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LUA DE PAPEL
[Uma chancela do grupo Leya]
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
Tel. (+351) 21 427 22 00
Fax. (+351) 21 427 22 01
Alex adorava ver o filho mais novo, Teddy, jogar futebol – desde
que tudo corresse bem. Se a equipa de Teddy estivesse a ganhar, e
se ele marcasse golos, era tudo fantástico. Mas quando ele falhava
um golo ou um passe, ou se a sua equipa perdesse, Teddy perdia o
controlo. Saltava-lhe a tampa, desperdiçando o papel integrador do
seu CPF do cérebro do andar de cima e permitindo ao seu cérebro
do andar de baixo tomar o controlo. Acontecia o mesmo sempre
que era substituído para que outras crianças pudessem jogar.
Continuava a correr para o campo e, por vezes, Alex tinha de o
agarrar para ele se manter fora das quatro linhas.
As reações de Teddy ao desapontamento eram de alguma forma
compreensíveis – afinal de contas só tinha 8 anos e era muito
competitivo. E as crianças de 8 anos por vezes têm dias difíceis em
que não lidam bem consigo próprias. O problema era que as
explosões de Teddy ocorriam com muita frequência, e em situações
que pareciam não incomodar as outras crianças da mesma idade.
Na verdade, Alex ficava imediatamente receoso assim que alguma
coisa corria mal quando Teddy estava a jogar. (E se já assistiu a
jogos de futebol com crianças de 8 anos, percebe que Alex tinha
muitas ocasiões para se sentir receoso!) Ele sabia que assim que a
equipa ficasse em desvantagem, ou se Teddy falhasse um passe ou
o árbitro lhe fizesse uma advertência, a ele ou à equipa, Teddy iria
começar a fazer beicinho, a chorar, chegando mesmo por vezes a
sair do campo, recusando-se a jogar.
Do que é que Teddy precisava naquele momento da sua vida?
Precisava de equilíbrio, o primeiro princípio que emerge de um
Cérebro Sim. A capacidade de se controlar – o que significa
equilibrar o corpo e as emoções – era diminuta, por isso não era
preciso muito para o destabilizar e o fazer perder o controlo.
Acreditamos que já teve, ocasionalmente, experiências
semelhantes com os seus próprios filhos, quando eles ficam
desequilibrados e sentem dificuldade em controlar as emoções e o
comportamento. Talvez já tenha visto os seus filhos a
comportarem-se como o Teddy quando as coisas não correm como
gostariam. Ou talvez tenham uma forma particular de lhe
demonstrar que não são capazes de se controlar. As crianças mais
novas, quando estão desequilibradas, fazem birras, atiram objetos,
agridem, dão pontapés ou mordem. Também se podem observar
alguns destes comportamentos em crianças mais velhas
desequilibradas, só que estas já sabem como irritar os pais
recorrendo aos seus conhecimentos de vocabulário e compreensão
da psicologia para os magoar com o que dizem. Outras crianças,
tanto mais novas como mais velhas, limitam-se a fechar-se ou a
esconder-se, quer literal quer simbolicamente, evitando
completamente os outros e sofrendo sozinhas.
A questão é que todas as crianças perdem o seu equilíbrio
emocional. Pode acontecer com maior ou menor frequência, mas
ser desequilibrado faz parte da infância. Na verdade, se lhe parece
que o seu filho nunca se irrita ou perde o controlo, então
possivelmente tem motivos para se preocupar. Algumas crianças
controlam rigorosamente as suas emoções de forma a nunca se
mostrarem impressionadas, e se persistirem neste comportamento
arriscam-se a bloquear emocionalmente a sensação de vitalidade
que resulta de uma vida afetiva equilibrada. A infância é o período
em que se aprende a experimentar uma ampla variedade de
emoções de vários de tipos e intensidades, e por vezes isso implica
necessariamente “perder o controlo”, porque a intensidade das
emoções sobrepõe-se à capacidade de pensar de forma clara. Bem-
vindo ao clube dos seres humanos!
A falta de equilíbrio e a reatividade frequente podem ter origem
em inúmeras fontes:
> Idade de desenvolvimento
> Temperamento
> Traumas
> Perturbações do sono
> Desafios das transformações sensoriais
> Questões clínicas e de saúde
> Perturbações cognitivas e de aprendizagem ou outras
desordens e discrepâncias
> Cuidadores indiferentes ou que potenciam as dificuldades
> Desfasamento entre as exigências do meio e a capacidade da
criança
> Perturbações de saúde mental
Estas causas de reatividade afetam as crianças a vários níveis,
mas mais uma vez os resultados são reconhecíveis: caos emocional
expresso em acessos de raiva – gritam, fingem, ultrapassam os
limites, apresentam ansiedade extrema – e/ou em desinteresse ou
rigidez na forma como se fecham, depressão e isolamento. Repare
em como este conjunto de respostas desequilibradas se assemelha
às duas margens da corrente de um rio de equilíbrio integrante: de
um lado o caos, do outro lado a rigidez. O equilíbrio dá-se
aprendendo a fluir por essa corrente de flexibilidade,
adaptabilidade, coerência (resiliência, com o tempo) energia e
estabilidade – as FACES da corrente de equilíbrio que resulta da
integração.
Há uma razão para o equilíbrio ser o primeiro dos quatro
fundamentos de um Cérebro Sim. De uma forma muito real, os
outros três fundamentos – resiliência, discernimento e empatia –
dependem todos da capacidade que a criança tem de apresentar
algum equilíbrio emocional e controlo. Na verdade, todas as lições
que pretendemos ensinar aos nossos filhos, a par dos resultados
que gostaríamos de ver – ligações fortes com familiares e amigos,
sono reparador, sucesso académico, e a sensação de felicidade na
vida – dependem do equilíbrio. Mais, quando as crianças estão fora
de si, não conseguem aprender. Não vale a pena tentar ensinar
uma criança quando ela está a fazer uma birra. Já dificilmente o
conseguirá ouvir, quanto mais seguir instruções ou tomar decisões
acertadas sobre como lidar com as suas próprias emoções.
Todas as lições que
pretendemos ensinar aos
nossos filhos, a par dos
resultados que
gostaríamos de ver –
ligações fortes com
familiares e amigos, sono
reparador, sucesso
académico, e a sensação
de felicidade na vida –,
dependem do equilíbrio.
Assim, uma das nossas
principais tarefas
enquanto pais,
independentemente da
idade das crianças, é
ajudá-las a serem mais
equilibradas.
Tentando simplificar o mais possível, o equilíbrio é crucial em
todos os aspetos do comportamento do seu filho. Quando uma
criança está desequilibrada e fora de controlo, qualquer que seja a
causa, o comportamento reativo pode tornar tudo mais stressante
e difícil para toda a gente – e especialmente para a própria criança.
Assim, uma das nossas principais tarefas como pais,
independentemente da idade dos filhos, é ajudá-los a serem mais
equilibrados recorrendo à “corregulação”. Isto implica apoiá-los
enquanto voltam a serenar, ao mesmo tempo que lhes
transmitimos competências que no futuro os vão ajudar a manter a
calma e a restabelecer a serenidade mais facilmente. Falemos
então de como o poderá fazer.
O equilíbrio é uma competência que se aprende
Apesar do seu comportamento descontrolado no campo de
futebol, Teddy não tem necessariamente uma perturbação de
humor ou comportamental que requeira uma intervenção
terapêutica de longo prazo ou a prescrição de medicamentos. E,
definitivamente, não precisa de uma resposta própria de um
Cérebro Não do seu pai, em que Alex o castiga ou o envergonha
por perder o controlo. Pelo contrário, Teddy precisa que o pai lhe
dê uma resposta típica de um Cérebro Sim, focada em ajudá-lo a
atingir o equilíbrio emocional, através do desenvolvimento de novas
competências que lhe permitam controlar-se.
Foi o que Tina explicou a Alex quando ele foi ao seu consultório.
Para algumas crianças, a intervenção de um profissional é
necessária e muito útil a fim de expandir a sua “janela de
tolerância” e desenvolver a sua capacidade de controlar o corpo e a
mente. “Janela de tolerância” é um termo que o Dan inventou para
definir qual o intervalo de ativação do cérebro em que funcionamos
bem. Para lá do limite máximo da janela a nossa mente torna-se
caótica. Abaixo do limite mínimo, tornamo-nos rígidos. Quando a
janela para uma certa emoção, como a tristeza ou a irritação, é
muito estreita, nesse estado emocional é fácil uma criança
descontrolar-se à mínima provocação. Com outra emoção, como o
medo, a mesma criança pode ser capaz de ter mais tempo de
tolerância antes de o seu comportamento se tornar caótico ou
rígido.
Há muitos fatores que podem fazer com que a janela de uma
determinada criança seja muito estreita. Por exemplo, o
comportamento do Teddy pode indiciar um distúrbio do
processamento sensorial, PHDA, um trauma passado, ou qualquer
outra coisa que possa estreitar a sua janela para a frustração.
Neste caso, pode precisar de apoio e de uma intervenção
profissional. Mas como Tina explicou a Alex, antes de mais, Teddy
teria de desenvolver as competências do autocontrolo. O seu
comportamento, como todos os comportamentos, era na verdade
uma forma de comunicação, e era como se ele estivesse a gritar –
ao seu pai e a todos os que o rodeavam no campo de futebol – que
ainda não adquirira as competências ou estratégias para se sentir
equilibrado e capaz de controlar as suas emoções e ações. Tina
trabalhou com Alex e Teddy para desenvolver algumas destas
competências reguladoras, ajudando-o a expandir a sua janela de
tolerância (como explicaremos a seguir).
Na verdade, o
comportamento é uma
forma de comunicação.
E isto é o que um Cérebro Sim significa realmente: a capacidade
de alcançar estabilidade emocional e controlar o corpo e a mente.
Ou seja, avaliar as nossas opções e tomar decisões acertadas –
sendo flexível. E isso implica ser capaz de voltar relativamente
depressa à estabilidade após momentos e sentimentos difíceis, a
base da serenidade. Ou seja, mantermos o controlo da mente, das
nossas emoções e comportamentos e reagir positivamente a
circunstâncias e emoções difíceis. Quando ocasionalmente
rebentamos a janela de tolerância, tal como a vida nos pode levar
a fazer, com o tempo acabaremos por recuperar o equilíbrio
emocional. É a isto que nos referimos quando falamos de equilíbrio.
Explicando de outra forma: uma criança com uma mente
equilibrada revela reações de flexibilidade. Em vez de perder o
controlo perante alguma circunstância que não lhe agrade, ela
adapta-se. Consegue parar para pensar na melhor forma de
responder à situação. Contrariamente a uma reação rígida e quase
involuntária às circunstâncias, a criança consegue compreender
que tem opções e que, com alguma flexibilidade, consegue tomar
decisões acertadas (dependendo, claro, da idade da criança e da
etapa do seu desenvolvimento). Não há absolutamente nada de
errado no facto de o Teddy revelar frustração, irritação e deceção.
Na verdade, é positivo e saudável que manifeste essas emoções.
Lembre-se de que uma vida com significado é uma vida com
sentimento. Porém, ele precisa de desenvolver as competências
para reagir de uma forma produtiva e saudável, apesar de
continuar a sentir as emoções. E um cérebro equilibrado é capaz
de sentir as emoções, expressá-las convenientemente, e depois
recuperar com flexibilidade, não lhes permitindo tomar o comando
e ditar as regras.
Quando as crianças são muito novas, não apresentam ainda o
desenvolvimento cerebral que lhes permite manter o equilíbrio
emocional de forma consistente. (Por alguma razão alguém
inventou a expressão “os terríveis dois”, a par de “os difíceis três” e
“os frustrantes quatro”.) E como o cérebro do andar de cima ainda
não está completamente desenvolvido, uma das nossas tarefas
enquanto mentores é usar o nosso próprio cérebro desenvolvido
para ajudar as crianças a recuperar o equilíbrio. É aqui que entra a
corregulação. Ajudamo-las a ficarem mais serenas sendo uma
presença reconfortante que lhes transmite segurança,
manifestando que estaremos sempre ao seu lado enquanto
durarem estas fortes emoções que as arrasam.
Iremos aprofundar esta ideia mais à frente e no capítulo 3 mas,
na verdade, a chave para ajudar os seus filhos quando eles ficam
fora de si é proporcionar-lhes essa presença carinhosa e
reconfortante. Na maior parte das vezes, as crianças portam-se mal
porque naquela altura não conseguem controlar o corpo nem as
emoções e não porque não o queiram. Por isso, antes de começar
a dar-lhes lições ou a transmitir-lhes verbalmente o que pretende
delas ou o que devem ou não fazer, elas precisam que as ajude a
recuperar o equilíbrio. Pode fazer isso através da ligação –
abraçando-as, reconfortando-as, ouvindo-as, compreendendo-as e
ajudando-as a sentirem-se seguras e amadas. É assim que
recuperam o equilíbrio. Nessa altura, e só nessa altura, faz sentido
falar-lhes de qual o comportamento apropriado ou de como devem
controlar-se melhor no futuro.
Lembre-se de que as crianças não gostam de sentir que
perderam o controlo. Sentirem-se descontroladas é assustador para
elas. Nós podemos ajudá-las a recuperar o equilíbrio emocional.
Quando não contam com a nossa ajuda, podem ter de se
confrontar com os seus próprios descontrolos emocionais intensos
e stressantes. É nessas alturas que somos muitas vezes
confrontados com as terríveis birras: “A minha bolacha em forma
de peixe partiu-se e é a pior coisa que já me aconteceu na Vida!
Cola-a! Cola-a!” Este tipo de resposta reativa e intensa é própria de
uma certa idade. Mas à medida que as crianças crescem e se
desenvolvem, podemos fazer com que experimentem uma série de
emoções em segurança, mesmo emoções intensas, ajudando-as a
recuperar o equilíbrio emocional de uma forma flexível, para que
aproveitem os benefícios de um Cérebro Sim.
O equilíbrio e a zona verde
Eis uma boa forma de refletir sobre a janela de tolerância. É
possível que se lembre de ter aprendido há muito tempo, nas aulas
de ciências, acerca do sistema nervoso autónomo. Existem dois
ramos do sistema nervoso que estão mais desenvolvidos – o
sistema nervoso simpático (que funciona como o pedal do
acelerador para nos animar e amplificar a nossa excitação física e
emocional, bem como aumentar o nosso ritmo cardíaco, a cadência
respiratória e a tonificação muscular que nos permite levantar e
mover) e o sistema nervoso parassimpático (que funciona mais
como um travão para nos acalmar e acalmar a excitação do nosso
sistema nervoso, permitindo-nos respirar mais calmamente e
descontrair os músculos). Quando estamos num ambiente seguro
estes dois ramos interagem de modo fluido, o que diz muito sobre
os nossos diferentes estados ao longo do dia. Quando fica cheio de
sono durante a reunião da tarde o seu sistema parassimpático está
mais ativo, e quando se sente frustrado e tenso por estar preso no
trânsito no regresso a casa, ou quando se zanga com os seus
filhos, é o seu sistema simpático que está a funcionar. O cientista
Stephen Porges desenvolveu o que denominou de Teoria Polivagal
para explicar como a excitação do nosso sistema nervoso tem
impacto no nosso corpo e nos sistemas que regulam as nossas
relações sociais.
Aqui fica um modelo simples que explica visualmente a ideia.
Muitos analistas usaram múltiplas variações deste tipo de modelo,
que, na sua forma mais simples, se concentra em três zonas que
podem influenciar o seu filho num dado momento.
Quando os dois ramos do sistema nervoso estão bem
equilibrados, conseguimos ter autocontrolo. Chamamos a este
estado “a zona verde”, o que significa que uma pessoa está a
funcionar em modo Cérebro Sim. É quando nos encontramos
dentro da janela de tolerância. Quando uma criança está na zona
verde, o seu corpo, as suas emoções e comportamento encontram-
se regulados. Ela sente-se equilibrada e o seu acelerador simpático
e os travões parassimpáticos estão a funcionar de forma
coordenada. Ela sente que está controlada e lida bem consigo
própria, mesmo que haja algo que a contrarie ou que lhe inspire
sentimentos negativos tais como frustração, tristeza, medo, raiva
ou ansiedade. (Olhe para a imagem abaixo. Este livro é a preto e
branco, mas conseguirá perceber a ideia.)