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Émile Benveniste e a dupla

significância da língua: a distinção


semiótico/semântico
Heloísa Monteiro Rosário*

Resumo Introdução
Este trabalho trata especificamente As noções de semiótico e semântico,
da dupla significância da língua, ou que configuram a dupla significância da
seja, das noções de semiótico e se-
mântico formuladas por Émile Benve-
língua, são fundamentais na reflexão
niste nos artigos “A forma e o sentido desenvolvida por Émile Benveniste em
na linguagem” (1967; 1974) e “Semio- seu artigo Semiologia da língua, texto
logia da língua” (1969; 1974). Objeti- encomendado por Julia Kristeva para o
va-se, de um lado, discutir a distinção
primeiro número da revista Semiotica
semiótico/semântico (salientando-a em
uma perspectiva linguística e outra em 1969.
semiológica) e, de outro, estabelecer Apresento, neste trabalho, uma parte
uma relação entre o final programá- da discussão de Semiologia da língua
tico proposto pelo linguista em “Se- proposta em minha tese de Doutorado,
miologia da língua” e as noções de
semiótico e semântico. Para tanto, orientada pelo professor Valdir Flores, e
além dos artigos citados, são mobi- recentemente defendida – “Um périplo
lizados outros textos de seus Proble- benvenistiano: o semiólogo e a semiologia
mas de linguística geral (1966/1995; da língua” (ROSÁRIO, 2018).
1974/1989) em contraponto com a
Nessa pesquisa, através de um estudo
publicação Últimas aulas no Collège
de France (1968 e 1969) (2012/2014), teórico de diferentes textos de seus Pro-
obra estabelecida geneticamente a blemas de linguística geral (1966/1995;
partir de manuscritos do linguista e
de seus ouvintes. *
Licenciada em Letras (Português-Francês) pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Palavras-chave: Émile Benveniste. Especialista em Estudos Linguísticos do Texto, Mestre
e Doutora em Estudos da Linguagem pelo Programa
(Dupla) Significância. Semiótico. Se- de Pós-Graduação em Letras da Ufrgs. Professora do
mântico. Semiologia da língua. Departamento de Línguas Modernas do Instituto de
Letras da Ufrgs. E-mail: heloisa.monteirorosario@
gmail.com

Data de submissão: set. 2018 – Data de aceite: out. 2018


http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v14i3.8586

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1974/1989)1 tomados em contraponto com da distinção semiótico/semântico em A
suas Últimas aulas no Collège de France forma e o sentido na linguagem e em
(1968 e 1969) (2012/2014)2, busquei com- “Semiologia da língua” não é absoluta-
preender, como um todo, a ideia de Ben- mente o mesmo.
veniste de uma “semiologia da língua”, o Em A forma e o sentido na linguagem,
que envolve a noção de interpretância e, os interlocutores de Benveniste são filó-
consequentemente, as noções de semiótico sofos e seu ponto de vista é linguístico;
e semântico formuladas e apresentadas, em Semiologia da língua, de outro modo,
sobretudo, em A forma e o sentido na seus interlocutores são linguistas, seus
linguagem (texto de 1966/1967)3 e em próprios pares, e seu ponto de vista é
Semiologia da língua (texto de 1969). semiológico. E é, segundo Flores (2013),
Na reflexão que proponho agora, trato essa mudança de perspectiva – linguís-
especificamente das noções de semiótico e tica no artigo de 1966/1967, semiológica
semântico, mostrando que Benveniste as no de 1969 – que explica o diferente es-
mobiliza de uma perspectiva linguística tatuto da distinção semiótico/semântico
e de uma perspectiva semiológica. Além nesses textos4.
disso, procuro estabelecer uma relação A constatação dessa mudança traz
entre o final programático proposto por um problema para a discussão: essa
Benveniste no artigo Semiologia da lín- diferença de estatuto implica também
gua e essas noções. Nesse sentido, busco, que, nesses textos, as noções de semiótico
em especial, a relação da metassemântica e semântico não têm o mesmo sentido?
com a distinção semiótico/semântico. Problema esse que demanda algumas
Eis, portanto, os aspectos presentes considerações.
em “Semiologia da língua” que, relacio- A reflexão a respeito da questão da
nados a outros textos do linguista (dos significância da língua é introduzida no
Problemas e, também, de suas Últimas artigo Os níveis da análise linguística
aulas), passo a discutir. (1962/1964)5 (com a delimitação do domí-
nio da língua como sistema de signos e
As noções de semiótico do domínio da língua como instrumento
de comunicação) e aprofundada nos ar-
e semântico de uma tigos A forma e o sentido na linguagem e
perspectiva linguística e de Semiologia da língua (com a formulação
uma perspectiva semiológica das noções de semiótico e semântico).
Saliento que é o próprio linguista quem
Considerando as formulações de relaciona esses três textos através de
Benveniste sobre a questão da dupla uma nota em Semiologia da língua,
significância da língua, é possível per- estabelecendo, entre eles, um eixo con-
ceber que o “contexto de aparecimento” dutor, ou seja, mais do que uma simples
relação.

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Tanto em A forma e o sentido na no de 1969, repito – mostre a função, o
linguagem quanto em Semiologia da papel, da distinção semiótico/semântico
língua, o semiótico se refere ao mundo nesses textos.
fechado dos signos da língua, ou seja, à Em A forma e o sentido na linguagem,
significância da língua-sistema. As rela- interessa pensar linguisticamente como
ções que se estabelecem entre os signos a língua significa. Em Semiologia da
são paradigmáticas, fazendo com que língua, por sua vez, interessa pensar se-
cada signo da língua tenha, sempre, um miologicamente como a língua significa
valor genérico e conceitual, devendo ser os outros sistemas, o que se dá a partir
reconhecido. Por sua vez, o semântico do modo como ela mesma significa.
se refere à significância da língua em Lembro que, nesse texto, Benveniste
seu funcionamento discursivo, ou seja, estabelece que “não menos que os sis-
à significância da língua-discurso. As temas de signos, as RELAÇÕES entre
relações não se estabelecem mais entre estes sistemas constituirão o objeto da
os signos, mas entre as palavras, e são semiologia” (1969/1989, p. 51). Segundo
sintagmáticas, fazendo com que cada ele, “o problema central da semiologia”
palavra tenha, sempre, um valor particu- é “o estatuto da língua em meio aos
lar, específico e circunstancial, devendo sistemas de signos” (1969/1989, p. 51),
ser compreendida. o que o faz, em relação à semiologia,
Benveniste conclui, então, que a lín- propor bem mais do que Ferdinand de
gua comporta dois domínios distintos, Saussure no Curso de linguística geral,
sendo que cada um deles exige seu pró- uma vez que cabe à semiologia estudar
prio aparelho conceitual. O semiótico se não apenas os sistemas semiológicos
baseia na teoria saussuriana do signo; em si, mas também as relações entre os
o semântico necessita de um aparelho sistemas de signos, e a língua tem aí um
novo de conceitos e de definições, que papel fundamental.
concerne à reflexão do linguista a res- Com isso, no texto de 1969, as noções
peito da enunciação. de semiótico e semântico são mobilizadas
Mas, afinal, e a diferença de estatuto – o que é bastante importante – em re-
da distinção semiótico/semântico em A lação à língua, de um lado, e em relação
forma e o sentido na linguagem e em Se- aos sistemas não linguísticos, de outro.
miologia da língua? O que essa diferença Em relação à língua, como observado,
significa efetivamente, uma vez que há não há diferença de sentido entre semió-
uma sinonímia entre essas noções de um tico e semântico de um texto para o ou-
texto para o outro? tro. Entretanto, em relação aos sistemas
Acredito que a mudança de perspecti- não linguísticos (discutidos apenas em
va apontada por Flores (2013) – linguís- “Semiologia da língua”), não é possível
tica no artigo de 1966/1967 e semiológica afirmar o mesmo.

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Em sua reflexão semiológica, compa- Gostaria, ainda, de apontar que Ben-
rando os diferentes sistemas (linguísti- veniste trata das noções de semiótico e
cos e não linguísticos), Benveniste opera semântico no artigo “Estruturalismo e
com as noções de semiótico e semântico. linguística”, a entrevista dada a Pierre
Nessa comparação, o linguista esta- Daix, em julho de 1968, em Les Lettres
belece que, diferentemente da língua, françaises, assim como, ao longo do ano
os sistemas não linguísticos têm uma de 1969, em algumas de suas aulas no
significância unidimensional, na medida Collège de France, estabelecidas gene-
em que não articulam, ao mesmo tempo, ticamente na publicação Últimas aulas.
semiótico e semântico, mas apresentam Em Estruturalismo e linguística, em
apenas semiótico ou apenas semântico. uma reflexão na qual defende que “o ho-
Isso não é tudo, no entanto. Em sua mem não nasce na natureza, mas na cul-
análise da estrutura e do funcionamento tura” e que nenhuma “língua é separável
desses sistemas, Benveniste mostra que de uma função cultural” (BENVENISTE,
as noções de semiótico e semântico não 1968/1989, p. 23-24), o linguista apresen-
se configuram como se configuram na ta as noções de semiótico e semântico (e
língua. Ou seja, embora os termos em- os termos), sustentando não apenas que
pregados sejam os mesmos, o semiótico e “a língua é o domínio do sentido”, da sim-
o semântico da língua não correspondem bolização, (BENVENISTE, 1968/1989,
ao semiótico nem tampouco ao semântico p. 25), mas ainda que a cultura consis-
desses sistemas. Penso, nesse contexto te em um sistema de valores “que se
específico, em suas observações a propó- imprimem na língua”6 (BENVENISTE,
sito da música e das artes, por exemplo. 1968/1989, p. 22).
Nessa perspectiva, a diferença de es- Com isso, Benveniste mostra que a
tatuto da distinção semiótico/semântico língua, assim como a cultura, envolve
em A forma e o sentido na linguagem e um sistema de valores que devem ser
em Semiologia da língua mostra que o reconhecidos e compreendidos. Ou seja, o
pensamento de Benveniste sobre a ques- linguista mobiliza as noções de semiótico
tão da significância da língua envolve e semântico para pensar a língua (um
tanto uma reflexão linguístico-enunciati- sistema linguístico) e, também, a cultura
va a respeito da língua (do modo como a (envolvendo sistemas não linguísticos),
língua significa) quanto uma reflexão se- o que ilustra, em relação à língua, por
miológica a respeito da relação da língua exemplo, através da diferença em fran-
com os outros sistemas semiológicos (do cês entre rôle (que significa algo) e ril
modo como a língua significa os outros (que não significa nada), de um lado, e
sistemas). E esta última diz respeito a rôle significando “le rôle [o “papel”] da
sua “semiologia da língua”. ciência no mundo, le rôle [o “papel”] de
tal ator” (BENVENISTE, 1969/1989,

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p. 22), de outro. E, em relação à cultura, Por sua vez, como mostram suas
através do sentido atribuído à cor branca Últimas aulas, Benveniste (1968/2014,
no ocidente – “cor da luz, da alegria, da p. 90, grifo do autor) inicia sua reflexão
juventude” – e na China – “cor do luto” no Collège de France com uma afirmação
(BENVENISTE, 1968/1989, p. 22). Um – “Falar da ‘linguística’ é falar da língua”
parêntese: nessa mesma perspectiva, – e uma tomada de posição:
aliás, em A forma e o sentido na lingua- Nós propomos que a natureza essencial da
gem, lembro que Benveniste se refere à língua, que comanda todas as funções que
diferença entre chapeau/chameau e cha- ela pode assumir, é sua natureza significan-
te. Ela é informada de significância, mesmo
reau em francês (“chapéu” e “chaméu”, considerada fora de qualquer emprego, de
na tradução brasileira). qualquer utilização particular ou geral.
Em Estruturalismo e linguística, Essa propriedade, se ela nos parece – e ela
nos parece de fato – transcender todas as
por conseguinte, Benveniste reflete a outras, comandará nosso discurso sobre a
respeito de diferentes sistemas a partir língua: será um discurso sobre a caracte-
das noções de semiótico e semântico, rística que colocamos em primeiro plano: a
língua significa (BENVENISTE, 1968/2014,
apresentando, como em Semiologia da
p. 90, grifos do autor).
língua, um ponto de vista semiológico.
Sua discussão, no entanto, não se centra Partindo desse ponto de vista – que
no que distingue a língua desses outros retoma, aliás, a ideia apresentada em A
sistemas – a dupla significância da forma e o sentido na linguagem de que
língua – nem tampouco se volta para a “bem antes de servir para comunicar, a
questão da metassemântica7. linguagem serve para viver” (BENVE-
Benveniste aponta, nesse momento, NISTE, 1967/1989, p. 222, grifo do autor)
uma perspectiva referida, mais tarde, no –, Benveniste explica que os elementos
texto de 1969, mas desenvolvida, de fato, da língua, os signos, também “compar-
no artigo Estrutura da língua e estrutu- tilham desse caráter significante que
ra da sociedade, de outubro de 19688: a é próprio da língua em seu conjunto” e
questão da língua como interpretante propõe “uma possível definição da lin-
da sociedade, o que envolve um outro guística: ciência que se ocupa dos signos
princípio norteador, o axioma “a língua linguísticos” (BENVENISTE, 1968/2014,
contém a sociedade”. p. 91, grifo do autor).
E faz isso explorando diferentes em- O autor observa que a noção de signo
pregos da palavra homem – “o homem é antiga, mas que “a ideia de que os sig-
honesto” na cultura clássica francesa; nos podem formar conjuntos coerentes,
“eu sou seu homem” na época feudal –; sistemas de signos, e que eles propiciam
exemplo que coloca a língua, nas pala- o aparecimento de uma nova ciência, a
vras do linguista, como reveladora da ciência dos signos, a semiologia”, “come-
cultura, da espessura da cultura (BEN- ça a emergir como uma das noções mais
VENISTE, 1969/1989, p. 22-23). novas e mais importantes da ciência”, o

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que conduz a “um problema maior, que Estabelecendo, então, que uma “dis-
abarca a linguística e além dela”9 (BEN- tinção de base entre sistemas deve ser
VENISTE, 1968/2014, p. 91, grifos do respeitada” – sistemas “que são autôno-
autor). Daí por que, na sequência, Ben- mos”, de um lado, e sistemas “que têm
veniste apresenta os dois pensadores aos necessidade de um interpretante”, de
quais atribui “o verdadeiro nascimento” outro (BENVENISTE, 1969/2014, p. 121
da teoria geral dos signos, apenas vis- [nota de ouvinte]) –, o linguista sustenta,
lumbrada por John Locke (1632-1704), em relação ao sistema da língua, que:
Charles Peirce e Ferdinand de Saussu- Há dois modos de significância, característi-
re10 (BENVENISTE, 1968/2014, p. 92). ca que parece não estar em nenhuma outra
Nessa Primeira aula (de 2 de dezem- parte. Contrariamente ao que Saussure
pensava, essa é uma propriedade que coloca
bro de 1968), portanto, embora não faça a língua fora dos sistemas semiológicos11:
qualquer referência às noções de semió- 1) cada signo é constituído por uma relação
tico e semântico, Benveniste já introduz de significante com significado. Nas uni-
dades de base, a significância já está in-
o termo e a noção de significância da cluída: ela é constitutiva dessas unidades;
língua. 2) essas unidades são agrupadas; só fun-
Por outro lado, no decorrer de 1969, cionam em conjunto. O princípio desse
funcionamento é o segundo modo de sig-
o linguista primeiro introduz as noções
nificância.
de semiótico e semântico e, depois, os A significação é, na língua, organizada em
termos em sua exposição no Collège de dois níveis (BENVENISTE, 1969/2014,
France. p. 122 [nota de ouvinte]).
Assim, na Aula 7, em uma reflexão Eis as noções lançadas (o primeiro
a respeito da língua e dos sistemas não item corresponde à estrutura da língua;
linguísticos (em especial sobre os sons o segundo, a seu funcionamento), porém,
e as cores), Benveniste (1969/2014, p. ainda não nomeadas, o que ocorre, de
121) coloca: “Começo a duvidar de que a fato, somente em sua última aula (a
língua pertença realmente à semiótica. Primeira aula do terceiro capítulo).
Não seria ela somente o interpretante Nessa aula, a primeira e única do
de todos os sistemas semióticos?”. E faz ano letivo de 1969–1970, o linguista
isso na medida em que reconhece que há inicia seu curso retomando a reflexão
uma diferença, “a principal”, para ele, desenvolvida no ano anterior. Discutindo
entre a língua e os sistemas semióticos: a questão da significação, os problemas
“nenhum sistema semiótico é capaz de se do sentido, na linguística, Benveniste
tomar, ele próprio, como objeto, nem de recupera a noção saussuriana de lín-
se descrever em seus próprios termos” gua – “um sistema de signos” –, assim
(BENVENISTE, 1969/2014, p. 120, gri- como sua ideia de que “existem vários
fos do autor). sistemas de signos e que se deve confiar
seu estudo a uma nova ciência, a semio-

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logia”, mas afirma categoricamente: “É miótico todos os sistemas que consistem
preciso partir daqui para ir mais longe” em oposições em um conjunto fechado: as
(BENVENISTE, 1969/2014, p. 189, gri- classificações, taxinomias, sinais etc.”,
fos do autor). inclusive a língua, e que a
Nesse contexto, Benveniste salienta [...] esse sistema se opõe na língua um outro
que Saussure coloca o signo linguístico sistema (seria mesmo um sistema?), este
“no mesmo plano que os signos não do querer-dizer que está ligado à produção
e à enunciação das frases, o semântico13
significantes dos outros sistemas”, de (BENVENISTE, 1969/2014, p. 191, grifos
onde sua ideia (de Benveniste) “de que do autor).
basta que o signo seja reconhecido como
Desse modo, como em Semiologia da
pertencente à língua [...] e basta que o
língua, em Estruturalismo e linguística
gesto seja reconhecido” (BENVENISTE,
e em suas aulas no Collège de France, a
1969/2014, p. 189-190, grifos do autor); o
distinção semiótico/semântico é mobili-
que também afirma, como mencionado,
zada (tanto em relação à língua quanto
em “Estruturalismo e linguística”, refe-
em relação aos sistemas não linguísticos)
rindo-se à língua e à cultura.
em uma perspectiva semiológica. Além
O linguista igualmente afirma que
disso, em Estruturalismo e linguísti-
“é impossível passar do ‘signo’ à ‘frase’”,
ca, sobre essa distinção, Benveniste
pois a “enunciação não é uma acumu-
(1968/1989, p. 22) reitera que se trata de
lação de signos: a frase pertence a uma
“um ponto de vista [...] pessoal, que pre-
outra ordem de sentido” (BENVENISTE,
cisa ser demonstrado”, exigindo, segundo
1969/2014, p. 189, grifos do autor)12. E
ele, a elaboração de “todo um corpo de
acrescenta:
definições neste imenso domínio, que não
Podemos distinguir duas noções, onde, até compreende somente a língua”, e que o
agora, havia apenas uma, quando falávamos
em semiótico. leva à cultura. Ou seja, mais uma vez,
1) A de estrutura formal semiótica dada o linguista considera a língua e os siste-
pelas noções de “signo” e de “sistema de mas não linguísticos (a cultura), e uma
signos”;
2) A de funcionamento semiótico, ausente
perspectiva semiológica é mobilizada.
da concepção saussuriana da língua. Se a De outro modo, em relação à língua
língua pode ser um interpretante geral, é ainda, se, na Aula 7, o linguista se refere
porque não é apenas um sistema no qual a uma organização da significação em
manejamos signos. Trata-se do único
sistema no qual podemos formar frases níveis, nessa sua última aula (a Primeira
(BENVENISTE, 1969/2014, p. 191 [nota aula do terceiro capítulo, lembrando),
de ouvinte]). Benveniste aponta “uma distinção en-
A partir dessa reflexão, que retoma e tre dois mundos e duas linguísticas”
aprofunda o que é posto a respeito dos (1969/2014, p. 191); como faz, aliás, res-
dois modos de significância na Aula 7, pondendo a Piguet no debate que segue
Benveniste define que são “como o se- “A forma e o sentido na linguagem”.

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A distinção semiótico/ da enunciação, e não o signo de Saussu-
re, em uma análise translinguística dos
semântico e o final textos e das obras.
programático do artigo E é, desse modo, tanto através da
“Semiologia da língua” semântica da enunciação quanto através
da metassemântica (as “duas vias”), que
Retomo, neste momento, o final pro- se fará, para o linguista, a necessária
gramático proposto por Benveniste em ultrapassagem da noção saussuriana do
Semiologia da língua, apresentando, signo como princípio único de explicação
em seguida, algumas considerações a da significação da língua. Isso porque, se,
respeito de sua relação com as noções de a partir do signo saussuriano, se explica
semiótico e semântico. a significância relacionada à estrutura
da língua, nada se diz a respeito daquela
Em conclusão, é necessário ultrapassar a
noção saussuriana do signo como princípio relacionada a seu funcionamento, ou me-
único, do qual dependeria [sic] simultane- lhor, daquela que relaciona simultanea-
amente a estrutura e o funcionamento da mente sua estrutura e seu funcionamen-
língua. Esta ultrapassagem far-se-á por
duas vias:
 to. Afinal, quando se pensa a língua em
– na análise intralinguística, pela abertura funcionamento, semiótico e semântico
de uma nova dimensão de significância, a do se encontram intrinsecamente ligados.
discurso, que denominamos semântica, de
hoje em diante distinta da que está ligada
Trata-se, portanto, de uma ultrapas-
ao signo, e que será semiótica; sagem em relação ao proposto por Saus-
– na análise translinguística dos textos, das sure, que centra sua reflexão na noção de
obras, pela elaboração de uma metassemân-
signo e na ideia de língua como sistema,
tica que se construirá sobre a semântica da
enunciação.
Esta será uma semiologia de estrutura. Ultrapassagem, nesse contex-
“segunda geração”, cujos instrumentos e to, para Benveniste, acredito, sobretudo
o método poderão também concorrer para no sentido de se deixar de pensar que,
o desenvolvimento das outras ramifica-
ções da semiologia geral (BENVENISTE, apenas com Saussure, seja possível
1969/1989, p. 67). compreender a questão da significância
da língua, sua propriedade de significar.
A compreensão da dupla dimensão de
Para mim, contudo, se se deseja falar
significância da língua (que resulta na
em ultrapassagem (e digo isso porque
formulação do par, da distinção, semió-
muito se fala nesta questão relacionando
tico/semântico) permite a Benveniste,
Benveniste e Saussure), é a noção benve-
de um lado, desenvolver sua semântica
nistiana de língua, articulando semiótico
da enunciação, que implica uma análi-
e semântico, ou seja, ao mesmo tempo,
se intralinguística, e, de outro, propor
estrutura e funcionamento linguísticos,
seu projeto apenas anunciado de uma
que se configura, de fato, em um “ir
semiologia de segunda geração ou metas-
além” do proposto por Saussure14, pois é
semântica, tendo como base a semântica

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essa concepção de língua que possibilita uma obra sempre particular (BENVE-
as “duas vias” apresentadas e defendidas NISTE, 1969/1989, p. 60, grifo do autor).
por Benveniste. Os dois pontos de vista Estendo aqui, desse modo, a refle-
a partir dos quais se deixa, então, a no- xão de Benveniste a respeito do não
ção saussuriana do signo como princípio linguístico (em particular, sua reflexão
único de explicação da significância da sobre as artes figurativas) ao linguístico
língua: um linguístico, a semântica da produzido artisticamente. Seriam esses,
enunciação, e outro semiológico, a me- acredito, os textos e as obras referidos
tassemântica. nessa parte final do artigo; o que faria,
Com isso, em Semiologia da língua, por exemplo, tanto de uma obra pintada
entendo que o linguista opera com as quanto de uma obra literária o objeto da
noções de semiótico e semântico e, a par- metassemântica em uma análise trans-
tir delas, com a noção de interpretância linguística.
não apenas no que se refere à relação Observo contudo que literário, nessa
da língua com os outros sistemas, mas perspectiva, não corresponde absolu-
também com a metassemântica15. tamente a uma perspectiva própria ao
Isso porque, na análise translinguís- campo da literatura, mas ao linguístico
tica proposta por Benveniste, os textos e produzido artisticamente. Ou seja, a
as obras não são tomados da perspectiva um linguístico cujo semântico não se
do signo (como ocorre em outros estudos configura na relação com um semiótico
do campo da semiologia/semiótica da que articula, a grosso modo, para cada
época16), mas seriam tomados de uma interlocutor, os mesmos valores de refe-
perspectiva na qual a língua, sistema rência (um sistema compartilhado), mas
interpretante, interpreta textos e obras, na relação com um semiótico específico
sistemas interpretados. produzido pelo autor/escritor/artista
Seguindo essa ótica, acredito que es- (o que envolveria, em especial, textos
ses sistemas interpretados envolveriam considerados literários). Daí, acredito, a
não apenas os sistemas não linguísticos denominação conferida, por Benveniste,
(como a pintura, desenho, escultura, a seu estudo sobre a linguagem poética:
sistemas que, conforme o linguista, apre- a língua de Baudelaire17.
sentam uma semiótica própria criada E, nesse sentido, como Flores (2013),
pelo artista e que dependem, portanto, também penso que haveria uma relação
da língua para existir (BENVENIST, entre textos e obras, em Semiologia da
1969/1989, p. 59-61)), mas também os língua, e o que Benveniste denomina
sistemas linguísticos cuja significância, à “as grandes unidades”18, em “Esta lin-
semelhança do que ocorre na arte, “é pos- guagem que faz a história” (1968), ou
ta pelo autor na obra”, sendo descoberta “formas complexas do discurso”19, em O
“NO INTERIOR de uma composição”, aparelho formal da enunciação (1970).

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Hipóteses (e, por isso, o uso do condi- da língua” está estreitamente relaciona-
cional) cuja comprovação ou refutação, do com as noções de semiótico e semânti-
aliás, dificilmente ocorrerá, uma vez que co. Inclusive a noção de metassemântica,
se trata de um projeto apenas anunciado conforme a leitura que apresentei.
pelo linguista. Lembro, por fim, do que Claudine
Acredito, no entanto, que essa possi- Normand afirma em relação a Saussure
bilidade de leitura encontre amparo nas e a um “efeito” Saussure –
diferentes referências que o linguista faz, Em todos os casos, só se pode esperar uma
ao longo de sua reflexão em Semiologia reconstituição, logo, uma interpretação. Se
da língua, aos sistemas unidimensio- for para buscar a última palavra de uma teo-
ria e a verdade de um pensamento, é melhor
nais, como os da música e da pintura, em renunciar a Saussure (2004a, p. 169).
especial, quando se refere positivamente
aos estudos que inauguram “uma ‘leitu- Assim como, digo eu, a Benveniste!
ra’ semiológica da obra pintada”, pro- Trago aqui, portanto, apenas uma pos-
pondo “uma análise análoga àquela de sibilidade de leitura desses aspectos
um ‘texto’” (BENVENISTE, 1969/1989, presentes em Semiologia da língua para
p. 61, nota 25, grifos do autor)20. uma discussão de seu pensamento.

Considerações finais Émile Benveniste and


the double significance of
A partir do exposto, é possível cons- language: the semiotics/
tatar que, efetivamente, as noções de semantics distinction
semiótico e semântico (noções que confi-
guram a dupla significância da língua), Abstract
são fundamentais na reflexão desen-
volvida por Benveniste – uma reflexão This study deals specifically with the
double significance of language, that
linguística, ou seja, a respeito do modo is, the notions of semiotics and se-
como a língua significa, mas também mantics developed by Émile Benve-
uma reflexão semiológica, ou seja, a res- niste in the articles “Form and Mea-
peito do modo como a língua significa os ning in Language” (1967; 1974) and
“Semiology of Language” (1969; 1974).
outros sistemas semiológicos. Diversos It aims to, on the one hand, discuss
textos de Benveniste mobilizam, de um the semiotics/semantics distinction
modo ou outro, a distinção semiótico/ (highlighting it from a linguistic
semântico, mostrando essas diferentes and from a semiological perspective)
and, on the other hand, to establish
perspectivas, uma linguística e outra
a relation between the programma-
semiológica. tic ending proposed by the linguist
De outro modo, o final programático in “Semiology of Language” and the
proposto por Benveniste em “Semiologia notions of semiotics and semantics.
In order to do so, in addition to the

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cited articles, other texts of Problems três momentos: em 1962, depois em 1964, em
in General Linguistics (1966/1995; Proceedings of the 9th International Congress of
1974/1989) are brought into use in Linguists, e, mais tarde, em 1966, na terceira
parte – “Estruturas e análises” – do primeiro
contrast with the publication Derniè-
volume dos Problemas. Saliento ainda que a
res Leçons. Collège de France 1968 perspectiva adotada no texto de 1962/1964,
et 1969 [Last Lectures at Collège de assim como no de 1966/1967, é linguística.
France (1968 and 1969)] (2012/2014),
6
Essas afirmações a respeito da relação entre
work established genetically, based on língua (domínio do sentido) e cultura (sistema
manuscripts by the linguist and by de valores que se imprimem na língua), o prin-
his students. cípio de que “o homem não nasce na natureza,
mas na cultura” (BENVENISTE, 1968/1989,
p. 23) e o de que é “um homem falando que
Keywords: Émile Benveniste. (Doub- encontramos no mundo, um homem falando
le) Significance. Semiotics. Semantics. com outro homem” (BENVENISTE, 1958/1995,
Semiology of language. p. 285) mostram como o viés antropológico,
estruturante da teoria da linguagem de Ben-
veniste, opera em sua reflexão semiológica.
Notas Ponto de vista defendido pelo linguista, por
exemplo, em “Da subjetividade na linguagem”
1
Daqui para frente, também, apenas Problemas. (1958) e reiterado em “Semiologia da língua”:
2
Daqui para frente, também, apenas Últimas “A significância da língua […] é a significância
aulas. mesma, fundando a possibilidade de toda troca
3
Conferência proferida por Benveniste em Gene- e de toda comunicação, e também de toda cul-
bra, em 1966, no XIII Congresso das Sociedades tura” (BENVENISTE, 1969/1989, p. 60).
de Filosofia de Língua Francesa, posteriormen-
7
Aspectos tratados no artigo de 1969.
te publicada, em 1967, em Le langage II e, em
8
Conferência proferida por Benveniste em Milão,
1974, na quinta parte – “O homem na língua” em 1968, no encontro Linguaggi nella società
– do segundo volume dos Problemas. e nella técnica, posteriormente publicada, em
4
Laplantine (2011, p. 80) observa que, entre a 1970, pela Edizioni di Comunità e, em 1974,
escrita de “A forma e o sentido na linguagem” e na terceira parte – “Estruturas e análises” – do
de “Semiologia da língua”, “há o trabalho sobre segundo volume dos Problemas.
a língua poética de Baudelaire”. Para a autora,
9
Trata-se, então, de um problema que envolve,
inclusive, “Semiologia da língua” “não teria sim, uma reflexão linguística, mas que não se
sido possível sem essa poética” (LAPLANTINE, limita a ela, pois, para além da linguística,
2011, p. 81), uma vez que o problema da arte envolve igualmente uma reflexão semiológica.
constitui o cerne do questionamento de Ben- Relaciono essa consideração de Benveniste às
veniste nesse artigo. A questão da arte ocupa, “duas vias”, propostas no final de “Semiologia
de fato, um lugar importante nessa reflexão do da língua”, através das quais se fará, segundo o
linguista, mas, se Benveniste examina sistemas linguista, a necessária ultrapassagem da noção
não linguísticos (o sistema da música e o das saussuriana do signo como princípio único de
artes plásticas, em particular), acredito que seu explicação da significação da língua: a semânti-
propósito seja o de esclarecer “como a língua ca da enunciação (uma análise intralinguística,
significa” para explicar por que se constitui no ou seja, no campo da linguística, mas além
“interpretante de todos os sistemas semióticos”. do signo) e a metassemântica (uma análise
Não concordo, por conseguinte, com a leitura translinguística, ou seja, que se estende “além
de Laplantine (2011, p. 72, grifos da autora, dela [linguística]”) (BENVENISTE, 1969/1989,
tradução minha) de “uma conversão do ponto p. 67). Retomo essa questão na segunda parte
de vista” que teria transformado toda a teoria deste trabalho.
da linguagem de Benveniste a partir de seu 10
Mesmo movimento da primeira parte de “Se-
trabalho sobre a linguagem poética. miologia da língua”, o que mostra, aliás, a
5
Conferência proferida por Benveniste em Cam- sintonia existente entre o artigo, de um lado, e
bridge, em 1962, no 9o. Congresso Internacional suas aulas a respeito da semiologia no Collège
de Linguística, posteriormente publicada em de France, de outro.

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11
Essa passagem (proveniente das notas dos longo de todo este trabalho, através da notação
ouvintes) encerra a Aula 7 e responde à pas- [nota de ouvinte].
sagem anterior que questiona o pertencimento 14
Um “ir além não ‘com’ Saussure, mas ‘a partir
da língua à semiótica (proveniente, por sua de’ Saussure”, eu diria, na medida em que Ben-
vez, das notas do próprio linguista). Com essa veniste parte das ideias do mestre genebrino,
discussão, Benveniste não refuta, acredito, o fazendo, porém, deslocamentos importantes
fato de a língua ser um sistema semiótico, mas em relação a seu pensamento. Como a respei-
estabelece que, por suas características que to da noção de signo, por exemplo, incluindo
não se encontram em nenhum outro sistema, a a noção de falante (em “A forma e o sentido
língua tem uma função específica em relação a na linguagem”). Ou seja, Benveniste dialoga
esses sistemas: a de interpretante; sendo, aliás, com Saussure, mas produz algo seu no debate
o que faz dela o sistema mais importante. Esse linguístico. Aliás, nessa perspectiva, com base
questionamento reaparece na Primeira aula na ideia de um “encontro” de Benveniste com
do terceiro capítulo, quando o autor questiona Saussure (NORMAND, 2004b), Flores (2013,
se o semântico seria mesmo um sistema, o que p. 50) afirma que “Benveniste toma Saussure
aponto a seguir. como ponto de partida, mas não se encerra
12
Aproveito essas duas passagens para uma nele. Benveniste mantém, altera e mesmo nega
observação. Acredito que, como outras, essas Saussure para construir sua visão da lingua-
passagens ilustram como a discussão de Benve- gem. Então, é de um encontro de que se trata,
niste se sobrepõe em seus textos que datam dos no sentido mais amplo da palavra”.
anos 60, sobretudo naqueles da segunda me- 15
Há, nesse artigo igualmente, uma breve refe-
tade da década. Nesse momento, por exemplo, rência à escrita (que Benveniste informa tratar
é retomada a ideia do hiato, apresentada em em outro momento), assim como considerações
“Semiologia da língua”, assim como a definição sobre a relação da língua com a sociedade.
de frase, formulada em “A forma e o sentido 16
Penso, por exemplo, no pensamento de Roland
na linguagem”. Lembro que essa última aula Barthes em L’aventure sémiologique (1985).
ocorre em 1o. de dezembro de 1969. 17
Dessons (2006), por outro lado, aponta que
13
Laplantine, em “Faire entendre Benveniste” essa dimensão artística da linguagem está
(2013), comenta a forma como essa passagem estreitamente relacionada com a questão da
foi estabelecida por Coquet e Fenoglio. Laplan- subjetivação, com o que, aliás, concordo. No
tine (2013, p. 8, tradução minha) observa que entanto, como Laplantine (2011), Dessons atre-
“na língua” está em destaque nos manuscritos, la a distinção semiótico/semântico à reflexão
“o que sublinha a especificidade da língua” e de Benveniste sobre a arte em “Semiologia da
que a palavra “semântico”, em destaque (em língua”, assim como à reflexão de Benveniste
itálico) no texto estabelecido, foi acrescenta- sobre o poema (a linguagem poética) nas no-
da pelos organizadores. Ao que tudo indica, tas que compõem o Dossiê Baudelaire, o que
portanto, nos manuscritos dessa aula, o termo compreendo diferentemente. Parece-me ainda
“semântico” aparece, de fato, apenas na parte que Dessons não relaciona essa discussão de
proveniente dos ouvintes de Benveniste. É Benveniste a uma reflexão semiológica propria-
importante esse registro. Não acredito, porém, mente dita, envolvendo, inclusive, a proposição
que isso mostre uma incoerência em relação ao de uma metassemântica (anunciada no final do
pensamento do linguista apresentado em “A artigo de 1969), mas à busca de uma teoria da
forma e o sentido na linguagem”, “Estrutura- significância da arte (na qual se inscreve, mais
lismo e linguística” ou “Semiologia da língua”. tarde, segundo Dessons e Laplantine, a teoria
Convém, no entanto, ressaltar a peculiaridade do ritmo e a poética de Meschonnic (1982)).
editorial de suas Últimas aulas. Não se trata 18
O linguista associa “as grandes unidades” a
de um texto assinado por Benveniste, mas “um discurso inteiro, um poema inteiro, nos
de um texto estabelecido geneticamente por quais se pode encontrar um sentido frequen-
Jean-Claude Coquet e Irène Fenoglio a partir temente muito distante do sentido literal”,
de manuscritos do linguista e de alguns de fazendo, nesse momento, uma analogia com
seus alunos no Collège de France. Daí por que a linguagem do inconsciente (BENVENISTE,
se faz pertinente a indicação das passagens 1969/1989, p. 36).
que provêm de seus alunos e não do próprio 19
Benveniste (1970/1989, p. 90) associa as “for-
Benveniste; o que tomo o cuidado de fazer, ao mas complexas do discurso”, por exemplo, à

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enunciação escrita, na qual “o que escreve se MESCHONNIC, Henri. Critique du rythme.
enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, Anthropologie historique du langage. Paris:
ele faz os indivíduos se enunciarem”. Lagrasse: Verdier/poche, 1982.
20
Trata-se da nota de Benveniste sobre os tra-
balhos de Metz e Scheffer; nota que Barthes NORMAND, Claudine (2000). Saussure.
também comenta em “Por que gosto de Benve- Paris: Société d’édition Les Belles Lettres,
niste” (1974), sua resenha do segundo volume 2004a.
dos Problemas.
NORMAND, Claudine. Saussure-Benvenis-
te. Cahiers Ferdinand de Saussure, Genebra,
Referências n. 56, p. 125-132, 2004b.
ROSÁRIO, Heloisa Monteiro. Um périplo
BARTHES, Roland (1974). Por que gosto benvenistiano: o semiólogo e a semiologia da
de Benveniste. In: ______. O rumor da lín- língua. 2018. 173 folhas. Tese (Doutorado em
gua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. Estudos da Linguagem) – Programa de Pós-
p. 179-183. -Graduação em Letras, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.
BARTHES, Roland. L’aventure sémiologique.
Paris: Éditions du Seuil, 1985. SAUSSURE, Ferdinand de (1916). Curso de
linguística geral. São Paulo: Editora Cultrix,
BENVENISTE, Émile (2012). Últimas aulas
2006.
no Collège de France (1968 e 1969) (Orgs.
Jean-Claude Coquet e Irène Fenoglio). São
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I. Campinas: Pontes, 1995.
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l’invention du discours. Paris: Éditions IN
PRESS, 2006.
FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução
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v. 14, n. 7, p. 1-10, 2013.
LAPLANTINE, Chloé. La poétique d’Émile
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(Orgs.). Relire Benveniste: réceptions actuel-
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