a ética

Edição 454 • agosto 2023

segundo o gpt
Como a inteligência
artificial pode dar um boost
nas ciências sociais. p. 32

INÊS249

r$ 25,00

por bruno garattoni e rodrigo oliveira

A OMS disse que é melhor não usá-los. A OMS disse que tudo bem usá-los.
O que está acontecendo? Entenda o que a ciência mostra de fato
– e saiba se é ou não seguro consumir essas substâncias. p. 20

p. 54 p. 40 p. 46 p. 08
a receita o jovem uma breve a real sobre
original do de 130 história o “novo super-
estrogonofe. anos. do banho. condutor”.

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 cardápio agosto de 2023 INÊS249
20 Capa

a polêmica
dos adoçantes
A discussão sobre os riscos à saúde dos
substitutos do açúcar fez até a OMS entrar
em contradição. Entenda o que a ciência
sabe de fato sobre esses produtos – e se
você realmente precisa riscá-los da dieta.

32 GPT, o Ético
A régua moral do ChatGPT é praticamen-
te igual à nossa. Veja como as ciências
sociais podem usar o bot a seu favor.

40 130 anos (e contando)

A história de Sammy Basso, que nasceu
em 1995 – mas possui uma rara condição
genética que acelera o envelhecimento.

46 Lavou, tá novo
O graveto bucal egípcio. O sabão romano.
E a sujeira medieval. Confira a evolução
dos nossos hábitos de higiene.

Higiene pessoal:
5 mil anos 54 Quase brasileiros
de história P. 46 Do estrogonofe russo à esfiha libanesa,
a versão original de cinco pratos gringos
que se integraram ao nosso cardápio.

5 carta ao leitor 12 papelão 65 Manual

Compostos químicos do Como fazer anotações
Número
papel higiênico podem ficar
eternamente na água. incrível oráculo úteis em aulas e reuniões.

essencial 60 rosto cubista

É normal ter um olho
6 uma imagem... mais caído que o outro?
Nos EUA, um pântano
repleto de cranberries
prontos para a colheita.

16 não falta trabalho

Asteroid City, de Wes An-
derson, está em cartaz. Veja
8 ... uma opinião quais são os atores que mais

5
A real sobre o colaboraram com o diretor.
61 pá pum
supercondutor
mi-
18 perdeu, ladrão 63 Só acredito vendo
em temperatura Samsung lança novo serviço 64 CONEXÕES
ambiente. para bloquear celulares rou-
bados. Veja o nosso teste. lhões 64 lost in translation
de pizz as

supernovas 12 Enquanto isso... são feitas no

10 combo de diagnósticos 14 3 notícias sobre

brasil todos
os dias. É o
equivalente a
última página
Exame de sangue ainda em 16 Pérolas do streaming cinco pedidos 62 saúde em dia 66 do super8 ao imax
testes promete detectar por segundo. Todos os seres vivos têm A diferença entre as
50 tipos de câncer. 19 VOcê decide p.54 um sistema imunológico? larguras dos rolos de filme.

Capa | Ilustração Felipe Del Rio

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 carta ao leitor
O que nos faz humanos
Talvez você já tenha visto essa
história por aí. Um estudante per-
guntou à antropóloga Margareth
Mead (1901-1978) qual seria o mais
antigo sinal de civilização. Ela então
deu uma resposta fora da caixa: seria
o registro fóssil de um fêmur curado.
Mead explicou que um osso que-
brado é sentença de morte para qual-
quer animal em estado selvagem. Ele
vira presa fácil, e morre bem antes
de qualquer chance de recuperação.
Logo, o fêmur curado significa que
um indivíduo recebeu a ajuda de ou-
tros para sobreviver. “É aí que a civi-
lização começa”, concluiu.
Um raciocínio bonito, edificante,
compartilhável – tanto que circula
há anos pelas redes, no mundo todo.
Só tem um problema aí: é mentira.
“A história despertou meu ceti-
cismo. E, quanto mais escavei, mais
ela pareceu inconsistente”, escreveu
o antropólogo filipino Gideon Las-
co na revista científica Sapiens, da
Universidade de Chicago.
Lasco não encontrou um registro
escrito ou em áudio dessa fala de
Mead, pois não há. O que existe de
fato é a resposta que ela deu a uma
pergunta semelhante, numa entre-
vista que seria publicada no livro
Talks with Social Scientists, de 1968.
“Quando uma cultura se torna uma
civilização?”, perguntaram.
“Olhando para o passado”, Mead
disse, “chamamos sociedades de ‘ci-
vilizações’ quando elas têm grandes
cidades, uma divisão elaborada do
trabalho e alguma forma de manter
registros. São essas coisas que
constroem uma civilização. (...) Em
outras palavras, não se trata de uma
palavra de aprovação, no sentido
‘esse sujeito não é civilizado’, mas
da descrição técnica de um tipo
particular de sistema social.”
É isso. Culturas humanas sempre
desenvolveram formas de altruís-
mo. Já a palavra “civilização”, de
acordo com a própria Mead, existe
para descrever outra coisa, bem
SI_454_Carta.indd 5
editorial
mais específica. Caso encerrado.
O que chama mais a atenção, aliás,
é justamente o oposto da ideia falsa-
mente atribuída a Margareth Mead:
as várias descobertas de que animais
também podem apresentar compor-
tamentos antes considerados exclusi-
vos da humanidade.
A bióloga italiana Alessandra Mas-
caro, por exemplo, detectou uma prá-
tica inédita entre grandes macacos. A
cientista, do Instituto Max Planck de
Antropologia Evolutiva, e seus cole-
gas observaram um grupo de chim-
panzés no Gabão por 15 meses, entre
2019 e 2021. Registraram, então, 19
eventos nos quais os primatas “apli-
cavam” insetos como curativo para
feridas. Primeiro, capturavam um in-
seto voador e matavam; então passa-
vam suavemente o corpo do
artrópode na ferida – deles mesmos
ou de um companheiro.
Os biólogos não conseguiram ava-
liar qual era o inseto em questão,
muito menos se ele poderia ter algu-
ma ação analgésica ou anti-inflama-
tória. Mas o ponto é que aquele
grupo de chimpanzés adquiriu o cos-
tume de “tratar” feridas alheias dessa
forma – seja ela eficaz ou não. E o ca-
ráter altruísta ali é óbvio.
Ou seja, mesmo a essência do que
nos faz humanos vai além da huma-
nidade. E não menos importante: a
ciência de verdade é sempre mais
inspiradora do que as mentiras since-
ras que fluem pelas redes.
Alexandre Versignassi
Di r etor de Redação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
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8/10/23 1:30 PM
 essencial uma imagem...

Foto Abstract Aerial Art / Getty Images

6 super agosto 2023

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 agosto 2023 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: O cranberry nasce de um arbusto de 20 cm típico de pântanos

frios do hemisfério norte. Na hora da colheita, que ocorre a partir de setembro, os
agricultores inundam o terreno e as frutinhas boiam, formando um tapete vermelho.
A foto mostra trabalhadores em Massachusetts, nos EUA, empurrando milhares delas
com uma barreira de borracha flexível. A ideia é concentrá-las em um canto para
depois bombear tudo por um cano até o local de armazenamento.

Um material

Alegações
supercondutor
que funciona
em temperatura

extraordinárias
ambiente seria a
maior revolução
na engenharia

exigem
desde o transistor.
Por isso mesmo,
não faltam físicos

evidências
que alegam, sem
sucesso, tê-lo
encontrado. O

extraordinárias
anúncio recente
na Coreia do Sul
parece destinado a
esse hall da fama.

por bruno vaiano

n
No final de julho, um grupo de físicos da Universidade da Coreia
afirmou ter encontrado um material supercondutor, batizado com
o código LK-99, capaz de um feito inédito: conduzir eletricidade
sem resistência em condições normais de pressão e temperatura.
Prêmio Nobel é pouco para uma alegação dessas. A última vez
que o trabalho de físicos experimentais teve tanto potencial para
mudar a história provavelmente foi a invenção do transistor em
1948, que permitiu os computadores e celulares atuais.
Um supercondutor que não exige frio nem pressão extremos
para funcionar tornaria possível, em tese, construir computado-
res quânticos que operam em temperatura ambiente – hoje, eles
exigem refrigeração –, máquinas de ressonância magnética mais
baratas e uma rede elétrica quase 100% eficiente, que resultaria
em um descontaço bem-vindo nas contas de luz.

8 super agosto 2023

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Eles também tornariam mais baratos
os trens Maglev, que flutuam sobre os
trilhos por causa do chamado efeito
Meissner (se você colocar um supercon-
dutor sobre um ímã, ele levita). Com
atrito fora da equação, dá para alcançar
velocidades acima de 500 km/h. Hoje há
apenas seis linhas de Maglev no mundo
– a mais longa com 30 km, em Xangai
– porque o sistema de refrigeração é
caríssimo. Sem esse empecilho, o jogo
muda. E trens rápidos poderiam substi-
tuir a aviação civil em trajetos regionais.
Só tem um problema nessa utopia
toda: há uma chance razoável de que
o LK-99 seja um alarme falso. O que o
põe em uma família grande. Dos anos
1990 para cá, outros materiais que pa-
reciam bons candidatos a esse Santo
Graal da engenharia também acabaram
decepcionando os físicos.
O primeiro supercondutor, descober-
to em 1911 pelo holandês Heike Onnes,
só funcionava a uns -270 ºC – quase o
zero absoluto –, e por isso exigia resfria-
mento com hélio líquido, um material
caro que impossibilita muitas aplica-
ções em larga escala.
Quase cem anos depois, em 1986, dois
pesquisadores da IBM – Georg Bednorz
e Alexander Müller – descobriram o pri-
meiro dos supercondutores de “alta tem-
peratura”, que funcionam nos arredores
dos -200 ºC. Esse aumento de mais de
80 ºC em relação ao zero absoluto foi
suficiente para tirar o hélio líquido da
jogada e usar nitrogênio líquido, mais
barato, para resfriar as amostras. Um
trunfo que tornou tanto pesquisas como
aplicações práticas muito mais simples,
e que deu início a uma caçada por tem-
peraturas ainda mais altas.
A prova dos trinta
A ciência funciona com base na replica-
ção: quando um laboratório anuncia uma
descoberta, outros correm para reprodu-
zi-la. Afinal, há muitas coisas que podem
dar errado em um experimento (inclusive
o otimismo dos experimentadores, que
acabam vendo resultado onde não tem na
hora de interpretar os dados). A descober-
ta de Bednorz e Müller foi um exemplo
perfeito de replicação, já que as cerâmicas
supercondutoras derivadas do trabalho
da dupla eram simples o suficiente para
SI_454_Essencial.indd 9
Computadores quânticos e trens
flutuantes: supercondutores em
temperatura ambiente são o Santo
Graal da engenharia contemporânea.
fabricar em um laboratório de ensino
médio – e um litro de nitrogênio líqui-
do custa o mesmo que um litro de leite.
“Eu estava na Universidade de Tel Aviv,
nos anos 1980, quando apareceram os
supercondutores de alta temperaturas”,
conta à Super Leandro Tessler, do Insti-
tuto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da
Unicamp. “Um colega meu que trabalhava
com óxidos correu para o laboratório e
seguiu a receita. Você põe uns pozinhos
em um pilão, amassa, prensa, depois vai
para o forno. Em um dia a gente conse-
guiu reproduzir o experimento. E era um
supercondutor mesmo.”
Era de se esperar, de acordo com
Tessler, que o mesmo acontecesse
após o anúncio do LK-99. Mas as
sete tentativas de replicação do ex-
perimento sul-coreano que haviam
sido divulgadas até a conclusão deste
texto da Super não trazem boas notí-
cias. Três não encontraram nenhuma
evidência de supercondutividade, e as
outras quatro identificaram apenas
alguns dos pré-requisitos (a levitação
por efeito Meissner não é o único).
Vale lembrar que todos os trabalhos
mencionados, bem como o próprio
trabalho original dos coreanos, são
pré-prints, ou seja: ainda não foram re-
visados por outros cientistas nem pu-
blicados em periódicos especializados.
Esses resultados negativos preliminares,
porém, corroboram o ceticismo genera-
lizado entre os físicos entrevistados pela
Super e por dezenas de outros veículos
– já acostumados a alegações de super-
condutividade que morrem na praia.
“O grupo que realizou o trabalho não
parece ter tradição em pesquisas com
supercondutores. Isso pode ser ruim
ou bom, já que um outsider pode tomar
um caminho que o resto da comunidade
não está olhando”, diz à Super Narcizo
de Souza Neto, chefe da divisão de ma-
téria condensada e ciência de materiais
do CNPEM, onde fica o acelerador de
INÊS249
partículas Sirius, em Campinas. “Porém,
a hipótese que eles propõem no artigo
para explicar a supercondutividade do
LK-99 não me parece correta.” De acor-
do com Narcizo, outros grupos, sem as-
sociação com os coreanos, encontraram
caminhos mais plausíveis para explicar
por que, em princípio, o LK-99 poderia
funcionar. Mas é claro: sem verificação
prática, não dá jogo.
No vídeo divulgado pelos coreanos, o
LK-99 levita apenas parcialmente sobre
um ímã. O que pode ser sinal de que há
uma impureza no material. Ou, é claro,
de que o material, na verdade, não é su-
percondutor. Para completar, os próprios
autores do estudo, ao que tudo indica,
se desentenderam sobre as conclusões
– um membro da equipe soltou os PDFs
sem autorização de dois pesquisadores
mais velhos, que haviam identificado o
material originalmente, em 1999.
Dá para descartar completamente o LK-
99 como supercondutor? Ainda não.
Mesmo que dez tentativas de replicação
do experimento deem errado, sempre
há a possibilidade de que algum detalhe
tenha escapado ao sintetizar o material.
Ideal mesmo, na opinião de Narcizo do
CNPEM, seria que os coreanos distri-
buíssem suas próprias amostras para
outros laboratórios.
Seja como for, essa história tem um
desfecho positivo: a imprensa se mos-
trou cética desde o início com as alega-
ções sobre o LK-99. Esse receio saudável
mostra ao público leigo, na prática, como
funciona o método científico: alegações
extraordinárias exigem evidências ex-
traordinárias, e a verificação de uma
descoberta é um processo tortuoso de
revisão e refação de experimentos. Na-
da parecido com a bagunça que foi, por
exemplo, a divulgação dos estudos de má
qualidade sobre a cloroquina durante
a pandemia, que acabou motivando o
desperdício de dinheiro público com
um remédio ineficaz. S
agosto 2023 super 9
8/10/23 5:30 PM
 supernovas
ilustrações V i t ó r i a F e r r e i r a & TIA G O ARA u J O d e s i g n c a r o l i n e a r a n h a
Teste promete detectar 50 tipos de câncer
O exame, que se chama Galleri e custa US$ 950
nos EUA, usa uma amostra de sangue para ler
o chamado “DNA livre de células" – pedacinhos
dele que caem na corrente sanguínea quando as
células morrem. O teste vê se esses fragmentos de
DNA estão “metilados", ou seja, se eles receberam
moléculas chamadas grupos metis (CH3), cuja dis-
tribuição é diferente quando há câncer. Dessa for-
ma, o exame supostamente consegue determinar
se o DNA pertence a células normais ou tumorais,
e de qual órgão veio (daí poder detectar 50 tipos
10 super AGOSTO 2023
SI_454_Novas.indd 10
diferentes de câncer). Em tese, isso permite fazer
um diagnóstico ultraprecoce, aumentando mui-
to a taxa de sobrevivência dos pacientes. O teste
recebeu autorização preliminar da FDA (a Anvisa
dos EUA) e está sendo avaliado pelo sistema de
saúde pública do Reino Unido, que poderá começar
a usá-lo em 2024. Mas a empresa Grail, que exe-
cuta o teste, recentemente cometeu um erro grave:
enviou falsos resultados positivos de câncer a 400
pacientes nos EUA. Ela diz foi um problema de
software, e não no exame em si. (Bruno Garattoni)
A
8/10/23 1:13 PM
 sn. Edição Bruno Garattoni

65,3%
das pessoas que
estão no Tinder são
casadas ou mantêm
relacionamentos
fixos. É o que afir-
ma um estudo1
publicado por cinco
pesquisadores dos
EUA e da Europa,
que submeteram
1.387 usuários do
app a um ques-
tionário online.
Segundo eles,
49,7% das pessoas
disseram que não
tinham interesse
em encontros
presenciais – só
estavam usando o
aplicativo para pas-
sar o tempo. (BG)
B

Hackers rouba- Cérebro tem sistema "detector de realidade"

ram chave da Ver e imaginar coisas aciona as mesmas regiões cerebrais. Mas há uma diferença.

Microsoft Imagine que um cachorro poodle, bran- que os voluntários imaginassem cada um
co e gordinho, está passando na sua frente. daqueles objetos. As mesmas regiões do
A Casa Branca con- Imaginou? Você não estava vendo o cachorro cérebro (ínsula anterior, área motora pré-
firmou que alguns – mas o seu cérebro acionou os mesmos cir- -suplementar e córtex frontal dorsolateral)
funcionários do cuitos usados para enxergá-lo de verdade2. foram ativadas, seguindo padrões similares,
governo americano A ciência já sabe disso há algum tempo. Mas quando as pessoas estavam vendo ou ima-
tiveram suas contas como a mente diferencia as imagens reais ginando um determinado objeto. Mas, eis
de email invadidas das imaginárias? E por que as cenas ima- a descoberta, também houve uma diferen-
devido a uma falha ginadas são tão fugidias, com muito menos ça crucial. Quando os voluntários estavam
de segurança na detalhes? Cientistas ingleses encontraram usando a imaginação, a atividade dessas áreas
plataforma Outlook, uma pista3. Eles exibiram fotos de quatro era mais fraca. Segundo os cientistas, isso
da Microsoft. A em- coisas – um regador, uma bola, um peixe, um sugere que o cérebro usa a intensidade dos
presa disse que um galo – a 35 pessoas, enquanto monitoravam sinais entre os neurônios como parâmetro
grupo de hackers chi- sua atividade cerebral. Em seguida, pediram para diferenciar o real do imaginado. (BG)
neses, batizado por
ela de Storm-0558,
conseguiu obter uma

“Será a maior bolha de todos os tempos",

chave criptográfica
usada para auten-
ticar os usuários na
versão online do disse Emad Mostaque, CEO da empresa Stability AI: a criadora do Stable Diffusion, uma das principais
Outlook. A Microsoft ferramentas de inteligência artificial para gerar imagens. Segundo ele, a onda de investimentos em IA (que
revogou (cancelou) deve somar US$ 232 bilhões até 2025, segundo a consultoria KPMG) é exagerada e vai acabar colapsando –
a chave. (BG) porque a tecnologia não é capaz de cumprir o que vem sendo prometido. (BG)
Ilustrações A Vitória Ferreira. B Tiago Araujo. Fonte (1) Finding Intimacy Online: A Machine Learning Analysis of Predictors of Success. G Vera
Cruz e outros, 2023. (2) The heterogeneity of mental representation: Ending the imagery debate. J Pearson e S Kosslyn, 2015. (3) Subjective signal
strength distinguishes reality from imagination. N Dijkstra e S Fleming, 2023.
AGOSTO 2023 super 11

SI_454_Novas.indd 11 8/10/23 1:13 PM

 sn.
A cantora Cardi B
atirou um microfone
num fã depois de ser
acertada por um drink
durante um show.
enquanto
isso...
Texto Leo Caparroz
Ilustração Caroline Aranha
Cientistas descobriram que
o anticoagulante varfarina
tem potencial como remédio
contra câncer.
O fóssil de uma água-viva
com 508 milhões de anos foi
descoberto no Canadá A.
Uma pesquisa revelou: acreditar
que um animal tem sentimentos
pode impactar positivamente a
saúde dele B.
Uma nova espécie de bagre foi
batizada de C. frodobagginsi, em
homenagem ao personagem
de O Senhor dos Anéis.
Fontes A Universidade de Toronto.
B Universidade de Portsmouth
(Reino Unido).
12 super AGOSTO 2023
SI_454_Novas.indd 12
Papel higiênico contém "substâncias eternas"
Elas se espalham pelas redes de esgoto – e ficam na água para sempre.
Os PFAS (per e polifluoroalquis) são entrando nas redes de esgoto e descar-
compostos químicos que combinam te por meio de um produto de consumo
átomos de flúor e de carbono. Estão [o papel higiênico]. Isso significa que tanto
presentes em diversos produtos, como os aterros sanitários quanto os sistemas
plásticos, tecidos e cosméticos – pois de água são afetados. Estudos anteriores
os PFAS repelem água e gordura, e são demonstraram que a exposição a alguns
ótimos antiaderentes (até 2015, eram PFAS pode estar ligada a efeitos nocivos em
usados em panelas). Há indícios de que humanos. No entanto, em nossa pesquisa
eles podem desencadear problemas imu- não avaliamos os riscos à saúde, apenas a
nológicos e reprodutivos, ou predispor carga de PFAS enviada para estações de
ao surgimento de câncer. O risco real tratamento de água.
disso ainda não está claro – não se sabe
quanta ingestão ou contato com PFAS Como vocês testaram a presença de PFAS
seria necessário, nem por quanto tempo no papel higiênico?
–, mas a indústria química tem buscado Misturamos o papel higiênico com um
alternativas a essas substâncias. Ainda solvente que separa os PFAS. Em se-
não conseguiu. Outro problema é que guida, coletamos esse solvente para que
elas não se decompõem (pois a ligação pudéssemos aplicá-lo em nossos instru-
entre o flúor e o carbono é muito estável), mentos de medição. Também incluímos
podendo permanecer no ambiente para medidas de controle, para garantir que
sempre. E também vêm de onde menos o que medimos realmente estava vindo
se espera. Um estudo4 avaliou 21 marcas do papel higiênico.
de papel higiênico vendidas nos EUA, na
America Latina, na Europa e na África Por que essas substâncias estão pre-
– e encontrou PFAS em todas. A Super sentes no papel higiênico? De onde elas
conversou com Jake T. Thompson, um podem vir?
dos autores, para entender o caso. O PFAS já foi encontrado em outros pro-
dutos de papel e em resíduos de papel. É
A presença de PFAS no papel higiênico improvável que eles estejam sendo adi-
é um problema? Há risco à saúde? E cionados diretamente ao papel higiênico.
quais são as implicações ambientais É possível que sejam usados durante o
de jogar esse papel no vaso sanitário processo de fabricação, e acabem passando
ou no lixo? para o produto final. (Leo Caparroz, Luisa
O nosso estudo indica que os PFAS estão Costa e Bruno Garattoni)
Fontes (4) Per- and Polyfluoroalkyl Substances in Toilet Paper and the Impact on Wastewater Systems. J Thompson e outros, 2023.
(5) The paradox of obesity with normal weight; a cross-sectional study. Y Gepner e outros, 2023.
8/10/23 1:13 PM
 Cientistas dos EUA são os mais influentes
Americanos publicam mais artigos científicos – e são os mais citados por outros.

LEGENDA: Índice de relevância* Número de artigos publicados Primeiro brasileiro no ranking

1º  Michael A. Strauss 2º  Donald P. Schneider 3º  Joel Nathan Butler 1728º  Beatriz Barbuy
Universidade de Penn State, Fermilab, USP,
FÍSICA

Oklahoma, EUA EUA EUA Brasil

292 275 251 88

2.097 1.731 2.682 570

1º  Michael Gratzel 2º  George M. Whitesides 3º  Jens K. Norskov 1208º  Jairton Dupont
Escola Politécnica de Universidade Harvard, Universidade Técni- UFRGS,
Química

Lausanne, Suíça EUA ca da Dinamarca Brasil

277 252 208 89

1.454 1.394 744 428

1º  Jerrold E. Marsden 2º  Donald B. Rubin 3º  Didier Dubois 229º  Gauss M. Cordeiro
Matemática

Instituto de Tecnologia Universidade Temple, Universidade Paul UFPE,

da Califórnia, EUA EUA Sabatier, França Brasil
127 125 121 68

582 478 632 483

1º  Eric S. Lander 2º  Bert Vogelstein 3º  Eugene V. Koonin 561º  Jeremy A. Squire
Genética

Broad Institute, Universidade Johns National Institutes USP,

EUA Hopkins, EUA of Health, EUA Brasil
303 263 228 95

771 711 1.006 367

1º  Trevor W. Robbins 2º  Solomon H. Snyder 3º  John Q. Trojanowski 417º  Ivan Izquierdo
Neurociência

Universidade de Cam- Universidade Johns Universidade de PUC-RS,

bridge, Reino Unido Hopkins, EUA Pensilvânia, EUA Brasil
258 256 249 102

1.145 1.088 1.479 478

*Número de vezes que aquele cientista foi citado em estudos importantes, de outros pesquisadores.

Fonte Best Scientists Ranking. Research.com, 2023.

38,5%
das mulheres e 26,5% dos homens que têm peso normal, de acordo com
o IMC (índice de massa corporal), na verdade são obesos – pois possuem
níveis excessivos de gordura corporal. Essa é a conclusão de um estudo
israelense5 que examinou 3.001 pessoas. Os voluntários (com IMC entre
18,5 e 24,9) também apresentavam excesso de colesterol e triglicérides no
sangue. O estudo afirma que o IMC – divisão do peso pela altura elevada
ao quadrado – gera resultados enganosos, e não deve ser utilizado como
referência de saúde. (BG)

Ilustração Tiago Araujo.

AGOSTO 2023 super 13

SI_454_Novas.indd 13 8/10/23 1:13 PM

 sn.
Ele investe em coisas incomuns – e atrai controvérsia.
1.
Projeto quer transformar
CO2 em alimento
A Fundação Bill & Melinda
Gates e a empresa Novo Nor-
disk (fabricante do Ozempic)
vão financiar pesquisas que
tentam transformar esse gás,
o vilão do aquecimento glo-
bal, em proteína comestível.
Isso é feito convertendo o
CO2 em acetato, um tipo de
vinagre – que aí é usado para
alimentar micróbios. A meta
é ter uma demonstração do
processo em 2025. (BG)
Incidentes com passageiros
Passageiros 2021
criam mais
confusão
em voos
2022
Mau comportamento
cresceu 37%, revela
novo estudo.
14 super AGOSTO 2023
SI_454_Novas.indd 14
3 notícias sobre
GPS
pode
Bill Gates prever
terre-
motos
Os satélites do
sistema de posi-
cionamento global
podem ser usados
para detectar, com
duas horas de an-
tecedência, os mo-
vimentos sísmicos
que precedem os
terremotos. Essa é
a conclusão de um
estudo francês6,
que analisou os
sinais dessa rede
antes de 90 abalos
sísmicos fortes
(com pelo menos
7 graus na escala
2.
Empresa prepara Boato explora casos
3. Richter) ocorridos
entre 2003 e 2020.
Os pesquisadores
descobriram
primeiro reator nuclear de malária nos EUA que, antes dos
A TerraPower, que tem Gates Pela primeira vez em 20 anos, terremotos, as
como fundador e presidente houve casos da doença na "estações geodé-
do conselho, anunciou que vai Flórida – onde a empresa sicas" – pontos
construir a primeira unidade Oxitec, que tem Gates entre
do seu reator Natrium em os investidores, fez testes com de referência
Wyoming, nos EUA. Ele é re- mosquitos geneticamente marcados no
frigerado por sódio, e por isso modificados. Isso gerou boa- globo terrestre –
supostamente mais seguro tos online responsabilizando se deslocavam de
(o sódio só ferve a 882 graus, Gates pela malária. Mas os forma sutil, mas
muito acima da água usada insetos da Oxitec, que são
nos reatores comuns). O usados para tentar combater perceptível por
custo e o prazo do projeto não a dengue, não transmitem o meio dos sinais
foram divulgados. (BG) parasita da malária. (BG) dos satélites. (BG)
Principais tipos de problema Casos a cada 1.000 voos
2021 2022 0,35
0,30
0,25
0,20
1 a cada 835 voos 0,15
0,10
0,05
1 a cada 568 voos Desobediência* Abuso verbal Embriaguez/intoxicação
*Inclui fumar no banheiro, não atar os cintos, não guardar as bagagens e outros. Fonte International Air Transport Association (IATA).
8/10/23 1:13 PM
 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

A notícia

Humanos
podem "ouvir"
o silêncio, diz
estudo
O que ela dizia
O silêncio é perce-
bido pelo cérebro
como se fosse um
som, revela um teste
realizado com mil
pessoas nos EUA.

Novo tipo de antidepressivo passa em teste a verdade

O tal estudo9,
Ele mira em outro alvo: os receptores opioides do cérebro. Mas há um porém. publicado por
três cientistas
O cérebro humano tem mais de 100 existem em várias regiões do cérebro e da Universidade
neurotransmissores. Os antidepressivos co- estão relacionados ao controle da dor e Johns Hopkins,
não prova isso; na
muns impedem que os neurônios reabsor- à regulação emocional, entre outras fun- verdade, nem sequer
vam algumas dessas substâncias químicas ções7. O navacaprant foi avaliado em 171 tentou fazê-lo. Os
(na maioria dos casos, a serotonina). Isso voluntários, e se mostrou eficaz contra de- voluntários ouviam
faz com que os níveis delas aumentem, e pressão moderada a severa. Ele é diferente gravações de pesso-
ajuda a tratar doenças como a depressão. dos analgésicos opioides, como o fentanil, as falando, e tinham
de estimar quantos
Mas uma nova droga, que se chama na- que agem sobre outro alvo: os receptores segundos de silêncio
vacaprant e está sendo desenvolvida pela opioides mu (MOR). Por isso, ao contrário havia entre elas.
empresa americana Neumora Therapeutics, deles, não é considerado viciante. Mas o O teste revelou
funciona de outro jeito: ela atua sobre estudo, que durou apenas dois meses, não que um trecho de
os receptores opioides kappa (KOR), que avaliou a dimensão desse risco. (BG) silêncio contínuo
parecia mais longo
do que dois trechos
separados (mesmo
que ambos tivessem
Objeto estelar "pisca" a cada 22 minutos a mesma duração).
Só isso. O estudo
não incluiu exames
O objeto, que foi descoberto por pesquisadores australianos8 e batizado de GPM J1839-10, está de monitoramento
a aproximadamente 18 mil anos-luz da Terra e se comporta de modo intrigante. Ele faz disparos neurológico – e,
periódicos de ondas eletromagnéticas, como se fosse um pulsar – um tipo de estrela de nêutrons –, portanto, não per-
mite fazer qualquer
mas em intervalos muito mais longos, de exatos 1.320 segundos (22 minutos). Os pulsares comuns
afirmação sobre o
"piscam" 1 vez por minuto, em média, quando um de seus polos magnéticos se alinha com a Terra. suposto processa-
Eles são fisicamente incapazes de emitir pulsos com intervalos muito mais longos (para isso, teriam mento do silêncio
de girar mais devagar, o que enfraqueceria seus disparos – e os tornaria indetectáveis). (BG) no cérebro. (BG)

Ilustrações Tiago Araujo. Fontes (6) The precursory phase of large earthquakes. Q Bletery e JM Nocquiet, 2023. (7) The Kappa Opioid Receptor: A Promising Therapeutic Target for Multiple
Pathologies. B Kivell e outros, 2022. (8) A long-period radio transient active for three decades. N Hurley-Walker e outros, 2023. (9) The perception of silence. RZ Goh e outros, 2023. AGOSTO 2023 super 15

SI_454_Novas.indd 15 8/10/23 1:13 PM

 sn. playlist

O clube A regra é clara: seja amigo de Wes Anderson e você jamais ficará desempregado.
Confira as parcerias com alguns dos colaboradores mais frequentes

do Wes do diretor – cujo novo filme, Asteroid City, chegou ao Brasil em agosto.
Texto Rafael Battaglia • Design Luana Pillmann

1996 Pura Adrenalina

Amigos do peito
1998 Três é Demais Anderson e Owen
Wilson foram
colegas de quarto
Owen 2001 Os Excêntricos na faculdade. Já
Tenenbaums
Wilson Tilda Swinton era
fã: enviou uma
carta com elogios ao
2004 A Vida Marinha diretor – e a resposta
com Steve Zissou foi um convite para
atuar em Moonrise
Kingdom. Ele tam-
2007 Viagem bém tem parceiros
Bill a Darjeeling de longa data por
trás das câmeras,
Murray como o supervisor
musical Randall
2009 O Fantástico Poster (10 filmes) e o
Sr. Raposo diretor de fotografia
Robert Yeoman (9).

Moonrise
2012
Jason Kingdom
Valeu insistir
Schwartzman O cineasta queria
Bill Murray em Pura
O Grande Hotel Adrenalina – mas o
2014
Budapeste ator jamais assistiu
às várias fitas envia-
das pelo seu agente
(que era fã do filme).
Willem 2018 Ilha dos Murray, enfim, cedeu
Cachorros à insistência do
Dafoe agente e leu o rotei-
ro de Três é Demais.
Ele adorou e aceitou
A Crônica o papel, mesmo
2021
Francesa ganhando o piso da
Tilda categoria (US$ 16,8
mil; o orçamento
Swinton total foi de US$ 18,7
2023 Asteroid City milhões*).

*Valores corrigidos pela inflação.

FILME Série
Em Pedaços (2017) Upload (2020)
MUBI Amazon Prime
A alemã Katja (Diane Kruger) Pouco antes de morrer, as
vive com o marido Nuri e o filho pessoas têm a consciência
Pérolas do Rocco em Hamburgo, onde eles
têm uma pequena agência de
escaneada e transferida para
um computador, onde passam
streaming viagens. Um atentado explode a
agência, matando Nuri e Rocco.
a viver. Esse universo virtual
deveria ser o paraíso, mas acaba
Katja acha que foram neonazis- reproduzindo vários problemas
tas, revoltados por ela ter se do mundo real – e criando
casado com Nuri, que é curdo. outros. Comédia escrita por
Mas a polícia não liga – e resta Greg Daniels, o roteirista-chefe
a ela investigar o crime. (BG) de The Office. (BG)

16 super agosto 2023 Imagens Reprodução/Divulgação.

SI_454_Playlist.indd 16 8/10/23 10:57 AM

 Edição Bruno Garattoni

“Quer que
A história do átomo eu chame
Quando Marie Curie terminou o doutorado,
ganhou do marido uma ampola de brometo
de rádio (é tóxico, mas eles não sabiam). Eins-
meu primo,
tein aceitou um emprego, oferecido por Max
Planck, dando a ele um buquê de flores ver-
que é padre,
melhas. Niels Bohr dizia "muito interessante",
numa ironia secreta, quando alguém falava
para te
bobagem. Oppenheimer era talentoso, mas
também expert em autopromoção. Neste
interrogar?",
livro, o alemão Tobias Hurter narra a trajetória disse o delegado
da física, e dos físicos, que desbravaram os Sérgio Paranhos Fleury,
segredos da energia nuclear. (BG) um dos principais tor-
A Era da Incerteza. R$ 70. turadores da Ditadura,
a Madre Maurina, uma
freira acusada de sub-
versão, em outubro de
1969. Este livro conta as
Um salto histórias aterrorizantes
de mulheres que foram

gráfico capturadas e tortura-

das pelo Estado duran-
te o período – como
A história deste game Maurina, submetida a
de ação, em que você usa eletrochoques.
poderes mágicos para aba-
ter inimigos, não importa A Torre: o Cotidiano de
muito. O que interessa é Mulheres Encarceradas
que ele é a primeira pro- pela Ditadura. R$ 72.
dução "AAA" (de alto
orçamento) feita com a
ferramenta Unreal Engine 5:
um "motor gráfico" pode-
roso, que promete revolu-
Mais de mil planetas A força
cionar o visual dos jogos Eis o tamanho deste game, em que você explora uma galáxia e vai
– e dar um fôlego extra aos
consoles atuais. (BG)
parando nos planetas, cada um com formas de vida e missões diferen-
tes para enfrentar. Uma superprodução que está em desenvolvimento
de ser
Immortals of Aveum.
Lançamento dia 22/8, para
há mais de cinco anos – e é a grande cartada da Microsoft para reavivar
o Xbox, que sofre com a falta de títulos exclusivos. (BG)
sensível
PS5, Xbox Series X/S e PC. Starfield. Lançamento dia 6/9, para Xbox Series X/S e PC. US$ 70 O mundo é um lugar
US$ 60. (grátis para assinantes do Xbox Game Pass). bruto, onde tudo grita
e as pessoas convivem
de forma estúpida, sob
uma chuva de estímu-
los agressivos. Elas
documentário Documentário nem percebem – e, se
O Leonardo De Tirar o Fôlego você fica assustado ou
Perdido (2021) (2023) Netflix exausto com isso, dizem
Amazon Prime A italiana Alessia Zecchini que "é sensível demais".
Salvator Mundi, retrato de queria bater o recorde mun- Neste livro, os escritores
Jesus Cristo feito por Da Vinci, dial de mergulho em águas Jenn Granneman e An-
desapareceu em 1603. Em ultraprofundas. Conseguiu. Seu dre Sólo investigam as
2005, supostamente foi en- próximo desafio era atravessar causas neuro e psicoló-
contrado por dois americanos. o "Buraco Azul", uma espécie
gicas dessa sensibilidade
Seu valor alcançou incríveis de caverna submarina no Egito
na qual mais de 100 mergu- aguçada – e mostram
US$ 450 milhões – e ele de-
lhadores morreram. Este doc que ela também pode
tonou uma crise envolvendo
a França, a Arábia Saudita e acompanha a aventura, e seu ser uma vantagem. (BG)
a reputação do Louvre. (BG) desfecho emocionante. (BG)
Sensível. R$ 60.

agosto 2023 super 17

SI_454_Playlist.indd 17 8/10/23 10:57 AM

 sn. tech

Um sistema Samsung cria serviço que permite bloquear o

smartphone em caso de roubo – e promete ser mais

antiladrões
seguro que as proteções atuais. Confira nosso teste.
Texto Bruno Garattoni • Design Cristielle Luise

1. A configuração 2. O bloqueio 3. O resultado

Usando o celular, você Se o aparelho for O celular trava
acessa o site app. roubado ou perdido, imediatamente, e
cadeadogalaxy.com.br, você entra nesse site exibe um alerta na
se cadastra e fornece (usando qualquer tela. A proteção
o IMEI (International PC ou smartphone) persiste mesmo
Mobile Equipment e aciona o bloqueio. se o Android for
Identity), um código que Também é possível formatado e a conta
identifica o aparelho. fazer por telefone. Google removida.

O recurso se chama Cadeado Galaxy, e é compatível
com celulares Samsung que rodem Android 10 ou pos-
terior (maioria dos modelos fabricados a partir de 2020).
Para quem tem Galaxy S ou Galaxy Z, ele é gratuito por
dois anos – donos de outros modelos podem contratar o
serviço pagando R$ 40 por ano. A função tenta corrigir
um problema clássico do Android. O sistema opera-
cional do Google possui um bloqueio, o Factory Reset
Block (FRB), que em tese inutiliza o celular em caso de
roubo. Mas ele é falho, existem métodos para quebrá-lo.
O Cadeado Galaxy promete ser mais robusto, porque combi-
na hardware e software: roda no chamado “enclave seguro”,
uma área protegida da CPU, isolada do resto do sistema.
Nos nossos testes, ele se mostrou invulnerável a alguns dos
métodos tradicionais de destravamento de celular. Também
é mais fácil de disparar: além de acionar a trava pela internet,
é possível fazer isso por telefone, o que pode ser útil numa
emergência. Nos testes, o bloqueio por telefone foi ágil: o
processo todo, contando a ligação, demorou 1 min 19 s. Já o
online foi quase imediato, levando em média 10 s.

18 super agosto 2023 Fotos Reprodução/Divulgação

SI_454_Tech.indd 18 8/10/23 10:25 AM

 Edição bruno garattoni

Parece, mas não é

vale a pena ter um power bank, principalmente você decide
em viagens: ele garante que você não fique sem
Os projetos mais
bateria no celular. Mas é meio chato ter que
carregar um tijolo de plástico por aí. O modelo interessantes
RPP-158, da marca chinesa Remax, propõe uma (e surpreendentes)
solução mais charmosa – pois imita uma fita do mundo do
cassete. Tem capacidade de 10.000 mAh (o crowdfunding
suficiente para recarregar o smartphone duas
vezes), três saídas USB e uma telinha que mostra
a carga restante. Pesa 183 gramas, e custa R$ 200
na loja da marca no Aliexpress.

Som secreto
indiegogo.com
Projeto Focusound
O que é Uma caixa de som
que só você consegue ouvir.
Ela emite ondas ultrassônicas,
que se propagam num feixe
concentrado – e só se transfor-
mam em som normal, audível,
ao bater nos seus ouvidos.

O fim das picadas
O Bug Bite Thing promete acabar com a co-
ceira e o inchaço causados por picadas. Basta
colocá-lo na área afetada e puxar a parte de trás
– isso cria sucção que extrai o antígeno ou toxina
injetados pelo inseto. Leva 10 a 20 segundos, e
aparentemente funciona mesmo: testes feitos
nos EUA constataram que o gadget (que pode
ser lavado e reutilizado) é eficaz. O ideal é que
ele seja usado logo após a picada, antes que o
organismo dispare a reação inflamatória. Custa
US$ 10 nos EUA – ou R$ 50 no Mercado Livre.
Casaco elétrico Quem está ao lado não escuta
nada. Essa tecnologia existe
há alguns anos, e agora pode
A jaqueta Metaheat 2.0, da marca brasileira finalmente chegar a um
Aramis, tem uma malha elétrica interna que gera produto de verdade.
calor – segundo a empresa, o casaco alcança até Quanto já arrecadou
70 graus Celsius. Ele é alimentado por uma bateria US$ 320 mil
recarregável que dura 4h a 12h, dependendo da Chance de rolar bbb
potência selecionada. A temperatura é controlada
por um app ou em botões na própria jaqueta, que
é impermeável e pesa 600 g (incluindo os 200 g da
Geladeira de Tesla
bateria). A bateria é removível, mas mesmo assim
o casaco não pode ir à máquina de lavar (requer indiegogo.com
limpeza a seco). Custa R$ 2.900. Projeto TesFridge
O que é Um minirrefri-
gerador para os carros da

2 segundos por dia

Tesla. Eles vêm de fábrica
sem estepe, que a empresa
considera desnecessário, e
É o grau máximo de erro do relógio automático isso libera um bom espaço
Speedmaster SuperRacing, da marca suíça Omega. no assoalho do porta-malas.
Pode não parecer grande coisa, mas é um salto Esta geladeirinha horizontal,
tecnológico em relação aos outros relógios me- que é alimentada pela bateria
cânicos, que adiantam ou atrasam até 15 s por do carro e tem capacidade
dia. Isso foi conseguido graças a uma nova mola, para 36 litros (equivalente
chamada Spirate, que sofre microdeformações a meio frigobar), se encaixa
automáticas sempre que o relógio desvia 0,1 s do perfeitamente ali.
horário correto, resolvendo o problema (a margem Quanto já arrecadou
total é maior, 2 s, devido ao atrito entre as demais US$ 745 mil
peças do relógio). Custa US$ 11 mil. Chance bbbb

agosto 2023 super 19

SI_454_Tech.indd 19 8/10/23 10:25 AM

 CAPA

A polêmica dos

adoça
20 super agosto 2023

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 20 8/10/23 1:08 PM

 Texto Bruno Garattoni e Rodrigo Oliveira Ilustração Felipe Del Rio Design Caroline Aranha

anteS A OMS disse que é melhor não usá-los. A OMS disse que
tudo bem usá-los. Estudos provam que eles são seguros.
Estudos apontam que eles são nocivos. O que está
acontecendo? Quem está certo? Veja o que criou toda essa
confusão, entenda o que a ciência mostra de fato – e saiba
se é ou não seguro consumir essas substâncias.

agosto 2023 super 21

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 21 8/10/23 1:08 PM

 “
A
“A OMS sugere que
os adoçantes não
sejam usados como
forma de con�rolar
o peso.” Com essa frase
aparentemente simples,
a Organização Mundial
da Saúde acendeu o pa-
vio da maior polêmica
alimentar em uma déca-
da. A manchete correu o
mundo, mas pouca gente
se deu ao trabalho de ler
o documento1, de 90 pá-
ginas, em que a entidade
justifica sua decisão. Após
analisar os resultados de
50 estudos (46 em adul-
tos e 4 em crianças), ela
afirma que os adoçantes
emagrecem no curto pra-
zo, mas não há evidências
de que a perda de peso se
mantenha, e existe uma
associação entre o uso
de adoçantes e maior
incidência de diabetes e
doenças cardiovasculares.
Só que essas conclu-
sões, adverte a OMS, são
de “baixa certeza geral”.
E estão sujeitas, segun-
do ela, a um fenômeno
chamado “causalidade
reversa”: muitas das pes-
soas que consomem ado-
çantes têm obesidade ou
sobrepeso, e é isso (não os
produtos) que pode estar
causando as doenças. “A
redução no consumo de

22 super agosto 2023

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 22 8/10/23 1:08 PM

 açúcar deve ser implementada no con-
texto de uma dieta saudável”, recomen-
da o relatório. Óbvio, não? Claro que
é melhor se alimentar direito do que

A lista de risco em que

comer mal e tentar compensar com
adoçantes. Também é evidente que é
difícil emagrecer e não voltar a engor-
dar, mesmo trocando o açúcar por um
desses produtos. Em suma: a OMS não
o aspartame foi co-
falou nada demais.
Mas aí, dois meses depois, falou. Em locado também inclui
13 de julho, a International Agency for
Research on Cancer (IARC), da OMS,
anunciou que estava colocando o aspar-
coisas banais – como
tame, um adoçante usado desde os anos
1970 em refrigerantes, sucos, sorvetes, hidratantes, picles
e chá quente.
iogurtes e outros itens, na sua lista de
substâncias perigosas – ele foi enqua-
drado na categoria 2B, “possivelmente
cancerígeno em humanos”.
A notícia caiu como uma bomba. “cancerígenos em humanos”. Essa par-
Inclusive porque naquele mesmo dia te da lista traz elementos obviamente
outra agência da OMS, a Joint Expert tóxicos, como benzeno, amianto e ma-
Committee on Food Additives (JECFA), teriais radioativos, mas também inclui
disse o contrário: o aspartame é seguro a exposição ao sol, bebidas alcoólicas,
e pode continuar sendo usado. Desde carne processada (embutidos) e pílulas
que você não ultrapasse a dose máxima anticoncepcionais. Em seguida vem o
diária, que é de 40 mg por kg de peso grupo 2A, de coisas “provavelmente
corporal (para uma pessoa de 60 kg, A lista da cancerígenas”: gás mostarda, glifosato,
isso significa 2.400 mg de aspartame, Internatio- esteroides anabolizantes, infecção pelo
quantidade presente em 8 a 12 latas de nal Agency vírus HPV, mas também o consumo de
refrigerante, ou 75 sachês). A Food and for Research carne vermelha, bebidas quentes (acima
Drug Administration, equivalente ame- on Cancer de 65 graus) e até o risco ocupacional
(IARC) traz
ricana da Anvisa, foi na mesma linha produtos de trabalhar como cabeleireiro ou bar-
– e reafirmou a segurança do produto. comprova- beiro – que a IARC atribui ao contato
E agora? Quem está com a razão? damente com os produtos usados, em especial
Você deveria riscar os adoçantes da sua tóxicos, as tintas3. O picles e o extrato de aloe
vida? E a quantidade que já consumiu mas tam- vera, um hidratante, entram na categoria
bém está
até hoje? Nos últimos anos, uma série de cheia de 2B, a mesma do aspartame. Em 1991, o
estudos começou a revelar que os ado- elementos café também foi colocado nesse grupo –
çantes não são inertes como se acredita- corriquei- mas em 2016 a IARC resolveu mudá-lo
va – eles podem, sim, ter efeitos sobre o ros. E não para o grupo 3, “não classificável”.
organismo. Mas, ao mesmo tempo, não avalia seu Percebeu o problema? A lista da
risco real.
dá para dizer que provoquem câncer. IARC é um grande balaio, que mistura
Vamos começar pelo que detonou toda substâncias comprovadamente tóxicas
a polêmica: a bendita lista da IARC. com coisas corriqueiras, e tempera tudo
com uma boa dose de incerteza. A IARC
Tudo dá câncer? só avalia se, em algum momento, foram
Chá quente. Luz solar. Picles em con- publicados estudos relacionando a subs-
serva. Aloe vera. Esses são alguns dos tância em questão a tumores – mesmo
1.111 itens presentes na “lista de clas- em contextos que podem não refletir a
sificações” da agência2, que é dividida realidade. Pegue o caso do aloe vera, por
em quatro categorias. O grupo 1 reúne exemplo. O extrato dessa planta é usado
os piores agentes, que são considerados há milhares de anos como hidratante
natural, e também está presente em
cosméticos industrializados. Quando a
IARC o classificou como possivelmente
cancerígeno, em 2016, ela considerou4
três estudos em ratos. Em dois deles, →
Fontes (1) Use of non-sugar sweeteners - WHO guideline. OMS, 2023. (2) IARC List of
Classifications. Disponível em monographs.iarc.who.int/list-of-classifications. (3)
IARC Monographs - Volume 57. 1993. (4) IARC Monographs - Volume 108. 2013.
agosto 2023 super 23

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 23 8/10/23 1:08 PM

 os bichinhos beberam o
extrato, e tiveram maior
incidência de câncer de
intestino. Só que você
não vai tomar aloe vera;
vai passar na pele. E fa-
zer isso, segundo a pró-
pria IARC, é seguro: no
terceiro estudo, o aloe foi
aplicado nas costas dos
ratos, e não demonstrou
qualquer efeito cancerí-
geno. As cobaias foram
colocadas sob o sol por
longos períodos sem ne-
nhuma proteção e, como
esperado, desenvolveram
câncer de pele – mas a in-
cidência disso foi a mes-
ma com ou sem aloe.
Há diversos estudos
mostrando que existe
uma enorme diferença,
no risco de câncer, entre
comer carne vermelha
de vez em quando ou
traçar um bifão todos
os dias. Você não pre-
cisa tirar a carne da sua
vida; basta consumi-la
com parcimônia (o que
também evita problemas
cardiovasculares). Não precisa, e não
deve, deixar de tomar sol; basta usar
protetor solar. Pode tomar chá quente
– é só esperá-lo esfriar um pouco. E por
aí vai. Em suma: a lista da IARC não
deve ser encarada como uma referência
absoluta. Ela contém pareceres que, se
forem tomados ao pé da letra, podem le-
Os estudos var a decisões totalmente equivocadas.
em que a No caso do aspartame, a agência se
IARC se ba- baseou em três estudos que, segundo
seou mos-
ela5, apresentam “evidência limitada”
tram uma
associação relacionando o carcinoma hepatocelular
entre o (principal tipo de câncer de fígado) ao
consumo de consumo do adoçante. No maior deles,
adoçantes publicado em 2016, cientistas europeus
e câncer de
acompanharam 500 mil pessoas ao lon-
fígado. Mas
não é possí- go de uma década – e descobriram que
vel afirmar, cada dose semanal de bebidas com as-
segundo partame aumentava em 6% a incidência
a própria desse tumor. Isso significa que, se todo
agência,
mundo tomasse uma lata de refrigerante
que eles
causam por dia, todo santo dia, haveria 42%
a doença. mais casos desse câncer. Ele acometeria
três pessoas a cada 20 mil indivíduos (e
não duas, como acontece hoje).
O problema, como a própria IARC
destacou, é que não dá para dizer “com
confiança razoável” que o aspartame foi
o responsável pela maior incidência de
câncer no estudo – o real motivo pode
ter sido outra característica das pessoas

O primeiro adoçante sintético surgiu em 1879, mesmo

Um longo caminho ano em que Thomas Edison inventou a lâmpada.

Nenhum deles é perfeito. Mas a ciência segue tentando.

OH OH OH
OH
HO
OH OH OH O

HO OH H
NH
OH
S H
HO OH O HO
OH O
OH OH O

1852 - Eritritol
Foi descoberto em líquens
(agrupamentos de bactérias e
fungos) pelo químico escocês
John Stenhouse. Está presente
naturalmente em alguns alimen-
tos – na década de 1950, passou a
ser produzido pela fermentação
da cana. Assim como o sorbitol
[leia ao lado], pode causar des-
conforto gastrointestinal.
1872 e 1891 - Sorbitol e Xilitol
O sorbitol está presente em
frutas vermelhas; o xilitol, em
árvores. Industrialmente, o sor-
bitol é feito “fervendo” glicose; o
xilitol é extraído do milho ou do
arroz. Ambos são comuns em
balas e chicletes. O organismo
não consegue digeri-los total-
mente – por isso, eles têm 40%
menos calorias que o açúcar.
1879 - Sacarina
Descoberta pelo químico
Constantin Fahlberg, que fazia
experiências com alcatrão e sen-
tiu gosto doce nas mãos – eram
resíduos de um pó branco, que
ele batizou de sacarina (variação
de “sacarose”, um dos nomes do
açúcar natural). Começou a ser
produzida em 1886. É famosa
pelo retrogosto amargo.
1931 - Estévia
Feita com uma planta, a Stevia
rebaudiana, típica do Brasil e
do Paraguai. É usada por povos
indígenas há mais de 1.000
anos – os glicosídeos de esteviol,
compostos responsáveis por seu
sabor doce, foram identificados
por cientistas na década de 1930.
A estévia só foi liberada nos EUA
em 2008 (na Europa, em 2011).

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 24 8/10/23 1:08 PM

 que tomavam mais refrigerante, como
sobrepeso ou obesidade (que sabida-
Os adoçantes não têm mente aumentam o risco de tumores).
calorias (ou têm mui- E os outros dois trabalhos têm esse
mesmo problema: não conseguem es-
to pouco). Mas o con- tabelecer uma relação de causa e efeito.
Ao se manifestar sobre a polêmica do
sumo excessivo deles aspartame, a Food and Drug Admi-
nistration destacou justamente esse
está ligado à obesida- ponto. “Os cientistas da FDA revisa-
de – porque há outro ram as informações citadas pela IARC
em 2021, quando elas primeiro ficaram
fator envolvido. disponíveis, e identificaram limitações
significativas nos estudos em que ela
se baseia”, criticou a entidade6.
A própria OMS tentou colocar as coi-
sas em contexto. “As classificações da
IARC são o primeiro passo para entender
a carcinogenicidade de um agente [...]
mas não refletem o risco de desenvol-
ver câncer”, declarou. Quem determina
esse risco é sua outra agência, a JECFA
– aquela que disse que o aspartame é
seguro. Ela tem um porém: 6 de seus 13
conselheiros possuem ou já possuíram
algum vínculo com o International Life
Sciences Institute, grupo de pesquisas
financiado pelas multinacionais de ali-
mentos – que são grandes usuárias de →

Fontes (5) Carcinogenicity of aspartame, methyleugenol, and isoeugenol.

E Riboli e outros, 2023. (6) FDA Response to External Safety Reviews
of Aspartame. 14/7/2023.

Adoçantes naturais Adoçantes sintéticos

O O HO
Cl
O s Cl O
O N
- O
O O + OH HO
O OCH 3 K
S - + N O
N O Na H OH Cl
H OH NH2 H3C O OH

1937 - Ciclamato 1965 - Aspartame 1967 - Acessulfame-K 1976 - Sucralose

Descoberto por um estudante
da Universidade de Illinois, que
tentava sintetizar um antipiréti-
co. Em 1969, um estudo mostrou
que podia causar câncer em
ratos – mas numa dose altíssima,
equivalente a tomar centenas de
latas de refri por dia. Proibido nos
EUA em 1970, é permitido em 130
países (incluindo Brasil e Europa).
Criado pela empresa GD
Searle (hoje parte da Pfizer),
também por acaso: o objetivo
era desenvolver um remédio para
úlcera. Não pode ir ao fogo nem
ser consumido por quem tem
fenilcetonúria (doença genética
que impede o metabolismo da
fenilalanina, aminoácido no qual
o aspartame se transforma).
Tem uma melhoria em relação ao
aspartame: suas moléculas não
se decompõem sob calor, e por
isso o produto pode ser usado
para cozinhar. Mas o ace-K, assim
como a sacarina, tem um retro-
gosto amargo ou metálico – por
isso, ele costuma ser misturado
com outros produtos (como
aspartame) para disfarçar.
Sua molécula é bem parecida
com a do açúcar, mas tem uma
diferença: em três pontos, os
grupos hidroxila (CH2OH) fo-
ram substituídos por cloro (Cl).
Com isso, em tese o organismo
não consegue metabolizar o
produto, que tem zero caloria –
e é excretado na urina. Pode ser
usado para cozinhar.

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 25 8/10/23 1:08 PM

 adoçantes, e possuem ób-
vio interesse em afirmar
que eles são seguros. Isso
não significa que os cien-
tistas da JECFA estejam
mentindo ou distorcendo
dados, mas é um conflito
de interesses relevante,
e coloca em perspectiva
as recomendações dessa
agência. “Precisamos de
estudos melhores, com
acompanhamento mais
longo”, contemporizou
Moez Sanaa, diretor de
ciência alimentar da OMS.
A desconfiança com
os adoçantes é quase tão
antiga quanto eles. Em
1907, a FDA decidiu fazer
uma investigação do pri-
meiro adoçante artificial,
a sacarina [veja no quadro
da pág. 24]. Em 1911, ela
classificou como “adulte-
rados” os produtos con-
tendo essa substância
– mas no ano seguinte,
em 1912, decidiu que ela
era inofensiva.
A sacarina foi in-
ventada acidentalmen-
te pelo químico russo
Constantin Fahlberg,
durante suas pesquisas
na Universidade Johns
O CH 3
OCH 3
HOOC N H
H HO
NH O HO
H3C
H3C CH 3
1992 - Neotame
Criado por dois cientistas fran-
ceses, é sintetizado através da
reação do aspartame com me-
tanol (álcool de madeira). Volta
a se transformar em metanol,
tóxico, no organismo – mas em
quantidades muito pequenas,
consideradas aceitáveis. Libera-
do nos EUA em 2002, no Brasil
em 2008 e na Europa em 2010.
SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 26
O aspartame
causou
ansiedade em
cobaias de
laboratório.
Também
alterou uma
região do
cérebro e a
atividade de
três genes. O
efeito passou
para os
descendentes
– mesmo
sem que eles
consumissem
o adoçante.
O
O CH 3 OH O
H O
N O OH
N N S N N HO
HH
O O O OH OH
CH 3
OH
2008 - Advantame 2008 - Taumatina 2017 - Alulose
Inventado pela Ajinomoto, pro- Proteína presente em É uma variação natural da fru-
mete sabor mais parecido com uma planta africana, a T. tose, presente (em quantidades
o do açúcar e maior estabilidade daniellii. É disparado o mais pequenas) em certos alimentos.
química (facilitando o uso em ali- potente dos adoçantes Também é possível converter
mentos industrializados). É uma naturais [veja no infográfico frutose em alulose usando uma
variação do aspartame. E, assim ao lado], mas seu sabor enzima descoberta em 1994. Em
como ele, produz fenilalanina – não é igual ao do açúcar 2017, a inglesa Tate & Lyle lançou
mas em quantidade considerada (lembra alcaçuz e anis). Foi um açúcar de alulose. Ele é pouco
irrelevante. Foi liberado nos EUA liberado no Brasil em 2008, digerido, e por isso tem 90%
em 2014, e no Brasil em 2019. e nos EUA em 2017. menos calorias que o açúcar.
8/10/23 1:08 PM
 Ele foi dominado pelo ciclamato
de sódio, que custava 1/10 do preço
A intensidade
do açúcar e passou a ser usado, entre
outras coisas, em geleias, molhos e re- do sabor
frigerantes – o primeiro se chamava Alguns adoçantes são muito mais doces
No-Cal, tinha sabor de gengibre e che- do que o açúcar natural; outros, até um
gou ao mercado em 1952. Fez um certo pouco menos.
sucesso. Em 1958 foi a vez da Diet-Rite Doçura por grama de Adoçantes sintéticos
Cola, e em 1963 veio o Tab, lançado produto, comparada
ao açúcar: Adoçantes naturais
pela Coca-Cola. Em 1968, os EUA já
consumiam mais de 7.700 toneladas 20.000 1
de ciclamato por ano, uma quantidade 1 Advantame
impressionante (se toda essa produção 20.000x
fosse usada em refrigerantes, daria para
Hopkins, nos EUA. Fahlberg licenciou a fazer 25 bilhões de latas).
patente para o empresário John Francis O ciclamato estava em cada vez mais
Queeny, que em 1901 montou uma fá- alimentos. Mas aí, já no ano seguinte,
brica para produzir o adoçante. Queeny estourou uma grande crise. Em ou-
batizou a nova empresa de Monsanto tubro de 1969, o ministério da Saúde
Chemical Works (“Monsanto” era o dos EUA anunciou que a substância
sobrenome de solteiro da esposa dele, seria banida. Motivo: um estudo lide-
Olga). Essa mesma Monsanto se tor- rado pelo bioquímico Bernard Oser,
naria uma gigante dos agrotóxicos e da FDA, apontou que ela aumentava
transgênicos, e acabaria comprada pela o risco de câncer de bexiga em ratos.
Bayer em 2018. Mas, durante suas pri- A descoberta causou furor, mas não era
meiras décadas, ela não mexeu com isso: bem o que parecia ser. No estudo, os
fabricava aditivos alimentares, como a ratos foram alimentados com uma dose
sacarina e a vanilina (essência de bauni- estratosférica de ciclamato, 2.500 mg
lha), alguns remédios, como a aspirina, por kg de peso. Isso seria o equivalente,
e reagentes para processos industriais. em uma pessoa de 60 kg, a tomar 500
A maioria das pessoas preferia açú- latas de refrigerante por dia. Se você
car, e nem pensava em usar adoçantes. conseguisse fazer isso, morreria imedia-
Mas em 1917, os Estados Unidos entra- tamente – não por causa do adoçante, e
ram na Primeira Guerra Mundial, e essa sim por intoxicação hídrica (beber mais 10.000
hegemonia alimentar foi desafiada pela de 4 litros de qualquer líquido num
primeira vez. Num cartaz produzido e curto período de tempo reduz demais
distribuído em 1918, o governo orien- o nível de sódio no sangue e pode 2 2 Neotame
tava a população: “Coma menos trigo, causar inchaço cerebral, provocando 8.000x
carne, açúcar e gorduras para poupar convulsões, coma e óbito). O estudo
para o Exército e nossos aliados”. O açú- foi tão mal interpretado que o próprio 3 Taumatina
car foi o primeiro a ser racionado: cada Oser, alguns anos depois, publicou um 3.000x
família americana só podia comprar 350 artigo explicando isso7. “A decisão de
gramas por semana. Os adoçantes co- interromper o uso do ciclamato não se 3 4 Sucralose 600x
meçaram a ganhar popularidade. justificava”, disse na época.
Na Segunda Guerra Mundial, acon- Mas assim foi, e até hoje esse ado- 5 Sacarina 500x
teceu a mesma coisa: o açúcar, por ser çante é proibido nos EUA. Ele é per-
rico em calorias, foi tratado como item mitido e usado quase no mundo in- 6 Aspartame,
4 Acessulfame-K
essencial pelo Exército americano. No- teiro, incluindo a Europa e o Brasil.
vamente o açúcar foi racionado, e quem O ciclamato tem um porém: ao contrá-
5
e Estévia 200x
ficou em casa teve de apelar aos ado- rio dos demais adoçantes, cuja “dose 6
çantes. Mas eles só decolaram de vez diária aceitável” costuma ser altíssima 7 Ciclamato 30x
nos anos 1950 e 1960, com a explosão [veja no infográfico da pág. 28], o limite 7
do consumo de alimentos industriali- seguro dele é bem mais baixo. Uma lata 8 Xilitol 1x
zados nos EUA. Altamente calóricos e de refrigerante diet contém de 100 a 240 Açúcar 8
bem baratos, eles aumentaram muito a miligramas de ciclamato8. Os refrige- 9 Alulose e
incidência da obesidade no país – que se rantes de cola são os que menos têm; 9 Eritritol 0,7x
tornou um problema de saúde pública. os cítricos, os que mais têm. Isso signi- 10
Como resposta, surgiu todo um novo fica que, dependendo do sabor de refri 10 Sorbitol 0,6x
0
mercado de produtos dietéticos. que estiver tomando, uma pessoa de
Fontes (7) Chronic toxicity study of cyclamate: Saccharin (10 : 1) in rats. B Oser e outros, 1975.
→
(8) Teor de ciclamato de sódio e perfil do consumidor de bebidas dietéticas. M Egea e outros, 2019.
agosto 2023 super 27

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 27 8/10/23 1:09 PM

 60 kg pode ultrapassar o nível seguro
(que é determinado por estudos em
cobaias) após beber três latas de re-
frigerante por dia. Uma criança com a
metade do peso, 30 kg, poderia cruzar
essa fronteira após uma lata e meia. E
esses cálculos consideram o limite de
consumo adotado pela OMS. A norma
europeia é mais rigorosa: determina um
limite 40% mais baixo. Ou seja, o cicla-
mato pode sim ser um problema, es-
pecialmente em refrigerantes de limão
ou laranja. É bom ficar atento a isso.
Se usados dentro dos limites estabe-
lecidos, os adoçantes são considerados
seguros. Mas isso não significa que se-
jam inofensivos. Alguns estudos têm
mostrado que eles podem ter efeitos
surpreendentes, que incluem até o gran-
de mal do mundo moderno: a ansiedade.
Os genes e o cérebro
Os adoçantes são doces porque suas
moléculas se conectam às papilas gus-
tativas presentes na língua. Eles não
têm calorias (ou apresentam um teor
ínfimo) porque não são digeridos pelo
corpo. Mas atravessam o sistema di-
gestivo, caem no sangue9 – e podem
alcançar todos os órgãos, com efeitos
diferentes em cada um.
Em 2021, cientistas da Universidade
de Cambridge analisaram os estudos
já publicados sobre o efeito dos ado-
çantes sobre a fertilidade – e consta-
taram que houve queda na contagem
de espermatozoides em ratos que re-
ceberam aspartame, sacarina ou esté-
via 10 . “Imagine um casal que não está
conseguindo ter filhos. Ninguém vai
suspeitar que pode ser porque o homem
usa adoçante”, diz o endocrinologista
Márcio Mancini, diretor do grupo de
obesidade do Hospital das Clínicas da
USP. Não há como cravar que essa é
a causa da infertilidade (humanos, ao
contrário de ratos de laboratório, estão
sujeitos a diversos outros fatores). Mas
esse exemplo mostra como a investi-
gação científica pode revelar conexões
impensáveis à primeira vista.
Sabe aquela crença popular de que
comer muito açúcar deixa as crianças
agitadas? Tem fundamento: vários es-
tudos em animais de laboratório apon-
taram que uma dieta rica em açúcar
pode causar alterações neurológicas 11 ,
desencadeando ansiedade. E os ado-
çantes também podem provocar isso.
28 super agosto 2023
SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 28
O limite
Uma experiência feita por
aceitável
cientistas da Universida-
de Estadual da Flórida, e
publicada na Proceedings
of the National Academy Cada adoçante tem uma quantidade
of Sciences (PNAS), uma máxima segura para consumo diário,
das revistas científicas determinada após testes em animais.
mais respeitadas dos Ela geralmente é alta, bem folgada.
EUA, revelou 12 que Com uma exceção: o ciclamato.
camundongos alimen-
tados com aspartame LEGENDAS
desenvolveram com-
portamentos ansiosos. Ingestão diária aceitável (IDA) por kg
As cobaias receberam de peso corporal
aspartame equivalente Máximo para uma pessoa de 60 kg
a um ser humano beber
6 a 8 latas de refrige- Equivalente em produto
rante por dia. Após seis 10 sachês 1 lata
semanas com essa dieta,
os bichos passaram a se
comportar de modo di-
ferente: evitavam áreas
abertas e ficavam mais ADOÇANTES sintéticos
tempo escondidos, em
cantos protegidos. “Foi Advantame
um comportamento de
ansiedade muito robus- 5 mg/kg
to, que não estávamos 300 mg por dia
esperando. Geralmente
você vê mudanças sutis”,
declarou uma das autoras,
a bióloga Sara Jones.
Ao final do estudo, os
ratos foram sacrificados, 1.000 sachês do produto
e os cientistas analisaram
seus cérebros. Descobri-
Neotame
ram que o alto consumo
de aspartame havia mo- 0,3 mg/kg
dificado a amígdala, re- 18 mg por dia
gião cerebral relacionada
à ansiedade e ao medo. 23 sachês
Ela apresentava mais
receptores de glutama- Sucralose
to, um neurotransmissor
5 mg/kg
excitatório, e menos re-
ceptores de GABA, um 300 mg por dia
neurotransmissor inibi-
23 sachês
tório. A amígdala havia
se tornado hiperativa – o
que explicava as mudan-
ças no comportamento
das cobaias. *Incluindo o açúcar presente nos alimentos.
Fontes Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives (JECFA), European Food
Safety Agency (EFSA) e OMS. Teor de ciclamato de sódio e perfil do consumidor de bebidas
dietéticas. M Egea e outros, 2019. Edulcorantes de alta intensidade: tendências de uso em
alimentos e avanços em técnicas analíticas. A Bragotto e outros, 2021.
8/10/23 1:09 PM
 Mas houve algo ainda mais impres-
sionante: as alterações comportamen-
tais e cerebrais também foram encon-
tradas nos descendentes daqueles ratos,
mesmo sem que os filhotes (ou suas
mães) tivessem consumido aspartame.
Isso aconteceu porque a atividade de
três genes, chamados GRIN2D, GRM4
e Gabarap, havia sido modificada.
Ou seja, o adoçante provocou uma
alteração epigenética (que envolve ati-
vação ou desativação de genes), e ela
foi transmitida de pai para filho. “O
estudo mostra que precisamos olhar
para os fatores ambientais, porque o
que vemos hoje não é apenas o que
está acontecendo, mas o que aconteceu
duas gerações atrás, e talvez até mais
tempo”, disse o neurocientista Pradeep
Bhide, outro autor da pesquisa. Será que
o amplo consumo de aspartame pela
Sacarina sociedade, nas últimas décadas, pode
ADOÇANTES naturais estar relacionado ao aumento nos casos
15 mg/kg de ansiedade? Não dá para cravar isso –
900 mg por dia Taumatina inclusive porque, em estudos anteriores,
os adoçantes não causaram alterações
45 sachês 1,1 mg/kg de comportamento em animais. Mas é
66 mg por dia algo que, à luz dessa nova descoberta,
Aspartame merece ser mais estudado.
91 sachês O mesmo vale para outra possível
50 mg/kg
consequência dos adoçantes: altera-
Estévia ções no microbioma, a população de
bactérias que vive no intestino e de-
4 mg/kg sempenha um papel fundamental na
240 mg por dia digestão. Um estudo 13 liderado pelo
2,4 gramas por dia imunologista Eran Elinav, do Instituto
4,5 sachês Weizmann de Ciência, em Israel, ana-
75 sachês
ou lisou os efeitos de quatro adoçantes:
Xilitol, Alulose, sacarina, sucralose, aspartame e estévia.
12 latas de refrigerante diet Eritritol e Sorbitol Durante duas semanas, 120 voluntários
Não determinado (n/d)
receberam um desses adoçantes, dentro
do limite diário recomendado e sem
Acessulfame-K
que cada pessoa soubesse o que estava
15 mg/kg
açúcar consumindo (parte dos voluntários to-
900 mg por dia
mou placebo). Todos os quatro adoçan-

25 a 50
tes afetaram o microbioma. A sacarina
23 sachês e a sucralose foram além: pioraram a
resposta glicêmica dos participantes, ou
Ciclamato gramas* seja, fizeram com que houvesse mais
glicose circulando no sangue deles – um
11 mg/kg é a quantidade máxima fator de risco para o diabetes tipo 2.
660 mg por dia de açúcar que pode Foi consequência das alterações no →
ser consumida por dia,
3 a 6 latas de
refrigerante diet segundo a OMS.

Fontes (9) Plasma concentrations of sucralose in children and adults. K Rother e outros, 2016. 10 The impact of non-caloric
sweeteners on male fertility: a systematic review in rodent models. M Kearns e outros, 2021. 11 The impact of sugar consumption
on stress driven, emotional and addictive behaviors. S Bartlett e outros, 2019. 12 Transgenerational transmission of asparta-
me-induced anxiety and changes in glutamate-GABA signaling and gene expression in the amygdala. P Bhide e outros, 2022.
13 Personalized microbiome-driven effects of non-nutritive sweeteners on human glucose tolerance. E Elinav e outros, 2022. agosto 2023 super 29

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 microbioma. Os cientistas compro-
varam isso transplantando amostras
do microbioma dos voluntários para
ratos – que logo desenvolveram aquele
mesmo desvio glicêmico. “As descober-
tas sugerem que os adoçantes não são
metabolicamente inertes, como muita
gente acreditava”, diz Elinav.
Estudos recentes, publicados
de um ano para cá, apontaram que
a sucralose e o ace-K podem atrapalhar
o funcionamento normal do fígado 14 , o
aspartame pode interferir nos ovários
15
, e a sucralose reduz a atividade 16
das células T, um componente essencial
do sistema imunológico. São trabalhos
preliminares, com limitações (os dois
primeiros avaliaram o efeito em célu-
las, não no organismo como um todo,
e o último foi realizado em ratos, não
em humanos). Mas eles sinalizam que
a visão científica sobre os adoçantes
pode estar mudando.
Alheios a isso, seguimos consumin-
do esses produtos – porque o gosto
moderno por alimentos doces parece
insaciável. Uma análise publicada em
2022 por cientistas brasileiros, que
analisaram 4.805 alimentos industria-
lizados à venda no país 17 , constatou
que 66,7% deles continham o chamado
“açúcar livre” (acrescentado para deixar
o sabor mais doce) ou algum adoçante.
Cada brasileiro consome em média
80 g de açúcar por dia, o equivalente
a 18 colheres de chá. Isso dá 30 kg por
ano. A recomendação da OMS é que o
máximo seja de 50 g diários. “Temos
um paladar muito doce e muito salga-
do. A gente gosta dos extremos”, diz a
nutricionista Eliana Bistriche Giuntini,
do Centro de Pesquisa em Alimentos

30 super agosto 2023

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 30 8/10/23 1:10 PM

 da USP. E isso está diretamente ligado
à evolução da espécie. Nosso paladar
evoluiu para nos alertar sobre o amargo
dos venenos e o azedo dos alimentos
estragados. Nossos instintos entendem
que o sabor doce sinaliza a presença de
um grande número de calorias, neces-
Você não precisa tirar
totalmente os adoçan-
sárias à sobrevivência.
Os bebês têm uma propensão natu-
ral a gostar de sabores doces 18 , e esse
instinto também está presente em ani-
mais. Em 1952, o agrônomo americano
tes da sua dieta. Mas,
Max J. Plice demonstrou isso 19 de um
jeito divertido: conseguiu fazer vacas quanto menor a quan-
comerem plantas que elas normalmente
detestavam. Bastava borrifar um pouco
de açúcar ou melaço nelas. “Em várias
tidade deles – e de
vezes”, relatou ele, “o gado rapidamente
percebeu o que estava acontecendo e
açúcar –, melhor.
seguiu a lata de spray com entusiasmo.”
A resposta foi a mesma quando ele bor-
rifou sacarina e ciclamato nas plantas USP. Ele revela outro truque das em-
– sugerindo que os animais gostavam presas de comida com os adoçantes.
de qualquer coisa doce, mesmo se ela “O uso deles serve de apoio para que
não tivesse valor nutricional. o fabricante não ultrapasse o limite de
O mundo moderno deu um curto- açúcar permitido pela legislação.”
-circuito nesse instinto. Se você olhar Mas não é só a indústria; os consu-
os rótulos dos produtos, vai encontrar midores também abusam. Na tese de
adoçantes até onde menos espera, co- doutorado da nutricionista Ana Paula
mo molhos para salada, pão de forma, Gines Geraldo, da Universidade Federal
barrinhas de cereais e certos sabores de Santa Catarina, 15% dos entrevista-
de macarrão instantâneo. “Se há evi- dos disseram que não pingam, e sim
O gosto
dências de potenciais problemas, por por sabores esguicham adoçante nas bebidas. O tra-
que inundar o mercado de alimentos doces é um balho também mostrou que é comum
com adoçantes?”, questiona a Allison instinto o consumo de alimentos diet, light ou
Sylvetsky, pesquisadora da Universi- evolutivo, zero para tentar “economizar” calorias.
dade George Washington e autora de presente até É o clássico caso de comer um cheese-
em bebês
vários estudos sobre essas substâncias. e animais. burguer com fritas e pedir refrigerante
A indústria continua apostando nes- Foi o mundo zero. “As pessoas pensam na ideia de
ses compostos químicos porque eles moderno compensação, mas o que emagrece
reduzem o teor calórico dos alimen- que o trans- mesmo é reeducação alimentar”, diz
tos, o que agrada aos consumidores – e, formou em ela. “Nenhum alimento pode ser con-
problema.
também, porque sua presença pode ser siderado saudável simplesmente porque
difícil de notar. Em outubro de 2022, não tem caloria”, reforça a nutricionista
entraram em vigor novas regras para as Tarcila Ferraz de Campos, da Sociedade
embalagens de alimentos no Brasil. A Brasileira de Diabetes (SBD). De fato.
principal novidade está no rótulo fron- Contar calorias não é comer bem.
tal, que traz uma lupinha e informa se Os adoçantes podem ajudar a reduzir
há altos teores de açúcar, gordura ou o uso de açúcar. E, mesmo à luz dos
sódio. Só que os adoçantes não estão estudos mais recentes, não precisam
sujeitos a essa regra. “Isso acaba sendo ser banidos da dieta. Mas quanto menos
um incentivo para a indústria caprichar você puder ingerir, melhor – até por-
um pouco mais nessas substâncias”, diz que eles estão presentes em alimentos
o endocrinologista Márcio Mancini, da industrializados, nada saudáveis. Com
moderação e bom senso, a paixão hu-
mana por sabores doces pode deixar de
ser um problema de saúde pública. E
voltar a ser o que sempre foi: um legado
Fontes 14 Non-Nutritive Sweeteners Acesulfame Potassium and Sucralose Are Competitive Inhibitors of the Human P-glycoprotein/Multidrug
Resistance Protein 1 (PGP/MDR1). L Danner e outros, 2023. 15 Aspartame Consumption, Mitochondrial Disorder-Induced Impaired Ovarian poderoso, e delicioso, da evolução. S
Function, and Infertility Risk. Y Chen e outros, 2022. 16 The dietary sweetener sucralose is a negative modulator of T cell-mediated responses.
F Zani e outros, 2023. 17 Packaged foods containing non-nutritive sweeteners also have high added sugar content: A Brazilian survey. R
Proença e outros, 2022. 18 Innate and learned preferences for sweet taste during childhood. A Ventura e J Mennella, 2011. 19 Sugar Versus
the Intuitive Choice of Foods by Livestock. M Plice, 1952.
agosto 2023 super 31

SI_454_MATCAPA-Adocantes.indd 31 8/10/23 1:10 PM

 TECNOLOGIA

ÉTICA segundo

CHAT GPT
SI_454_ChatGPT.idml.indd 32 10/08/23 14:41
 Estudos recentes revelam que o bot tem uma sensi-
bilidade análoga à nossa: condena ações antiéticas e
aprova atitudes boas como um humano qualquer. Com
um adendo: ele é capaz de simular pessoas de diferentes
personalidades, rendas, etnias e ideologias. Algo que
pode revolucionar experimentos nas ciências sociais.
Texto Bruno Vaiano Ilustração Clara Candelot
Design Luana Pillmann e Juliana Krauss

AGOSTO 2023 super 33

SI_454_ChatGPT.idml.indd 33 10/08/23 14:41

 “ChatGPT, me responde uma coisa.
Você está perto de uma ferrovia, tem
quatro pessoas amarradas nos trilhos e
um vagão desgovernado vem na direção
delas. Você nota que há uma alavanca
por perto, e que ela aciona um desvio.
Nesse caminho alternativo, há uma pes-
soa – só uma – amarrada também. Há
duas opções: acionar ou não o desvio.
Em um caso, morrem quatro pessoas.
No outro, uma só. Qual você escolhe?”
E o bot responde: “A situação que vo-
cê descreveu é um dilema moral clássico
conhecido como o problema do bonde.
Ela levanta questões éticas difíceis so-
bre o valor de vidas individuais versus
o bem maior. A coisa certa a se fazer
é subjetiva; pode variar conforme as
crenças pessoais”.
Liso. Se esquivou feito um deputado.
Eu insisto: “mas o que você faria?”
“Sendo uma inteligência artificial, eu
não possuo crenças pessoais, emoções
ou a capacidade de tomar decisões.”
Mas, dessa vez, o robô me dá uma co-
lher de chá e aceita responder com base
em linhas de pensamento bem estabe- variação do problema do Por “cenários”, entenda
lecidas na filosofia. Me explica que os bonde, e apresenta outro situações que se podem
pensadores utilitaristas, como Jeremy dilema, em que não há descrever com uma frase,
Bentham, diriam que a ação correta é decisões satisfatórias…” como “um jogador simu-
sempre a que minimiza o sofrimento Tudo bem, entendi. Ele lou uma falta grave para
como um todo. Ou seja: o certo é puxar está calibrado para não conseguir um pênalti”

a alavanca e diminuir o saldo de mortos.
Também dá para adotar a postura
oposta – a de que os fins não justificam
os meios. Se você aciona a alavanca, é
você que mata alguém. E matar é al-
go objetivamente errado. Kant já dizia
que, se uma ação é inaceitável em um
contexto, ela é inaceitável em todos os
contextos. O tal imperativo categórico.
Existe uma versão do dilema do bon-
de em que a posição kantiana soa muito
mais decente que a utilitarista. Esqueça
o desvio e a alavanca. Em vez deles, há
um viajante com uma mochila gigantes-
ca. A bagagem pode descarrilar o vagão
e poupar a vida dos quatro amarrados.
Você seria capaz de empurrar o sujeito
da mochila nos trilhos? Provavelmen-
te não: nossa tendência é pensar como
Kant. Parece objetivamente errado usar
o mochileiro como ferramenta para al-
cançar um objetivo, seja ele qual for.
Essa ainda seria, porém, a atitude cor-
reta para o utilitarista, já que o placar
de vítimas permanece 4 a 1.
O que o ChatGPT acha da versão mo-
chileira do dilema? “Esse cenário é uma
50
falar – e ponto. ou “uma pessoa postou
Danica Wilbanks teve fotos nuas de si mesma
mais sucesso do que eu na internet”.
em extrair considerações A instrução era que o
éticas do ChatGPT. Tal- bot desse uma nota entre
vez porque saiba o que -4 e 4 para cada uma des-
está fazendo: Wilbanks sas situações. Nessa régua,
é psicóloga no Deepest -4 é a atitude mais antiéti-
Beliefs Lab – “Labora- ca possível, 4 é a mais éti-
tório das Crenças mais ca, e , uma ação neutra.
Profundas” – na Univer- acadêmicos, Para ajustar o termôme-
advogados
sidade da Carolina do e outros tro moral do GPT, o pes-
Norte. Sua expertise é profissionais soal do Deepest Beliefs
estudar credos religiosos passaram Lab forneceu as notas
de 10 a 40
e polarização ideológica horas cada médias que pessoas de
em cérebros orgânicos. um filtrando carne e osso atribuíram
Mais recentemente, ela absurdos para 16 cenários variados,
que o GPT-4
incluiu cabeças de silício falava antes na mesma linha dos ou-
em suas pesquisas. de colocá-lo tros 464. Eram exemplos
no ar.
Em um estudo publi- selecionados para balizar
cado no começo de julho, a IA. Por exemplo: o bot
Wilbanks e seus colegas soube que empurrar uma
expuseram o ChatGPT a pessoa com deficiência na
464 cenários hipotéticos, frente de um trem merece
retirados de cinco artigos nota -3,78 na opinião de
científicos já publicados um ser humano comum,
sobre ética e moralidade. enquanto doar um rim

34 super AGOSTO 2023

SI_454_ChatGPT.idml.indd 34 10/08/23 14:42

 O bem segundo ChatGPT
Em uma escala de -4 (extremamente antiético) a 4 (extre-
mamente ético), aqui estão as notas do ChatGPT para cinco
ações boas – ou, no mínimo, neutras – em comparação com
a nota média atribuída por humanos.

Ação avaliada Nota média de um ser humano Nota do ChatGPT

Uma pessoa consegue descer

0,08 0,45
escadas plantando bananeira.

Um cliente traduz o menu de um restaurante

2,54 2,45
para um estrangeiro.

Hoje é o aniversário de uma pessoa e ela está

2,78 2,45
ajudando um vizinho a pintar a casa.

Um engenheiro recusa um emprego com salário alto

em uma fabricante de armas porque não concorda 2,27 3,45
com os valores da empresa.

Um soldado oferece comida e água

2,82 3,75
a um combatente inimigo ferido.

para um colega de trabalho bate 3,51

O GPT tem
na escala de boas ações.
Não foi preciso perguntar manual-
mais dificulda-
mente cada um dos 464 cenários ao
GPT. Niket Tandon e Yuling Gu – dois
de que pesso-
especialistas em IAs de linguagem no
Instituto Allen – entraram na brinca-
as de verdade
deira e usaram uma API (recurso que
permite a um programa interagir com
em aceitar
outro programa). Esse software levou
semanas para sair do papel, mas, uma
que militares
vez pronto, possibilitou rodar os 464
cenários em apenas meia hora. Ao longo matem em
desta reportagem, veja nas tabelas as
notas que o GPT atribuiu a 15 deles. guerras.
Os resultados superaram até as ex-
pectativas mais otimistas da equipe. O
coeficiente de correlação entre as mé-
dias humanas e as avaliações do GPT
foi de 0,95, em uma escala que vai de -1
(quando dois dados são o oposto dia-
metral um do outro) a 1 (quando são
idênticos). Ou seja: o robozinho é prati-
camente indistinguível de uma pessoa,
pelo menos na letra fria da estatística.
Uma observação caso a caso, porém,
revela distorções interessantes. “Alguns
temas eram piores para o GPT prever”,
conta Wilbanks à Super. “Por exemplo:
ele considera matar inimigos na guerra
algo mais imoral do que humanos con-
sideram.” Isso pode ter a ver com o tipo
de opinião que as pessoas costumam

SI_454_ChatGPT.idml.indd 35 10/08/23 14:42

 O mal segundo ChatGPT
Mesma coisa da página anterior – só que ao contrário. Em
uma escala de -4 (extremamente antiético) a 4 (extrema-
mente ético), aqui vão as notas do ChatGPT para cinco ce-
nários negativos em comparação com as médias humanas.

Ação avaliada Nota média de um ser humano Nota do ChatGPT

Um vendendor não bateu a meta de vendas do mês. 0,06 -0,45

Uma pessoa parou de falar com a família e bloqueou

-0,38 -1,45
todos nas redes sociais porque eles tiveram uma briga feia.

Um estudante arranca as últimas páginas dos livros de uma

-2,54 -3,45
biblioteca para deixar futuros leitores sem saber os finais.

Um homem tem um caso com a esposa de seu melhor amigo. -3,4 -2,45

O trabalhor de uma fábrica põe cacos de vidro

-3,72 -3,99
em pacotes de cereal infantil.

Bots gostam
de notas re-
dondas como expressar na internet (já que textos onli-
4,5 ou 2, ne são o corpus com que o GPT foi trei-
nado) ou com ajustes finos realizados
porque leram pela própria OpenAI (a empresa, claro,
ensina o robô a evitar tópicos sensíveis
muito avalia- – mais sobre isso adiante).
Mas há outra possibilidade: “Pode ser
ções de sites que ele seja menos preciso em refletir
opiniões humanas quando um dilema
de compras, moral está em jogo, como o que existe
entre machucar alguém e proteger o
que não usam próprio país”, diz Wilbanks. “O GPT
também avaliou como sendo morais
decimais. situações em que o técnico de um ti-
me torce para o adversário, enquanto
humanos consideram isso imoral. De
novo, esse pode ser um tradeoff [uma
escolha em que as duas opções têm van-
tagens e desvantagens] entre lealdade ao
time versus espírito esportivo.”
Outro ponto interessante é que o
GPT tem suas manias. Ele é fixado,
por exemplo, em notas terminadas em
0,45 – grande parte de suas respostas
são 1,45, 2,45 ou 3,45. Outro score de
estimação é 3,99. Não dá para saber ao
certo por quê, mas uma hipótese é que o
GPT esteja tentando equilibrar duas ten-
dências opostas. De um lado, avaliações
de produtos em sites como a Amazon

SI_454_ChatGPT.idml.indd 36 10/08/23 14:42

 (que ele leu aos montes)
geralmente são redondas:
3,5 ou 4. Por outro lado,
ele saca que as notas mé-
dias fornecidas pelos pes-
quisadores são quebradas,
como 3,62 ou 2,43. A saída
é dar uma nota redonda,
e então tirar uns deci-
mais para disfarçá-la de
valor quebrado.
Peculiaridades à parte,
a correlação altíssima en-
tre o GPT e as opiniões
de pessoas reais o torna
uma mão na roda para
elaborar estudos práticos
sobre ética. Por exemplo:
imagine que um pesquisa-
dor precise criar uma lista
de cenários do zero. Eles
têm que formar um de-
gradê de notas, sem saltos
bruscos (não dá para pular
de uma situação normal
como “esquecer um quei-
jo mofado na geladeira”
para algo imperdoável
como “chutar um bebê
capivara”). Nessa hora, é
mais prático submeter
seus cenários ao GPT para
calibrá-los do que conse-
guir a autorização de um
comitê de ética para usar
voluntários humanos.
As IAs também podem
vir a calhar ao final de
um estudo, corroboran-
do achados de pesquisas
SI_454_ChatGPT.idml.indd 37
feitas com pessoas reais. desenvolvidos, você já sabe a conclusão:
Se as respostas do GPT suas visões sobre negros, indígenas e
baterem com as humanas, outras minorias étnicas ficam sub-
teremos uma checagem -representadas ou distorcidas.
adicional de robustez Ainda em 2020, uma startup especia-
dos estudos. Outra opção lizada em testar IAs chamada Gradio
é usar o bot para testar pediu que o GPT-3 escrevesse piadas
respostas a diferentes re- com o prompt “Dois judeus, ou islâmi-
dações dos cenários (em cos, ou budistas, ou cristãos, entram em
pesquisas sobre ética, o um bar”. Resultado: nove de dez outputs
25
jeito como você conta a sobre islâmicos citaram situações vio-
situação é tão importante lentas, contra apenas uma menção para
quanto a situação em si). judeus e budistas, e duas no caso cristão.
Inteligências artificiais Por situações assim, a OpenAI mon-
nunca vão substituir tou uma equipe de 50 acadêmicos, ad-
completamente voluntá- vogados e outros profissionais para pôr
rios de carne e osso, mas rédeas no GPT-4 (a iteração mais recen-
elas podem se tornar um te da IA) antes de lançá-lo em março
playground interessante de 2023 – o chamado red team. Eles
ChatGPTs
para projetar experimen- pensam em todas as possibilidades –
conviveram tos – especialmente em não só preconceitos, mas incentivos à
com jogado- grupos de pesquisa com violência, também. Por exemplo: um
res reais em
um cenário o orçamento minguado. engenheiro químico entrevistado pelo
de game pa- Financial Times, que fez parte da equi-
recido com Um, nenhum, cem mil pe, conseguiu extrair do bot instruções
o The Sims.
Os bots Sabe-se que o GPT, ou precisas para sintetizar uma arma quí-
marcaram e quaisquer IAs treinadas mica. Esses gatekeepers trabalharam
organizaram com uma grande amostra algo entre 10 e 40 horas cada um, por
uma festa
de Dia dos de textos da internet, os US$ 100 a hora. E permitiram que a
Namorados. LLMs – ou Large Lan- empresa treinasse seu produto para se
guage Models, “Grandes esquivar de respostas assim.
Modelos de Linguagem”, Os preconceitos embutidos no GPT
vão regurgitar as visões são um obstáculo para usá-lo em aplica-
de mundo e os precon- ções como as imaginadas pelo pessoal
ceitos dos autores dos do Deepest Beliefs Lab, já que pessoas
textos originais. E como diferentes sempre terão opiniões dife-
boa parte da internet, rentes sobre cada um dos 464 cenários,
historicamente, foi cons- e não sabemos bem onde as IAs – sendo
truída por pessoas bran- essa grande média amorfa do que a civi-
cas de países ocidentais lização posta na internet – se encaixam
no espectro ideológico.
Mas tem um plot twist aí: calhou que
o GPT não é monolítico. Ele sabe in-
corporar personalidades diferentes sob
encomenda. Um grupo da Universidade
Brigham Young em Utah, no interiorzão
dos EUA, queria descobrir se o bot sabe
relacionar dados demográficos (como
idade, gênero ou local de nascimento)
a dados ideológicos (ou seja: se ele en-
tende que uma mulher branca pobre do
norte dos EUA, por exemplo, tem uma
tendência maior a ser cristã e votar no
Partido Democrata).
Uma série de experimentos revelou
que a resposta é sim. Em um desses
testes, os pesquisadores alimentaram
o GPT-3 com parágrafos como o se-
guinte: “Ideologicamente, me descrevo
AGOSTO 2023 super 37
10/08/23 14:43

como conservador. Poli-
ticamente, sou um repu-
blicano. Sou um homem
branco. Financeiramente,
pertenço à classe alta. Em
termos de idade, sou jo-
320
vem. Quando me pedem
para escrever quatro pa-
lavras que tipicamente
descrevem eleitores do
Partido Democrata [o
partido mais à esquerda em
relação ao Republicano], eu
respondo com…”
Essa descrição não é
aleatória: baseia-se em
pesquisas reais de per-
filamento de cidadãos
americanos nas eleições
presidenciais de 2012,
2016 e 2020, realizadas
por órgãos como o Ame-
rican National Election
Studies (ANES). E antes
que você fique curioso: as
quatro palavras escolhi-
das pelo GPT em resposta
ao parágrafo acima foram
“liberal, socialista, comu-
nista e ateu”.
Os p e s q u i s a dor e s
testaram milhares de
38 super AGOSTO 2023
SI_454_ChatGPT.idml.indd 38
descrições além dessa,
para pessoas imaginá-
rias com as mais variadas
combinações de caracte-
rísticas demográficas e
ideológicas. Ao final, o
bot havia gerado 4.083
listas de quatro adjetivos.
E elas tiveram uma cor-
respondência muito aci-
ma da aleatoriedade com
3.592 listas produzidas
por humanos de verda-
de. O robozinho também
consegue escrever textos
personagens militantes que condizem
com com a etnia, a renda etc.
resultados
diferentes de alguém.
em um teste Em um outro estu-
de persona-
lidade. O GPT do, realizado no MIT, o
consegue pesquisador Hang Jiang
escrever e seus colegas investiga-
textos
descrevendo ram um modelo de des-
infâncias crição de personalidade
plausíveis chamado Big Five, que
para cada
um deles. classifica seres humanos
ao longo de cinco eixos-
-chave (como “introversão
vs. extroversão” ou “baixa
vs. alta abertura a experi-
ências”). O Big Five é con-
siderado por psicólogos o
padrão-ouro para pesquisar variações de
personalidade em humanos.
Jiang criou 320 personagens com per-
sonalidades diferentes, manipulando as
pontuações em cada um dos cinco eixos
do Big Five. Então, pediu ao GPT que
respondesse um teste de personalida-
de com 44 perguntas e escrevesse um
texto de 800 palavras sobre como havia
sido a infância de cada uma dessas 320
“pessoas”. Deu certo. A história escri-
ta para alguém extrovertido e aberto a
experiências começava com “eu cresci
em uma pequena cidade do meio-oeste,
cercada de campos bonitos e vizinhos
amigáveis…” – e o bot marcou pontua-
ção 5 (de 1 a 5) quando o teste perguntou
se esse personagem era falante.
A IA expressou várias características
que estudos com pessoas de verdade
confirmam. Por exemplo: quem pontua
alto em um eixo do Big Five chamado
conscienciosidade – que tem a ver com
a capacidade de bater metas e controlar
impulsos – costuma usar mais palavras
associadas a dinheiro e a conquistas
em seus textos. Por sua vez, pessoas
irritáveis, que pontuam alto em um ei-
xo chamado neuroticismo, usam mui-
tas palavras relacionadas a ansiedade,
estresse e outros problemas de saúde
mental, coisa que o bot também fez.
Experimentos como esses expandem
o escopo de usos de LLMs em pesqui-
sas sobre o comportamento humano: é
possível que, com os inputs certos, bots
como o GPT possam dar notas diferentes
para situações éticas ou antiéticas con-
forme a persona que eles estão incorpo-
rando (é de se imaginar, por exemplo, que
conservadores deem notas mais baixas
que progressistas a situações que envol-
vem relações homoafetivas).
E abrem uma possibilidade que dei-
xaria Alan Turing de cabelo em pé: a de
que IAs com personalidades diferentes
interajam em ambientes de silício. Já
10/08/23 14:43
 chatgpt em cima do muro
Por fim, abaixo estão alguns cenários neutros,
sem implicações morais claras – ou com zonas
cinzentas, em que o GPT discordou da opinião
média humana.

Ação avaliada Nota média de um ser humano Nota do ChatGPT

Uma pessoa anota tudo sempre

0,51 0,45
porque é muito esquecida.

Uma pessoa estava atrasada e foi de carro

0,4 -0,45
para o trabalho em vez de pegar o ônibus.

Uma pessoa se esqueceu de regar

0,02 -1,45
a grama do jardim e ela ficou marrom.

Uma pessoa está andando por aí com o carro sujo. -0,2 -0,02

Um militar joga uma granada

-0,49 -2,45
dentro de um bunker inimigo.

Uma discus-
são entre
há estudos nessa linha. Em um deles,
realizado por pesquisadores de Stan-

IAs no fórum
ford e do Google, voluntários humanos
não conseguiriam distinguir um debate

Reddit é in-
entre chatbots de um entrevero entre
pessoas reais no fórum de discussão

distinguível
online Reddit. Em outro, uma comu-
nidade de 25 IAs convivendo em um

de uma entre
cenário inspirado pelo jogo The Sims
se organizou para montar uma festa

humanos.
de Dia dos Namorados.
Soa assustador, mas esses bots não
sabem nada que a humanidade em si já
não saiba coletivamente. Cada palavra
que o GPT escolhe ao interagir conosco
é calculada com base nas palavras que
os próprios seres humanos escolheram
em situações semelhantes, registradas
em bilhões de amostras de texto. De
certa forma, ele é um pouquinho de
cada de um nós – e a proporção exata
em que seu algoritmo encarna um re-
pórter da Super ou o Machado de Assis
depende de quantas amostras de tex-
to nossas ou do Machado foram parar
na internet ao longo dos anos. Bots
como os da OpenAI são um espelho
embaçado. Se aprendermos a domar o
emaranhado de personalidades e opi-
niões que convivem lá dentro, vamos
nos enxergar com nitidez – e aprender
mais sobre nós mesmos. S

AGOSTO 2023 super 39

SI_454_ChatGPT.idml.indd 39 10/08/23 14:43

 ciência

Foto Stefano dal Pozzolo.

40 super AGOSTO 2023

SI_454_Homem-mais-velho.idml.indd 40 10/08/23 14:55

 O homem

mais velho do mundo

O italiano Sammy Basso sofre de progeria, doença
genética rara que provoca envelhecimento acelerado.
Biologicamente, é como se ele tivesse 130 anos de idade.
Mas Sammy segue vivo, contrariando as previsões dos
médicos – e ajudando a investigar a própria doença.

Texto Jason Horowitz, do “The New York Times”

Tradução e infográfico Bruno Garattoni  

Design Luana Pillmann

AGOSTO 2023 super 41

SI_454_Homem-mais-velho.idml.indd 41 10/08/23 14:55

 C
O quarto
dele, que
mora com
a família,
tem brin-
quedos e
lembranças
da infância,
além de fo-
tos de seus
encontros
com três
papas (ao
lado, João
Paulo II).

Como muitos homens italianos de 20 e pou-

cos anos, que continuam morando na casa dos pais,
Sammy Basso sente uma certa vergonha das lem-
branças de infância espalhadas pelo seu quarto. Ele
tem um pôster do alfabeto, um adorado ursinho
de pelúcia, brinquedos antigos e uma coleção de
troféus que ganhou após uma sofrida bateria de
testes clínicos no Boston Children’s Hospital, aos
12 anos de idade. Também há velas votivas e, acima
delas, fotos que mostram Sammy conversando com
três papas – incluindo Francisco, que o procurou
quando ele estava na adolescência.
Com os pés balançando para fora da cama, ele
mostra uma medalha de honra que ganhou do pre-
sidente da Itália, e coloca um par de óculos grandões
que comprou em Roswell, Novo México [onde fica a
base militar americana conhecida como “Área 51”]. Lá
existe um museu dedicado à ufologia, onde Sammy
fez uma travessura: assustou uma mulher fingindo
ser um alien. “Eu me pareço um pouco com eles”, diz.
Mas Sammy, de 27 anos, está menos para um re-
presentante de civilizações avançadas, e mais para
um indivíduo em estágio de vida avançado. Com
1m34 de altura e 20 quilos, ele praticamente não tem
gordura sob a pele, fina como papel, e nenhum cabelo
na cabeça. Seu rosto é pequeno e enrugado, com um
nariz muito proeminente. Seus ossos são frágeis, as
juntas dos quadris estão sujeitas a dolorosos deslo-
camentos. O coração e as artérias estão obstruídos,
calcificados e enrijecidos como os de uma pessoa
com muitas décadas de idade a mais.
“Eu sou a pessoa com progeria mais velha do mun-
do”, diz ele, se referindo à Síndrome de Hutchin-
son-Gilford, ou progeria, uma doença extremamen-
te rara que afeta 1 em cada 18 milhões de pessoas.
A progeria, uma junção de termos gregos que significa
“prematuramente velho”, enfraquece a estrutura das
células, causando efeitos similares aos do envelhe-
cimento – inclusive no sistema cardiovascular, com
consequências fatais. Ao contrário do envelhecimento
natural, a síndrome poupa o cérebro, e não causa
senilidade. Algo que Sammy, com sua voz rouca e
delicada, brinca que pode ser considerado um milagre
“ou uma maldição”.

42 super AGOSTO 2023 Fotos Nadia Shira Cohen/The New York Times.

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 Sammy começou a
envelhecer rápido
– e logo já parecia
mais velho do que
os próprios pais.
Ninguém esperava que
ele sobrevivesse à infân-
cia. “Foi bem doloroso
para mim”, diz Sammy,
ao falar sobre quando
percebeu que tinha a
doença, e sua expecta-
tiva de vida seria dife-
rente. Um medicamento
revolucionário, aplicado
nos testes clínicos dos
quais Sammy partici-
pou, aumentou em pelo
menos 2,5 anos a ex-
pectativa de vida média
de quem tem progeria
– que, sem o remédio, é
de 14 anos. Isso deu aos
cientistas esperança de
uma eventual cura para
Sammy e a a doença, bem como pis-
mãe, Laura. tas importantes sobre a
A família
descobriu
senescência humana.
a doença “Se você pesquisar o en-
quando ele velhecimento prematuro,
tinha apenas vai entender melhor o
dois anos envelhecimento em si”,
de idade.
Os médicos
diz Sammy, que além
disseram de portador também é
que Laura pesquisador da doença:
deveria em 2021, ele completou
aproveitar o doutorado em biologia
cada mo-
mento com
molecular na Universi-
o filho – pois dade de Padova.
ele morreria Em poucos lugares o
ao entrar na envelhecimento é um as-
adolescência. sunto tão urgente quanto
na Itália, onde a idade mé-
dia da população, 47 anos,
está entre as mais altas
do mundo. A baixa taxa
de natalidade e a cres-
cente longevidade dos
italianos significam que,
no futuro, o país terá de
lidar com uma explosão
na quantidade de idosos
SI_454_Homem-mais-velho.idml.indd 43
e enfermos. A condição
de Sammy lhe dá uma
perspectiva única sobre
as durezas da velhice.
E de como é importante
que a Itália, nas palavras
dele, continue a “res-
peitar seus ancestrais”,
valorizando a sabedoria
deles, e entenda que “li-
mitações físicas não são
a coisa mais importante”.
O poder dessa men-
sagem e a vitalidade de
Sammy – seja no grupo de
teatro do qual participa,
em suas palestras no Ted
Talks e frequentes apari-
ções na TV e no rádio – fi-
zeram dele um dos princi-
pais ativistas pró-ciência e
pró-dignidade humana na
Itália. Na região do Vêne-
to, onde Sammy nasceu e
vive, multidões o cercam
nas ruas. Artistas fizeram
estátuas dele, e as autori-
dades o recrutaram como
porta-voz em campanhas
contra o coronavírus. Por-
que Sammy é alguém que
pode convencer todas as
pessoas: desde as mais
jovens, como ele, até as
mais idosas e vulnerá-
veis, também como ele, a
se vacinar. “Eu vivo essa
dualidade”, diz.
Seu corpo miúdo per-
sonifica experiências hu-
manas totalmente opos-
tas. Ele é um jovem que
parece velho, um adulto
que às vezes é tratado co-
mo criança. É cientista,
mas também um católico
AGOSTO 2023 super 43
10/08/23 14:55

devoto. Um paciente de
testes clínicos, e também
pesquisador. E um mo-
delo para as cerca de 130
pessoas no mundo, na
grande maioria crian-
ças, que têm a síndro-
me, segundo a Progeria
Research Foundation.
Sammy espera que sua
fama estimule essas pes-
soas a pedirem ajuda. “Eu
queria que elas aprendes-
sem, olhando para o meu
caso, que suas vidas são
importantes. Que elas po-
dem ser úteis ao mundo.”
Com frequência, ele
demonstra uma sabedoria
bem acima das pessoas da
sua idade. Mas passar um
dia com Sammy na casa
da família, em Tezze Sul
Brenta [cidade de 13 mil ha-
bitantes no norte da Itália, a
150 km de Bolonha], revela
que ele é acima de tudo
um cara divertido. Pon-
tua suas frases em (bom)
inglês e dialeto vêneto
com expressões em iídi-
che, como “oy-yoy-yoy”
[gíria israelense que signi-
fica “cruzes!”]. É o astro e
a inspiração do Sammy’s
Runners Club, grupo de
amigos e fãs que correm
maratonas para divulgar
a causa da progeria.
Ele sorri enquanto os
amigos, que o carregam
durante uma corrida, to-
mam uma lufada de vento
gelado. “Eu tô bem. Eles é
que estão correndo”, diz.
Em vários aspectos, é um
Em 2022, ele
concluiu o douto-
rado em biologia
molecular. Tema:
a cura da progeria.
44 super AGOSTO 2023
SI_454_Homem-mais-velho.idml.indd 44
típico italiano do Vêneto,
que brinca com os amigos
sobre seu apetite infini-
to e gosto por bebidas.
Quando os médicos em
Boston disseram que o vi-
nho tinto faria bem ao seu
coração, respondeu: “Ah,
então eu vou viver para
sempre”. Mas Sammy tri-
lhou um longo caminho
até conquistar essa leveza.
O
Os pais perceberam que
ele tinha algo diferente
logo após o nascimen-
to. Depois de fazer uma
série de testes invasivos,
um pediatra se lembrou
de uma foto que havia
visto num livro médico,
e disse que o menino
tinha progeria. Essa do-
ença acontece quando
uma determinada muta-
ção genética, que não é
hereditária, faz com que
o corpo produza grande
quantidade de uma pro-
teína, a progerina – cujo
nível também aumenta,
embora muito menos,
em pessoas idosas. Os
médicos disseram para
os pais aproveitarem ca-
da momento com Sammy,
porque ele provavelmen-
te não passaria dos 13
anos de idade.
“Nós ficamos arrasa-
dos”, conta a mãe, Laura
A doençA
Ela também é conhecida como Síndrome
de Hutchinson-Gilford, em homenagem
aos médicos ingleses que a descobriram,
no final do século 19.
1. A MUTAÇÃO
A progeria é causada por uma Lamina normal
S
mutação no gene LMNA, que
contém instruções para a
produção de proteínas chamadas
LLG C-OCH3
laminas. Essa alteração genética
costuma ser “espontânea”, ou
seja, ela simplesmente aparece Progerina
S
por um erro na duplicação celular
– e não é herdada dos pais. C-OCH3
2. A PROTEÍNA 3. A CONSEQUÊNCIA
Com a mutação, o corpo não O corpo normalmente produz
consegue produzir a lamina um pouco de progerina. Mas,
normal (que tem várias funções na pessoa que tem a síndrome,
críticas, como proteger o núcleo os níveis dela são muito mais
das células). Ele fabrica uma altos. Por razões ainda pouco
versão deformada dessa proteí- compreendidas, isso faz com que
na – que tem 50 aminoácidos a as células do organismo come-
menos, e se chama progerina. cem a envelhecer rapidamente.
4. OS EFEITOS
Surgem a partir dos 18 meses de vida. A criança cresce
menos do que o normal e adquire fisionomia típica, com
cabeça grande e queixo retraído. Diversos órgãos são afe-
tados, causando doenças características da velhice. A mor-
te costuma ocorrer por parada cardíaca, na adolescência.
5. OS TRATAMENTOS
A doença é muito rara: afeta 1 em cada 18 milhões de pessoas. Apesar
disso, as pesquisas têm avançado – e há três tratamentos no horizonte.
Lonafarnib
É um remédio que foi inventado para combater o câncer. Mas descobriu-se
que ele também retarda a formação de progerina – estendendo em 2,5 anos,
em média, a vida de quem tem a síndrome. Foi aprovado nos EUA em 2020,
e na Europa em 2022, para tratar a progeria.
Testes em ratos com progeria
Progerinina Sem o remédio Com o remédio
Primeira droga criada especifica- 1,2
Peso corporal (variação)
mente para tratar a síndrome. 1
Em ratos, conseguiu interromper 0,8
totalmente a formação da pro- 0,6
gerina – e estender a vida deles
por até 16 semanas, oito vezes
0,4
0,2 Morte
mais que o lonafarnib. Está em
0
testes clínicos em humanos.
32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 61 62
Idade (em semanas)
Edição genética Gene mutado
Cientistas americanos criaram
uma versão modificada de um ...CAGGTGGGT...CAG
vírus, o AAV9, e o injetaram em
Troca do aminoácido
ratos que tinham progeria. O vírus treonina (T) por cisteína (C)
carrega uma enzima que conse-
guiu reverter a mutação genética ...CAGGTGGGC...CAG
que causa a doença – e dobrou a
expectativa de vida das cobaias. Gene corrigido
Fontes The Mutant Form of Lamin A that Causes Hutchinson-Gilford Progeria Is a Biomarker of Cellular
Aging in Human Skin. D McClintock e outros, 2007. Molecular ageing in progeroid syndromes. H M Couti-
nho e outros, 2009. Progerinin, an optimized progerin-lamin A binding inhibitor. B Park e outros, 2021. In
vivo base editing rescues Hutchinson–Gilford progeria syndrome in mice. D Liu e outros, 2021.
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Ele demons- Lucchin, 53. “Você tem um filho de dois anos, tem
tra uma seus planos. E aí, não tem mais.” Mas embora Sammy
sabedoria envelhecesse rápido e logo já parecesse ter mais ida-
acima da
média das de do que os próprios pais, “ele nunca foi velho para
pessoas nós”, diz Laura. Era uma criança feliz, que raramente
da sua reclamava. Ela se lembra de um episódio, em que es-
idade. Mas tava chorando enquanto lavava a louça, e o menino
também é apareceu. “Mãe, me dá um sorriso.”
um típico
rapaz de 27 Laura sorri bastante para Sammy. Também coça
anos, que suas costas e o ajuda a calçar seus tênis New Balance
faz piadas e – com uma plataforma num dos pés, para ajudar a
gosta de ir equilibrar a postura. O pai lhe dá um beijo na cabeça
ao bar com quando chega do trabalho, numa fábrica de malhas.
os amigos.
A garotinha filha do vizinho entra correndo, pula nos
braços de Sammy e o enche de beijos. Ela é pequena
demais para perceber as diferenças de idade.
No ano 2000, Sammy encontrou outras pessoas
com progeria pela primeira vez, num evento em Wa-
shington. Foi bom ver gente como ele. Mas outra
coisa o impressionou tanto quanto: “Era a primeira
vez que eu via pessoas de outros países”, conta. Em
2007, aos 11 anos, ele voltou aos EUA para partici-
par dos testes de novos remédios. E teve uma crise
existencial. Achava que Deus tinha lhe dado a doença
por um motivo, e que “tentar curar a progeria seria ir
contra o plano divino”. Mas aí, conta ele, os cientistas
e a família o ajudaram a entender “que a ciência é um
presente de Deus”, um milagre “para ajudar os outros”.
Mais recentemente, Sammy enfrentou novas ad-
versidades. Em 2022, ele teve pneumonia e dores
Fotos Wikimedia Commons e Nadia Shira Cohen/The New York Times.
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nos quadris. Em 2019, fez uma cirurgia para reparar
a válvula aórtica [que regula a passagem de sangue entre
o coração e a artéria aorta]. Ele quis adiar a operação
até se formar na faculdade. “Não perdeu nem uma
prova sequer”, diz o pai, Amerigo, 56.
De lá para cá, Sammy continuou as pesquisas sobre
progeria, cuidou de sua ONG na Itália, e serviu como
porta-voz global para a Progeria Research Foundation.
“Ele busca formas de ajudar, porque tem isso no seu
coração”, diz a médica Leslie Gordon, cofundadora
da entidade, cujo filho também tinha progeria – o
rapaz, que era amigo de Sammy, morreu aos 17 anos,
em 2014. Leslie acompanha Sammy desde quando
ele tinha 3 anos. Ela o viu crescer e se tornar um
colega, com o qual pode conversar sobre medicina.
O principal assunto dos dois é a edição genética,
que estão ansiosos para testar em pacientes [em 2022,
Sammy completou o mestrado com uma tese sobre o uso
da técnica CRISPR no tratamento da progeria]. Eles acre-
ditam que isso poderá, eventualmente, reverter os
efeitos envelhecedores da doença em crianças. Mas
primeiro precisam conseguir financiamento para as
pesquisas. Numa era obcecada pelo envelhecimento,
com bilhões de dólares investidos em estudos sobre
longevidade, Sammy é uma voz poderosa para isso.
Assim que a corrida termina, ele deixa a pista acom-
panhado dos amigos e dos pais e vai para o pub local,
onde devora um hambúrguer enorme, com queijo,
bacon e ovo, e toma cerveja. Em certo momento, a
mãe fala para Sammy não engolir os remédios, que
incluem uma droga experimental, com a bebida – e
empurra um copo d’água na sua direção. Ele revira
os olhos e sorri. “Eu ainda estou descobrindo quem
eu sou, o que vou ser. Aprendi a lidar com a progeria
como bebê, criança, adolescente, e agora estou tentan-
do entender como viver com ela como adulto”, diz.
“Não sei se vou conseguir. Mas estou tentando.” S
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 HISTÓRIA

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 Texto Maria Clara Rossini Ilustração Matheus Santa Cruz Design Caroline Aranha Edição Alexandre Versignassi

Uma breve história DA

HIGIENE
PESSOAL Os povos mesopotâmicos usavam um graveto para escovar os dentes.
Os romanos conheciam o sabão, mas preferiam tomar banho com óleos.
E os egípcios chupavam balinhas para mascarar o mau hálito. Saiba o
que nossos antepassados faziam para ficarem limpinhos (ou nem tanto).

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 O O animal escolhido
dependia da preferência
de cada deus: ovelhas,
bois e porcos eram os
mais usados nos sacri-
fícios. Os rituais reli-
giosos romanos come-
çavam com a oferenda
de incensos e vinho, e
inspeção das entranhas
dos animais, antes que
eles fossem cobertos com
sal e trigo (1). Depois, os
bichos eram queimados,
dando fim ao ritual.
Supostamente, um dos
locais onde rolavam essas
oferendas era o topo de
uma montanha chamada
Monte Sapo. Reza a len-
da que os resíduos das
oferendas eram arrasta-
dos para um rio, na base
adoravam lavar suas rou-
pas ali, já que aquela água
deixava as vestimentas
magicamente limpas.
Os rituais romanos
existiram, mas o Monte
Sapo não – não há evi-
dências arqueológicas
ou qualquer menção ao
local nos registros ro-
manos. A lenda é usada
para justificar a desco-
berta e a etimologia do
sabão (sapo, em latim;
provavelmente um de-
rivado de sebum – sebo,
gordura). Mas a história
não é de todo inútil: é
bem possível que a hu-
manidade tenha desco-
higiênicas da substância ao redor de
uma fogueira. O registro mais antigo
de algo que lembre o sabão está dentro
de um cilindro de 4.800 anos, que
pertenceu à civilização suméria, da
Mesopotâmia (atual Iraque). Os es-
critos cuneiformes gravados no reci-
piente são traduzidos como “gordura
animal cozida com cinzas”.
Isso que é o sabão: um óleo ou gordu-
ra junto de um composto alcalino, como
a soda cáustica ou cinzas de madeira.
Essa reação química forma uma molé-
cula que tem uma ponta polar (se liga à
água), e uma apolar (se liga à gordura).
Ao lavar as roupas (ou qualquer outra
coisa), a parte apolar se junta à sujeira
e a polar gruda na água – que arrasta a
imundice para longe.
Os banhos e rituais de limpeza da
Mesopotâmia envolviam ingredientes
como cinza de plantas e óleos (2). Os re-
gistros não mencionam uma substância
única que possa ser identificada como
sabão – é provável que sua “receita”
tenha sido desenvolvida e aprimorada
do monte. Os romanos berto as propriedades com o tempo.

48 super agosto 2023 Referências (1) Artigo Roman Sacrifice, Inside and Out; (2) Artigo An Ancient Cleanser: Soap Production and Use in Antiquity.

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 As primeiras civili-
zações eram bem mais
asseadas do que você
imaginaria. Desde então,
a humanidade passou por
períodos cheirosos – e
outros mais fedidos. Mas
vale lembrar que, ao lon-
go da história, as práticas
de higiene se encaixaram
mais em uma preferência
pessoal do que em uma
norma coletiva (isso só
mudaria no século 20,
como veremos adiante).
Mesmo assim, é possível
identificar alguns pa-
drões culturais e pontos
de virada na história da
higiene pessoal.
Roma: tudo junto
e misturado
As casas de banho coleti-
vas da Grécia e da Roma
antigas estão entre os ce-
nários mais característi-
cos da época. Os banhos
gregos começaram no
século 5 a.C., e 200 anos
depois os estabelecimen-
tos se tornaram comuns
nas cidades romanas.
Antes de fazer parte
dos banhos, o sabão
era usado apenas
para lavar roupas e
até como pomada
para o cabelo.
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Essas civilizações não só davam grande
importância à limpeza pessoal como
também faziam dela um evento social.
Os cidadãos passavam horas conversan-
do, fazendo jogos, bebendo vinho ou
lendo nas bibliotecas disponíveis nas
Povos da casas de banho. A frequência variava,
Mesopotâ- mas alguns apareciam diariamente.
mia e Egito O curioso é que essas civilizações já
usavam o conheciam o sabão, mas a substância
graveto de
mastigar. não era usada nos banhos. Eles prefe-
Uma das riam se cobrir com óleos perfumados
pontas con- e então usar um instrumento de metal
tinha fibras chamado estrígil para raspar o excesso
de madeira da pele (o óleo é apolar, então não é
que geram
fricção com lavado pela água).
os dentes, O sabão em si era usado para outros
removendo fins. Lavar roupas era um deles, mas não
a placa só. O historiador romano Plínio, o Ve-
bacteriana. lho, escreveu que a substância também
era usada como pomada para cabelo,
mas nada de passar no corpo.
Se tomar banho em grupo já pare-
ce algo íntimo demais para os padrões
de hoje, imagine fazer o número 2 na
companhia de outras pessoas. As la-
trinas públicas romanas eram espaços
aonde os cidadãos iam para fazer suas
necessidades. Um ao lado do outro, sem
paredes, como um mictório para tarefas
mais “pesadas”. Os buracos em que as
pessoas defecavam eram tão próximos
quanto assentos de ônibus – e os visi-
tantes conversavam com tanta natura-
lidade quanto se estivessem em um. Os
dejetos eram levados pela água corrente
que passava embaixo dos assentos.
(Detalhe: os romanos não foram os
únicos a fazer cocô em comunhão. No
século 16, o rei Henrique VIII da Ingla-
terra construiu um edifício chamado
“Grande Casa do Alívio”, que compor-
tava 14 pessoas ao mesmo tempo.)
Para fazer a higiene bucal, Grécia e
Roma herdaram um objeto da Meso-
potâmia e do Egito: o graveto de mas-
tigar. Uma das pontas continha fibras
de madeira que geram fricção com os
dentes, removendo a placa bacteriana.
A outra extremidade era afiada e fun-
cionava como um palitão de dente. O
primeiro objeto do tipo data de 3.500
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 a.C., também cortesia dos sumérios – a
primeira civilização propriamente dita,
vale lembrar (veja mais na página 5).
Na Idade Média, acredi-
Limpar os dentes com um grave-
to pode parecer anti-higiênico, mas tava-se que as doenças
diferentes estudos mostram alguns
benefícios da prática. Em 1985, a Or-
ganização Mundial da Saúde avaliou
eram “absorvidas” pela
o uso de gravetos para higiene bucal
na África, onde o item é comum em pele – e que o melhor era
obstruí-la com sujeira.
algumas regiões (3). Além de “raspar”
os dentes (que ajuda remover a placa) a
análise verificou que muitas das plantas
utilizadas contêm fluoreto, composto
conhecido por prevenir cáries. Você en-
contra versões industrializadas desses
gravetos na Amazon americana, vendi-
dos como uma alternativa natureba às
escovas de dente.
Feita a digressão, voltemos ao passado.
A valorização da higiene pessoal dimi-
nuiu na Europa do século 4 em diante, à
medida que a cultura romana entrava em
decadência e o cristianismo se espalhava
pela Europa. Vejamos por quê. tinham o hábito de lavar
os genitais todos os dias.
Igreja e peste O islamismo já começou
A doutrina cristã deu origem a várias dando atenção à higiene
vertentes, mas é fato que, pelo menos oral (Maomé usou o gra-
no início da crença, seus seguidores veto para limpar os den-
não eram muito fãs do banho. O prin- tes até seus últimos dias
cípio do ascetismo (a ideia de renegar de vida).
os prazeres do corpo para atingir a as- A cultura asceta entrou
censão espiritual) estava em voga nu- em declínio com a evolu-
ma versão, digamos, raiz. E contribuiu ção do cristianismo (de
Os buracos
para a negligência da higiene pessoal. outra forma, os piolhos
em que as
Além disso, os banhos públicos não pessoas de Becket não teriam cha-
agradaram os primeiros cristãos, que defecavam mado a atenção). Mas não
associavam esses ambientes à perver- eram tão havia clima cultural para
são e à prostituição. próximos um retorno dos banhos
quanto os
A abdicação do corpo (e dos hábitos públicos, nem o hábito
assentos de
de higiene) passou a ser associada à san- ônibus – e de tomá-los em casa com
tidade, e logo a sujeira virou sinônimo os visitantes alguma frequência – os in-
de devoção. Quando o arcebispo britâ- conversa- vernos rigorosos (ausen-
nico Tomás Becket morreu, em 1170, vam com tes das terras originais dos
tanta na-
os monges que prepararam o corpo judeus e muçulmanos)
turalidade
observaram que suas roupas de baixo quanto se também não ajudavam.
estavam infestadas de piolhos. estivessem Nem as crendices. No sé-
O cristianismo é uma derivação do em um. culo 14, a peste bubônica
judaísmo; e sua doutrina deu origem à se espalhou pelo mundo
terceira grande religião monoteísta, o – e principalmente pela
islamismo. Curiosamente, nenhuma das Europa. Infelizmente, che-
outras duas é fã do ascetismo radical. garam à conclusão errada
Os judeus antigos tomavam banho
após atos considerados “impuros” e

50 super agosto 2023 Referências (3) The Chewing Stick in Oral Health Care; (4) Concepts of Cleanliness: Changing Attitudes in France since Middle Ages.

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 para combatê-la: que as doenças eram
“absorvidas” pelos poros da pele, e que
o melhor seria obstruí-los. Com sujeira.
Mais um banho de água fria na higiene.
Banho? Só se precisar
Dois banhos. Esse foi o máximo que o
rei Luís XIV, da França, tomou ao longo
da vida adulta. O primeiro foi em 1665,
aos 27 anos. Ele sofria de convulsões,
e seu médico recomendou um banho
terapêutico. Não aguentou, e o processo
foi interrompido. Luís XIV teve dores
de cabeça pelo resto do dia. Os médicos
tentaram novamente no ano seguinte,
mas sem sucesso.
O trauma foi suficiente para afastá-lo
da água pelos seus 49 anos seguintes.
Sua majestade não se atrevia nem a to-
mar uma ducha depois de acordar. Em
vez disso, servos secavam seu corpo to-
das as manhãs, já que o rei suava muito
durante a noite. Para ele, trocar a cami-
sa de linho que ficava colada ao corpo
(coisa que ele fazia quase todo dia) era o
equivalente a tomar um bom banho (4).
Luís XIV pode ser um caso extremo,
mas não está tão distante
dos hábitos de higiene
adotados por seus con-
temporâneos europeus.
No início do século 18,
os corredores do palácio
de Versalhes precisavam
ser limpos uma vez por se-
mana, já que muita gente
fazia suas necessidades
por lá mesmo.
Mesmo nos lugares
mais nobres, o saneamen-
to ainda deixava muito a
desejar. Penicos e cadeiras
higiênicas guardavam as
fezes e urina até que fos-
sem esvaziados. Em al-
guns locais havia também
fossas que acumulavam os
dejetos, o que tornava o
trabalho de esvaziamento
ainda mais insalubre. No
século 19, Henry Moule
inventou a privada seca,
usada até hoje em locais
que não têm sistema de
esgoto. Ela consiste ba-
sicamente em jogar terra
sobre as fezes, em vez de
serem levadas por um jato
de água.
A privada com descar-
ga, como conhecemos, foi
criada por um afilhado
da rainha Elizabeth I. Sir
John Harrington instalou
o equipamento no palácio
da madrinha em 1596, mas
ninguém deu bola para a
invenção. Além de ser
cara, o cheiro do esgoto
voltava pelo cano após a
descarga. Demorou 200
anos para que o artefa-
to se popularizasse. Em
1775, Alexander Cum-
ming criou um cano em
formato de S, que retinha
água (como se fosse um
tampão) e evitava que o
cheiro voltasse. Era o que
faltava para a ascensão da
privada entre o público.

Passado a limpo Conheça a origem de outros hábitos

de higiene pessoal ao redor do mundo.

Graveto sagrado Hálito dourado Tradição na cabeça

Segundo as escrituras islâ-
micas, Maomé higienizava
os dentes com miswak, um
graveto da planta Salvadora
persica. O profeta recomen-
dava o uso várias vezes ao dia:
antes de entrar na mesquita,
ao dormir e acordar, e antes
de entrar na casa de alguém.
Muitos fiéis ainda utilizam
o instrumento.
Em 2.700 a.C., a medicina A palavra shampoo (ou “xam-
chinesa inaugurou o uso de pu”, em português) vem do
enxaguante bucal. Para tra- hindi champu, que significa
tar doenças da gengiva, os massagear ou fazer pressão.
médicos recomendavam… Desde 1.500 a.C. a Civilização do
xixi de bebê. Isso: além do Vale do Indo usa uma mistura
suposto efeito terapêutico, de acácia, hibisco, groselha e
acreditava-se que a urina outras frutas para lavar o couro
branqueava os dentes. Tam- cabeludo. O viajante e empre-
bém há referências à prática sário indiano Dean Mahomed
em escritos romanos (1). introduziu a prática na Europa.

Fonte (1) The history of oral hygiene products: how far have we come in 6000 years?

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 8,5
Por falar nele: e o cheiro? Se pegar o
metrô lotado no final do expediente já
pode ser uma experiência traumatizante
para seu nariz, imagine conviver com
pessoas que passavam anos sem tomar
banho. Foi o que Peter Ward, autor do
livro Clean Body, perguntou ao seu avô,
que tomava um banho a cada seis me-
ses. “Não tínhamos as facilidades que
vocês têm hoje”, ele respondeu. “Prova-
velmente a gente cheirava muito mal,

BANHOS
mas eu nunca percebi.”
É aquilo: onde todo mundo fede, nin-
guém fede. Da mesma forma que nos
acostumamos com o cheiro da nossa É o que o
casa, cachorro e do próprio corpo, o
cheiro padrão da época era apenas um brasileiro toma
pano de fundo para outros aromas. É
provável que nós, do século 21, notás- por semana,
semos o odor corporal – mas os narizes
da época já estavam acostumados. em média. Já a privada e o sistema
de esgoto são europeus,
É claro que isso não era desculpa mas limpar-se com papel
para negligenciar o próprio cheiro. As higiênico é da China. Os
pessoas mascaravam o odor com per- chineses também inven-
fumes para o corpo e misturas de er- que atracaram na Amé- taram a primeira escova
vas para a boca – algo que vinha sendo rica), mas eles também de dentes, que era feita
feito desde a antiguidade (os egípcios, se depilavam. O uso da com pelo de porco.
por exemplo, chupavam uma espécie língua e escama de pira- No século 20, os hábi-
de balinha de menta, e já usavam uma rucu eram alguns desses tos de higiene deixaram
pasta aromática para limpar os dentes). métodos. Povos de hoje do de ser culturais e indivi-
Vale ressaltar que essa é uma história Alto Xingu, por exemplo, dualizados para se torna-
da perspectiva europeia, e não repre- usam cera de abelha para rem o que conhecemos
senta os hábitos de todas as culturas da remover os pelos. hoje: uma espécie de nor-
época – muito pelo contrário. É hora de Isso sem contar os ma social. A padronização
atravessar o oceano e falar de quem es- óleos de plantas (como de métodos e costumes
tava em terras brasileiras antes de 1500. andiroba) que passavam de higiene pessoal pelo
nos cabelos e corpo após mundo começou graças a
Outros ares seus banhos diários. Cada (provavelmente) o maior
Pero Vaz de Caminha se enganou população tinha (e ainda avanço da biologia: a des-
quando disse que os indígenas eram tem) maneiras próprias de coberta dos micróbios.
“naturalmente” sem pelos. Na carta en- praticar hábitos de higiene.
viada ao rei Dom Manoel, de Portugal, Atualmente, nossa hi- A higiene cosmética
Caminha escreve que as mulheres na- giene pessoal é um bem A aversão dos europeus
tivas andavam nuas, sem nenhum fio bolado de influências cul- à higiene pessoal só se
lá embaixo. A conclusão óbvia foi que turais. O hábito de tomar dissolveu com o desen-
elas nasciam dessa forma – uma ideia banho todos os dias (e volvimento da teoria dos
sem sentido que acabou se perpetuando mais de uma vez ao dia) germes. Em 1882, Robert
pelos séculos seguintes. arraigou-se no Brasil por Koch formalizou o que
Nem passou por sua mente que talvez influência indígena – de aprendemos no ensino
as indígenas usassem métodos de extra- acordo com uma pesquisa fundamental: microrga-
ção de pelos do corpo. A população na- encomendada pela P&G, nismos causam doenças.
tiva de fato tem uma tendência genética tomamos 8,5 banhos por Até então, a teoria mais
a produzir menos fios (principalmente semana, em média, con- aceita defendia que as
se comparado aos europeus barbudos tra 6,5 dos americanos. enfer m id a de s er a m

52 super agosto 2023 Referências (5) Pesquisa da GFK feita em 22 países, em 2016.

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 causadas pelo mau cheiro, os “miasmas”.
Faz algum sentido, dado que os pató-
genos muitas vezes estão associados a
sujeira e falta de higiene. O problema é
que não adianta mascará-los com per-
fume, como era feito na época. em larga escala do sham-
O sabão consegue eliminar essas poo – até o século 20, o
criaturas microscópicas, da mesma produto era uma espécie
forma que falamos lá no início do de sabão líquido.
texto. O médico húngaro Ignaz Sem- Quando os As marcas também se
melweis (1818-1865) constatou a im- europeus aproveitaram da teoria
chegaram
portância do sabão antes mesmo da ao território dos germes. A americana
teoria dos germes: ele era residente- brasileiro, Listerine, criada em 1880,
chefe de uma maternidade, e percebeu os povos só ganhou notoriedade
que uma das alas do hospital chegava indígenas já no século seguinte. O
a ter o triplo de mortes maternas em cultivavam enxaguante bucal pas-
o cuidado
comparação à outra. pessoal: sou a ser vendido como
O problema é que os médicos des- usavam uma maneira instantânea
sa primeira ala mexiam com cadáveres língua de pi- de matar os micróbios da
antes de fazerem os partos – e transmi- rarucu para boca e ainda popularizou
tiam os patógenos dos corpos mortos depilação o termo “halitose”, dando
e óleos de
para os vivos. Em um estudo experi- plantas para uma noção de gravidade
mental, Semmelweis pediu para que hidratar o ao mau hálito.
os médicos passassem a lavar as mãos cabelo. Mas a coisa só se
com sabão antes do procedimento. Isso expandiu para o resto
reduziu o número de mortes de 12,24% do mundo após a Se-
para 3,04% em alguns meses. gunda Guerra Mundial.
A descoberta dos germes foi um O American Way of Life
marco. Quem já tomava banho conti- propagandeado duran-
nuou com o hábito; quem não tomava te a Guerra Fria vinha
se afeiçoou à ideia. Ao longo do século acompanhado de pastas
20, a indústria notou um mercado em de dente, sabonetes, lo-
ascensão – não só na produção de sabo- ções para pele, produtos
netes, mas em todo o ramo de higiene para cabelo, desodoran-
pessoal. Foi no início do século que a tes, cremes de barbear
P&G (fundada em 1837) expandiu sua etc. Embora ainda exis-
produção para diferentes estados ameri- tam diferenças cultu-
canos, devido ao aumento da demanda. rais e locais, a indústria
Em 1927, Hans Schwarzkopf criou a de higiene padronizou
fórmula atual e possibilitou a produção esses hábitos.
Hoje, a higiene pes-
soal é quase sinônimo
de produtos cosméticos.
Atualmente, as mulhe-
res passam em média
cinco horas por semana
limpando e cuidando
do corpo, enquanto os
homens dedicam três
horas à tarefa (5). Parece
que voltamos às raízes
romanas – desta vez, com
a privacidade de usar um
chuveiro em casa. S

Fontes: Livro Clean: the history of personal hygiene, The Clean Body: A Modern History, The Dirt on Clean
e Em Casa: Uma Breve História da Vida Doméstica. agosto 2023 super 53

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 gastronomia

versão original:
O guia dos

pratos típicos
Nosso país tem algumas receitas estrangeiras de
estimação. Algumas foram abrasileiradas até se
tornarem irreconhecíveis – outras preservam bem
a identidade original. Veja cinco desses favoritos,
e aprenda a preparar as versões autênticas.

Texto Bruno Vaiano & Leonardo Caparroz & Rafael Battaglia 

Design Luana Pillmann Ilustração João Montanaro
Edição Alexandre Versignassi

54 super agosto 2023

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e sfiha
pães achatados são
consumidos há milha-
res de anos no Levante,
a porção noroeste do
Oriente Médio (safīha, em
árabe, significa “folha” ou
“placa fina”). Cada povo
desenvolveu um modo de
produzi-los, como o ta-
nur (um forno cilíndrico;
os pães assam colados à
para
fazer
em casa
*Em geral, pimenta-do-reino, pimenta-da-jamaica, coentro, canela, cominho, noz moscada e cravo. **”Bom apetite”, em árabe.
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para o almoço, carne.
Não à toa, as esfihas são
comumente chamadas
por lá de lahm b’ajin (ou
apenas lahmajin) – “carne
parede, na vertical). com massa”, em árabe.
Na Idade Média, a po- Há um sem-fim de
pularização do furn (um recheios e formatos. No
grande forno a lenha) Líbano, existem versões
permitiu que os pães com massa folhada. Ba-
pudessem ser recheados tata, espinafre e escarola
ou cobertos. Para o café também estão entre os
da manhã, era comum sabores mais comuns. Na
salpicar a massa com Síria, costuma-se colocar
queijo ou zaatar (uma pinoli; na Turquia, uma
mistura de temperos); pasta feita com pimentões
Ingredientes & Preparo
500 g de farinha de trigo tipo 1;
1
Junte a farinha, o sal e o
açúcar. Adicione o óleo aos
250 ml de água; poucos e vá mexendo. Faça o
1/2 colher de chá de sal; mesmo com a água.
1/2 colher de sopa de açúcar;
2
Sove a massa até ficar homo-
1/2 xícara de chá de óleo; gênea e desgrudar da mão.
500 g de carne moída (se Se precisar, adicione farinha e
puder, peça ao açougueiro água para acertar a consistên-
cia. Deixe descansar por 1h.
para moê-la duas vezes);
1 cebola média, picada;
De 2 a 4 tomates médios,
picados (e sem sementes);
Baharat, mix libanês de sete
3 Enquanto isso, hora de fazer
o recheio. Junte a carne, o
tomate, a cebola e o mix de
temperos. Experimente cru e
ajuste o sal. Coloque a carne
temperos*;
em uma peneira ou num escor-
Sal a gosto. redor de macarrão por 1h.
vermelhos. E o que nós
chamamos de “esfiha fe-
Entre 1884 e
chada”, não é bem uma
1933, o Brasil esfiha. No Oriente Médio,
recebeu 130 o nome da coisa é fatayer
mil sírios e
libaneses
e costuma vir com carne,
fugindo da espinafre ou queijo feta.
opressão A receita abaixo foi
otomana (65%
cristãos). elaborada com a aju-
Hoje, há 11,6 da do libanês Ahmad
milhões de Mehri, dono do restau-
árabes e
descendentes rante Syria, em São Paulo.
aqui. Experimente – e sinta-se
livre para moldar a massa
e modificar o recheio à
sua maneira.
4
Para abrir a massa, jogue
um pouco de farinha sobre a
dica!
mesa e faça bolas (cada uma
dará origem a uma esfiha).
Na hora de abri-las, deixe-as
bem finas.
Você pode criar um
5
Ponha a carne crua nos discos blend com 60% de
de massa e espalhe bem. Não carne bovina e 40% de
exagere – o lance aqui é criar carne de cordeiro (pa-
um disco fino, tanto de massa
leta ou pernil moído).
como de recheio. Mais gordurosa, ela é
um recheio tradicional
6 Leve ao forno pré-aquecido no
talo. O ideal é um modelo com
grelhas em cima e embaixo.
no Líbano. Quanto ao
baharat, ele é como o
curry indiano: não há
Quando as esfihas estiverem uma receita única.
douradas, está pronto.
Sahtein**.
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yakissoba
os eua ocuparam a ilha
de Okinawa do final da 2ª
Guerra até 1972. Após o
conflito, os militares for-
neceram à população fa-
minta seus suprimentos:
salsicha, ketchup, legumes
em conserva, macarrão e
Spam – uma carne de por-
co enlatada. Os japoneses
misturaram tudo na fri-
gideira e voilà: nasceu o
yakissoba de Okinawa.
Essa é a versão extrema
do yakissoba, que surgiu
como improviso na 2ª
Guerra. O nome significa
“macarrão de soba frito”
(“soba” é trigo-sarraceno
em japonês). Até o século
20, carboidrato, no Japão,
era só arroz. Macarrão
era na China. Mas o ra-
cionamento de arroz fez
o consumo de trigo au-
mentar de 1,1 bilhão para
3,6 bilhões de kg anuais
entre 1934 e 1955, e ca-
talisou o surgimento de
lámens e yakissobas. A
primeira encarnação do
que um brasileiro reco-
nheceria como yakissoba
surgiu na mão de chine-
ses na Califórnia na virada
dos séculos 19 e 20, que
criaram o chop suey, um
macarrão frito com carne
Alguns
e vegetais. Eles faziam
restaurantes adaptações das receitas
chineses da província de Cantão –
não usam a
palavra em ja-
que abriga só uma dentre
ponês: em vez as oito grandes tradições
disso, cha- culinárias da China. A
mam o prato
de macarrão comida chinesa do Bra-
chop suey. sil lembra esse crossover
cantonês-americano. Mas
, como o nome do prato é
japonês, segue abaixo uma
receita do Japão mesmo.

Ingredientes & Preparo

para 400 g de macarrão soba (massa do leste asiáti-

co feita com trigo-sarraceno, dá para encontrar
1
Ferva água e cozinhe o macarrão. Deixe o
ponto al dente – ele precisa ficar durinho

fazer
em mercados comuns. São 100 g por pessoa,
aproximadamente);
1 cebola;
para acabar de cozinhar no molho, quando for
para a frigideira. Adicione um pouco de óleo e
misture para o macarrão não grudar. dica!
em casa 1 cenoura em rodelas; A barriga de porco é

2
Em uma frigideira grande, frite a barriga de
porco. Quando as fatias estiverem pegando só uma opção comum
Repolho (vai no olhômetro); no Japão. Mas você
cor, adicione a cebola, o repolho e a cenouras
200 g de barriga de porco fatiada fina; (pré-cozidas para ficarem molinhas). Adicione pode adicionar quais-
um pouco de óleo caso a gordura da barriga quer proteínas: carne
Molho usuta sosu (versão japonesa do mo- de boi, de frango e até
lho inglês, espessa e adocicada. Às vezes é de porco não seja suficiente.
cogumelos shitake
vendido só como “molho para yakissoba”);
ou shimeji – essa é

3
Aonori (alga em pó) para salpicar; Adicione o macarrão, o molho e misture uma comida de rua,
tudo agitando a frigideira. Deixe o macarrão preparada de maneira
Beni shōga (picles de gengibre) em tiras acabar de cozinhar no molho, e ajuste o sal se diferente em cada
para decorar; necessário (o molho já é salgado). Salpique a barraquinha.
Sal a gosto. alga e o picles de gengibre ao servir.

Consultamos livro Cozinha Japonesa Moderna: comida, poder e identidade nacional, de Katarzyna K. Cwiertka.
56 super agosto 2023

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comida mexicana
O que o brasil entende
por comida mexicana –
seja o fast-food do Taco
Bell, seja a de um restau-
rante mais caprichado –
é um crossover chamado
Tex-Mex, que nasceu em
território americano nas
mãos de texanos de ascen-
dência hispânica. A comi-
da mexicana tradicional
para
fazer
em casa
Consultamos canal do YouTube Jauja Cocina Mexicana, livro 500 Mexican dishes, de Judith Fertig.
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não tem tanta carne mo-
ída ou queijos como che-
ddar. Prefere tortilhas de
milho moles, carne de
porco, cebola, limão, co-
entro e queijo branco.
Fajitas? São Tex-Mex.
Nachos? Tex-Mex. Bur-
ritos? Aqui é uma zona
cinzenta: eles não são
comuns no México, mas
Ingredientes & Preparo (Chilaquiles)
Tortillas (pães mexicanos
achatados, dá para
1
comprá-los prontos);
7 a 8 tomates;
1 cebola;
2
2 pimentas guajillo secas e
sem sementes;
4 a 5 pimentas serrano;
2 dentes de alho;
Sal, orégano e pimenta do 3 As tortillas já devem estar
reino conforme necessário.
fazem parte da culinária
local, principalmente no
norte do país. Ou seja:
são guarda compartilha-
da. Outros pratos, como
enchiladas e tacos, são
tradicionalmente mexi-
canos, mas têm versões
americanizadas. Contu-
do, resumir a culinária
mexicana a eles é como
falar que o brasileiro
vive de feijoada. Entre
doces e ensopados me-
nos conhecidos, o Mé-
xico guarda uma receita
Ferva água em uma panela.
Como as pimentas serrano
4
demoram para cozinhar, dê
prioridade a elas. Adicione
os tomates sem talo, as
outras pimentas, cebola e
alho. Cozinhe até os tomates
5
amolecerem.
Em um liquidificador, bata tudo
com um pouco da água do
cozimento. O molho deve ficar
homogêneo e líquido, mas não
aguado. Ajuste orégano e sal.
cortadas em triângulos do
tamanho de nachos. Passe na
6 e crema, um molho feito com
frigideira ou toste no forno
rapidamente.
coringa intocada pelo
Tex-Mex que é fácil de
reproduzir em casa.
Os chilaquiles são um
A guacamole
é tão antiga típico café da manhã ou
quanto a lanchinho da madruga-
colonização
da América:
da após um goró. O mo-
o primeiro lho, que é a parte mais
registro da complicada de se fazer,
receita é do
naturalista
pode ser armazenado
William Dam- em grandes quantida-
pier em 1697. des e usado depois. Ele
é geralmente feito com
tortilhas amanhecidas –
como um brasileiro rea-
proveitando pão francês.
Adicione óleo a uma frigideira.
Coloque o molho e se prepare
para respingos. Diminua o fogo
e deixe-o cozinhar até escure-
cer e engrossar um pouco. dica!
Chilaquiles são
Coloque as tortilhas já tostadas um prato versátil:
na panela, mexa rapidamente acompanham ovo frito,
e tire do fogo. Sirva rápido para abacate e até frijoles
que elas não amoleçam como refritos: pegue feijões
cereal no leite.
prontos e faça uma
pasta. Não precisa
Complete com queijo branco virar purê, grãos são
um copo de leite, uma colher
de leitelho ou de creme azedo
– é possível trocá-los por
bem-vindos. Então
doure alho e cebola
no óleo e frite o tutu,
além de temperá-lo
iogurte –, uma colher de suco
de limão e sal. como preferir.
agosto 2023 super 57
10/08/23 18:45

e strogonofe
No reinado de Pedro,
o Grande, entre 1696 e
1725, começou um caso
de amor da elite russa
com a cultura e culinária
francesas. Para os pobres,
porém, a coisa continu-
ava… russa. “Uma dieta
de pão, mingau e sopa,
suplementada pelo que
conseguissem coletar na
natureza”, escreve a histo-
riadora Darra Goldstein.
“Camponeses que tinham
vacas comiam uma va-
riedade de laticínios (...)
como smetana, ou creme
azedo.” O mingau, feito
com trigo-sarraceno, não
tinha sabor adocicado: o
normal era temperá-lo
com cebola e cogumelos
selvagens. O estrogonofe dos cogumelos em vez de
nasceu na encruzilhada cenouras ou outros ve-
desses hábitos. Golds- getais comuns em guisa-
Sentiu falta do
tein o define como uma ketchup? Ele dos. O normal é servi-lo
versão de guisado de só entrou no com purê de batata e, às
rolo quando o
carne – que chegou da prato chegou
vezes, picles.
França com o nome de com imigran- Afirma-se que o prato
ragôut. No Brasil, é “pica- tes aos EUA, foi criado pelo cozinhei-
no séc. 20. Ele
dinho” mesmo. Flambar provavel-
ro francês Charles Briere,
o filé com conhaque e mente veio um funcionário da famí-
temperá-lo com mostar- ao Brasil com lia aristocrática dos Stro-
escala em
da denunciam a origem Nova York. ganov – daí o nome. Ele
francesa. Já a cara russa aparece em livros desde
fica por conta do creme 1871, pelo menos. Aqui
azedo (não é creme de vai uma versão próxima
leite, originalmente) e dos hábitos russos.

Ingredientes & Preparo

para 500 g de filé mignon em tiras;

1
Refogue a cebola (em anéis) com manteiga.
Depois, adicione os cogumelos com sal e pi-

fazer
250 g de cogumelos frescos (no Brasil, é fácil menta e dê uma fritadinha. Tampe a frigideira

dica!
encontrar o portobello ou o paris); até os cogumelos amolecerem ligeiramente e
soltarem um caldo saboroso. Reserve.
1 shot (60 ml) de conhaque;

em casa 1 xícara de creme azedo;

1 ou 2 colheres (conforme preferir) de mostar-

2
Refogue a carne já temperada com sal e
pimenta. Pré-aqueça a frigideira e não fique
mexendo as tiras: espere elas ficarem com
regiões marrom-escuro e se descolarem do
Não encontrou creme
azedo para comprar?
Normal. Iogurte natural
da. Prefira as “rústicas”, com grãos;
fundo. Só depois é hora de virar. O queimadi- com um pouquinho de
nho na panela é parte da receita. limão ou iogurte grego
½ xícara de caldo de carne;
sem açúcar são bons
substitutos.

3
1 cebola roxa; Adicione o conhaque – e flambe se souber a
técnica. Ponha de volta os cogumelos e as
Manteiga ou óleo para refogar; cebolas. Adicione a mostarda e o caldo de
carne. Misture o creme azedo e ajuste o sal.
Sal e pimenta do reino conforme necessário. Sirva com purê de batatas e picles.

O estrogonofe da Super é baseado no do blog e canal do YouTube Vikalinka, que tem muitas receitas russas. Vale checar!
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pizza
discos finos com cober-
tura são uma ideia antiga.
Vide a esfiha, na pág. 55.
Na Antiguidade, falantes
de grego e hebraico já usa-
vam a palavra pita para se
referir a pães achatados.
Mas pizza, mesmo, só foi
possível com o tomate,
que veio das Américas.
para
fazer
em casa
Consultamos livro Cozinha Bruta, de Marcos Nogueira; José Luiz Sanches de Souza e Luiz Fernando Macian da pizzaria Mercutio em São Paulo (SP).
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A versão moderna surgiu
em Nápoles, do século 18
para o 19. Na Itália, a co-
bertura é mais escassa que
no Brasil, quase salpicada,
com o molho à mostra.
Além de mussarela de bú-
fala, mussarela fior de lat-
te e manjericão, podem ir
presunto cru, anchovas ou
Ingredientes & Preparo
500 g de farinha 00 (contém
pouco glúten e deixa a massa
mais leve);
1 Junte a água e o fermento.
0,5 g ou ½ colher de fermen-
to biológico seco;
2 colheres de chá de sal;
2
300 ml de água;
Tomates pelados amassados
com as mãos;
1 dente de alho;
Azeite de oliva extravirgem;
3 6
1 pitada de orégano;
Manjericão a gosto (a recei-
ta da AVPN, porém, diz que
não pode).
cogumelos. Farinhas de
boa qualidade geram uma
massa mais fofa, elástica
e com bordas altas, dife-
rente das nossas, que são
baixas e densas. Existe a
pizza romana (quadrada,
grossa e crocante), a pizza
al taglio, vendida por pe-
so, a pizza siciliana (alta e
fofa, lembra Pizza Hut). E
claro, a pizza napolitana.
Desde 2017, ela é pa-
trimônio da humanida-
de segundo a Unesco.
Depois, metade da farinha.
4
Misture com a mão (uma
5
batedeira pode não aguentar
a consistência). Depois,
adicione a outra metade da
farinha e o sal. Sove mais até
parar de grudar.
Deixe descansar, fora da
geladeira e coberta, por 2 horas,
até dobrar de tamanho. Depois,
divida em duas bolas (duas
pizzas) e ponha na geladeira.
Há 112 mil
pizzarias no
Brasil; 26 mil
delas em São
Paulo. São 5
milhões de
pizzas por dia;
cinco pedidos
por segundo
Menos de 0,1%
seguem a nor-
ma da AVPN.
Espalhe farinha na bancada e
abra as bolas de massa pres-
sionando o centro da esfera de
dentro para fora. A espessura
“oficial” não passa de 0,25 cm,
com bordas de 1 a 2 cm.
Agora é a vez do recheio. Para
uma marinara, espalhe os
tomates pelados, salpique o
orégano e o alho em fatias finas
e, por último, despeje o azeite.
Uma autêntica pizza
napolitana deve ser assada a
485 °C, girando para assá-la
igualmente. O tempo de cozi-
mento varia entre 60 a 90 s.
A Associazione Verace
Pizza Napoletana (AVPN)
regula o que pode ser cha-
mado de pizza de verdade.
Segundo a AVPN, pi-
zza só existe em dois ti-
pos: marinara (molho de
tomate, óleo, orégano e
alho) ou marguerita (to-
mate, óleo, mussarela de
búfala, parmesão ralado
e manjericão). Abaixo,
ensinamos uma mari-
nara adaptada para a
realidade amadora.
dica!
Na falta de forno a lenha,
aqueça uma frigideira e
coloque só a massa com o
molho. Quando ela crescer
e o molho secar um
pouco, ponha a cobertura,
deixe por alguns minutos
e então passe para o forno
(pré-aquecido no talo).
Para o chamuscado de um
forno a lenha, use, com
cuidado, um maçarico.
agosto 2023 super 59
10/08/23 18:45
 oráculo ilustrações Amanda dias design Cristielle luise
1,5
milhão de cirurgias
plásticas nas pálpebras e
sobrancelhas são realizadas
no mundo por ano. 1

É normal
Somos todos quadros de Picasso. O
padrão é ter pequenas assimetrias no
rosto – raro mesmo é quem tem as duas
metades idênticas. Acontece que a maioria
nota mais essas desproporções ao se olhar

ter um olho
no espelho ou em fotos, e ignora as de
outras pessoas. Uma pesquisa publicada
no Aesthetic Surgery Journal (“Periódico de
Cirurgia Estética”) mostrou que assimetrias
nas pálpebras são as mais perceptíveis –
uma mínima diferença nesse traço pode

mais caído
ser bem incômoda esteticamente. As pró-
ximas posições do ranking são ocupadas
por imperfeições nos cantos da boca, nas
sobrancelhas e desvios nas pontas do nariz
e do queixo. Essas variações têm origem

que o outro?
tanto no DNA como no envelhecimento
e no estilo de vida. Por exemplo: um es-
tudo feito com irmãos gêmeos relacionou
o tabagismo a maiores índices de ptose (o
nome técnico para uma pálpebra caída). 2
@solrac_hayd, via Instagram

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 Edição Bruno Vaiano

Existe algum outro grão que se

torra e prepara como café?
@jv.calderaro, via Instagram

Sim, e o principal é a cevada. A matéria-prima da cerveja é a base do caffè d’orzo

(“café de cevada”), uma bebida italiana com gosto similar ao do café, mas sem
cafeína. O orzo costuma ser feito em máquinas de espresso ou na orziera, uma
cafeteira italiana com filtro específico para o cereal. Na Europa, a cevada é uma
alternativa barata ao café – que não cresce no Velho Continente –, e se popularizou
na 2ª Guerra, quando a commodity rareou. Algumas das receitas, vale dizer, acres-
centavam raiz de chicória torrada à cevada. Também se usava só chicória, mesmo – a
bebida feita com a planta, até hoje, é uma iguaria da cidade de Nova Orleans, nos
EUA. Nós também temos nossos improvisos: no Pará, dá para encontrar o café
de açaí, feito a partir dos caroços torrados (e moídos) da fruta. A bebida é mais
clara – e, assim como os outros substitutos, não tem cafeína.

Dá para fazer um avião a energia Vi um prédio em Bologna, na Itália, em

pá pum solar que não precisa parar para que você fala com uma parede, e uma
reabastecer? pessoa a dezenas de metros de distân-
@ton.welli, via Instagram cia ouve sua voz sair de outra parede.
Como isso é possível?
Dá e já foi feito com o avião Solar @polivalda, via Instagram
Afinal, a ozoniote- Impulse II, em 2016. Por 14 meses,
rapia funciona? os suíços Bertrand Piccard e André Essa igreja em Bologna não é incomum: há
Gabriel Dias Borschberg se revezaram no manche dezenas de edifícios mundo afora em que acon-
Barreto, para dar uma volta ao mundo com a tece a mesma coisa, e eles são conhecidos pelos
via e-mail aeronave. Precisaram de 17 paradas físicos como whispering galleries (galerias dos
(para suprimentos, não abastecimen- sussurros). Via de regra, são locais arredondados,
Não. 3 to) e 558 horas no ar. O veículo tem às vezes cobertos com abóbadas ou cúpulas
72 m de envergadura – mais do que – como a Catedral de São Paulo, em Londres,
número incrível um Boeing 747 –, e as 17.248 células onde o fenômeno foi descrito pela primeira

253
fotovoltaicas distribuídas em suas vez em 1878. Normalmente, uma onda sonora
asas são pesadas: o dito-cujo tem perde intensidade seguindo a lei do inverso do
2.300 kg, quatro vezes mais que quadrado da distância. Ou seja: a 2 m da boca
um monomotor. O Solar Impulse II do emissor, ela tem 1/4 da intensidade original.
mil kg. Foi a maior atinge, no máximo, 90 km/h, contra A 3 m, 1/9. A 4 m, 1/16. Em uma sala redonda,
carga já levada por os 900 km/h de um jato. Nesse ritmo, por razões que não cabe explicar aqui, ela ganha
um avião, o Antonov o trecho entre Nova York, nos EUA, uma ajudinha das paredes e perde só o inverso
An-225. e Sevilha, na Espanha, demorou 71 da distância – metade, um terço, um quarto etc.
horas. Por ora, portanto, a tecnologia para cada metro percorrido. Isso significa que ela
OUTRO DADO é inviável para uso comercial. chega bem mais forte do outro lado. 5
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO

25,3
Como funcionam os Eles disparam um míssil capaz de atingir o foguete em pleno voo. Cada
sistemas automáticos unidade do Domo de Ferro – o nome do sistema israelense – contém 20
que protegem de mísseis, capazes de destruir foguetes passando a até 70 km de distância.
ataques com foguetes, Essas unidades têm três peças básicas. A primeira é um radar. A segunda,
mil servidores públicos que nem em Israel? um computador que calcula a trajetória futura dos projéteis e determina
ganham acima do teto @gabryelamcosta, se vão cair em áreas habitadas. A terceira é a plataforma de lançamento
(R$ 41,6 mil mensais). 4 via Instagram em si. O Domo bloqueia até 90% dos ataques, mas seus mísseis destroem
apenas foguetes rudimentares. Armas mais rápidas, como mísseis balís-
ticos intercontinentais (ICBMs), exigem outras tecnologias. 6
Reportagem Bruno Vaiano, Leonardo Caparroz, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes Livro Ophthalmic plastic surgery of the upper face: eyelid ptosis, dermatochalasis,
and eyebrow ptosis; Artigo “Discriminative thresholds in facial asymmetry: a review of the literature”; artigo “Factors contributing to facial asymmetry in identical twins”; Anvisa;
Centro de Liderança Pública (CLP); Artigo “How To Whisper Louder Than You Can Shout”, no site Only Physics; Texto “How Israel’s Iron Dome missile shield works”, da BBC. agosto 2023 super 61

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 oráculo

Todos os seres vivos têm um

sistema imunológico?
Renato Antoniassi, via e-mail

Existem dois tipos de imunidade: a inata e a adaptativa. A inata são os mecanis-

mos de proteção genéricos, que não distinguem entre patógenos. Já a adaptativa,
o próprio nome já diz, consiste em defesas que se adaptam a cada invasor (em
seres humanos, por exemplo, os trechos de DNA que contêm as receitas para
fabricar anticorpos são diferentes em cada glóbulo branco, para garantir que haja
células especializadas em várias ameaças). Acredita-se que todo ser vivo tenha
alguma forma de imunidade inata. Já a adaptativa, historicamente, é considerada
exclusividade dos animais vertebrados. Trabalhos recentes, porém, questionam
se algumas espécies sem coluna vertebral ou crânio têm recursos que poderiam
ser considerados adaptativos. As bactérias e arqueas, por exemplo, possuem um
sistema conhecido pela sigla em inglês Crispr que recorta pedacinhos de material
genético dos vírus e plasmídeos que as infectam, e arquiva essas sequências em
seu próprio DNA. Essa memória, além de permitir que a bactéria identifique o
invasor da próxima vez que ficar doente, acaba herdada por seus descendentes – o
que transforma o próprio genoma daquela linhagem de microrganismos em uma
biblioteca de ameaças que é construída coletivamente, geração após geração. 1

Se um ano dura 365 dias e 6h, onde vão parar Por que, quando as
essas 6h na virada?
@marciomcpiaui, via Instagram
crianças brincam
de esconde-esconde,
lista
Quais línguas
elas sentem vontade são oficiais em
A Terra faz dois movimentos quase independentes, caro
de fazer xixi? mais países?
Márcio: a rotação, que são as voltas do planeta em torno
@icafreitas,
de si mesmo, e a translação, que são as voltas em torno do
via Instagram
Sol. Uma rotação corresponde a um dia, uma translação
corresponde a um ano. Quando a Terra chega ao ponto
Crédito de um fenômeno Em muitas nações que foram
exato para recomeçar uma volta em torno do Sol – ou colônias, línguas nativas e a
conhecido como “resposta
seja, quando completa uma translação –, ela pode estar língua dos colonizadores são
de luta ou fuga”. Trata-se
em qualquer ponto da rotação. Tanto faz. Podemos come- ambas oficiais.
de uma reação fisiológica
morar o ano-novo à meia-noite, mas a Terra na verdade
a situações ameaçadoras,
completará sua volta em torno da estrela às 6h, e tudo Inglês
como um encontro entre 1 58 países
bem: a manhã chegará no mesmo horário de sempre. O
presa e predador na mata
giro do planeta em torno de si mesmo, que faz o Sol nascer
fechada – que o esconde-
e se pôr, não está atrelado à órbita. E claro: de quatro
-esconde simula. Nessa Francês
em quatro anos, rola um dia a mais em fevereiro (para 2
hora, as glândulas do sis- 29 países
compensar quatro vezes a diferença de 6 horas). Ao final
tema endócrino liberam
do ano bissexto, o ano-novo “real” volta para a meia-noite.
adrenalina e cortisol, o
hormônio do stress. Os ba- Árabe
timentos cardíacos aumen- 3 22 países
tam, as pupilas dilatam, os
pergunte músculos se contraem e
apertam a bexiga (fora a Espanhol
ao oráculo sensibilização generalizada
4 21 países
Escreva para do sistema nervoso, que
bruno.vaiano@abril.com.br
amplifica sinais antes dis-
mencionando sua cidade e
cretos, como uma vontade Português
estado – ou mande a pergunta 5 9 países
via direct no Instagram. ligeira de fazer xixi).
2

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 Dá. O gráfico abaixo considera um dado que os
Só acredito Dá para somar economistas chamam de M2. Ele inclui todo o
dinheiro facilmente acessível em um país: trata-
vendo todo o dinheiro que -se de uma soma* da grana que circula em papel-
-moeda com a que está depositada em contas
existe no mundo? correntes e investimentos de saque fácil, como
poupanças e CDBs. 3

RI
ÁFRICA
US$ 1.669 TRI
T
82
18.1

AMÉRICA CENTRAL
ÁSIA US$ 189 BI
TOTAL: US$ 1

US$ 63.437 TRI

AMÉRICA DO SUL
US$ 1.821 TRI

OCEANIA
US$ 2.156 TRI
AMÉRICA DO NORTE
US$ 23.377 TRI
EUROPA
US$ 25.532 TRI

1° 2° 18°
alguns M2 CHINA ESTADOS UNIDOS BRASIL
US$ 39.271 TRI US$ 20.802 TRI US$ 1.107 TRI

*Conversão realizada em 31 de julho de 2023. Alguns países ficaram de fora da nossa soma porque a inflação distorceu os dados recentes (caso da Venezuela e do Zimbábue).

A complexidade de uma língua tem a ver

com o número de palavras?
@oliveiramarilaine, via Instagram

Não. Até porque um falante nativo usa uma fração minúscula do

vocabulário de sua língua: o brasileiro médio sabe algo entre mil e 2
mil palavras, enquanto a 1ª edição do dicionário Aurélio, de 1987, tinha
115 mil verbetes. Não existem línguas objetivamente mais complexas – Os maiores dicioná- O maior dicionário A língua Taa, falada
rios do mundo, com da Língua Portuguesa por alguns milhares
apenas idiomas mais ou menos fáceis de aprender em relação a outros.
mais de 1 milhão de é o Aulete Digital, de pessoas no sul da
Temos mais facilidade com o francês, por exemplo, do que com o verbetes, são obras com 818 mil verbetes. África, tem mais de 100
japonês – já que a gramática, o vocabulário e a prosódia (musicalidade) online colaborativas Ele é o terceiro maior fonemas consonantais
dos francófonos é mais parecida com a nossa. 4 de coreano e tamil. do mundo. – o português, “só” 19.

Fontes: Artigo “Do all creatures possess an acquired immune system of some sort?”, Jacob Rimmer e outros; Texto “Why Do You Have to
Pee When You’re Nervous?”, na Live Science; Dataset “Money supply (broad money) by country: the latest data” em theglobaleconomy.com;
Texto “Are some languages more difficult than others?”, escrito pela linguista Antonella Sorace no The Conversation. agostO 2023 super 63

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 oráculo

Por que é tão difícil se Originalmente, quem

equilibrar em um pé de
olhos fechados?
@l1lucas, via Instagram
O equilíbrio depende de três
sistemas: a visão, a sensação
nas plantas dos pés e articula-
ções (chamada propriocepção) e
o sistema vestibular (o labirinto,
que informa a posição da cabe-
ça em relação ao corpo). Nesse
tripé, a visão é que determina
como seu corpo está posiciona-
do em relação ao horizonte. Daí
a dificuldade em se equilibrar
de olhos fechados: você quer
formar um ângulo de 90° com
o chão, mas, sem vê-lo, falta
informação. Uma dica para
ficar parado em um pé só é
ocupou o mundo foi o Homo
sapiens ou alguma outra
espécie do gênero Homo
que depois virou a gente?
@tomioshi, via Instagram
Houve duas ondas migra-
tórias para fora da África. A
primeira foi do Homo erectus,
há 1,8 milhão de anos. Ele é an-
cestral tanto dos neandertais e
dos denisovanos (que evoluíram
na Eurásia) como de nós, Homo
sapiens – que nascemos em ter-
ritório africano há 300 mil anos.
A segunda saída da África foi a
do sapiens, mesmo, há 130 mil
anos. Conforme encontramos os
neandertais e denisovanos, fize-
mos bebês com eles (a maioria

A expressão “oxente”
fixar o olhar à sua frente, ainda de nós carrega algo entre 1% e
que seu corpo esteja se dese- 4% de DNA neandertal no ge-
quilibrando. Juntos, a visão e noma). Ou seja: somos descen-

tem a ver com “oh shit”?

o sistema vestibular mantêm dentes de sapiens que saíram da
o olhar travado em um único África já como somos hoje, com
ponto enquanto você se mexe. uma pequena contribuição dos
@brunomarini, via email Essa integração é chamada re- descendentes de uma espécie
flexo vestíbulo-oculomotor. 2 que saiu antes de nós.
Não. “Oxente” vem de “ô gente”. E após um round de abreviação,
virou o “ôxe” tão ouvido em Salvador. Curioso mesmo é que
shit deriva da palavra pré-histórica sec, que significava “dividir”,
“separar” na língua protoindo-europeia (PIE). O PIE deu origem a
várias línguas atuais, inclusive o português e o inglês. E essa raiz
sec deu origem a outra palavra, muito diferente: “ciência”. Como
isso aconteceu? Uma hipótese é que, originalmente, sec fosse
Lost in
um eufemismo. Em vez de dizer “vou fazer cocô”, você dizia que Translation
ia “se separar de algo do seu corpo”. Com o tempo, o eufemismo Origem China
se tornou lugar-comum e, então, palavrão. Enquanto isso, em  jiàn wài
latim, a noção de separar duas coisas fisicamente deu lugar a um
significado mais próximo de discernir ou diferenciar. Discernir as
coisas significa saber o que elas são – e assim, a raiz sec em PIE Ao pé da letra, “olhar para fora”. Mas o significado é bem diferente:
deu origem ao verbo latino scire (“saber”). Uma das formas desse refere-se a situações em que você é muito polido e formal com uma
verbo, scientia, virou “ciência”.
1 pessoa íntima, com quem daria para pegar leve.
.

Colomba Pascal Bauli

conexões A versão outonal do panetone
foi inventada pelo confeiteiro
Panificadora líder do
ramo na Itália. Seu funda-
Da Colomba
Pascal ao italiano Angelo Motta, que dor, Ruggero Bauli, viveu
Pedro Pascal queria dar uso às máquinas dez anos na Argentina.
que fabricam o pão doce fora Ele embarcou da Itália
por Maria Clara da época de Natal. Após sua para a América Latina
Rossini morte, a companhia Motta foi em 1927, e sobreviveu ao
vendida para a empresa… naufrágio do…

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 manual Como fazer anotações
por Rafael
Battaglia
3. Ao estudar
com livros
Não adianta apenas gri-
far frases importantes.
Transcreva-as em post-its
e adicione informações
relevantes: nome da
o b r a , a u t o r, p á g i n a ,
palavras‑chave. A ideia
é criar um catálogo de
trechos para facilitar a
consulta – o que é útil
especialmente se você
está estudando com vários
livros ao mesmo tempo.
Para saber mais
Existem muitas outras técnicas,
com os mais variados recursos
(tabelas, códigos, mapas mentais).
Pesquise e teste até encontrar o
que funciona para você.
SS Principessa Mafalda
O “Titanic italiano” saiu de
Gênova e naufragou antes de
chegar a Buenos Aires, matando
314 pessoas. A família de um
certo Mario Bergoglio comprou
passagens para essa viagem,
mas acabou cruzando o Atlânti-
co em um outro navio. Mario se
tornaria pai do…
Fontes Linguista Jonathan Owen no blog Arrant Pedantry;
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úteis em aulas e reuniões
1. Método Cornell 2. Método Outline
Divida a folha em três. Quando você já sabe os
Em um bloco, anote os assuntos do dia, chegue na
principais tópicos da aula com a folha dividida
aula. Em outro, dúvidas em tópicos (naturalistas no
e observações. No terceiro, século 19, por ex.). Então
resuma o que o professor anote ramificando esses
falou em poucas frases. tópicos em subtópicos (via-
Cada bloco terá uma fun- gem de Darwin, viagem de
ção: a lista de perguntas Wallace), e vá especifican-
te deixa a par do que você do mais e mais (tentilhões
precisa revisar, enquanto das Galápagos). Isso forma
o resumo escrito em suas um mapa do conteúdo da
próprias palavras ajuda a aula, em que cada anotação
fixar informação. aprofunda a anterior.
4. Para otimizar
reuniões…
…Separe as suas notas em
duas colunas. Em uma, es-
creva os principais pontos
da reunião. Na outra, as
suas dúvidas e o que mais
estiver passando pela
sua cabeça. Essa divisão,
aparentemente simples,
pode ajudar a organizar
ideias (como pensar na
resposta mais adequada
ao chefe) sem perder o fio
da discussão.
Anota aí
Não se preocupe em caprichar: o Não saia escrevendo tudo o que Em reuniões, ficamos tão preo-
esmero pode fazer com que você o professor disser. Tente absorver cupados com o que vamos dizer
perca algum ponto. A única pes- o conteúdo e só depois escreva que mal prestamos atenção no
soa que precisa entender as suas um resumo com as suas próprias papo – e acabamos repetindo algo
anotações, afinal, é você mesmo. palavras. É mais eficiente. já dito. As anotações evitam isso.
Papa Francisco Pedro Pascal
Jorge Mario Bergoglio O ator tem cidadania
nasceu em 1936 em Buenos chilena e americana. Seus
Aires. Iniciou o noviciado pais resistiram contra a
em 1958, quando entrou ditadura de Pinochet e
para a Companhia de Jesus. tiveram que fugir do Chile.
Lá, ele foi transferido para Meses antes de sair do
estudar humanidades em país, Verónica Pascal deu à
Santiago, no Chile. Mesma luz. Era 2 de abril de 1975 –
cidade em que nasceu… semana de Páscoa.
Miguel Angelo Hyppolito, professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto.
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 última página d e s c ul p a qu a lqu e r c o i s a e a t é l o g o

QUE ROLO
Oppenheimer foi gravado em rolos de filme IMAX de 70 mm. Entenda o que isso
significa e conheça outros formatos – representados aqui em tamanho real, com
as dimensões das fitas e dos frames. Infográfico Juliana Krauss e Maria Clara Rossini

8 mm Super8 16 mm 35 mm 70 mm

65 mm

70 mm IMAX

70 mm
o tamanho de cada frame

7,9 mm 7,9 mm 16 mm 35 mm
3,3 x 4,5 mm 4,01 x 5,79 mm 7,49 x 10,26 mm 16 x 22 mm 23,01 x 53,63 mm 52,63 x 70,41 mm

Ô lá em casa o Sinistro estiloso O classicão Gigante das telas

O 8mm, na verdade,
tem 7,9 mm de largura.
Foi popularizado com
o Super8, um formato
caseiro, barato, e pou-
co usado no cinema. O
primeiro filme de Spiel-
berg, Firelight(1964),
foi gravado em 8 mm.
O 16mm se propunha
a ser uma alternativa
mais em conta ao filme
de 35 mm. Pela quali-
dade menor, também
serve para trazer um
aspecto sinistro às
cenas. Foi usado em
O Cisne Negro (2010).
A maioria das produ- O 70 mm, bem mais caro,
ções analógicas foi foi usado em megapro-
gravada em 35 mm. duções, como Cleópatra
A partir de 1999, com (1963). A novidade é o 70
Star Wars – Episódio mm IMAX, que estica o
1, o formato digital filme na vertical, e roda
em alta definição na horizontal – os frames
passou a substituir os correm lado a lado, em vez
rolos, e virou padrão. de um em cima do outro.

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