de resiliência e em que fase se encontra neste momento o seu
Cérebro Sim:
1. Alguma vez reparou se há um padrão na sua deslocação
quando sai da zona verde? Quais são os estímulos habituais que
revelam uma zona verde estreita? Será que tende a cair no caos
da zona vermelha quando se sente saturado, zangado, ou
quando teve uma experiência que o perturbou? Ou será que cai
na rigidez da zona azul e se desliga, ficando paralisado ou
entrando em colapso? Há pessoas, que quando já não
conseguem manter-se na zona verde, tanto podem cair na zona
azul como na zona vermelha.
2. Como é que avalia a experiência de entrar na zona azul ou
vermelha? Quanto tempo tende a permanecer aí? Para alguns,
pode ser necessário algum tempo afastados das interações, até
“voltarem a estar em linha”. Entra nestas zonas quando perde a
cabeça, quando abandona o funcionamento integrador do seu
córtex pré-frontal que abordámos no capítulo 1. Nessa condição
de entorpecimento pode ser difícil para qualquer um de nós
regressar ao estado integrado e flexível de um Cérebro Sim.
3. Quando se encontra na zona vermelha ou azul do Cérebro
Não, o que é que considera ser mais eficaz para regressar à zona
verde do Cérebro Sim? Estes processos reparadores diferem de
pessoa para pessoa, e conhecer a sua estratégia particular é uma
fonte de resiliência. Para algumas pessoas, o melhor é fazer uma
pausa, afastarem-se da situação. Outras preferem beber um gole
de água, ouvir música, espreguiçar-se e refletir no que se está a
passar. Escrever um diário pode ser uma prática útil para reforçar
as suas estratégias para regressar à zona verde.
4. Quais são as “arestas” que precisa de limar ou as áreas
específicas das suas fontes de resiliência que precisam de ser
reforçadas? Existem assuntos particulares que tenham levado ao
estreitamento da zona verde? Existem situações características
que sejam especialmente desafiantes? Será que, nesta fase da
sua vida, monitorizar o seu mundo interior para encontrar sinais
de que está a deixar a zona verde e a entrar na rígida zona azul
ou na caótica zona vermelha ainda é um desafio? Será que
continua a ser difícil para si fazer a transição da zona azul ou
vermelha para a zona verde?
5. Consegue manter um crescimento saudável? Isto implica pedir
a ajuda dos amigos, da família, ou de outras pessoas quando
necessário, e desenvolver as suas próprias competências de
autocontrolo para diferentes situações.
Em muitos aspetos, promover a sua própria resiliência é
fortalecer um Cérebro Sim. À medida que embarca neste
importante processo, estará não só a desenvolver a presença de
espírito que lhe será de grande valor, como estará também a
ajudar os seus filhos, ao moldar o seu tipo de vida a um Cérebro
Sim e a enfrentar os desafios com resiliência! Todos nós crescemos
ao longo da vida, por isso desfrute da viagem enquanto constrói
estes circuitos de resistência e bem-estar.
CAPÍTULO 4
O Cérebro Sim: discernimento

Numa dada manhã, Tina estava a arranjar-se quando Luke, o seu


filho de 8 anos, entrou na casa de banho a soluçar. Vejamos a
história que ela conta:
“Assim que consegui ajudá-lo a acalmar-se o suficiente para falar,
ele explicou-me que JP, o seu irmão de 5 anos, lhe tinha feito uma
“estrela de cinco pontas”. Eu não conhecia a expressão, e então ele
explicou que é quando se bate em alguém com a palma da mão
aberta, com tanta força que a pele da pessoa fica marcada com a
forma da mão, e as marcas dos dedos parecem formar uma
estrela. Levantou a t-shirt e, sem qualquer dúvida, pude ver as
cinco pontas vermelhas da estrela, a forma da mão de uma criança
de 5 anos na pele das costas do Luke.
Confortei-o e depois fui procurar o irmão mais novo, o agressor,
que como era óbvio continuava na zona vermelha. Se já assistiu a
alguma palestra minha, possivelmente já ouviu uma das histórias
em que não soube lidar bem com uma situação enquanto
progenitora. No entanto, naquela manhã em particular, eu
encontrava-me na zona verde e suficientemente atenta para ver
aquele momento de disciplina como deveriam ser todos os
momentos de disciplina: uma ocasião para ensinar, para
desenvolver competências. Era a altura perfeita para ajudar o JP a
desenvolver o terceiro princípio do Cérebro Sim: o discernimento.
Reconhecendo que ele ainda se encontrava num estado reativo e
não recetivo, pouco propício à aprendizagem, percebi que seria
mais eficaz sintonizar a comunicação antes de o redirecionar.
Ajoelhei-me, deixei-o aninhar-se nos meus braços, confortei-o e
acalmei-o dizendo: “Oh, miúdo, és mesmo maluquinho. Anda cá.”
Quando os soluços diminuíram, os músculos se descontraíram e
ele se começou a acalmar, disse-lhe de forma compreensiva: “Eu
sei que tu sabes que não se deve bater dessa forma. O que é que
aconteceu?”
Ao fazer esta pergunta, implementei uma estratégia que já
explicámos no livro The Whole-Brain Child: “Verbalizar e controlar”.
Deixei que o JP contasse a sua versão dos acontecimentos, o que o
ajudou a acalmar-se à medida que ia explicando como se sentia,
para que pudesse controlar as suas fortes emoções. Explicou que
ele e o irmão estavam ao telefone com a avó, e que ele estava a
contar uma anedota. E quando estava a chegar ao fim, Luke
adiantou-se e disse qual era a piada final. Depois de desligarem, JP
tentou dizer a Luke que estava furioso e ele provocou-o.
Solidarizei-me com JP e deixei-o expressar a sua enorme
frustração relativamente ao que, para ele, era uma quebra tão
grave no protocolo de contar anedotas, que lhe pareceu necessário
aplicar a técnica, até então para mim desconhecida, da “estrela de
cinco pontas”. Depois comecei a usar este banal momento de
disciplina – e lembre-se de que disciplina quer sempre dizer ensinar
– para promover a introspeção e o discernimento no meu filho de 5
anos.
À medida que ia falando com ele, ele ia-se acalmando, e eu
comecei a fazer-lhe perguntas para lhe direcionar a atenção para a
sua própria experiência, para o momento em que entrou na zona
vermelha e perdeu o controlo: “O que é que sentiste no teu corpo
quando isso aconteceu?” e “Percebeste em algum momento que
estavas prestes a explodir?” Eu queria levá-lo a pensar no assunto
e perceber melhor o que se havia passado no seu interior para o
levar àquela situação.
Depois a comunicação podia naturalmente passar para perguntas
como: “Quando sentes essa raiva a crescer dentro de ti, não tens
outra forma de a expressar?” e “O que é que resulta contigo? O
que é que te pode acalmar quando estás mesmo irritado e o teu
cérebro do andar de baixo assume o controlo?” Estabelecendo a
comunicação com ele e começando a ajudá-lo a desenvolver o
discernimento através do nosso diálogo reflexivo, poderia depois
entrar na fase da comunicação de “redirecionar”, perguntando-lhe
como deveria agir para fazer as pazes com o irmão.”
Como explicámos em Disciplina sem Dramas4, a verdadeira
disciplina – que se baseia não no castigo, mas na pedagogia –
pretende alcançar dois objetivos principais: (1.) conseguir a
cooperação a curto prazo, reprimindo um mau comportamento ou
promovendo um bom comportamento e (2.) desenvolver
competências e criar ligações no cérebro dos nossos filhos para os
ajudar a tomar melhores decisões e a serem bem-sucedidos no
futuro. Eram estes os objetivos de Tina quando falou com JP.
Atingiu o primeiro objetivo quando conseguiu aproximar-se
emocionalmente do filho, fazendo com que ele se acalmasse e
ficasse recetivo para aprender. Ele não iria aprender muito
enquanto ela não o fizesse entrar na zona verde, a zona recetiva,
onde poderia ativar os circuitos da aprendizagem. O segundo
objetivo era ajudá-lo a ter mais consciência dos seus próprios
sentimentos e reações, para poder, no futuro, à medida que fosse
crescendo, tomar melhores (e menos reativas) decisões quando
estivesse irritado. Ela queria que ele se tornasse mais introspetivo.
Desenvolver um cérebro introspetivo
De todos os princípios de um Cérebro Sim que apresentámos
neste livro, talvez o discernimento seja aquele em que menos
pensou. Resumindo, é a capacidade de olhando para dentro, nos
compreendermos a nós próprios e depois usar o que aprendemos
para controlar melhor as nossas emoções e circunstâncias. E isso
não é fácil – nem para as crianças nem para os adultos. Mas o
esforço para o conseguir e desenvolver vale a pena. O
discernimento é um elemento chave da inteligência social e
emocional, bem como da saúde mental. Sem essa capacidade, é-
nos quase impossível conhecermo-nos a nós próprios e
estabelecermos e tirar prazer do relacionamento com os outros. Por
outras palavras, é um requisito essencial para viver uma vida plena
de criatividade, felicidade, significado e sentido. Se é este o tipo de
vida que deseja para os seus filhos, ensine-os a olharem para
dentro, para se compreenderem.
Um dos aspetos principais do discernimento é a simples
observação. O discernimento passa por repararmos no nosso
mundo interior e estarmos atentos ao que aí se passa. Acontece a
todos nós – crianças e adultos – não termos consciência do que
estamos verdadeiramente a sentir e a viver. Por vezes ficamos
irritados e reagimos impulsivamente, tal como aconteceu na
situação com o JP de que já lhe falámos. Mas noutras ocasiões
podemos ficar zangados sem nos apercebermos de que estamos
furiosos – ou até negando-o. Ou sentimo-nos magoados,
desapontados, ressentidos, insultados ou ciumentos e
comportamo-nos de acordo com essas emoções, apesar de, na
verdade, não termos ideia de que nos estamos a sentir assim.
Estas emoções por si só não são um problema. Não nos
interprete mal: os sentimentos são importantes, mesmo quando
nos deixam desconfortáveis, ou quando são o que designamos por
“sentimentos negativos”. O problema surge quando sentimos estas
emoções sem percebermos que as estamos a sentir. Quando é esse
o caso, esses sentimentos que não reconhecemos podem levar a
todo o tipo de ações e decisões prejudiciais, indesejadas ou
involuntárias, que provavelmente não teríamos se tivéssemos
consciência do que estávamos a sentir. Essa é a principal razão por
que queremos desenvolver o discernimento. Faz com que
tenhamos consciência das emoções que nos estão a afetar,
permitindo-nos escolher a forma de agir.
O discernimento dá-nos
poder. Um enorme poder!
Tendo a capacidade de
discernir, deixamos de
nos sentir indefesos
perante os nossos
sentimentos e
circunstâncias. Podemos
olhar para o que está a
acontecer na nossa
paisagem interior e
depois tomar decisões
conscientes e
intencionais em vez de
seguirmos cegamente
impulsos destrutivos e
inconscientes.
E não queremos só estar conscientes dos sentimentos. No livro
The Whole-Brain Child falámos-lhe do acrónimo SISP5, que significa
Sensações, Imagens, Sentimentos e Pensamentos – os diferentes
impulsos e influências que experiencia no seu interior. Podíamos
acrescentar a essa lista memórias, sonhos, desejos, expetativas,
saudades e outras forças a funcionar na sua mente. O
discernimento vem das diferentes forças SISP e da atenção que
lhes dedicamos. Quando fazemos isso, conseguimos controlá-las e,
mesmo quando nos afetam, temos consciência disso e podemos
esforçar-nos para guiar esses impulsos, em vez de os deixarmos
controlar as nossas vidas e levar-nos a decisões e ações reativas e
prejudiciais para nós e para quem nos rodeia. É por isso que
dizemos que o discernimento nos dá poder. Um enorme poder!
Tendo a capacidade de discernir, deixamos de nos sentir indefesos
perante os nossos sentimentos e circunstâncias. Podemos olhar
para o que está a acontecer na nossa paisagem interior e depois
tomar decisões conscientes e intencionais em vez de seguirmos
cegamente impulsos destrutivos e inconscientes.
O jogador e o espectador
Quando falamos de verificar o que se passa no nosso cenário
interior, queremos dizer que percebemos, e até acolhemos, as
emoções que estamos a sentir nesse momento, ao mesmo tempo
que observamos as nossas próprias reações a essas emoções.
Cientistas, filósofos, teólogos e muitos outros tipos de pensadores
discutiram esta ideia durante séculos. Por vezes descreveram-na
como ter em conta os diferentes planos da consciência. Ou falaram
de dualidade no tratamento da informação. Qualquer que seja a
expressão, o conceito principal é o facto de sentirmos uma emoção
ao mesmo tempo que nos estamos a observar enquanto a
sentimos. Somos simultaneamente observadores e observados, ou
aquele que tem a experiência e o que a testemunha. Dizendo-o de
uma forma que seja compreensível pelas crianças, somos ao
mesmo tempo o jogador em campo e o espectador na bancada.
Por exemplo, imagine-se no seu carro. Acabou de ir com os seus
filhos ao cinema, decidiu não olhar a despesas e comprar as
pipocas estupidamente caras em vez de as fazer em casa no micro-
ondas e escondê-las em bolsas na sua mala ou em bolsos largos da
roupa (também já fez isso, não fez?). Agora, a caminho de casa,
em vez de estarem contentes e agradecidos, os seus filhos estão a
discutir sobre quem vai fazer o quê primeiro e o barulho está a
tornar-se cada vez mais insuportável. Se calhar está um dia
particularmente quente e o ar condicionado do seu carro não está
a funcionar como devia. À medida que o caos vai aumentando no
banco de trás, o mesmo acontece com as suas emoções, e sente
que está a entrar na zona vermelha. Está quase a saltar-lhe a
tampa e tem noção de que isso vai acontecer a qualquer momento.
Sem discernimento, o seu cérebro do andar de baixo poderia tomar
o controlo da situação, levando-a a explodir perante os seus filhos,
gritando e dando-lhes um sermão sobre gratidão e enumerando os
vários defeitos das crianças mimadas.
Esta versão-do-momento de si próprio, aquela que está a
conduzir de regresso a casa depois de ir ao cinema, é o que vamos
chamar “jogador” (como pode ver no quadro). Você está a jogar,
em campo, no centro dos acontecimentos. E, como jogador, pouco
mais consegue fazer do que jogar e tentar sobreviver, aconteça o
que acontecer.
Mas e se pudesse observar essa sua versão-do-momento de si
próprio a partir de um local afastado do caos? Enquanto o seu eu
jogador que está em pleno jogo não consegue ter discernimento, o
seu eu observador será o “espectador” que simplesmente observa
os acontecimentos a partir da bancada (como pode ver no segundo
quadro).
Consegue perceber como um espectador na bancada pode
manter a compostura ao contrário do jogador no campo? O
espectador consegue manter o discernimento e a perspetiva,
mesmo quando o jogador está freneticamente concentrado em
cada momento que está a viver.
Este tipo de discernimento e perspetiva pode ser
verdadeiramente útil quando segue num carro sem ar
condicionado, prestes a entrar na zona vermelha e a perder a
cabeça numa birra de adulto, enquanto conduz de regresso a casa
depois de ir ao cinema com os seus filhos mimados. Nesse
monovolume onde o ambiente está a aquecer, você é o jogador a
meio do jogo. Mas pode também imaginar a versão do espectador,
a pairar por cima do carro, olhando para baixo, para o jogador com
as crianças no banco de trás.
4Edição portuguesa, Lua de Papel, 2015. Título original No Drama
Discipline (N. da T.)
5No original em inglês SIFT - Sensations, Images, Feelings, and
Thoughts. (N. da T.)
O espectador não tem de ficar refém de todas as emoções e do
pandemónio que vai no carro. A sua missão é apenas testemunhar
o que se está a passar com o jogador. Apenas observa. Aguarda.
Não julga, não condena nem assinala falta, porque sabe que os
sentimentos são importantes, mesmo os negativos. Limita-se a
observar a situação e a reparar no que se está a passar, incluindo a
crescente irritação do jogador. Enquanto a versão-do-momento do
jogador sente estar prestes a rebentar, sem ter a mínima
consciência de todas as emoções que se desenvolvem no seu
interior, o espectador consegue conscientemente aplicar o conceito
SISP a toda a situação, tendo uma muito melhor – e saudável –
perspetiva dos acontecimentos, chegando mesmo por vezes a
achá-los divertidos.
O que é que pensa que o espectador pode dizer nesta situação
em particular? Por outras palavras, se pudesse fazer uma pausa
enquanto está ali sentada, com os nós dos dedos brancos da força
com que agarra o volante, e se conseguisse observar a partir de
um sítio calmo e sossegado longe da circunstância do momento, o
que diria a si própria? A espectadora pode dizer qualquer coisa
como: “É normal que eu esteja irritada com esta situação. Quem
não estaria? Afinal, eu sou humana. Não me posso esquecer de
que as crianças estão cansadas e eu também. Normalmente não
agem como crianças mimadas, é apenas uma coisa do momento.
São apenas crianças. É melhor respirar fundo e deixar o corpo
relaxar. Depois vou pôr a tocar aquela música de que os miúdos
gostam, e tentar não dizer nada de que venha a arrepender-me, e
não tarda nada chegamos a casa e podemos acalmar-nos. Se tiver
de os chamar à atenção pelo seu comportamento, é melhor fazê-lo
quando estivermos todos na zona verde.”

Não estamos a querer dizer que é fácil atingir este tipo de


discernimento e de consciência. Exige prática. Mas se quiser
trabalhá-los, o simples ato de se observar pode melhorar bastante
o discernimento de que precisa para assumir o controlo do seu
comportamento em situações difíceis. É muito útil!
Claro que este exemplo se refere ao discernimento parental. Mas
pode aplicar a mesma ideia aos seus filhos e ver como resulta.
Compreender um conceito como este requer um certo nível de
desenvolvimento e será mais alcançável à medida que a criança
cresce e se torna mais apta a um pensamento complexo. Mas
mesmo enquanto os seus filhos são pequenos pode ir lançando as
bases, ajudando-os a prestar atenção aos seus sentimentos e à
forma como reagem quando estão perturbados. A chave para o
discernimento, tanto para adultos como para crianças, é aprender a
fazer uma breve pausa no meio de uma situação adversa, e
assumir a posição de espectador. É aí que está o poder: na pausa.
O poder da pausa
Ter discernimento é desenvolver e usar a capacidade de fazer
uma pausa no momento certo, tornar-se um espectador a observar
o jogador, e ganhar a perspetiva necessária para ver claramente,
perspetivar as situações e tomar decisões acertadas. Muitas vezes
sentimos um estímulo e reagimos de imediato. O barulho dentro de
um carro sem ar condicionado leva ao colapso parental. Quando
uma criança do quarto ano se depara com um problema difícil num
teste de matemática, e fica tão ansiosa que lhe é difícil resolver o
problema em questão, ser-lhe-á depois ainda mais difícil ter a
calma suficiente para ser bem-sucedida no teste.
Quando não fazemos uma pausa, a reatividade assume o
controlo e é virtualmente impossível permanecer na zona verde. É
assim que se entra em modo de Cérebro Não.
Se, pelo contrário, conseguirmos fazer uma breve pausa, tudo
muda. O espectador que a observa no monovolume sem ar
condicionado entra em cena e diz-lhe para respirar fundo e
perspetivar a situação. Ou quando a sua filha de 9 anos perde a
cabeça por causa do difícil problema de matemática, a pausa
permite que o espectador interfira e dê à sua versão de jogador a
oportunidade de controlar a respiração e descontrair-se
ligeiramente. Mais uma vez, a diferença – bem como o poder –
está na pausa.
É fácil para uma criança fazer uma pausa numa situação difícil?
Claro que não. Isso é comum na maioria das crianças? Não mais do
que é para a maioria dos adultos. Mas, novamente, o
discernimento é uma competência para se aprender e praticar. Para
que esta aluna do quarto ano adquira este tipo de discernimento, a
fim de conseguir acalmar a ansiedade do momento, irá precisar de
ter adultos na sua vida a falar-lhe desta competência (dando
exemplos) e a proporcionar-lhe muitas oportunidades para a
praticar. Neste caso, ela e o pai podem ter várias conversas sobre a
sua tendência para ficar nervosa nos testes, e depois trabalhar um
“alarme secreto” em que ela possa confiar quando sentir a
ansiedade a apoderar-se dela. Ele pode falar-lhe da importância de
sentir medo – é aqui que entra o espectador – e depois olhar para
o seu relógio, que lhe lembra uma outra palavra começada por re:
respirar.

A partir daí, ela pode tentar relaxar os ombros e descontrair os


músculos, libertando a tensão e a ansiedade que ameaçavam
apoderar-se dela. Olá, Cérebro Sim. E tudo começa com a pausa,
que promove a flexibilidade de reação de que falámos antes.
Resumindo da forma mais simples possível, entre o estímulo e a
reação deve haver uma pausa. Fazê-lo rompe com a
automaticidade que é gerada quando reagimos imediatamente a
um estímulo e permite-nos escolher a forma como vamos
responder – tanto em termos emocionais como comportamentais.
Sem a pausa e a introspeção que se segue, não há escolha – só há
reação. Mas quando praticamos a flexibilidade e a pausa antes de
responder, colocamos um espaço temporal e mental entre o
estímulo e a ação. De uma perspetiva neurobiológica, este espaço
mental permite considerar uma série de possibilidades. Podemos
“estar” a vivenciar uma experiência e refletir sobre ela por um
instante antes de ativar o circuito de “entrar” em ação. A
flexibilidade de reação oferece-nos a oportunidade de escolher o
nosso “eu mais sábio” possível naquele momento, causando menos
stress e mais felicidade a nós próprios e àqueles que nos rodeiam.
Não é demais repetir: sabemos que fazer uma pausa numa
situação difícil é mais fácil de dizer do que de fazer. Mas o leitor vai
conseguir. Vai mesmo. Hoje. E, com a prática, conseguirá fazê-lo
cada vez melhor. Pode, ou não, vir a ser um mecanismo automático
para si, mas será cada vez mais uma resposta natural sempre que
enfrentar situações difíceis.
Ensinar às crianças o poder da pausa
O que é ainda mais estimulante é que pode ensinar os seus filhos
a desenvolver esta competência crucial a partir deste momento. Tal
como a menina do teste de matemática desenvolveu a capacidade
de fazer uma pausa e de se acalmar, os seus filhos podem
aprender a alcançar o discernimento quando enfrentam
dificuldades semelhantes. Imagine só como as suas vidas podem
ser diferentes – primeiro em crianças e depois quando
adolescentes e adultos – se aprenderem já a fazer pausas e a
terem discernimento nas decisões que tomam quando se deparam
com algum problema! Imagine como vão conseguir ser muito mais
serenos e afetuosos para com os seus próprios filhos! Ao ajudá-los
a desenvolver o discernimento e a ter flexibilidade de reação
enquanto são novos, pode estar literalmente a construir as
fundações para uma geração de sucesso emocional e relacional.
Imagine como podem ter uma vida diferente,
primeiro em crianças e depois quando adolescentes
e adultos, se aprenderem agora a parar e a terem
discernimento nas suas decisões! E imagine como
poderão vir a ser muito mais serenos e afetuosos
para com os seus próprios filhos! Ao ajudá-los a
criar um espírito aberto e ponderado, pode estar a
construir as fundações de uma geração feliz nos
relacionamentos e nas emoções.
Nós conhecemos uma menina, a Alice, aluna do primeiro ano,
que exemplificou esta ideia de forma brilhante. Um dia, os pais da
Alice informaram-na de que a família ia viver para outra cidade.
Abandonar a sua casa e os amigos era a última coisa que desejava
e fartou-se de chorar quando os pais lhe deram a notícia. Eles
ouviram-na e deixaram-na chorar. Lembre-se de que o objetivo da
introspeção não é reprimir os sentimentos. As emoções são uma
coisa boa e constituem uma resposta importante e saudável a
qualquer estímulo. Em vez de evitar as emoções, concentramo-nos
em aceitá-las, desenvolvendo uma capacidade de discernimento
que nos permitirá tomar decisões melhores e mais saudáveis
perante os estímulos.
Assim que Alice teve tempo de interiorizar a notícia, fez uma
pausa e decidiu fazer o que mais gosta: contar uma história sobre
a situação. Escreveu as palavras abaixo acompanhadas de um
vídeo que gravou com a ajuda do pai:
Lâmpadas elétricas
Os cérebros são importantes. Guardam muitas emoções como a
tristeza, a irritação, a alegria e o divertimento. Penso nas emoções
como uma fiada de lâmpadas. Quando estou contente, ligo o
interruptor. Quando se ligam muitas lâmpadas ao mesmo tempo,
fico assustada e confusa.
Neste momento é assim que me sinto, porque vamos viver para
outra cidade. Sinto-me triste e assustada com a mudança, mas ao
mesmo tempo também me sinto empolgada.
Se alguma vez sentires que se acenderam muitas lâmpadas ao
mesmo tempo, fica quieto e respira fundo. Vais sentir-te melhor...
É isto que queremos dizer quando falamos de usar o
discernimento para controlar as nossas emoções e a forma como
reagimos às circunstâncias. Por ter consciência da sua própria
tristeza e receio (e uma ligeira excitação), Alice pôde dar atenção a
esses sentimentos e reagir de forma saudável e produtiva. Repare
que esta história é toda contada na perspetiva da Alice
espectadora. A Alice jogadora era a que estava a chorar, a que se
sentiu confusa e assustada. É um aspeto importante que faz parte
dela, do qual ela precisava de ter consciência, e até acolher essa
parte de si mesma. Mas como pôde transformar-se em espectadora
e ver a situação de fora, conseguiu ter discernimento e perspetiva.
Foi assim que Alice manifestou a integração – conseguiu conciliar
as duas partes do seu cérebro – a de jogadora e a de espectadora.
É esta a essência da integração – ligar diferentes partes da nossa
experiência com os aspetos da nossa individualidade. E a
integração é a essência de um Cérebro Sim. Alice conseguiu até
aconselhar outras pessoas que se debatem, como se pode ver pelo
conselho que dá para se ficar quieto e respirar fundo – o que,
basicamente, não é mais do que fazer uma pausa entre o estímulo
e a reação.
Nem todas as crianças de 6 anos conseguem desenvolver este
tipo de introspeção e discernimento de um Cérebro Sim, e muito
menos a capacidade de o comunicar claramente. Não há dúvida de
que os pais da Alice lhe transmitiram um poderoso vocabulário
emocional e que respeitaram e prestaram atenção ao seu mundo
interior. Através da prática, a maior parte das crianças consegue
melhorar o conhecimento que têm de si próprias e a sua
flexibilidade de reação. Um rapaz aprendeu com os seus pais a
técnica do “verbalizar e controlar” e aos 4 anos já usava
regularmente a estratégia de falar das experiências para acalmar as
emoções negativas dentro de si.
Por exemplo, numa dada noite passou o serão em casa do seu
primo mais velho, onde viram um episódio do Scooby-Doo em que
havia uma casa assombrada e fantasmas assustadores (que eram
claro, truques usados pelo vilão da história, cujo plano diabólico
teria sido bem-sucedido não fossem esses miúdos intrometidos – o
clássico enredo do Scooby-Doo). Quando chegou a altura de se ir
deitar, o menino disse à mãe: “Mãe, tenho de te contar outra vez a
história do Scooby-Doo.” Ele contou o que tinha visto e ela fazia-lhe
perguntas sobre os pormenores e sobre o que o tinha assustado –
“E como é que esse fantasma se parecia?” – ajudando-o a
enquadrar os seus receios íntimos e lembrando-o de que os
fantasmas são afinal, tal como o rapaz os descreveu, nada mais do
que “uma espécie de t-shirt transparente pendurada numa corda.”
Ao pedir à mãe para lhe contar de novo a história, este rapazinho
demonstrava discernimento, reconhecendo a partir de uma posição
de espectador que precisava de fazer alguma coisa para ajudar a
sua faceta de jogador a sentir-se menos assustada naquele
momento. Estava, essencialmente, a demonstrar flexibilidade,
fazendo uma pausa antes de reagir ao estímulo das imagens
assustadoras na sua mente. Depois, a pausa podia conduzir a
escolhas produtivas e saudáveis.
É este o tipo de discernimento que emerge de um Cérebro Sim. E
é o que queremos proporcionar aos nossos filhos, para que possam
manter-se conscientes e monitorizem o que se está a passar com
os seus sentimentos e reações. Quando enfrentam situações
difíceis queremos que sejam capazes, tanto quanto a sua idade e
desenvolvimento permitem, de dar atenção ao seu mundo interior
e se apercebam de quando estão a ficar perturbados.
O simples ato de reconhecerem sentimentos de angústia pode
ajudá-los a tomar os comandos e evitar que percam o controlo da
forma como se sentem e comportam. Isto significa que o
discernimento não só leva a uma melhor compreensão do seu
mundo interior e das suas emoções, mas também a uma melhor
regulação dos seus sentimentos e comportamentos.
O discernimento não só
leva a uma melhor
compreensão do seu
mundo interior e das suas
emoções, como também
a uma melhor regulação
dos seus sentimentos e
comportamentos.
A regulação resulta da integração. O discernimento gera
integração por nos permitir ter consciência e por ligar os diferentes
aspetos da nossa experiência. E esta regulação adicional gerada
através do discernimento, este equilíbrio, traduz-se em mais paz e
felicidade para a criança e para toda a família.
O que pode fazer: estratégias de um Cérebro Sim para
promover o discernimento
Estratégia n.º 1 de um Cérebro Sim para desenvolver uma
mente introspetiva: enquadrar a dor
A maioria das crianças – provavelmente até a maioria dos adultos
– pensa nos conflitos como inerentemente negativos. Se uma
opção é mais fácil do que outra, então é porque é melhor. Mas este
é o pensamento do jogador, aquela faceta momentânea de nós
próprios que apenas tenta sobreviver. O espectador tem mais
consciência, e é esse o tipo de discernimento que queremos
transmitir aos nossos filhos. Queremos enquadrar a dor que eles
estão a sentir para que possam perceber que os conflitos nem
sempre são experiências negativas. É importante falar aqui da
noção de Carol Dweck de uma mentalidade desenvolvida versus
uma mentalidade rígida. No que se refere aos conflitos, podemos
mentalizar-nos de que é possível crescer com o esforço e a
experiência. Esse estado de espírito dá-nos o discernimento para
abordarmos os conflitos com energia e coragem – caraterísticas
que o trabalho de outra investigadora, Angela Duckworth,
demonstrou darem às crianças a capacidade de persistir perante os
desafios. Em contrapartida, uma mentalidade rígida deixa-nos
acreditar que as situações difíceis expõem as nossas fraquezas.
Deixa-nos acreditar que as nossas capacidades inatas não podem
ser alteradas com o esforço, o que nos fará evitar os desafios no
futuro. Leva-nos a acreditar que devíamos ser sempre bem-
sucedidos, que a vida devia ser fácil.
Apoiar os nossos filhos não é transmitir-lhes a velha lição de que
“a vida não é justa” ou dar sermões sobre o valor do trabalho
árduo e da gratificação tardia. Podemos ensinar aos nossos filhos
que o que importa na vida é a viagem de esforço e de descoberta,
e não ter como destino o atingir facilmente o sucesso. É desta
forma que lhes transmitimos a capacidade de discernimento que
sustenta uma mentalidade desenvolvida. Estes são os conceitos
importantes que as crianças deviam aprender, e há uma perspetiva
útil sobre enfrentar situações difíceis que pode incentivar, fazendo
apenas uma pergunta que as ajuda a desenvolver o discernimento:
“Que batalha preferes enfrentar?”
Imagine, por exemplo, que a sua filha de 10 anos adora ser
guarda-redes na equipa de hóquei, mas que detesta a ideia de ter
de praticar fora das horas normais das atividades da equipa.
Quando percebe que para ela o problema é esse, pode sentir-se
tentado a dar-lhe um sermão sobre como as coisas que valem a
pena não são fáceis, ou sobre como o esforço supera o talento
quando o talento não se esforça. E se, em vez disso, a ajudasse
apenas a perceber melhor a situação, para lhe permitir tomar uma
decisão mais informada e com discernimento? A conversa podia
desenrolar-se mais ou menos assim:
FILHA: A Crystal consegue sempre ser guarda-redes e eu não.
PAI: Isso é desmotivante, não é?
FILHA: Pois. Eu sei que ela é boa e tudo isso, mas é só porque o
treinador a ajuda depois dos treinos.
PAI: Também gostavas de ficar com o treinador depois dos
treinos para praticar? Ela ofereceu-se primeiro.
FILHA: Mas os treinos já demoram uma hora e meia. Já é muito
tempo a andar de patins.
PAI: Eu percebo. Mas tenta pensar no seguinte: lembras-te do
que te disse acerca do sacrifício?
FILHA: Eu sei, pai. Se quero chegar longe tenho de fazer
sacrifícios. Já estás farto de mo dizer.
PAI: Não, não era isso que eu ia dizer. Ia apenas dizer-te que
vais fazer um sacrifício de uma forma ou de outra. A boa notícia
é que podes escolher qual é que queres fazer.
FILHA: Hum?
PAI: Bem, é um sacrifício ficares para além da hora dos treinos e
praticares a tua forma de patinar para trás e as tuas capacidades
defensivas. Mas também será um sacrifício se decidires não
dedicar horas extra a treinar, porque nessa altura estarás a
renunciar à possibilidade de melhorar e conseguir jogar à baliza
mais vezes.
FILHA: Acho que sim.
PAI: Bem, pensa nisso. Eu sei que tanto uma opção como a
outra tem desvantagens. Mas de certa forma acaba por ser bom,
porque podes escolher aquela com que preferes viver. Podes
escolher fazer um sacrifício praticando fora de horas e conseguir
jogar à baliza mais vezes, ou podes escolher abandonar o rinque
mais cedo, o que significa que preferes viver a jogar menos vezes
à baliza. A decisão é tua.
Viu como este pai enquadrou o problema para a filha? Ajudou-a a
sair da situação em que se encontrava e a olhar para ela própria da
perspetiva do espectador, em que podia ver melhor as suas opções.
E fê-lo sem lhe tirar a responsabilidade de decidir ou evitar o
desconforto do problema. Ajudou-a apenas a reconhecer as suas
opções e a perceber que não devia agir como uma vítima sem voto
na matéria. É a isto que chamamos cultivar o discernimento.
Talvez sejam necessárias várias conversas destas até ela
interiorizar a ideia, e não garantimos que esta técnica vai evitar
todas as frustrações ou a autocomiseração sempre que as crianças
enfrentarem escolhas difíceis. Mas como ela vai gradualmente
aprendendo a ter a “perspetiva do espectador”, e como lhe será
muitas vezes recordado que ao longo da vida terá frequentemente
de fazer escolhas, esta menina irá ganhar cada vez mais
determinação e coragem, para além de uma maior e mais
perspicaz consciência de si própria. Já imaginou como a capacidade
de pensar desta forma lhe será útil à medida que tiver de tomar
decisões cada vez mais importantes ao longo da vida?!
A lógica envolvida em preferir um sacrifício a outro pode ser
demasiado exigente para crianças muito novas, mas podemos
sempre lançar as bases para que percebam o conceito elementar.
Quando uma criança de 3 anos resiste a preparar-se para sair,
podemos dizer-lhe: “Para irmos ver a tia Lola, tens de calçar os
sapatos. Estavas muito contente por ires vê-la. Já não queres ir?”
Fazendo isto, permite que o seu filho pequeno ganhe prática a
escolher entre duas alternativas negativas (calçar os sapatos ou
deixar de ver a tia Lola.) Claro que tem de ter cuidado com esta
técnica, porque muitas vezes, por exemplo, pode não ser opção
deixar de ir a casa da tia Lola. E não será agradável ver o seu filho
de 3 anos pôr à prova o seu bluff e depois ter de arranjar forma de
sair da situação.
O principal objetivo, à medida que as crianças passam da birra
por não quererem calçar os sapatos para a decisão sobre a prática
do hóquei ou sobre como devem resolver os exercícios de álgebra,
é ajudá-las a serem mais confiantes na sua capacidade de avaliar e
compreender os seus próprios sentimentos, a desenvolverem o seu
próprio discernimento.
Os últimos estudos sustentam esta perspetiva de enquadrar os
conflitos e responder de forma flexível. E isto vai muito para além
dos conflitos que as crianças enfrentam no dia a dia. Mesmo um
trauma recente e respetivos efeitos podem ser mitigados pela
forma como a criança encara a experiência. O mesmo
acontecimento pode ser vivido por duas pessoas e uma ficar
traumatizada e a outra não. Há mesmo um termo técnico –
desenvolvimento pós-traumático – para descrever os momentos em
que um indivíduo sofre uma profunda transformação positiva em
resultado de um trauma ou de outra circunstância difícil da vida.
Enquanto umas pessoas ficam profundamente traumatizadas,
outras – há estudos que indicam que são cerca de 70 por cento
dos sobreviventes de um trauma – relatam respostas positivas
(incluindo mais resistência, gratidão pelas pessoas mais chegadas e
pela vida em geral, maior empatia para com os outros, etc.) como
consequência da dor.
O que é que faz a diferença? Mais uma vez, em larga medida, o
poder da pausa, que leva à introspeção e permite escolher como
reagir e retirar significado de experiências perturbadoras ou
dramáticas. O discernimento e a nossa perspetiva de uma situação
difícil, mais do que a situação em si, pode determinar o impacto e
a forma positiva ou negativa como afeta a nossa vida. O simples
facto de percebermos que uma situação stressante pode significar
que algo de importante está a acontecer, pode transformar a forma
como o nosso cérebro interpreta a nossa tensão corporal,
aumentar a frequência cardíaca e a respiração. Ao termos o
discernimento de enquadrar o stress como inevitável quando nos
preocupamos com alguma coisa, podemos transformar um
resultado negativo num resultado neutro ou até positivo. É por isso
que queremos enquadrar a dor dos nossos filhos e ensiná-los que,
com a prática, eles podem escolher a forma como encaram as
circunstâncias que não lhes agradam. Não podem controlar tudo o
que lhes acontece, mas com a nossa ajuda podem desenvolver e
praticar a capacidade de fazer pausas antes de reagir, terem
consciência do que estão a sentir sem terem de responder
impulsivamente, podendo assim escolher a forma como interagem
com o mundo que os rodeia.
Estratégia n.º 2 de um Cérebro Sim para desenvolver uma
mente introspetiva: evitar a erupção do Vulcão Vermelho.
Uma forma prática de ensinar as crianças sobre o jogador e o
espectador é passar-lhes o conceito do Vulcão Vermelho. É um
conceito simples que as crianças de praticamente todas as idades
podem compreender facilmente, e é baseado no entendimento de
como funciona o sistema nervoso autónomo, tal como explicámos
no capítulo 2. Estará recordado de que o sistema nervoso simpático
(que funciona como o pedal do acelerador para nos mover) nos
leva para a zona vermelha quando ficamos perturbados. É esta
consciência da hiperestimulação da zona vermelha que
consideramos particularmente útil para ajudar as crianças a
conseguirem discernir e controlar as suas emoções e
comportamento.

A ideia, de uma forma simplista, é que quando qualquer um de


nós – crianças e adultos – fica perturbado, aumenta a estimulação
do nosso sistema nervoso. Podemos senti-lo fisicamente: o nosso
coração bate mais depressa, a nossa respiração torna-se mais
rápida, os nossos músculos ficam tensos e a temperatura do nosso
corpo pode aumentar. Podemos pensar nas nossas respostas
emocionais a um estímulo perturbante como uma curva sinusoidal,
que para as crianças designamos como o Vulcão Vermelho. À
medida que vamos ficando cada vez mais perturbados, vamos
subindo até ao topo do vulcão. E é aí que reside o perigo, porque
quando chegamos ao cimo da curva, aproximamo-nos da zona
vermelha e entramos em erupção, perdendo a capacidade de
controlar as nossas emoções, decisões e comportamento.
Possivelmente, iremos “completar a curva” e descer de novo pelo
outro lado da montanha, onde iremos regressar à zona verde. Mas,
na verdade, o ideal seria nunca atingirmos a zona vermelha no
topo da montanha, onde perdemos o controlo e explodimos.
Lembre-se, não há nada de errado em sentir-se perturbado. Isso
é um ponto importante que queremos transmitir às crianças. É
positivo e saudável que elas sintam as suas emoções – até mesmo,
e talvez especialmente, as mais fortes – e as expressem. Isto tanto
é verdade para os desconfortáveis “maus” sentimentos, como para
os confortáveis “bons” sentimentos. E a estimulação do sistema
nervoso que resulta destes sentimentos fortes é perfeitamente
aceitável, tanto para estarmos conscientes dela, como para a
demonstrarmos aos outros ou a nós próprios. Na verdade, é muito
útil que estejamos recetivos e não tentemos reprimir as nossas
respostas interiores, porque são esses estímulos que nos alertam
para o facto de estarmos a começar a subir a montanha em
direção à explosão. A aceleração do ritmo cardíaco, a respiração
superficial e os músculos tensos são sinais de alerta importantes a
que devemos prestar atenção e que nos podem ajudar se
estivermos em perigo. É por isso que queremos que as crianças
saibam que é positivo expressar emoções e que fiquem atentas aos
sinais do seu corpo, ao mesmo tempo que as ajudamos a
desenvolver o discernimento para que percebam quando o seu
sistema nervoso simpático está a ser hiper-estimulado e a conduzi-
las ao topo do Vulcão Vermelho. Esta tomada de consciência é o
que vai permitir a poderosa pausa entre o estímulo e a resposta.
Sem essa pausa, as crianças podem voar montanha acima para a
caótica e incontrolável zona vermelha onde vão explodir.
Este conceito encaixa na ideia do jogador / espectador. Imagine,
por exemplo, que se deu conta de que o seu filho de 8 anos oscila
diretamente do amoroso para o irritado quando passa um par de
horas sem comer. Sem querer entrar nos aspetos específicos da
quebra de açúcar no sangue e de como isso afeta o humor, você
consegue identificar um padrão. Quando ele estiver de bom humor
– não o faça quando ele estiver em plena crise! – pode começar
por dizer qualquer coisa como: “Sabes, há pouco, quando não
conseguias encontrar o teu boné dos Dodgers? Não é o tipo de
coisa que te faça ficar tão irritado. O que te levou a ficar assim?” A
partir daí pode falar do padrão em que reparou, de que por vezes
ele fica muito enervado quando já não come há umas horas, e
explicar-lhe o conceito do Vulcão Vermelho. Depois, fale-lhe do
jogador e do espectador e de como, quando o espectador percebe
que o jogador está a ficar cada vez mais irritado, pode ser uma boa
ideia pegar numa maçã e ver se isso lhe altera o humor.
Recordamos uma vez mais que não irá ser fácil nem imediato para
a criança alcançar este tipo de discernimento, mas com a prática
irá melhorar a sua capacidade para reconhecer o que se passa
dentro dela, depois fazer uma pausa e agir antes de chegar ao
topo do vulcão. Esse discernimento ser-lhe-á útil ao longo da vida.
E não é apenas a fome que pretendemos que as crianças
reconheçam antes que esta as possa dominar completamente.
Lembre-se da criança que estava a fazer o teste de matemática e a
forma como ela identificou a sua crescente ansiedade. Ou imagine
uma criança que vai dormir fora pela primeira vez e que está a
sentir saudades, ou outra que fica facilmente impressionada
quando está em grupo e começa a desligar-se e a recusar-se a
interagir com toda a gente. Todas estas crianças, com todas estas
emoções, precisam da ferramenta da introspeção. Precisam de
aprender a reconhecer as suas sensações corporais e emocionais e
depois fazer uma pausa antes de reagirem. Precisam que as
ensinemos que, na maior parte dos casos, podem escolher parar
ou alterar alguma coisa antes de chegarem ao topo do Vulcão
Vermelho.
O Cérebro Sim das crianças: ensine o discernimento aos
seus filhos
Um dos melhores presentes que podemos dar aos nossos filhos é
ajudá-los a desenvolver a sua capacidade de reconhecer quando
estão a sair da zona verde, e fazer alguma coisa para o evitar antes
que percam o controlo do seu cérebro do andar de cima e
comecem a ceder ou a fazer uma birra.
O meu Cérebro Sim: desenvolver o meu próprio
discernimento
Talvez tenha reparado neste capítulo que, mais do que é
habitual, discutimos não apenas como desenvolver o discernimento
nos nossos filhos, mas também como isso é importante para os
pais (ou qualquer outro indivíduo). Uma das mais importantes
ferramentas que pode trabalhar – tanto nos seus filhos como em si
próprio – é a capacidade de prestar atenção e reparar quando a
sua própria frustração, ou medo, ou irritação começa a crescer,
fazendo-o sair da zona verde. Nessa altura pode fazer uma pausa e
pôr-se na posição de espectador e responder ao estímulo com
discernimento e intencionalidade.
Desenvolver o discernimento é importante não apenas para ter
consciência do que se passa no presente, mas também do que
aconteceu no passado. Quando trabalhamos com os pais, ouvimos
muitas vezes uma variação da seguinte pergunta: “Se eu não tive
bons pais, será que também não vou ser um bom pai para os meus
filhos?” Os pais querem saber se estão condenados a cometer os
mesmos erros que os seus próprios pais.
Ainda mais importante do
que o que nos aconteceu
é a reflexão que fizemos
sobre isso e o sentido que
demos às experiências
que vivemos na infância.
Quando temos perfeita
consciência das nossas
memórias e de como o
passado nos influencia no
presente, ficamos livres
para construir um novo
futuro para nós e para a
forma como educamos os
nossos filhos.
A ciência é muito clara na resposta: Claro que não! Sim,
certamente que a forma como fomos educados influencia a
maneira como encaramos o mundo e como iremos educar os
nossos filhos. Mas ainda mais importante do que o que nos
aconteceu é a reflexão que fizemos sobre isso e o sentido que
demos às experiências que vivemos na infância. Quando temos
perfeita consciência das nossas memórias e de como o passado
nos influencia no presente, ficamos livres para construir um novo
futuro para nós e para a forma como educamos os nossos filhos.
Os estudos são claros: se tivermos consciência das nossas vidas,
libertamo-nos da prisão do passado e ganhamos o discernimento
que nos ajudará a construir o presente e o futuro que desejamos.
Mas o que é que significa, especificamente, ter consciência das
nossas vidas? Ao longo de toda a sua carreira, Dan escreveu sobre
isto, especialmente no seu livro, em coautoria com Mary Hartzell,
Parenting from the Inside Out. Se pretende saber mais sobre esta
questão, pode começar por ler esse livro. Mas aqui fica o essencial:
ter consciência das nossas vidas tem a ver com aquilo que
designamos por “narrativa coerente”, que nos leva a refletir e a ter
discernimento tanto sobre os aspetos positivos como os negativos
da nossa infância em família, de forma a podermos compreender
como essas experiências fizeram de nós o que somos em adultos.
Não estamos a fugir ou a negar o passado, mas também não nos
preocupamos ou sentimos consumidos por ele. Ficamos antes
libertos para refletir sobre essa experiência e escolher como agir.
Os estudos são claros: se
tivermos consciência da
nossa vida, libertamo-nos
da prisão do passado e
ganhamos o
discernimento que nos
ajudará a construir o
presente e o futuro que
desejamos.
Aqui fica um exemplo de um excerto de uma narrativa coerente:
“A minha mãe estava sempre zangada. Ela amava-nos, disso nunca
houve dúvidas. Mas já os seus pais eram assim com ela. O meu
avô estava sempre a trabalhar e a minha avó era uma alcoólica
disfarçada. A minha mãe era a mais velha de seis irmãos, pelo que
sempre sentiu que tinha de ser perfeita. Por isso era exigente e
fervia à mínima contrariedade. Eu e a minha irmã sofremos muitas
vezes as consequências desse comportamento, por vezes mesmo
fisicamente. De vez em quando preocupo-me por ser talvez
demasiado branda com os meus filhos, mas penso que isso
acontece em parte porque não quero que sintam essa pressão de
terem de ser perfeitos.”
Tal como muitos de nós, é óbvio que esta mulher teve uma
infância que deixou muito a desejar. Mas consegue falar
abertamente do assunto, conseguindo até ser complacente com a
mãe, e refletir sobre como isso a afetou a ela e aos seus filhos e
até a forma como os educa. Ela consegue mesmo falar de
pormenores das suas experiências, fazendo facilmente a transição
das memórias para a compreensão. É isto a narrativa coerente.
Muita gente cresce com pais que, mesmo não sendo perfeitos,
são bons pais a maior parte do tempo, sendo coerentes e
previsíveis, respondendo de forma compreensiva às necessidades
dos seus filhos. Esta forma de agir conduz a ligações seguras. Mas
há pessoas que agem como esta mãe e que conseguem aquilo que
designamos por “ligação segura adquirida”, o que significa que
ainda que os seus pais não a tenham presenteado com a infância
que conduz naturalmente a uma ligação segura, em adulta foi
capaz de alterar o padrão das suas ligações e, consequentemente,
a sua capacidade para oferecer uma ligação segura aos seus filhos
através da reflexão e consciência daquilo por que passou.
Em contrapartida, os adultos que não fizeram o trabalho interior
de desenvolver uma narrativa coerente e ligações seguras
enfrentam maiores desafios em questões específicas no que se
refere ao discernimento sobre o passado. Na verdade, podem até
sentir dificuldade em contar a sua história pessoal de forma
coerente. Quando são questionados sobre a sua história familiar
passada, podem perder-se em pormenores, e mesmo centrar a
preocupação em acontecimentos recentes da sua vida de adultos.
Ou podem não se recordar de aspetos emocionais ou relacionais da
sua infância e desligarem-se da sua vida emocional. Nos casos
mais graves, podem mesmo ter tido experiências tão
traumatizantes ou de perda enquanto crianças, que a comunicação
sobre o seu passado é feita à custa de muitos momentos de
desorientação e desorganização.
Sem discernimento e uma narrativa coerente que nos dê as
bases para nos conhecermos a nós próprios e perceber como o
passado nos condicionou, é mais difícil estar verdadeiramente
presente enquanto cuidador e proporcionar o tipo de segurança e
comunicação serena com que as crianças se sentem confortáveis e
ouvidas. Lembra-se dos quatro Ss (Salvaguarda, Sensibilidade,
Sossego e Segurança)? Este tipo de presença na vida de uma
criança conduz, por fim, a ligações seguras, o melhor indicador
para as crianças prosperarem. Quando não percebemos o nosso
próprio passado, é muito possível que venhamos a cometer os
mesmos erros dos nossos pais na educação dos nossos filhos.
Mas quando reunimos a coragem para olhar para o nosso
passado e refletir sobre ele, e desenvolver o discernimento
necessário para narrar a nossa própria história de forma clara e
coerente, podemos começar a curar as feridas do passado. Ao
fazê-lo estamos a preparar-nos para estabelecer ligações seguras
com os nossos filhos e esse relacionamento sólido será a sua fonte
de resiliência ao longo da vida. E esta é uma das coisas mais
importantes que podemos fazer – por nós, pelos nossos
relacionamentos e pelos nossos filhos. De facto, estamos a
escolher para nós um Cérebro Sim que constituirá um legado que
vamos passar aos nossos filhos, que irão depois passar aos filhos
deles e assim sucessivamente.
Mas quando arranjamos a
coragem para olhar para
o nosso passado e refletir
sobre ele, e desenvolver
o discernimento
necessário para narrar a
nossa própria história de
forma clara e coerente,
podemos começar a curar
as feridas do passado.
CAPÍTULO 5
O Cérebro Sim: empatia

Quando o seu filho pequeno lhe dá na cabeça uma construção de


Lego e a seguir se desata a rir, aparentemente sem remorsos,
ainda que você esteja visivelmente magoado, pode ser difícil
imaginar que virá a tornar-se uma pessoa atenciosa e empática
quando crescer. Ou quando o seu filho de 5 anos veste uma capa e
põe uma cartola, e exige que toda a gente lá em casa pare o que
está a fazer e se sente a assistir a um espetáculo de magia
improvisado que dura e dura e dura (e não, não se pode levantar
para ir à casa de banho enquanto não acabar!), o seu
egocentrismo pode fazer com que se interrogue se algum dia ele
virá a preocupar-se com os outros.
Contudo, nós conhecemos um rapaz de 16 anos – vamos
chamar-lhe Devin – que demonstra frequentemente a capacidade
de ultrapassar o seu egocentrismo e comportar-se de forma
atenciosa e solícita. Ele é um miúdo normal, com todos os
problemas e egoísmos da maioria dos adolescentes: toma decisões
irracionais típicas de adolescente e por vezes pode ser mauzinho
para a sua irmã mais nova. Mas no geral demonstra a capacidade
de se preocupar com os outros e de se solidarizar com os seus
sentimentos.
Recentemente, por exemplo, no dia de anos do seu pai, Devin
descartou-se de uma saída que tinha planeado com os amigos para
poder estar com o pai nesse dia especial. Também costuma abraçar
os avós, mesmo em público, e é comum vê-lo ceder o seu lugar no
autocarro a outra pessoa sem ninguém lhe pedir. É até frequente
ouvir os adultos comentar a sua amabilidade. Digamos que não
encaixa no cliché de um adolescente rude, egocêntrico e
precipitado, pois não? Baseado nesta descrição de Devin, podia
presumir que ele é um adolescente naturalmente solidário, mais
uma dessas pessoas empáticas por natureza. Mas estaria errado.
Na verdade, quando Devin era criança, os seus pais
preocupavam-se porque ele demonstrava uma capacidade muito
limitada de se preocupar com os sentimentos dos outros ou de
perceber os seus pontos de vista, até mesmo quando já estava a
finalizar a escola primária e quase a entrar no segundo ciclo. Já a
sua irmã parecia genuinamente empática e atenciosa – os pais
tinham muitas vezes de lhe recordar que não devia preocupar-se
demasiado com os outros à custa dos seus próprios desejos,
devendo olhar mais por si própria – mas Devin precisava mesmo de
trabalhar as competências no que se referia à consideração e
preocupação para com os outros. Qualquer pessoa que discordasse
dele estava errada e, sistematicamente, nas festas de anos, tanto a
primeira fatia de bolo como a última fatia de piza tinham de ser
para ele. Era-lhe indiferente se alguém ficava perturbado e, para
falar francamente, intimidava até a irmã e por vezes até os seus
amigos na escola.
Mas os pais de Devin trabalharam com ele ao longo dos anos,
moldando nele a empatia, usando uma série de estratégias de que
lhe falaremos adiante. E agora estão contentes por ver que se
transformou num adolescente que, na maior parte das vezes,
demonstra empatia e revela potencial para se tornar um adulto
com fortes competências de relacionamento e capacidade de
compreender e estar realmente em sintonia com os outros
(considerando a sua idade). Está a desenvolver o quarto princípio
de um Cérebro Sim: a empatia. Ajudando-o a desenvolver este
aspeto crucial de um Cérebro Sim, os pais de Devin estão a
oferecer-lhe um poderoso dom que, no geral, irá melhorar
significativamente a sua vida futura.
As pessoas atenciosas e empáticas são menos frustradas, menos
irritáveis, menos críticas – especialmente quando a empatia as leva
a agir de uma forma que beneficia as pessoas que as rodeiam. A
empatia é um bom exemplo de integração, em que somos sensíveis
aos sentimentos dos outros, mas não nos tornamos essas pessoas
– não precisamos de nos identificar tanto com os outros ao ponto
de deixarmos de ser quem somos. Quando não conseguimos
manter a diferenciação, a empatia pode ser esmagadora e levar até
ao esgotamento. Pelo contrário, a empatia a que nos referimos
emerge da integração enquanto mantemos a nossa própria
identidade, mas estabelecemos uma ligação aberta com os outros
sem perdermos essa qualidade diferenciadora essencial.
Relembramos que a integração não passa por nos misturarmos ou
nos fundirmos. A integração rata de equilibrar a diferenciação e o
vínculo. As pessoas que são empáticas desta forma investem mais
nos bons costumes e na ética, e para elas é importante fazer o que
é correto. Se conseguirem combinar a empatia com o
discernimento de que lhe falámos no capítulo anterior, a visão da
mente daí resultante fará com que sejam mais pacientes, recetivas,
compreensivas e atentas, o que lhes permitirá desfrutar de
relacionamentos mais profundos e significativos e serem mais
felizes no geral. Tal como a visão física leva à perceção exterior que
nos permite perceber o que se passa à nossa volta, a visão da
mente, com a sua perceção interior, faz-nos olhar para dentro de
nós próprios (através do discernimento) ou para os outros (através
da empatia) ao mesmo tempo que mantemos a nossa própria
identidade (integração).
E uma das realidades mais entusiasmantes é que, como o
cérebro vai mudando com as repetidas experiências, há inúmeras
formas de desenvolver a visão da mente, a empatia e a
solidariedade na vida dos seus filhos, cultivando essas qualidades
nas interações diárias entre os membros da família, fortalecendo os
circuitos do cérebro que dão origem à empatia. Esses circuitos
encontram-se em várias partes do cérebro – os cientistas falam da
ressonância límbica proveniente do cérebro do andar de baixo, bem
como da compreensão e compaixão cortical originadas no cérebro
do andar de cima. E você pode proporcionar aos seus filhos as
oportunidades que estimulam o crescimento e o desenvolvimento
dessas áreas cruciais do cérebro.
Será que o meu filho é demasiado egoísta?
Muitos pais sentem-se preocupados quando detetam nos seus
filhos traços egoístas, parecidos com aqueles que os pais de Devin
viram nele quando era mais novo. Querem educar crianças que se
empenhem no bem-estar dos outros, que sejam amáveis e
solidárias, pelo que ficam perturbados quando se apercebem de
traços de egoísmo e insensibilidade nos seus filhos.
Quando os pais nos expressam este tipo de preocupação,
recordamos-lhes que a parte principal do cérebro, responsável pela
empatia, continua particularmente subdesenvolvida em crianças
pequenas e que a empatia e a solidariedade – tal como os outros
princípios de um Cérebro Sim – são competências que precisam de
ser adquiridas. Tal como vimos no Devin, as crianças conseguem
desenvolver a capacidade de se preocuparem e cuidarem dos
outros. Iremos explicar mais pormenorizadamente, mas primeiro
queremos chamar-lhe a atenção para o facto de ser desnecessário
generalizar qualquer traço de egocentrismo que possa ter detetado
nos seus filhos por esta altura. Por outras palavras, cuidado para
não exagerar na reação perante aquilo que lhe parece ser uma
falta de empatia do seu filho pequeno.
Por exemplo, é possível que ele ainda não tenha tido tempo para
a desenvolver. Na verdade, é típico do desenvolvimento das
crianças colocarem-se em primeiro lugar. Isso dá-lhes maior
oportunidade de sobreviverem. Mas por vezes recebemos pais no
nosso consultório que dizem algo do género: “Penso que a minha
filha é sociopata. É muito narcisista e egoísta. Não demonstra a
mínima capacidade para pensar em qualquer outra pessoa que não
seja nela própria.” E nós então perguntamos: “Que idade tem a sua
filha?” e respondem-nos: “Três anos.” Nessa altura sorrimos e
asseguramos aos pais que é demasiado cedo para se começarem a
preocupar com uma vida de delinquência, e que não há razão para
irem já para o Google pesquisar “melhores prisões com horas de
visita de familiares.” Têm simplesmente de deixar que o
desenvolvimento faça o seu trabalho.
Ou, por vezes, os pais reparam numa alteração em que a sua
filha, habitualmente generosa e solidária, parece ter ficado mais
egocêntrica, e preocupam-se que isso possa ser o início de um
padrão que leve à falta de empatia. Nesses casos, primeiro
verificamos com os pais a possibilidade de a criança estar apenas a
atravessar uma fase, e quais são as necessidades que pode
pretender manifestar. Lembramos-lhe que tanto a mente como o
corpo da criança estão a mudar rapidamente e que essas
mudanças implicam necessariamente uma alteração de
comportamento e perspetiva. Também averiguamos se há algum
acontecimento transitório na sua vida – mais ou menos importante
– que possa ter influência na criança: um dente a nascer, uma
constipação que se manifesta, uma mudança de casa, o
nascimento de um irmão. Também os surtos de crescimento –
físicos, cognitivos ou motores – podem provocar a regressão de
outras áreas de desenvolvimento. As transições e as surpresas
impedem os pais de ter o controlo total da situação. O
desenvolvimento humano não é previsível nem linear. É mais do
género “dois passos para a frente e um para trás”, quando não é
andar de lado ou de cabeça para baixo. O que significa que mesmo
que conseguíssemos dar a “resposta certa” para enfrentar essa
fase em particular, quando tivéssemos resolvido o enigma já tudo
teria mudado. Por isso, o facto de o seu filho ultimamente parecer
mais egoísta do que é habitual não é em si uma evidência de que a
sua personalidade desenvolveu uma espécie de falha maior, algo
que o possa impedir de exprimir solidariedade para o resto da vida.
Na verdade, enquanto estamos a falar deste assunto, deixe-nos
recordar-lhe uma verdade importante que nós próprios tentamos
não esquecer: no seu papel de progenitor, tem apenas de se
concentrar neste preciso momento. Sim, é verdade, está a ensinar
ao seu filho competências que lhe servirão para toda a vida. Mas a
única forma de o fazer é agora, neste momento. Não tem de deixar
que a experiência do momento o deixe apreensivo sobre como será
o seu filho aos 15 ou 20 anos. Não tem mesmo. Há tanto espaço
para a evolução entre o agora e o depois. Estas competências de
um Cérebro Sim devem ser estabelecidas para serem apoiadas
agora e, à medida que o tempo passar, tornar-se-ão competências
do futuro. Apesar de sermos profissionais e de termos estudado o
desenvolvimento de forma rigorosa, por vezes fomos surpreendidos
pelos avanços que os nossos respetivos filhos revelaram em
algumas semanas ou meses! Por isso não se deixe cair na tentação
de se preocupar com a possibilidade de qualquer uma das fases –
quer seja relativa ao egoísmo, a problemas de sono, a fazer chichi
na cama, a birras, ao descalabro nos trabalhos de casa, ou
qualquer outra – durar para sempre. A sua filha não andará a
morder os colegas quando deixar o primeiro ciclo e entrar no
segundo (se andar, provavelmente será melhor chamar-nos). Ela
não terá dificuldade em sentar-se à mesa para jantar. E não será
indiferente aos sentimentos e desejos dos que a rodeiam. Em vez
de recear e de se inquietar com problemas a longo prazo, pense
em intervalos de tempo mais pequenos, talvez um semestre ou
uma estação. Se gostar de livros, pense em termos de parágrafos,
páginas e capítulos. Dê ao seu filho alguns meses para ultrapassar
essa fase, este capítulo da sua vida, sabendo que desde que esteja
ali para o amar, guiar, ensiná-lo e manter uma presença constante
na sua vida, ele irá ultrapassá-la e aprender as competências
necessárias para prosperar.
O que pretendemos reforçar, por outras palavras, é que mesmo
quando não consegue ver nos seus filhos aquelas caraterísticas que
gostaria – solidariedade, consideração, amor –, deve resistir à
tentação de fazer uma espécie de prognóstico fatalista sobre a sua
personalidade no futuro. Em vez disso, lembre-se de que os seus
filhos ainda têm de percorrer um longo caminho de
desenvolvimento nos anos que se seguem, e então concentre os
seus esforços em ajudá-los a adquirir as competências que os
levarão a ser mais empáticos e solidários. Claro que isso se refere
ao futuro, competências que poderão usar quando forem adultos,
mas a única coisa em que se deve concentrar é no que está a
acontecer neste preciso momento. As interações que estabelece
com os seus filhos agora são aquelas que lhes permitem aprender.
Lembre-se, comportamento é comunicação. Quando vemos
comportamentos de que não gostamos, na verdade, com essas
atitudes eles estão apenas a dizer-nos: “Ajuda-me. Preciso de
adquirir competências nessa área!”
Se o seu filho tem dificuldade em aprender a tabuada, irá dizer-
lhe para praticar mais. Da mesma forma, se reparar que lhe está a
faltar empatia, crie oportunidades para ele desenvolver um cérebro
mais solidário. Estas competências podem ser construídas. Uma
breve advertência sobre o que a empatia não é: não é agradar aos
outros, pondo em causa a nossa própria vontade. Algumas crianças
são como a irmã de Devin, cujos pais têm de lhe lembrar
frequentemente que tem de fazer valer a sua vontade. Repetem-
lhe uma e outra vez que não há mal nenhum em dizer não e
expressar o que quer. Não queremos educar crianças para que
andem ao sabor do que os outros querem, inseguras quanto aos
seus próprios desejos, e incapazes de tomarem conta de si
próprias. Queremos apenas que se preocupem e estejam atentas
aos sentimentos dos outros, e não a assumir as opiniões e
exigências de alguém que conheçam.
Da mesma forma, lembre-se que a empatia tem várias escalas e
não se limita à compreensão da perspetiva das outras pessoas.
Muitos políticos e vendedores são competentes neste domínio e
usam essa competência para manipular os outros.
É por isso, que quando ensinamos a empatia, explicamos que
não se trata apenas de compreender como os outros se sentem e o
que querem, mas de desenvolver uma mente que efetivamente se
preocupe com os outros. Trata-se de compreender como estamos
todos interligados.
Afinal, cada um de nós é um indivíduo único e independente: um
eu. Mas nós também afetamos os outros e somos afetados por
eles. As pessoas nas nossas vidas fazem parte de nós e nós
fazemos parte delas. Todos juntos constituímos um coletivo “nós”.
A empatia permite-nos lembrar que cada um de nós não é apenas
um “eu”, mas também parte de um interligado “nós”. Reconhecer
esta combinação – o Dan chama-lhe “ENós”6 —, ajuda a
estabelecer um eu integrado que leva não só à preocupação para
com os outros, mas também a viver uma vida cheia de significado,
relacionamentos e pertença a um conjunto mais alargado.
O diamante da empatia
Efetivamente, como já percebemos, a empatia tem muitas
facetas diferentes. A definição mais comum refere-se ao
sentimento para com os outros ou à compreensão das suas
experiências, e depois à preocupação com o que essa pessoa está
a viver.

Era a isto que Atticus Finch, de Não Matem a Cotovia, se referia


ao dizer que não é possível compreender totalmente uma pessoa
até “nos pormos na sua pele e nos passearmos com ela.” É uma
ótima descrição de empatia. Mas podemos ser mais
pormenorizados do que isso. Gostamos de falar do “diamante da
empatia”, que representa as cinco facetas da empatia e as
diferentes formas de manifestar a nossa preocupação para com os
outros e responder à sua dor:
Outras perspetivas: ver o mundo com o olhar dos outros.
Ressonância emocional: sentir o que os outros sentem.
Empatia cognitiva: compreender ou perceber intelectualmente a
experiência global de alguém.
Empatia solidária: detetar o sofrimento e querer suavizá-lo.
Alegria empática: sentir prazer com a felicidade, as conquistas e
o bem-estar dos outros.
Em conjunto, as facetas da empatia explicam o que significa
realmente sentirmos os outros e fazer alguma coisa para os ajudar.
Quando servimos os outros e nos tornamos agentes de mudança
do mundo, vivemos de acordo com princípios morais genuínos. Por
outras palavras, a empatia leva-nos rapidamente a tomar decisões
morais e éticas, uma vez que, quando nos preocupamos com uma
pessoa, é menos provável que lhe mintamos, por exemplo, ou que
a roubemos, ou que de alguma forma lhe causemos opressão.
De certa forma, ironicamente, agir no interesse dos outros pode
promover também a preocupação das pessoas consigo próprias.
Afinal, quando sentimos repetidamente a dor e a perturbação dos
outros sem interferirmos para as aliviar, podemos sentir fadiga
empática e esgotamento. Mas há estudos que evidenciam que
interferir para enfrentar o sofrimento aumenta a alegria. Por isso,
quando falamos de encorajar a empatia nos nossos filhos,
pretendemos alimentar todas as facetas do diamante da empatia,
incluindo agir em benefício de alguém e ajudar. Queremos desafiar
as nossas crianças a serem forças ativas no mundo, o que as levará
a sentir mais alegria nas suas próprias vidas. Verifica-se que ajudar
os outros é também uma das melhores formas de tornar as nossas
próprias vidas melhores.
Desenvolver um cérebro ligado para cuidar
Uma das mensagens mais esperançosas que podemos transmitir
aos pais é que as competências de um Cérebro Sim, que queremos
que os nossos filhos desenvolvam – baseadas nos quatro
princípios, claro, e definitivamente na empatia –, são construídas
nas habituais interações quotidianas. Por outras palavras, o
importante trabalho parental é feito não apenas quando temos
conversas sérias e relevantes com os nossos filhos, mas também
quando brincamos com eles, lemos para eles, discutimos, rimos ou
simplesmente passamos tempo juntos. A ciência da
neuroplasticidade assegura-nos que todas as experiências moldam
o cérebro e, para o bem e para o mal, direcionam a criança para o
que ela virá a ser à medida que caminha para a vida adulta.
Então, no que se refere à empatia, sermões que começam com
“devias preocupar-te mais com X porque…” raramente deixarão
uma impressão tão duradoura como as melhores experiências. As
conversas sobre empatia são importantes, claro, mas muito mais
poderosos serão os exemplos que dá aos seus filhos, e em que
medida o próprio leitor demonstra o que significa ouvir os outros,
considerar as suas perspetivas e opiniões e preocupar-se com eles.
Esse tipo de modelo, particularmente na forma como se solidariza
com eles quando estão a passar um momento difícil, ajudará os
seus filhos a desenvolver a capacidade de empatia. E quando o
virem a fazer um esforço para viver uma vida de profunda
preocupação por aqueles que o rodeiam, dando atenção às suas
necessidades, os seus filhos irão assumir que é assim que se deve
agir, e a empatia tornar-se-á a sua abordagem natural e automática
ao mundo.
Mas desenvolver uma mente que se preocupa exige mais do que
apenas ensinar a empatia, ou mesmo servir de exemplo. As
crianças aprendem a empatia através da experiência e por sentirem
satisfação e alegria interior ao terem ajudado alguém de forma
relevante. Também a aprendem quando optam por não ajudar
alguém, e acabam por não se sentir nada bem com essa decisão. A
maior parte dos adultos continua a lembrar-se de um momento na
infância em que deveriam ter ajudado alguém e não o fizeram, e
como ficaram a sentir-me mal com isso; quando pensam nisso
ainda conseguem sentir o mesmo mal-estar. Mas todos estes
momentos desempenham um papel na construção dos nossos
músculos da empatia. O objetivo é ajudar a ativar o cérebro dos
nossos filhos para que ele os oriente, decididamente, na direção
dos outros e dos seus sentimentos. Queremos que o circuito neural
dos nossos filhos os estimule a pensar e a preocuparem-se com as
pessoas que os rodeiam e a agirem corretamente. Queremos
alimentar um cérebro que esteja ligado para se preocupar – com os
outros e com o que é certo ou errado.
O objetivo é ajudar a
ativar o cérebro dos
nossos filhos para que ele
os oriente,
decididamente, na
direção dos outros e dos
seus sentimentos.
Queremos que o circuito
neural dos nossos filhos
os estimule a pensar e a
preocuparem-se com as
pessoas que os rodeiam e
a agirem corretamente.
Queremos alimentar um
cérebro que esteja ligado
para se preocupar – com
os outros e com o que é
certo ou errado.
E como é que fazemos isso, para além de lhes falarmos sobre a
empatia e de lhes servirmos de exemplo? Podemos chamar a
atenção deles para as necessidades das pessoas que os rodeiam.
Dar repetidamente atenção a uma qualquer experiência ou
informação ativa os neurónios e fortalece as suas ligações. Nós
queremos estimular a ativação neuronal e o seu desenvolvimento.
Queremos EACN7 no cérebro de uma criança na área da empatia:
Lembre-se, quando prestamos atenção, os neurónios ativam-se.
E quando se ativam, ligam-se. É assim que as ligações se
propagam no cérebro, e é assim que ocorre a integração. Por isso,
quando proporcionamos experiências aos nossos filhos que
direcionam a sua atenção para as perspetivas e os problemas dos
outros, estamos a EACN nos seus cérebros para a empatia, porque
essa atenção faz com que os neurónios se ativem e se interliguem
de forma a promover também a empatia no futuro.
Foi o que fizeram os pais do Devin quando ele era criança.
Dedicaram tempo a chamar-lhe a atenção para as experiências e as
mentalidades das outras pessoas, ajudando-o a ter em
consideração os sentimentos dos outros, logo, encorajando e
fortalecendo as ligações sinápticas que podem vir a resultar num
verdadeiro sentido de empatia a ser exibido por um miúdo de 16
anos. Quando lhe liam uma história faziam-lhe perguntas do
género: “O que é que o Lorax8 está a sentir neste momento?
Porque é que ele está tão zangado com o Onceler por ter cortado
todas as árvores?” Quando viam filmes juntos, de vez em quando
paravam o filme para fazer uma pergunta do género: “Porque é
que achas que o Trevor ficou triste quando o Old Yeller começou a
agir de forma tão diferente? O que te parece que ele devia fazer?
Na tua opinião, o que é correto nesta situação?”9 Pelo simples facto
de chamar a atenção para as emoções e motivações das
personagens, os pais do Devin ajudaram-no a sair da sua concha e
a perceber que as pessoas descritas nas páginas dos livros ou no
cinema tinham os seus próprios interesses subjetivos e
considerações muito diferentes dos seus.
A partir daí era fácil fazer perguntas idênticas sobre a vida de
pessoas reais: “Hoje, na aula, a professora Azizi zangou-se mais
facilmente do que é costume, não foi? O que lhe terá acontecido
esta manhã antes de chegar à escola?” Através de simples
conversas nas interações normais diárias e perguntas básicas –
“Consegues perceber porque é que a Ashley está triste? Como é
que a podemos ajudar?” – construíram os alicerces para um mais
apurado sentido de Visão da Mente, moralidade e sensibilidade
para a lógica dos outros.
Estas experiências foram repetidas em inúmeras conversas ao
longo dos anos, à medida que o cérebro do Devin ia ficando mais
integrado, e ele evoluiu de uma criança egocêntrica para um
adolescente habitualmente (mas nem sempre) solidário, relacional
e ético. É o tipo de realidade criada por um cérebro integrado. A
integração vê-se através da amabilidade e da compaixão.
A outra decisão que os pais de Devin tomaram para o ajudar a
ser mais empático foi permitir-lhe sentir as suas emoções
negativas. Como frisámos repetidamente ao longo do livro, o
objetivo não é criar uma versão do seu filho que você quer ver
desenvolvida, mas permitir que cada criança desenvolva o seu eu
individualmente. Desenvolver um cérebro empático permite dar aos
seus filhos mais competências, não transformá-los naquilo que
você gostaria que eles fossem.
A integração vê-se
através da amabilidade e
da compaixão.
Até agora, já falámos um pouco sobre os problemas que resultam
da superproteção das crianças, que as impede de aprender as
lições e a resiliência originadas pelo desapontamento, pela
frustração e até pelo fracasso. Manter as crianças numa redoma de
vidro não lhes permite desenvolver plenamente a empatia, que
muitas vezes emerge diretamente das suas emoções negativas. De
cada vez que os pais do Devin o deixaram sentir-se triste ou
frustrado ou desapontado, em vez de o distraírem de imediato ou
acorrerem para remediar as situações, o seu potencial para a
empatia aumentou, já que os seus próprios conflitos abriram
espaço dentro dele para compreender e se identificar com a dor
dos outros. Os pais sentaram-se com ele e apoiaram-no na sua dor,
claro, mas não negaram nem tentaram distraí-lo dos seus
sentimentos, porque sabiam como as emoções negativas podem
ser importantes, instrutivas e até saudáveis.
Quando ele era muito pequeno, isto pode ter-se traduzido apenas
em abraçá-lo por mais um minuto ou dois enquanto ele chorava
porque a avó se ausentara da cidade, em vez de se oferecerem
para ir a correr fazer biscoitos para o distrair da tristeza que sentia.
À medida que ele foi crescendo e enfrentando maiores desilusões,
como quando no segundo ciclo foi abandonado por dois dos seus
amigos numa visita de estudo e teve de se sentar sozinho no
autocarro, traduzia-se em ouvi-lo relatar o seu receio de que toda a
gente na escola o detestasse e de nunca mais conseguir fazer
amigos. Perante estas situações, os pais estiveram tentados a dar-
lhe sugestões que o fizessem ficar de novo alegre, mas em vez
disso deram antes o seu melhor para o ouvirem carinhosamente
enquanto lhe permitiam saber o significado da dor emocional.
Disseram-lhe coisas como: “Parece que te sentiste mesmo sozinho.
Aparentemente, a zanga com os teus amigos ultrapassa o que
aconteceu hoje na viagem de estudo. Isso é mesmo difícil.”
A seguir, depois de ele se ter expressado e quando estivesse
preparado para falar da sua experiência, poderiam explicar-lhe que
sentir uma dor emocional não é agradável, mas que o pode ajudar
a compreender e a ser solidário com aqueles que também se
sentem sozinhos ou preocupados. Depois, poderiam dar o
problema como ultrapassado e fazer mais perguntas sobre a
situação, mas só depois de o deixarem enfrentar os seus
sentimentos.
Ao se recusarem a interferir no processo emocional de Devin,
resgatando-o dos sentimentos negativos, ajudaram-no a
desenvolver melhor a empatia de um Cérebro Sim e orientaram-no
para se tornar um adolescente solidário e, um dia, um adulto com
uma grande capacidade se relacionar de forma significativa com os
outros.
A ciência da empatia
Ao longo dos últimos anos, os cientistas analisaram muito mais
profundamente a empatia, e tornou-se cada vez mais claro que o
cérebro humano está vocacionado para ser solidário, mesmo o de
crianças muito novas. Bebés com apenas 12 meses, por exemplo,
irão tentar acalmar alguém que, de alguma forma, tenha ficado
aborrecido ou angustiado. As crianças pequenas geralmente
concentram-se, de forma justificada, nas suas próprias
necessidades e desejos, mas também demonstram a capacidade de
pensar nos outros e de se preocuparem com eles, e mesmo de ter
em conta os sentimentos e as intenções dos outros. Um estudo
analisou as interações entre um investigador e bebés de 18 meses.
Assim que os bebés se sentiam à vontade com o investigador, o
adulto fingia deixar cair um objeto. Invariavelmente, os bebés iam
a gatinhar até ao objeto, pegavam nele e devolviam-no ao
investigador. Por outro lado, se o adulto atirasse o objeto
intencionalmente, os bebés conseguiam reconhecer essa
intencionalidade e, portanto, não se ofereciam para ajudar. Por
outras palavras, eles eram capazes de perceber quando é que o
adulto realmente precisava de ajuda. Curiosamente, os
investigadores fizeram esta mesma experiência com chimpanzés,
que demonstraram ter muito menos disposição para ajudar, mesmo
quando conheciam o investigador e o viam como um amigo. Não
demonstraram a mesma empatia exibida pelos bebés, que
aparentemente demonstram ter o cérebro ligado de forma inata
para a empatia e a cooperação, mesmo em fases tão precoces.
Também há pesquisas fascinantes sobre de onde vem a empatia,
e de como esta se desenvolve no cérebro. Por exemplo, uma
descoberta que provavelmente não o surpreende é o facto de os
humanos tenderem a ser naturalmente egocêntricos. Trabalhámos
a partir daquilo a que chamámos “tendência para a egocentricidade
emocional” (TEE)10, que nos levou a assumir que a forma como
encaramos o mundo é necessariamente parecida com a forma
como os outros o veem. E, por isso, tomamos decisões em
concordância. Esta tendência para o egocentrismo, quando levada
ao extremo, pode conduzir a todo o tipo de problemas, incluindo o
narcisismo, falta de abertura de espírito, impaciência, intolerância,
rigidez e uma tendência para julgar e criticar pessoas apenas por
serem diferentes. Quando assumimos que a nossa própria
perspetiva é melhor ou superior ou mais “natural” do que a de
outra pessoa, iremos ter grande dificuldade em ter respeito e
consideração por essa pessoa, o que claramente se traduz na
impossibilidade de essas duas pessoas estabelecerem um
relacionamento significativo, tendo mesmo dificuldade em encetar
um diálogo razoável.
Uma parte do processo de crescimento é então a capacidade de
ultrapassar a tendência inata e automática para a TEE. Felizmente,
há uma parte do cérebro que tem como função interligar-se com o
sistema geral dos circuitos do cérebro, para nos ajudar a perceber
quando é que o nosso egocentrismo é especialmente acentuado,
permitindo-nos ajustar o pensamento. É designado por giro
supramarginal direito (GSMd)11 e, como pode imaginar, encontra-se
no cérebro do andar de cima. Sendo uma área que desempenha
um papel importante no funcionamento de todo o conjunto,
podemos ver como o desenvolvimento do cérebro com base no
sentido de oportunidade e na experiência pode levar ao princípio
da empatia nas nossas crianças.

Quando o GSMd não funciona como deve – ou, no caso das


crianças, quando ainda não teve tempo de se desenvolver – é mais
provável que as pessoas projetem os seus próprios sentimentos e
circunstâncias nos outros. A boa notícia é que, à semelhança de
muitas outras regiões do cérebro do andar de cima, o GSMd de
uma criança continua a desenvolver-se à medida que ela cresce e
torna-se tanto mais funcional quanto mais a criança o usar – ao
repetidamente prestar atenção às experiências e sentimentos dos
outros. Mais uma vez, é uma competência passível de ser
adquirida, um músculo emocional que pode ser fortalecido, uma
parte do cérebro que pode ser desenvolvida. Quanto mais
pensarmos na empatia e a praticarmos, mais empáticos
conseguiremos ser no futuro.
Um estudo recente chegou a esta conclusão de uma forma
poderosa, ao analisar os efeitos de encorajar professores do
secundário a olharem para os seus alunos de forma mais empática.
Como deve ter conhecimento, a percentagem de suspensões tem
vindo a aumentar nos EUA, e, naturalmente, os investigadores na
área da educação têm-se empenhado em tentar explicar as razões
para isso acontecer. Alguns culparam as políticas de disciplina
punitiva (tolerância zero). Outros destacaram a falta de
autocontrolo dos alunos e outros ainda realçaram as turmas
superlotadas e a falta de preparação dos professores.
Mas este estudo específico analisou o problema de outra
perspetiva. Um grupo de professores, de cinco escolas secundárias
diferentes da Califórnia, foi convidado a completar, com dois meses
de intervalo, dois módulos online em que lhes era pedido para
pensarem nas razões para o mau comportamento dos estudantes –
as complicadas dinâmicas sociais no mundo dos jovens
adolescentes, a biologia, as alterações hormonais que ocorrem
tanto no cérebro como no corpo deles, e por aí fora. Os
professores fizeram pesquisas e ouviram as histórias dos alunos,
que confirmaram a relação entre o sucesso académico de um lado,
e um ambiente académico seguro, solidário e respeitador do outro.
Os módulos online realçaram que as emoções e comportamentos
dos alunos melhoram quando sentem que os professores se
preocupam com eles e os valorizam.
E provavelmente já adivinhou o resultado: comparados com o
grupo de controlo – independentemente da raça, género,
rendimento familiar, ou mesmo se anteriormente os estudantes
tinham tido problemas com frequência – a percentagem de
suspensões caiu drasticamente depois de se pedir aos professores
para pensarem nas experiências dos seus alunos. De facto, as
suspensões de alunos de professores que participaram neste
“exercício de empatia”, que praticamente não teve custos para as
escolas, fixaram-se em metade do que era provável! Estamos a
falar de um poder real para mudar um problema atual –
especialmente se considerarmos que a percentagem de suspensões
está relacionada com desfechos significativamente negativos, tais
como desemprego crónico e até prisão.
Por isso, estamos a falar a sério quando nos referimos ao
considerável potencial da empatia para influenciar de forma
significativa a vida das pessoas. Muitos outros estudos científicos
demonstraram o poder da solidariedade e empatia, não só em
crianças, mas também em adultos. As pesquisas demonstraram,
por exemplo, que quando os médicos conseguem expressar o que
é designado por “empatia clínica”, os pacientes se sentem mais
respeitados por esses profissionais e satisfeitos com o tratamento.
Um estudo chegou mesmo a demonstrar que um paciente com
uma gripe comum ficará curado um dia mais cedo e terá uma
imunidade muito mais forte se o médico fizer um comentário
empático. Além disso, os diagnósticos são muito mais precisos, a
qualidade global da saúde melhora, e mesmo as queixas por
negligência diminuem. A juntar a isto, os próprios médicos
reportam mais satisfação no trabalho e bem-estar geral.
Estudos como estes, focados em matérias diversas, sustentam o
poder da preocupação com os outros, demonstrando que a
empatia pode diminuir a agressividade e os problemas
comportamentais nas crianças, fortalecer as dinâmicas familiares e
conjugais no geral, e reduzir as agressões sexuais e a violência
doméstica. Por outras palavras, a ciência sustenta vigorosamente o
que já testemunhou na sua vida e também na vida dos seus filhos:
que a preocupação com os outros e o esforço para estar atento à
perspetiva de terceiros conduz a todo o género de respostas
positivas e melhora o sentido e o significado que podemos dar à
nossa vida.
Uma forma de avaliar o poder desta quarta faceta do Cérebro
Sim é compreender que a empatia é uma forma poderosa de
promovermos essa importante experiência da integração na nossa
vida. Através da empatia mantemos a nossa individualidade, mas
conseguimos estabelecer ligações importantes com os outros:
partilhamos os nossos sentimentos interiores subjetivos com outra
pessoa, e dois indivíduos diferentes passam a fazer parte de um
“nós”. Somos seres sociais e a empatia é um importante caminho
para estabelecer a integração nas nossas vidas. É tão simples, e
simplesmente tão importante.
O que pode fazer: estratégias de um Cérebro Sim para
incentivar a empatia
Estratégia n.º 1 de um Cérebro Sim para incentivar uma
mente solidária: sintonize bem o “radar da empatia”
Uma das melhores formas de ajudar as crianças a preocuparem-
se com os outros é ativar o sistema de envolvimento social do seu
cérebro, de uma forma que os prepare para ver as situações
através das lentes da empatia e da preocupação com as outras
pessoas. Chamamos a isto sintonizar o radar da empatia dos seus
filhos.
Um radar da empatia ativo ajuda as crianças a reparar nas outras
pessoas e a sintonizar-se com a lógica delas, de forma a captarem
sinais, tanto verbais como não-verbais. É como se fosse uma leitura
emocional da mente. Pode traduzir-se apenas por terem mais
consciência do passar do tempo quando dominam uma conversa,
ou encontrar uma forma de serem bem-educadas e entender-se
com alguém, mesmo quando não estão de bom humor. Ou pode
significar reconhecerem que outra pessoa (por exemplo o seu
exausto progenitor!) está de mau humor e decidirem serem mais
sensíveis ou terem mais cuidado para não esticar a corda. Quando
o radar da empatia está ativado, ficamos mais conscientes e mais
recetivos para compreender o estado de espírito dos outros. A
partir desta posição consciente podemos monitorizar muito melhor
as situações que se nos deparam para tornar as pessoas que nos
rodeiam mais felizes ou aliviar o seu sofrimento de alguma forma –
mais uma vez, mantendo um nível de distanciamento apropriado
durante esse processo.
Há uma série de formas de desenvolver essa consciência nos
seus filhos e ajudá-los a ativar o radar da empatia. Por exemplo, tal
como dissemos no capítulo 4, pode reenquadrar as situações que
surgem, incentivando a curiosidade. Ajudando-os a aprender a ser
detetives e a fazer várias perguntas. Quando um colega da turma
perde o controlo e, irritado, abandona o recreio a correr, a reação
automática é perguntar: “O que é que se passa com ele?” Em vez
disso, deve encorajar a curiosidade do seu filho e ajudá-lo a
reformular a situação com outra simples pergunta: “Porque terá ele
reagido assim?”
Podemos ajudar os nossos filhos a reformular a situação para que
não façam julgamentos nem condenem os outros de imediato, mas
para fazerem antes questões numa base de curiosidade,
recetividade e simpatia. Esse simples ato de reformular,
exemplificado pelas duas perguntas acima, completamente
diferentes uma da outra, proporciona experiências absolutamente
díspares tanto para os nossos filhos como para os que os rodeiam.
Uma forma prática de reformular uma situação é assumir o papel
de uma personagem. Digamos, por exemplo, que o seu filho de 10
anos chega a casa enervado porque o colega Josh estava “como
sempre”, a fazer batota no jogo de andebol. Você já ouviu estas
queixas sobre o Josh inúmeras vezes, pelo que resolve tentar uma
nova abordagem e representar com o seu filho. Diz-lhe: “Eu vou
fingir que sou tu, e que tu és o Josh.” Depois, no papel do seu filho
pode dizer: “Josh, estiveste sempre a fazer batota no andebol. Já
sabes que não podes bater a bola duas vezes seguidas e tu fizeste
isso. E depois disseste que a bola tinha saído quando estava
mesmo na linha.”
O mais provável é que, no lugar do Josh, o seu filho não tenha
outra resposta que não seja: “Não estava nada.” Então,
incentivando-o a ir mais longe, talvez possa desafiá-lo a perceber
porque é que o Josh ignora as regras tantas vezes. Por fim,
assumindo a personagem do Josh, o seu filho poderá dizer: “Eu
nunca consigo ganhar a nada. É por isso que às vezes faço batota.”
Ou talvez se possa questionar quanto ao que sabe sobre os pais do
Josh. Quem sabe se o pai do Josh não anda sempre a citar Vince
Lombardi12: “Ganhar não é tudo, é a única coisa que importa” –
criando em Josh um sentimento de competitividade exagerado que
faz com que considere inaceitável perder.
Uma vez mais, ajudar o seu filho a alcançar este discernimento
pode exigir muita orientação e estímulo da sua parte e não tem
necessariamente de lhe parecer tudo muito natural. Mas apenas
por ajudá-lo a assumir a perspetiva do Josh, dará ao seu filho a
oportunidade de praticar a leitura emocional da mente e
compreender que provavelmente haverá razões por detrás do
comportamento do Josh, que podem levar a uma maior
complacência no momento e mais paciência no futuro. (Esta é
também uma boa maneira de encararmos o comportamento dos
nossos próprios filhos.)
Muitas vezes, a melhor forma de medir a sensibilidade dos
radares da empatia dos seus filhos é chamar-lhes a atenção para
situações em que vítimas, ou outras pessoas, precisam de apoio. O
exemplo mais comum no universo das crianças são situações em
que alguém está a ser vítima de bullying. Pode falar-lhe de casos
hipotéticos ou de algum caso que o seu filho conheça na escola.
Para a maioria das crianças não será difícil simpatizar com a vítima.
Uma simples pergunta poderá levá-los a isso: “Como é que achas
que ela se sente por estarem sempre a implicar com ela?” Depois
pode encaminhá-lo para uma reflexão sobre qual será a melhor
forma de reagir quando alguém é intimidado ou de alguma forma
maltratado. O mesmo se aplica quando uma criança está a ser alvo
de troça, a ser discriminada, ou tratada de qualquer outra forma
cruel. Basta ajudar os seus filhos a refletir sobre o que alguém
pode sentir nessas situações, para dar largos passos para a
ativação do radar da empatia.
E, uma vez mais, este tipo de incentivo à empatia pode ocorrer
nas interações do dia a dia com os seus filhos. Por vezes poderá ter
uma conversa mais séria sobre empatia, mas, na maior parte das
vezes, usará as normais situações do quotidiano para lhes
proporcionar várias oportunidades de reflexão. Por exemplo,
conhecemos uma avó que toma muitas vezes conta dos netos.
Todas as noites, à hora de dormir, rezam juntos pela paz. Dizem:
“Que a paz esteja com o meu amigo Katinka, que hoje parecia
triste na escola” ou “Que a paz esteja com todos aqueles que não
têm água potável.” Pedir às crianças que reflitam connosco e
pensem em todas as mãos que são necessárias para que a comida
lhes chegue aos pratos ao jantar é outra forma simpática de fazer
com que olhem para lá dos seus umbigos. O próprio ato de pensar
nas experiências das outras pessoas abre um grande leque de
oportunidades para ativar o radar da empatia.
Os aniversários e outras datas festivas também possibilitam às
crianças pensarem nos desejos dos outros. Uma tendência atual,
que reparámos nas festas de anos das crianças, especialmente à
medida que as crianças vão ficando mais velhas, é dar-se
simplesmente um cartão-oferta ao aniversariante. Decerto não há
nada de errado nesta tendência, mas não proporciona a mesma
oportunidade que os presentes tradicionais, em que a criança tem
de pensar e escolher um presente que o amigo queira ou do qual
possa gostar. O mesmo acontece com presentes para os avós, tio
ou tia. É muito mais fácil comprar você o presente e fazer os outros
assinar o postal. Mas envolver as crianças na escolha do presente,
e depois pedir-lhes para que peguem em cartolina e cola e façam
eles próprios um postal, permitir-lhes-á pensar no que pode fazer
uma pessoa feliz. Ao fazê-lo aumenta consideravelmente a
sensibilidade do radar da empatia.
Estratégia n.º 2 de um Cérebro Sim para incentivar uma
mente solidária: estabeleça a linguagem da empatia.
Outra forma de incentivar a empatia é dotar as crianças de um
vocabulário que elas possam usar para comunicar que se
preocupam com os outros. Afinal de contas, mesmo quando as
crianças conseguem pôr-se na pele dos outros e identificar-se com
os seus sentimentos, muitas vezes não desenvolveram a
capacidade de comunicar essa empatia. Então, devemos ensiná-las.
Muitas vezes isso implica apresentar-lhes os princípios da
comunicação emocional eficaz, tal como ouvir sempre atentamente
antes de dar conselhos a alguém que está magoado. E pode
implicar ensinar-lhes técnicas já antes testadas com bons
resultados, como “falar na primeira pessoa”, concentrando-nos em
como “eu” me sinto e não no que “tu” me fizeste.
É muito mais eficaz dizer: “Fico mesmo chateado quando não
pões os lápis no sítio” do que “Estás sempre a perder os lápis!”
O mesmo acontece com as desculpas. Quando a sua filha
empurra o irmão mais novo para a piscina, dizer “desculpa” é
aceitável. Mas demonstra mais solidariedade e preocupação ensiná-
la a considerar os sentimentos do irmão. Pelas palavras dela,
poderia ser algo do género: “Pensei que seria divertido, mas já sei
que não tiveste tempo de respirar antes de entrares na água. Eu
sei que isso é assustador e não devia tê-lo feito”. Ajudá-la a
desenvolver uma linguagem empática não só a ajudará a
comunicar de uma forma mais humana, mas também EACN
(Estimula a Ativação e o Crescimento Neuronal) do cérebro dela
para a empatia.
Uma das mais importantes competências da linguagem-para-a-
empatia que podemos oferecer às crianças é ensinar-lhes como
transmitir carinho quando alguém está magoado. Queremos que os
nossos filhos percebam quando uma pessoa está a sofrer e
também mostrar-lhes como podem reagir de forma carinhosa. Para
crianças muito pequenas, o objetivo muitas vezes passa apenas por
os ajudar a aproximarem-se de alguém. Um exemplo engraçado
desta aproximação aconteceu quando Andrew, um amigo do filho
de 3 anos da Tina, o Ben, referiu que o seu cão tinha acabado de
morrer. O Ben solidarizou-se dizendo a Andrew que os seus dois
peixinhos, Gitchigoomee e Pirata Pirata, também tinham morrido
recentemente. Depois, o Ben fez uma breve pausa, claramente a
tentar encaixar alguns pormenores ao lembrar-se da forma como
ele e a mãe tinham deitado os peixes mortos na sanita. Depois
perguntou: “A tua casa tem uma sanita muito grande?”
Umas das melhores coisas nas crianças é este desejo de se
aproximarem da experiência da outra pessoa. À medida que
crescem, desenvolvem o desejo de ajudar de forma mais
significativa. A sua tendência imediata será muitas vezes igual à
nossa: dar conselhos quando alguém está magoado (“Devias
simplesmente…”) ou tentar mitigar a dor e ajudar essa pessoa a
ver o lado positivo (“Pelo menos tens outro cão”). Estas respostas
bem-intencionadas demonstram que os nossos filhos se preocupam
e nós devíamos felicitá-los por essas boas motivações. Mas
queremos ensinar-lhes que a empatia raramente tem a ver com dar
conselhos ou mostrar-lhes o lado bom. Prende-se mais com ouvir,
estar presente e partilhar sentimentos. Queremos ensinar-lhes
frases como “Isso deve doer mesmo” e “Nem sei o que dizer, mas
lamento muito que isto tenha acontecido.”
Enquanto lhes ensinamos a linguagem da empatia, temos de ter
cuidado para não esperar demasiado, seja qual for a idade das
crianças.
Afinal, até os adultos têm dificuldade em expressar as suas
emoções quando estão perturbados. Mas com a prática, mesmo as
crianças mais novas poderão desenvolver a capacidade de usar
competências básicas de conversação empática. E quando as
crianças desenvolvem nem que seja uma linguagem empática
rudimentar, estão a preparar-se para relacionamentos muito mais
marcantes e a criar as estruturas que lhes permitirão viver uma
vida mais rica e ter relações mais profundas quando se tornarem
adultas.
Estratégia n.º 3 de um Cérebro Sim para incentivar uma
mente solidária: expandir o círculo de preocupação
Quando falamos de construir uma mente solidária, pensamos
muitas vezes em ensinar as crianças a preocuparem-se com as
pessoas que fazem parte das suas vidas: família, amigos, colegas
de escola, etc. Mas tão importante como termos consciência dos
desejos e necessidades daqueles que nos rodeiam, a verdadeira
empatia ultrapassa em muito a preocupação que temos com as
pessoas que já conhecemos e amamos. Uma mente solidária
trabalha para expandir o seu “círculo de preocupação”,
desenvolvendo a consciencialização e o entendimento das pessoas
que não fazem parte do círculo de amigos mais próximos ou
íntimos.
Há toda uma série de formas de expandir o círculo de
preocupação de uma criança. E, novamente, isso passa
simplesmente por expor as crianças ao mundo interior dos outros –
tornando-as conscientes daquilo que conseguem perceber sozinhas
ou não. Quando o sítio onde mora estiver sob uma onda de calor,
fale aos seus filhos de como os sem-abrigo podem estar a passar
sede e de como muitas pessoas estão a sofrer por não terem ar
condicionado. Depois pensem juntos em quem poderão ser essas
pessoas e debatam juntos de que forma as podem ajudar. Ou
quando está a nevar, pensem nos vizinhos que talvez precisem de
ajuda para limpar os passeios ou ir às compras. A maioria das
crianças adora a oportunidade de ajudar os outros, precisando
apenas de ser guiadas para reconhecerem as necessidades dos que
as rodeiam.
O trabalho voluntário e serviço comunitário são formas poderosas
de chamar a atenção dos seus filhos para as lutas que muitas
pessoas no mundo enfrentam. Se está preocupado por o seu filho
estar a crescer numa redoma fechada que o protege do verdadeiro
conhecimento da dor e sofrimento, então visitem juntos um
albergue para os sem-abrigo, um lar de idosos ou um hospital.
Como sempre, tenha em consideração a idade e a fase de
desenvolvimento da criança, e não a exponha a mais do que ela
pode suportar. Mas uma das melhores formas de levar as crianças
a reconhecer e a tratar a dor dos outros é testemunharem elas
próprias esse sofrimento. E assim que a luz da consciência se
acender, poderá crescer e brilhar por si própria.
Também pode expandir o círculo de preocupação do seu filho
mostrando interesse em atividades que incluem pessoas de um
nível social diferente do seu. Isso pode apenas implicar inscrevê-lo
num desporto ou outra atividade que permita ao seu filho interagir
com crianças de variadas e diferentes comunidades e bairros. Aí
poderá conhecer pessoas que não fazem parte da sua redoma. A
maior parte das cidades também tem bairros de comunidades
internacionais. Visite os seus restaurantes, bibliotecas, ou locais de
culto, conhecendo as pessoas que os frequentam. Entre neles não
como um turista que visita um local exótico, mas como um
semelhante aberto a aprender e a apreciar outras formas de
interagir com o mundo.
Não há uma forma única de expandir o círculo de preocupação
do seu filho. A questão passa apenas por estar atento às
oportunidades, chamando-lhe a atenção para as perspetivas e
necessidades das outras pessoas – tanto as pessoas que conhecem
como aquelas em cujas vidas não pensariam sem a sua ajuda.
O Cérebro Sim das crianças: ensine a empatia aos seus
filhos
Uma vez mais, construir uma mente solidária começa com ajudar
os seus filhos a sair das suas perspetivas individuais e considerar o
que os outros estão a sentir. Parece-nos eficaz ensinar as crianças
a “verem com o coração”.
6 «MWe» no original, palavra composta por «Me» e «We» (N. da T.)
7SNAG no original: Stimulate Neuronal Activation and Growth (N.
da T.)
8Lorax é uma personagem de um filme de desenhos animados, um
defensor da floresta. (N. da T.)
9O Trevor é um menino e o Old Yeller é um Golden Retriever,
ambos personagens de um filme americano de 1957. (N. da T.)
10 EEB no original: Emotional Egocentricity Bias (N. da T.)
11 No original: right supramarginal gyrus (rSMG) (N. da T.)
12Vince Lombardi (1913-1970) foi o primeiro treinador campeão do
Super Bowl, vencendo-o duas vezes consecutivas com o Green Bay
Packers, em 1967 e 1968. Após a sua morte, o troféu do Super
Bowl foi rebatizado em sua homenagem, passando a chamar-se
Vince Lombardi Trophy, nome que permanece até hoje (N. da T.).
O meu próprio Cérebro Sim: incentivar a empatia em mim
próprio
Nos capítulos anteriores falámos de ensinar às crianças uma
linguagem de empatia que lhes permita transmitir preocupação e
solidariedade pelos outros, o que por sua vez lhes permitirá
aprofundar a sua capacidade para amar e ter empatia por aqueles
que sofrem. Agora queremos apresentar-lhe a si, o adulto, uma
forma de saber reagir quando uma pessoa na sua vida enfrenta um
desafio. A ideia principal é que consiga manter uma forma de se
diferenciar enquanto indivíduo, ao mesmo tempo que vai ao
encontro aos sentimentos do outro. A integração está no centro da
empatia solidária e há estudos que demonstram que, quando
conseguimos cuidar dos outros sem sentirmos a sua dor como
nossa, conseguimos manter um sentido de equilíbrio enquanto nos
preocupamos com eles com compaixão. A ressonância emocional
que perde a diferenciação pode levar ao esgotamento e
isolamento, deixando-nos exaustos e incapazes de ajudar os
outros.
Então, uma componente importante de “promover a empatia em
mim próprio” é cultivar a empatia para consigo próprio. Referimo-
nos àquilo que os investigadores designam por “autocompaixão”, a
forma como podemos aprender a ser benevolentes para connosco
– sermos compreensivos e não severos. Quando dirigimos este
exemplo de bondade para nós próprios nas nossas ações,
ensinamos os nossos filhos a serem assim para eles próprios.
Ser empático para com alguém é uma atitude positiva, e não
uma falta de disciplina, de padrões ou de expetativas. Pense em
como consegue comunicar com a sua melhor amiga. Vai ouvi-la
abertamente, atentamente, sem a julgar, tentando apenas estar
presente e recetiva ao que ela lhe está a dizer. Demonstrar-lhe-ia o
seu carinho e generosidade, não é verdade? O carinho pode ser
visto como o respeito pela vulnerabilidade de alguém, ao mesmo
tempo que se faz alguma coisa para ajudar sem esperar nada em
troca. A compaixão é a forma como sentimos a dor de outra
pessoa, pensamos em como podemos ajudá-la a sentir-se melhor e
depois agir para lhe mitigar o sofrimento. Podemos mesmo chegar
a dizer à nossa amiga, que cometeu um erro, algo do género: “Oh,
eu também já fiz isso” ou “Por vezes as pessoas agem assim.”
A investigadora Kristin Neff identifica três aspetos cruciais da
autocompaixão: estar atento, ser carinhoso e estar consciente de
que se faz parte de uma humanidade mais vasta. Se cultivar estes
elementos de empatia em si próprio, estará a criar a generosidade
e amabilidade intrínsecas que também pode ensinar ao seu filho. E
não gostaria que o relacionamento do seu filho consigo próprio
fosse tão carinhoso e compreensivo como o que tem com o seu
melhor amigo? Essa é uma forma de o Cérebro Sim criar empatia
em relação a si mesmo que dura uma vida inteira.
CONCLUSÃO
Repensar o sucesso: a perspetiva de um Cérebro Sim
Quando pensa no que significa para os seus filhos ter sucesso na
vida, o que é que lhe vem à cabeça? Ao longo de todo o livro,
defendemos aquilo que designamos por sucesso de um Cérebro
Sim, baseado em ajudar os nossos filhos a manterem-se fiéis aos
seus princípios, ao mesmo tempo que os guiamos enquanto
ganham competências e capacidades que lhes permitam interagir
com o mundo a partir de uma posição de equilíbrio, resiliência,
discernimento e empatia. Este sucesso genuíno ocorre quando as
crianças desenvolvem uma abordagem aberta e recetiva às suas
vivências, de forma a acolherem novas experiências e desafios,
valorizando a curiosidade e a aventura, ultrapassando a
adversidade com um melhor conhecimento de si próprias, das suas
capacidades e das suas paixões.
Mas sejamos sinceros. Isto não é a definição de sucesso que
pauta a cultura contemporânea dominante. Muitos pais e escolas
são orientados por uma noção de sucesso muito diferente – que se
mede geralmente não do interior para o exterior, mas tão-somente
pelo exterior. Tomados por um sentido de fracasso iminente e
insuficiência, os parâmetros da escola e da sociedade que criámos
nos tempos modernos deixam as crianças e os adolescentes,
muitas vezes, num estado de Cérebro Não baseado no medo, que
os leva a dizer: “O que eu faço, o que concretizo e alcanço são as
únicas medidas válidas do meu mérito.” Isto é um pensamento de
um Cérebro Não, porque é rígido e impede qualquer abertura para
visões alternativas ou exploratórias que podem modificar não
apenas o percurso, mas o próprio destino. E resulta numa falta de
equilíbrio, resiliência, discernimento e empatia.
A nossa discordância em relação a este tipo de pensamento de
um Cérebro Não não é por ele automaticamente conduzir ao
fracasso. Na verdade, a concentração num desafio exterior pode
até levar a um grande “sucesso” calculado sob parâmetros
exteriores, especialmente se avaliarmos o sucesso como muitos o
fazem hoje em dia: pelas boas notas, pelos feitos desportivos e
artísticos e pela popularidade junto dos professores e de outros
adultos. Estas avaliações exteriores de sucesso, estes objetivos
visíveis, podem resultar neste tipo de conquistas porque há um
árduo empenho para cumprir as regras e colorir dentro das linhas,
em vez de se assumirem riscos e tentar algo de novo ao mesmo
tempo que descobrimos quem realmente somos e o que nos
proporciona alegria e satisfação na vida. Aderir rigidamente às
convenções e ao statu quo é muitas vezes a forma mais eficaz de
receber louvores dos professores e de outras figuras da autoridade.
Mas é obvio que os louvores não são o nosso maior objetivo para
os nossos filhos. Por outras palavras, o nosso principal objetivo não
é ajudá-los a tornarem-se bons a agradar aos outros,
especialmente quando isso significa perder o sentido e o
entusiasmo que conseguimos através da exploração, da
imaginação, da curiosidade e de todos os aspetos empreendedores
de um Cérebro Sim. Claro que queremos que os nossos filhos
sejam bem-sucedidos em termos académicos e nas suas variadas
atividades, da mesma forma que queremos dotá-los das
competências sociais para se relacionarem com os outros e se
sentirem confortáveis numa multiplicidade de situações. Mas, em
última análise, os louros e o agradar aos outros não são o que
importa na vida – quer estejamos a falar de crianças
hipercompetitivas em escolas de elite ou de estudantes submissos
apenas a tentar sobreviver num sistema educativo no qual se
sentem perdidos e abandonados. Não queremos que os nossos
filhos baseiem a maior parte das suas decisões neste tipo de
motivação extrínseca.
Não preferíamos que os nossos filhos descobrissem quem são e
percebessem o que é mais importante para eles e o que os deixa
realizados, o que lhes dá sentido, vínculo e equanimidade, o que
lhes permite que sejam verdadeiramente felizes? Podem continuar
a conquistar grandes metas ao longo do caminho, e sim,
provavelmente receberão a sua justa quota-parte de elogios e
distinções. Mas a sua motivação virá de dentro deles, e não do
facto de tentarem agradar a si ou aos outros ao longo da vida.
Como é que ajudamos os nossos filhos a desenvolver nas suas
vidas este tipo de sucesso autêntico e intrínseco? Para nós, começa
por reconhecermos e respeitarmos cada criança por quem ela é.
Cada criança tem uma chama interior – uma combinação de um
temperamento único e de várias experiências – e nós queremos
atiçar essa chama para ajudar as crianças a serem felizes,
saudáveis e interiormente motivadas, para que se tornem o
“melhor eu” que conseguirem. A reatividade de uma disposição de
Cérebro Não apaga a curiosidade e ameaça extinguir a chama que
arde dentro de cada criança. O Cérebro Sim, em contraste
absoluto, gera as condições para a flexibilidade, a resiliência e a
determinação, para que a chama individual de cada um possa ser
alimentada e crescer.
Eudaimonia: respeitar a chama interior
Esta ideia de chama interior leva-nos outra vez ao conceito de
eudaimonia da antiga Grécia, que se refere a uma vida plena de
significado, relacionamentos e equanimidade. A palavra grega em
si mesma conta a história de um Cérebro Sim. O prefixo eu quer
dizer “verdade” ou “bom”. O termo daimon refere-se à ideia de
termos uma autêntica chama interior ou “ego”, que a escritora
Elizabeth Lesser descreve como a essência interior: “Um carácter
residente e único de cada um” que é “sólido e luminoso”. Como
pais, podemos ser os guardiões do daimon dos nossos filhos, a sua
chama individual. E quando combinamos o eu com o daimon temos
a eudaimonia, que se refere às boas e verdadeiras qualidades da
vida que resultam de reconhecer e respeitar a nossa essência
interior individual.
Não desejaria, por fim, que o seu filho experimentasse tudo o
que resulta da compreensão dessa essência interior à medida que
vai amadurecendo até se tornar adulto? Como diz Lesser: “Aqueles
que estão em contacto com a sua autenticidade partilham os
mesmos traços de personalidade. São tão fortes quanto gentis. Não
se preocupam demasiado com o que os outros pensam deles e,
apesar disso, preocupam-se bastante com o bem-estar dos outros.
Demonstram uma sintonia tão grande consigo próprios, que estão
abertos aos outros.” Que bela descrição do sucesso de um Cérebro
Sim. (É quase como se a palavra eudaimonia significasse Cérebro
Sim em grego!)
Uma abordagem de um Cérebro Sim à parentalidade é uma
forma de estar com cada um dos nossos filhos, que lhes permita
desenvolver o modo como mantêm o contacto com essa essência
interior, cultivando essa autêntica bússola interna.
Nas palavras sábias de Lesser, alguém que tenha desenvolvido
uma sólida consciência e respeito por este guia interior “desenvolve
uma sensação de estar em casa, uma ausência de hipocrisia, de
excessos, uma sensação de plenitude.” Imagine se pudesse
preparar o cenário no modo como exerce a parentalidade de forma
a conseguir presentear o seu filho com esta declaração: “A certa
altura chegarás à conclusão, com todas as células do teu cérebro,
de que o teu eu autêntico é a única coisa em que realmente podes
confiar.”
É uma forma de um Cérebro Sim proporcionar ao seu filho a
força interior que lhe permite desenvolver um verdadeiro guia
interno – o estado de eudaimonia. Esta chama interior não se trata
de uma entidade rígida. Não há em nenhum de nós uma essência
interior que nunca mude. Trata-se, sim, de abraçar a noção de que
cada um pode viver com um foco de motivação interior e uma
sensação de respeito pela autêntica experiência íntima de estar
vivo. Esta ligação a uma verdadeira e autêntica essência interior,
este viver com eudaimonia, tem pleno significado, conexão e
equanimidade na vida. Ou seja, trata-se de perceber o que
realmente interessa. A ligação tem a ver com comunicar
abertamente com os outros e connosco próprios. E a equanimidade
é a capacidade de atingir a estabilidade emocional, sentir uma série
de emoções e alcançar um sentido de equilíbrio no meio dessa vida
interpessoal interior que cria e abraça quem somos e quem
podemos vir a ser.
Esta abordagem de um Cérebro Sim ajuda a desenvolver o tipo
de vida bem-sucedida que prepara os nossos filhos de dentro para
fora, dando-lhes uma consciência profunda dos processos interiores
que lhes podem servir de bússola para reconhecerem as suas
próprias definições e valores. Trata-se de valorizar a viagem interior
e não o destino final. Trata-se de valorizar o processo que leva ao
destino final e encorajar o esforço disciplinado e a vontade de
explorar, e não apenas os resultados externamente mensuráveis. E
nada disto pode acontecer se impusermos aos nossos filhos uma
receita única para o sucesso. Em vez disso, precisamos de os
ajudar a compreender quem são, para que não sejam apenas bem-
sucedidos, mas para que esse sucesso resulte dos seus talentos e
corresponda aos seus desejos.
Precisamos de ajudar os
nossos filhos a
compreender quem são,
para que não sejam
apenas bem-sucedidos,
mas para que esse
sucesso resulte dos seus
talentos e corresponda
aos seus desejos.
Redefinir o sucesso
Agora pense nos seus próprios filhos. Em última análise, o que é
que deseja para eles? Todos os pais desejam que os seus filhos
sejam felizes e bem-sucedidos, mas o que é que isso efetivamente
significa? Não há nada de mal com as atribuições externas de
louvores (boas notas, prémios musicais, metas desportivas e por aí
fora). O que nos preocupa é que eles representam precisamente
uma perspetiva limitada do que é de facto o sucesso. Temos visto
demasiados pais concentrados apenas nas conquistas objetivas de
louros, perdendo a ligação com os filhos e deixando de cultivar a
sua bússola interna do Cérebro Sim, deixando que as crianças
sejam guiadas apenas pelas expetativas dos outros. A nossa
preocupação é que, por vezes, perder essa conduta parental de um
Cérebro Sim pode ter os seus custos.
É por isso que nos batemos por uma definição de sucesso mais
abrangente. É claro que o sucesso de um Cérebro Sim dá espaço
para conquistas exteriores e prémios, mas nunca deixa de ter em
mente os objetivos de longo prazo, ou seja, desenvolver a bússola
interior dos nossos filhos numa base de equilíbrio, resiliência,
discernimento e empatia. Em última análise, trata-se de ajudar as
crianças a desenvolver um cérebro ligado e integrado, que lhes
permita levar uma vida plena de relacionamentos enriquecedores,
interações relevantes com o mundo e serenidade emocional. Por
outras palavras, um Cérebro Sim não impede de forma alguma o
seu filho de ter sucesso ou de apresentar bons resultados. Mas
evita os muitos custos e aspetos negativos que resultam de um
Cérebro Não, tanto a curto prazo (que se traduzem por uma maior
ansiedade, reatividade, e outros sentimentos parecidos) e a longo
prazo (em termos de menor equilíbrio, resiliência,
autoconhecimento e empatia). E concentra-se na viagem, mais do
que em algum destino imposto externamente, que pode nem se
adequar ao que a criança é e àquilo que ela deseja.
Uma vez que já chegou até aqui neste livro, muito provavelmente
a noção de Cérebro Sim já o atrai. Certamente que se empenha em
ajudar os seus filhos a desenvolver um saudável sentido de
individualidade, o desejo e a competência para que cultivem
relacionamentos sólidos, a preocupação para com as pessoas que
os rodeiam, a resiliência que lhes permita lidar com a dor e os
fracassos que inevitavelmente a vida lhes trará, e o desejo de
fazerem o que é correto e viverem com sentido e significado e,
quem sabe, até aventura.
O sucesso de um Cérebro
Sim deixa espaço para
conquistas exteriores e
prémios, mas é muito
mais do que isso. Em
última análise trata-se de
ajudar as crianças a
desenvolver um cérebro
ligado e integrado – um
Cérebro Sim – que lhes
permita levar uma vida
plena de relacionamentos
enriquecedores,
interações relevantes
com o mundo e
serenidade emocional.
Por outras palavras, quer avivar a chama do seu brilho interior
para que eles descubram o que lhes traz alegria e realização e
como podem conseguir tirar o máximo partido das suas próprias
competências e dons. É isto o verdadeiro sucesso.
Mas sabemos, por educarmos os nossos próprios filhos e por
falarmos com milhares de pais ao longo do ano, que é fácil sermos
seduzidos por uma definição de sucesso muito diferente. Mesmo
que esteja absolutamente empenhado em educar os seus filhos na
perspetiva de um Cérebro Sim, pode dar por si a ser indevidamente
influenciado por colegas e por receios. Ou pode ver-se tentado a
viver no lugar dos seus filhos, acreditando que o sucesso deles é o
seu próprio sucesso. Há muitas comunidades em que o
desempenho e os resultados são tão premiados, que é difícil
manter-se concentrado nos princípios de um Cérebro Sim que
levam a uma vida satisfatória e plena de significado. Quando as
crianças são muito novas, por exemplo, podemos facilmente falar-
lhes da importância de um estilo de vida equilibrado e evitar a
armadilha de uma agenda sobrecarregada, permitindo que haja
muito tempo livre. Mas à medida que os nossos filhos crescem, o
nosso melhor julgamento pode ser minado pela competição, pela
preocupação de estarmos a prestar um péssimo serviço aos nossos
filhos por não sermos suficientemente exigentes com eles, pelas
normas culturais e expetativas da comunidade a que pertencemos
ou da escola que frequentam. Em consequência, muitos pais,
mesmo pais carinhosos e empenhados – veem-se presos nas
malhas da armadilha do sucesso, forçando-se a eles próprios, aos
seus filhos e a toda a família a correr cada vez mais depressa para
acompanharem algum conceito externo do que é uma verdadeira
conquista.

Mesmo sem se aperceberem, muitos pais começam a aceitar


pressupostos vagos e dúbios, determinados externamente (tal
como a ideia de que ir para o “melhor colégio de elite” garante o
sucesso na vida), pelo que gradualmente vão adotando as mesmas
convicções vagas e dúbias (como a de que mais trabalhos de casa
levam a um maior conhecimento). Mesmo quando isso implica ficar
com dificuldades financeiras, alguns pais contratam explicadores e
lições privadas e subscrevem cada nova oportunidade que possa
aumentar as possibilidades de os seus filhos serem “bem
relacionados” e aceites numa das “boas” escolas. Muitas vezes,
este desejo condiciona as decisões dos pais numa fase em que os
filhos ainda mal começaram a andar ou a falar, ou mesmo antes,
ao ponto de a vida familiar começar a ser determinada por horários
estruturados, atividades de enriquecimento, cursos de línguas,
treino especializado, campos de férias etc. Uff! Falamos de uma
esgotante, esmagadora e até destrutiva passadeira! O que é que se
segue? Aulas de meditação stressantes entaladas nos horários dos
seus filhos, para que consigam enfrentar a pressão que estão a
sofrer por causa do frenesim da agenda das outras atividades?
Será que isto lhe é familiar? Se a resposta é sim, não está
sozinho. Pais dos quatro cantos do mundo sentem-se esmagados e
exaustos por um estilo de vida e um conjunto de valores culturais
que os conduz implacavelmente, a eles e aos seus filhos, a essa
definição altamente restritiva do sucesso medido externamente.
Enquanto podemos decerto simpatizar com a motivação inicial de
proteger os nossos filhos, a triste realidade é que esta boa intenção
é na verdade mal orientada, deixando muitas vezes os pais
confusos por causa da forma como os seus filhos se encontram tão
mal preparados para enfrentar o mundo com algum
autoconhecimento. A passadeira puxa as pessoas e as escolas (tal
como os negócios que servem e se alimentam do receio dos pais)
para pressupostos de um Cérebro Não sobre desempenho e
conquista, que estão em total desacordo com o que os estudos nos
dizem sobre o que as crianças precisam para prosperar. Algumas
creches dão trabalhos de casa às crianças para as preparar para o
nível de exigência que as espera no jardim-escola, apesar de as
crianças dessas idades muitas vezes ainda não conseguirem fechar
o casaco sozinhas ou retirar o papel de alumínio dos triângulos de
queijo.
Atualmente, muitos especialistas estão a reportar uma epidemia
de ansiedade e depressão entre os estudantes “de sucesso”, já
para não falar dos que foram deixados para trás. Como
consequência da ênfase excessiva nos resultados e motivações
exteriores, para muitos a infância transforma-se num período de
pressão e ansiedade em que as crianças tentam corresponder às
expetativas que os pais e os outros idealizaram para eles, em vez
de ser um período de desenvolvimento descontraído e de
exploração à medida que vão aprendendo e crescendo. Em vez da
eudaimonia, muitos têm um sentimento de insuficiência, mesmo
quando estão entre os melhores da turma. Quando na vida deles
há apenas uma medida externa de “sucesso”, há um verdadeiro
vazio quanto ao que tem significado e realmente interessa. Em vez
de gostarem de aprender, de se sentirem valorizados pela formação
e terem a oportunidade de aprender da forma que melhor o fazem,
através dos jogos e da exploração, muitos estudantes hoje sentem-
se oprimidos e sobrecarregados pelas suas experiências
académicas e outras atividades. Há uma concentração excessiva na
motivação extrínseca que influencia a vida familiar e ameaça
destruir o Cérebro Sim e extinguir a chama interior que alimenta a
curiosidade, a criatividade e o gosto pela aprendizagem. Não
cremos que seja demais dizer que este tipo de intensidade ameaça
desgastar a infância e a abordagem “sim” à vida.
Quando falamos com os pais, muitos dizem-nos que não
concordam com a quantidade de trabalhos de casa que é dada aos
filhos, e pensam muitas vezes que eles estão sobrecarregados e a
sentir-se esmagados pelos horários. Esta necessidade frenética e
competitiva de fazer sempre mais não lhes parece bem. E os
estudos corroboram a noção de que, para além de um certo limite,
esta pilha de trabalhos de casa pouco faz para além de retirar
horas de sono às crianças. Mas os pais têm medo de saltar da
passadeira. São levados pelo medo de que os filhos sejam os
únicos a não acompanhar, a não ganhar vantagem, e isso é
assustador porque querem fazer o melhor por eles, dando-lhes o
máximo de oportunidades. Como disse um dos pais: “Estou a par
dos estudos e gostaria de recuar relativamente ao que exijo do
meu filho, mas sejamos realistas: estamos aqui a jogar com o seu
futuro e essa é uma aposta que não estou disposto a fazer.”
Assim, no intuito de quererem o melhor para os filhos, para
“proteger” as futuras opções, estes pais continuam a sobrecarregar
a agenda e a exigir mais, tudo em nome do “sucesso”.
Ironicamente, não proporcionam aos filhos a única coisa que lhes
permitiria desenvolver a mente e ajudá-los a fortalecer a coragem
para superarem os desafios, mesmo em alturas adversas. Em vez
de passarem tempo a viver experiências próprias de um Cérebro
Sim com os filhos, preocupam-se por não lhes estarem a dar “todas
as vantagens”, assumindo que o melhor que podem dar aos filhos é
o “domínio” de um certo talento – artístico, desportivo, académico
ou outro parecido. Como consequência eles ficam sem tempo para
brincar ou para dar largas à imaginação ou à exploração ou para
atividades ao ar livre – as verdadeiras atividades, tal como temos
vindo a defender, que conduzem ao sucesso autêntico e à paz e
alegria interiores.
A Tina tem uma memória vívida de há alguns anos quando, em
dado momento, deu por si numa dessas rígidas passadeiras-do-
sucesso. O seu filho de 2 anos estava entretido a brincar no chão
da sala com caixas que encaixavam umas nas outras, numa altura
em que tinham de sair para ir a uma aula de A Mamã, a Música e
Eu na YMCA13. A frustração de Tina foi crescendo à medida que ia
percebendo que não só iriam chegar tarde à aula, como tinha de
iniciar uma batalha para que o seu filho deixasse de brincar com as
suas queridas caixas.
É claro que há alturas em
que não podemos fazer a
vontade aos nossos
filhos. Claro que há. Uma
das lições fundamentais
da infância é que nem
sempre conseguimos o
que queremos.
Mas antes de iniciar essa batalha, conteve-se e riu-se da sua
determinação em ser pontual para ir uma aula de “enriquecimento”
de um bebé de 2 anos que já se sentia plenamente enriquecido
com caixas de plástico. Pousou a mala, tirou os sapatos e sentou-
se no tapete junto do filho. Acompanhou-o na sua curiosidade e
descoberta desses objetos mágicos que encaixavam tão bem uns
nos outros, e esta atitude fez com que aquela batalha
completamente desnecessária não tivesse lugar. É claro que há
alturas em que não podemos fazer a vontade aos nossos filhos.
Claro que há. Uma das lições fundamentais da infância é que nem
sempre conseguimos o que queremos. Afirmámo-lo repetidamente
ao longo do livro.
Mas neste caso, não havia qualquer razão para a Tina alimentar
aquela batalha com o seu bebé. Os momentos que partilharam no
chão tiveram, certamente, muito mais valor do que qualquer
conhecimento que poderia ter surgido por cantarem alguns versos
de Weels on the Bus14 com as outras crianças na YMCA.
Ambos rapidamente admitimos que são muitas as vezes que
perdemos oportunidades destas com os nossos próprios filhos.
Todos os pais perdem. Por vezes é por andarmos demasiado
ocupados para prestar atenção ao que o nosso filho precisa
naquele momento, para irmos ao encontro dos seus interesses,
para explorar aquilo a que está a prestar atenção e partilhar o
entusiasmo da descoberta. E outras vezes é porque estamos a
trabalhar tão arduamente para os “enriquecer” que deixamos de
prestar atenção e de perceber o que se passa realmente dentro
deles, ou seja, estamos mais empenhados em fazer do que em
estar com eles ou de pensar naquilo que de facto precisam. No
exemplo anterior, a Tina foi capaz de olhar para dentro de si e
saltar da passadeira. Ao fazê-lo, ganhou a recompensa de se ligar
ao seu filho pequeno de uma forma que não seria possível se
continuasse empenhada em cumprir a agenda, à custa de deixar
de atear a chama da curiosidade inata do seu bebé.
Mesmo quando as crianças são mais velhas, o custo será elevado
se a infância for exclusivamente dedicada a aulas de violoncelo,
torneios de voleibol e programas académicos depois do horário
escolar, em vez de se reconhecer a necessidade básica de as
crianças serem apenas crianças e se comportarem como tal. As
suas paixões e a sua curiosidade muitas vezes são reprimidas e
começam a apagar-se, em vez de serem alimentadas e encorajadas
a surgir continuamente ao longo da infância. Apesar de os pais
terem as melhores intenções, as aulas e atividades suplementares
acabam por ser contraproducentes para o desenvolvimento do
cérebro e da mente, limitando de facto a verdadeira descoberta, o
crescimento, os objetivos, a felicidade e o autoconhecimento. E,
muitas vezes, o esforço dos pais tem resultados contrários, de
formas completamente inesperadas, fazendo com que as crianças
detestem uma atividade que poderiam adorar e para a qual teriam
mesmo talento.
Porque é que pais atenciosos e bem-intencionados agem desta
forma, tal como muitos de nós fazemos? Uma das razões é o facto
de os objetivos extrínsecos poderem ser vistos com os nossos
olhos. Podem ser medidos de forma concreta. Podemos ganhar
uma sensação de domínio, ter o que os psicólogos chamam de
agência, a origem das nossas opções e ações, e isto faz-nos sentir
confiantes. Com objetivos extrínsecos podemos escolher uma
direção, conduzir os nossos filhos nessa direção e perceber se
atingimos o objetivo fazendo com que cheguem lá. As aspirações
intrínsecas – desenvolver as competências da regulação emocional
e da resiliência; transmitir-lhes a consciência de um mundo
interior; desenvolver a chama da curiosidade, da compaixão e da
criatividade; encorajar o discernimento e a preocupação para com
os outros – são todas características intrínsecas de uma criança, e
muitas vezes menos reconhecidas. As aspirações intrínsecas podem
ser a chave da inteligência social e emocional, daquilo que gera a
coragem e a resiliência, mas são mais difíceis de constatar com os
nossos olhos e ainda mais difíceis de medir. Por isso, muitas vezes
escolhemos o caminho mais fácil, subimos para a passadeira do
sucesso extrínseco, entramos na correria da conquista dos
objetivos externos, e perdemos de vista o que talvez nunca
tenhamos sequer sabido serem objetivos internos a que
poderíamos aspirar.
O que é que pode ser medido? A média das notas. O resultado
padronizado dos testes. A aceitação no colégio. Não são em si
maus objetivos. Mas quando são mais valorizados do que o
desenvolvimento da bússola interna dos nossos filhos, surgem as
consequências negativas profundas, duradoras e por vezes
devastadoras. Por exemplo, os adolescentes estão mais ansiosos,
stressados e deprimidos do que alguma vez estiveram. Enfrentando
um mundo instável, tendo muitas vezes crescido com o foco em
conquistas exteriores sem terem adquirido as competências de um
Cérebro Sim – equilíbrio, resiliência, discernimento e empatia – são
largados fora de casa sem preparação para enfrentar os desafios
do mundo que os espera.
No entanto, em última análise, não temos qualquer problema
com a exposição dos jovens cérebros a diferentes aulas e
atividades. O enriquecimento pode ser uma componente
importante da vida de uma criança. O desporto, a música e outras
aulas, podem ser uma excelente forma de as crianças
desenvolverem as suas competências sociais, a autodisciplina e
outras capacidades que lhes deem confiança e mestria. Da mesma
forma, não temos nada contra a importância das conquistas ou do
domínio de uma arte, incluindo os bons resultados académicos.
Especialmente se uma criança se sentir fascinada por um
determinado assunto, devemos encorajar esse fascínio. Mas
devemos colocar sempre as seguintes questões: “A que preço?” e
“Será que isto é para mim ou para o meu filho?”
A típica criança com um Cérebro Não
O Dan conhece um rapaz – chamemos-lhe Eric – que pode servir
como exemplo de uma criança com “o sucesso de um Cérebro Não”
e os inconvenientes daí resultantes. Eric acabou de se formar numa
excelente universidade, ultrapassando todos os obstáculos para o
sucesso, cumprindo todos os requisitos para alcançar os objetivos.
Antes disso, conseguiu sempre médias excecionais numa escola
secundária de referência, onde também foi bem-sucedido em
termos desportivos e como protagonista na peça musical da
primavera. Depois, na universidade, continuou com um ótimo
desempenho, pelo que mal terminou a licenciatura conseguiu um
emprego cobiçado e muito bem remunerado.
Mas quando recentemente falou com Dan, Eric confessou-lhe que
se sentia perdido por não saber quem realmente era. Apesar da
sua notável educação e impressionante formação académica
continuava cheio de dúvidas, com muito para descobrir e
desenvolver dentro de si. Recebeu imensos louvores ao longo do
seu percurso – poderia decorar um gabinete inteiro com eles – mas
até ao momento não conseguira encontrar uma razão de ser para a
sua vida.
Eric é jovem e tem muito tempo para descobrir o seu daimon,
para perceber quem é e até desenvolver um Cérebro Sim. Mas é
lamentável que este jovem com tantos talentos só agora esteja a
começar a desenvolver as suas qualidades interiores, tão
importantes para levar uma vida feliz e plena de significado! A sua
bússola interior ainda não se desenvolveu, e ele sente que a sua
vida não é equilibrada. Mas pior é não ter a resiliência necessária
para o ajudar a enfrentar a tempestade existencial que acompanha
as suas interrogações sobre si próprio e a sua identidade. No início
do que muitos considerariam mais do que uma carreira promissora,
não tem consciência sequer de querer este trabalho em particular
ou quais são as ideias ou possibilidades que o entusiasmam.
Por outras palavras, quaisquer que tenham sido as centelhas que
ardiam dentro dele quando era jovem – aquilo que o animava
emocional e intelectualmente – agora permanecem adormecidas, à
espera de serem reavivadas. Infelizmente, os seus pais focaram-se
apenas nos resultados exteriores e não na experiência interior de
Eric. Os pais de Eric não abordaram a infância e adolescência dele
na perspetiva de um Cérebro Sim. O fogo dentro dele foi de
alguma forma extinguido ao longo da sua juventude enquanto ele
“alcançava” e cumpria as etapas do sucesso aparente. Agora está
no limiar da idade adulta desprovido de eudaimonia. Ele sabe como
agradar aos outros, mas ainda não conseguiu adquirir as
ferramentas para o guiarem numa direção que tenha significado
para si. Os valores externos e os resultados facilmente mensuráveis
foram valorizados à custa dos valores internos que conduzem ao
verdadeiro e duradouro sucesso pessoal.
Realçamos uma vez mais que não há nada de errado no
“sucesso” que Eric obteve. Não estamos a fazer nenhuma
campanha contra a concentração no trabalho, bons hábitos de
estudo ou universidades de elite. Estamos apenas a dizer que os
feitos académicos e profissionais representam apenas uma parte da
definição de sucesso, uma versão reduzida do que pode ser
conseguido sem nunca se atingir a verdadeira felicidade e um
envolvimento significativo na vida.
O que é ainda pior é que este tipo de sucesso particular pode
não combinar de todo com quem o seu filho é na realidade. Todos
conhecemos o estereótipo do pai supercompetitivo que força o seu
filho pouco atlético a praticar desportos, apesar de o filho preferir
música ou teatro. Será que impor uma visão académica ou
profissional a uma criança que tem objetivos e desejos diferentes é
menos problemático? Se o seu filho se torna um adolescente que
se sente feliz com o sucesso na escola, então, empenhe-se
fortemente em incentivar essa propensão. Mas ao fazê-lo,
mantenha-se atento e sirva-lhe o Prato da Mente Saudável para
que adquira equilíbrio. E mantenha-se atento para o ajudar a
desenvolver todas as suas facetas, incluindo o seu Cérebro Sim.
É por isso que dizemos que os parâmetros de conceitos como
disciplina, conquista e sucesso, precisam de ser aprimorados para
se referirem ao que já sabemos ser essencial para o cérebro e para
o melhor desenvolvimento das crianças. As pesquisas atuais
insistem que a verdadeira saúde mental, como a felicidade e a
realização proporcionadas por um Cérebro Sim, resulta não de uma
especialização rígida, mas do desenvolvimento de um vasto leque
de interesses e objetivos, porque esse tipo de variedade desafia e
desenvolve várias partes do cérebro, permitindo que o cérebro, no
seu todo, se desenvolva e amadureça ao mesmo tempo que ocorre
o desenvolvimento interior da criança e as suas ligações neurais
são estimuladas. O crescimento é otimizado pela orientação de um
Cérebro Sim.
Uma última pergunta de um Cérebro Sim: será que está a
alimentar a chama interior dos seus filhos?
À medida que se aproxima do final do livro, pare por um
momento e reflita sobre as interações quotidianas no seio da sua
família, e se estas alimentam e incentivam o desenvolvimento de
um Cérebro Sim nos seus filhos. Coloque a si mesmo as seguintes
questões:
> Será que estou a ajudar os meus filhos a descobrir quem são e
quem gostariam de vir a ser?
> Será que as atividades em que eles participam protegem e
promovem a sua chama interior? Será que estas atividades
contribuem para promover o equilíbrio, a resiliência, o
discernimento e a empatia?
> E o calendário familiar? Será que lhes deixámos espaço para
viverem momentos em que podem aprender, explorar e imaginar,
ou andamos num ritmo tão frenético que nunca têm tempo para
relaxar, brincar, serem curiosos, criar e serem simplesmente
crianças?
> Será que estou a valorizar as notas e os resultados mais do
que devia?
> Será que estou a transmitir aos meus filhos que aquilo que eles
conseguem fazer é mais importante do que quem eles são?
> Será que a minha relação com o meu filho está a ficar
desgastada pela minha constante pressão para que ele seja ou
faça sempre melhor?
> E no que se refere à comunicação entre mim e os meus filhos
sobre esses mesmos valores? Os assuntos que discutimos, com
que nos preocupamos e aos quais dedicamos tempo e energia?
> Será que a forma como comunico com os meus filhos ajuda a
atear a sua chama interior ou será que a apaga?
São algumas das questões práticas de um Cérebro Sim que
temos vindo a desenvolver ao longo do livro. Perguntando a nós
próprios em que é que gastamos dinheiro, como é que
organizamos a nossa agenda, e sobre que temas é que discutimos
mais com os nossos filhos, pode-se muitas vezes revelar um
desfasamento entre o que pensamos que valorizamos e o que
realmente valorizamos. Se for como a maioria dos pais, o que vai
descobrir é que, de variadíssimas formas, está realmente a
alimentar a chama interior do seu filho, desafiando-o a crescer e a
desenvolver um Cérebro Sim robusto. E noutros casos, as suas
interações familiares e vida quotidiana podem não proteger a
chama dos seus filhos e podem até estar a ameaçar extingui-la.
Em última análise, para nós é muito simples (embora não
necessariamente fácil). Ajudar as crianças a desenvolver um
Cérebro Sim resume-se a dois objetivos:
1. Permitir que cada criança possa crescer plenamente como é,
em vez de lhe impormos as nossas necessidades, os nossos
desejos e desígnios.
2. Estar atento aos períodos em que os nossos filhos precisam de
ajuda para adquirirem competências e desenvolverem as
ferramentas necessárias para prosperarem.
Se nos concentrarmos nestes objetivos – respeitar a chama
individual de cada criança, enquanto lhe ensinamos as
competências necessárias para construírem a sua bússola interna e
terem sucesso na vida – criaremos um ambiente que incentiva uma
vida cheia de felicidade, significado e importância. A vida de um
Cérebro Sim.
E, contas feitas, é aí que assenta a eudaimonia e o verdadeiro
sucesso: em darmos aos nossos filhos a oportunidade de se
conhecerem e de perseguirem as suas aspirações e paixões para
que possam viver uma vida preenchida e enriquecedora. Ajudá-los
a desenvolver a capacidade de viverem de forma equilibrada, a
enfrentarem a adversidade com resiliência, a compreenderem-se a
eles próprios e a preocuparem-se com os outros. Equilíbrio.
Resiliência. Discernimento. Empatia. Estes são os atributos que se
tornam possíveis ao cultivarmos um Cérebro Sim. Se conseguir
incentivar o desenvolvimento destas aptidões nos seus filhos,
estará a guiá-los na sua caminhada para o verdadeiro sucesso.
Terão de enfrentar a sua quota-parte de vicissitudes – afinal
estamos a falar da vida – mas quando conseguirem ultrapassar as
dificuldades, tanto as grandes como as pequenas, terão a
capacidade de as enfrentar a partir de uma posição de força, com
um sentido claro sobre quem são e aquilo em que acreditam.
A nossa maior esperança é que consiga experienciar como a
abordagem de um Cérebro Sim reforça a capacidade de criar uma
ligação e uma comunicação com os seus filhos, apoiando-os
enquanto eles desenvolvem a resiliência e a força interior para toda
a vida. Incentivando repetidamente a conduta de um Cérebro Sim
face ao mundo que os rodeia, os seus filhos conseguirão
desenvolver a eudaimonia e a bússola interior para terem a
perceção das suas qualidades inatas, que podem alimentar tanto o
seu entusiasmo como a persistência perante os desafios.
Essa atitude é ainda profundamente reforçada quando eles
também têm um sentido de missão, que advém de perceberem, de
uma forma única para cada criança e que se altera à medida que
ela vai atravessando as diferentes fases de desenvolvimento, que o
verdadeiro sentido e ligação se conseguem ao ajudar os outros. É
uma combinação extraordinária, desenvolver uma abordagem de
um Cérebro Sim não apenas na sua própria vida, mas também nas
novas e emergentes interações globais com os outros. Esperamos
também que estes conceitos o ajudem a cultivar essa força bem
como uma bússola interior ao longo do caminho que tem pela
frente como progenitor. Aproveite a viagem!
13Associação de cariz religioso de apoio social e cultural com
delegações espalhadas pelo mundo. (N. da T.)
14Canção que acompanha uns desenhos animados para bebés no
canal americano ABCkidTV. (N. da T.)
AGRADECIMENTOS
Do Dan
À Tina, porque escrever um livro contigo é sempre um prazer e
eu quero expressar a minha gratidão, a ti e ao Scott, pela vossa
fantástica colaboração comigo e com a Caroline Welch ao
sonharmos as ideias e ajustarmos os pormenores destes vários
projetos em que nos envolvemos a quatro como uma equipa.
Para o meu filho e para a minha filha, o Alex e a Maddi, agora já
nos seus vinte anos, com quem tenho uma ligação de que tanto
gosto, tal como gosto da vossa curiosidade, entusiasmo e
criatividade, que fizeram com que fosse clara para mim a essência
da abordagem de um Cérebro Sim à vida.
E à minha companheira de vida e de trabalho, Caroline, a quem
serei eternamente grato pelo nosso relacionamento – uma
colaboração assente num Cérebro Sim que continua a inspirar-me e
a apoiar-me à medida que vamos crescendo. Como dizem os
irlandeses: é maravilhoso continuarmos a ter craic (a divertirmo-
nos tanto) juntos!
Este trabalho não teria sido possível sem o apoio, a dedicação e a
criatividade da nossa equipa no Mindsight Institute: Deena
Margolin, Jessica Dreyer, Andrew Schulman, Priscilla Veja e Kayla
Newcomer. Agradeço a cada um de vós por serem uma parte vital
do nosso esforço coletivo. Juntos, empenhamo-nos em traduzir
uma abordagem interdisciplinar da neurobiologia interpessoal em
aplicações práticas para reforçar os elementos da visão da mente
— discernimento, empatia e integração — que ajudam a construir
os fundamentos do bem-estar nos nossos mundos interiores e
interpessoais.
À minha mãe, Sue Siegel, que nos inspira sempre com a sua
profunda sabedoria, humor e resiliência, e que tem alimentado
sempre a minha própria abordagem à vida com um Cérebro Sim. E
à minha sogra, Bette Welch, agradeço por ter trazido ao mundo
uma filha com um Cérebro Sim tão forte e enérgico que é uma
fonte inesgotável de perspetiva e apoio para os nossos filhos, para
mim e para o Mindsight Institute, nesta aventura que é a vida.
Da Tina
Ao Dan. Sinto-me profundamente honrada por fazer este
magnífico trabalho contigo. Irei apreciar-te sempre como meu
professor, colega e amigo. Agradeço o tempo que eu e o Scott
passámos contigo e com a Caroline e estimo tanto a nossa amizade
como a nossa significativa, divertida e produtiva parceria
profissional.
Ao Ben, ao Luke e ao JP. Os vossos singulares corações, mentes,
sentido de humor, paixões e energias enchem-me a mim, ao vosso
pai e ao mundo de imensa alegria. Mesmo quando a vida se torna
difícil, o vosso Cérebro Sim é contagiante e vocês os três iluminam-
me e inspiram-me a dizer SIM ao mundo. Fazem com que sinta
muito mais amor pelo que me rodeia.
Ao Scott, porque tu respiras equilíbrio, resiliência, discernimento
e empatia. Eu sei que os nossos filhos irão ser pais maravilhosos
porque aprenderam contigo a saber como o ser. Agradeço-te pelo
teu amor inabalável por nós e pela nossa relação que continua a
crescer. Agradeço-te por investires em mim, nestes projetos
literários e no nosso trabalho conjunto.
À minha equipa no The Center for Connection. Quero agradecer-
vos com grande ternura por me ensinarem e inspirarem enquanto
levamos a cabo o importante trabalho de combater criativamente a
complexidade para ajudarmos tantas famílias: Annalise Kordell,
Ashley Taylor, Allie Browne Schriner, Andrew Phillips, Ayla Dawn,
Christine Triano, Claire Penn, Deborah Buckwalter, Debra Hori,
Esther Chan, Francisco Chaves, Georgie Wisen-Vincent, Janel
Umfress, Jennifer Shim Lovers, Johny Thompson, Justin Waring-
Crane, Karla Cardoza, Melanie Dosen, Olivia Martinez-Hauge, Robyn
Schultz, Tami Millard, Tiffanie Hoang, e por fim, um agradecimento
especial a Jamie Chaves por me instruir sobre o processamento
sensorial e o importante papel que desempenha para regular o
sistema nervoso enquanto nos debatíamos com as ideias neste
livro. E estou grata aos meus colegas que partilham as minhas
ideias, para quem me viro em busca do meu próprio crescimento, e
que dedicam as suas mentes sensatas, o seu humor e o seu
entusiasmo a ajudar as famílias e a alterar os pressupostos sobre o
comportamento das crianças: Mona Delahooke, Connie Lillas,
Janiece Turnbull, Sharon Lee, e as mulheres do Momentous
Institute, Michelle Kinder, Heather Bryant, Sandy Nobles e Maureen
Fernandez.
Aos meus pais e aos meus sogros, Galen Buckwalter, Judy e Bill
Ramsey e Jay Bryson, que me deram sempre o seu amor e apoio
incentivando-me constantemente. À minha mãe, Deborah
Buckwalter, que foi sempre o meu maior exemplo sobre o que
significa viver a vida com um Cérebro Sim. E quero honrar a
memória do meu pai, Gary Payne, que continua a influenciar-me
profundamente.
Do Dan e Tina
Gostaríamos de agradecer ao Doug Abrams, o nosso agente
literário, cujo ouvido paciente e coração doce nos dá espaço para
podermos testar as nossas ideias e depois transmiti-las ao mundo.
Obrigado, Doug, por te entusiasmares com a nossa missão de
partilhar essas ideias e por seres sempre um amigo tão querido ao
longo desta admirável viagem!
Marnie Cochran é um editor introspetivo que nos deu sempre o
seu apoio no processo de escrita, desde a ideia inicial ao texto
final, sempre empenhado em nos ajudar a transformar o livro na
melhor forma de expressão que possamos tentar criar
coletivamente. Obrigada por nos animares, por te juntares a nós e
por te entusiasmares connosco neste trabalho que nos apaixona.
Temos uma enorme estima por ti, Marnie.
E, como sempre, agradecemos a Merrilee Liddiard, cujos talentos
e sensibilidade artística nos ajudou a divulgar Whole-Brain, No
Drama15, e agora os conceitos de um Cérebro Sim de uma forma
completa e mais rica do que conseguem as simples palavras. Uma
enorme gratidão para com Scott Bryson por partilhar
generosamente as suas competências de professor de inglês
durante o processo. E agradecemos a Christine Triano, Liz Olson e
Michael Thompson pelo apoio e sábia resposta às primeiras versões
do manuscrito.
A nossa mensagem final de gratidão vai para todos os pais e para
as suas crianças e adolescentes que participaram nas nossas
respetivas práticas clínicas e ateliês pedagógicos. Obrigado por se
mostrarem recetivos e terem a coragem de ver como as atitudes de
um Cérebro Não, em que reincidimos tantas vezes, com esforço e
orientação se podem transformar num Cérebro Sim libertador. Este
livro não teria sido possível sem o privilégio de termos partilhado
convosco a viagem ao longo deste caminho em direção à resiliência
e bem-estar.
15Já editado em Portugal: Disciplina sem Dramas, Lua de Papel,
2015.
FOLHA
PARA O
FRIGORÍFICO
FOLHA PARA O FRIGORÍFICO:
Crianças Sim
Prof. Dr. Daniel J. Siegel e Dra. Tina Payne Bryson
Cérebro Sim
> Flexível, curioso, resiliente, desejoso de novas experiências e
até de cometer erros.
> Aberto ao mundo e aos relacionamentos, ajudando-nos nos
relacionamentos com os outros e entendermo-nos a nós próprios.
> Desenvolve uma bússola interior e leva ao verdadeiro sucesso
por dar prioridade ao mundo interior de uma criança e procurar
formas de desafiar o seu cérebro integral e dele retirar todo o
seu potencial.
Cérebro Não
> Reativo e receoso, rígido e fechado, preocupado por poder
cometer erros.
> Tende a concentrar-se nos resultados e objetivos exteriores,
não no esforço e exploração interiores.
> Pode conduzir a louvores e sucesso exterior, mas isso é
conseguido aderindo de forma rígida às convenções e ao statu
quo e a agradar aos outros em detrimento da curiosidade e da
alegria.
OS QUATRO PRINCÍPIOS DE UM CÉREBRO SIM
Equilíbrio: uma competência que se aprende e gera
estabilidade emocional e regula o corpo e o cérebro.
> Conduz à zona verde, onde as crianças se sentem calmas e
controlam o corpo e as emoções.
> Quando as crianças estão perturbadas podem sair da zona
verde e entrar na zona vermelha, caótica e descontrolada, ou na
rígida e desligada zona azul.
> Os pais podem estabelecer o equilíbrio encontrando o “ponto
ideal da integração”. O equilíbrio estabelece-se a partir de
diferenciação e ligação adequadas.
> Primeira estratégia para o equilíbrio: maximize os ZZZ – durma
o suficiente.
> Segunda estratégia para o equilíbrio: sirva o Prato da Mente
Saudável – equilibre a agenda familiar.
Resiliência: um estado de desenvoltura que nos permite
ultrapassar os desafios com resistência e clarividência.
> Objetivo de curto prazo: equilíbrio (regressar à zona verde).
Objetivo de longo prazo: resiliência (expandir a zona verde).
Estes dois objetivos levam à capacidade de recuperar
rapidamente perante a adversidade.
> Comportamento é comunicação, por isso, em vez de se
concentrar apenas em reprimir comportamentos inadequados,
ouça a mensagem e depois desenvolva as competências.
> Por vezes as crianças precisam que as empurrem e outras
precisam de consolo.
> Primeira estratégia de resiliência: inunde o seu filho com os
quatro Ss: salvaguarda, sensibilidade, sossego, segurança. Ajude-
os a sentirem-se protegidos, tranquilos e seguros, mostre-lhes
que podem contar consigo.
> Segunda estratégia de resiliência: ensine-lhe as competências
da Visão da Mente – mostre às crianças como alterar as suas
perspetivas para não se tornarem vítimas das suas emoções e
circunstâncias.
Discernimento: a capacidade de introspeção, de olharmos
para dentro de nós e de nos compreendermos, usando
essa aprendizagem para tomar decisões acertadas e
termos mais controlo sobre a nossa vida.
> O observador e o observado: o espectador a observar o
jogador no campo.
> O poder está na pausa que nos permite escolher como reagir a
uma situação.
> Primeira estratégia da introspeção: enquadre a dor — pergunte
às crianças como querem olhar para o problema.
> Segunda estratégia da introspeção: evite a erupção do vulcão
vermelho – ensine as crianças a fazerem uma pausa antes de
reagirem descontroladamente.
Empatia: uma perspetiva que nos permite ter em mente
que nenhum de nós é apenas um “eu”, mas também parte
de um “nós” interligado.
> Tal como as outras competências, a empatia pode ser
adquirida através das interações e experiências quotidianas.
> Trata-se de perceber a perspetiva dos outros, ao mesmo
tempo que nos preocupamos o suficiente para agir de forma a
melhorar as coisas.
> Primeira estratégia da empatia: sintonize o “radar da empatia”
— ative o sistema de envolvimento social.
> Segunda estratégia da empatia: crie uma linguagem de
empatia – use um vocabulário que demonstre preocupação.
> Terceira estratégia da empatia: alargue o seu círculo de
preocupação – desenvolva nos seus filhos a preocupação por
pessoas fora do círculo de relacionamentos mais próximos.

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