Você está na página 1de 3

O menino pegou o maior cacho de banana em suas mãos e contou quantas estavam presas:

doze bananas. Aquilo já seria o suficiente para atender o pedido da mãe, que enviou o filho
para comprar a fruta que seria usada no bolo feito aos convidados que chegariam mais tarde.

- Ô tio, quanto cê faz essa aqui pra mim?

O vendedor, ao ouvir a voz do garoto, perdeu as contas de quantas laranjas já havia separado
no caixote de madeira. Uma manhã inteira de trabalho, embaixo de sol quente, já estressava o
velho comerciante que, até então, não tinha lucrado o tanto quanto previa, o que o enfureceu
ainda mais.

- Não sabe ler não? O preço tá aí no varal.

O garoto já havia lido o preço, mas achou que usando a conversa certa, poderia fazer o senhor
vender as frutas por um preço mais baixo. Desde que chegou á feira, o cheiro dos salgados do
Bar do Pará, logo ao lado da venda de frutas, conquistou o menino, que se convenceu que o
dinheiro deveria ser, de alguma forma, usado não apenas para a vontade da mãe, mas também
a sua. O garoto não entendia nada sobre a fruta, mas conhecia bem o jeito malandro de
conseguir as coisas que queria.

- Mas tio, essas aqui nem tão boa igual as outra, vai demorar uma cota pra poder comer... Faz
um precinho na faixa que eu levo.

O vendedor, sentado em uma caixa de frutas, levantou-se furioso e ficou com o rosto de frente
ao menino.

- Eu num sou seu tio não. Sei bem de quem cê é filho. Só de chegar com esse papinho mole,
dando migué pra cima de mim já desconfiei... Teu pai, aquele pinguço, só sai do Bar do Pará pra
ir atrás de mulher ou pra me encher o saco por um trocado.

O garoto, incomodado, deixou o cacho de banana na bancada e coçou a cabeça tentando não
perder o controle.

-Eu num tenho pai não, esse aí mal sabe meu nome, só serve pra queimar meu filme e ficar de
perreco por aí. Num vim aqui meter o louco, vou pagar a banana, só que lá em casa tá osso de
grana, só queria uma ajuda sincera.

O vendedor, que já não tinha tanta perspectiva de vender mais antes do horário do almoço,
pegou uma sacola e colocou a banana do menino.

- Me dá três conto e mete o pé.

Metade do plano estava feito, os convidados já tinham o bolo garantido para a visita de mais
tarde. O dinheiro que sobrou era o momento que mais enchia o menino de felicidade, ele
agora se via livre, como poucas as oportunidades para gastar com o que quisesse. O cheiro de
salgado ainda atraia o garoto para o botequim ao lado.

O Bar do Pará sempre vivia lotado, o seu dono, conhecido pelo apelido que dava o nome ao
estabelecimento, ficava atrás balcão controlando a sintonia que os clientes bebiam, quase
como um maestro. Quando o menino era mais novo, era ali que ia em busca do pai, ainda com
alguma esperança de conseguir dinheiro, sempre se decepcionando pelas situações mais
desagradáveis que o encontrava. Subiu o degrau da entrada e passou pelas mesas, onde um
grupo de bêbados gritava alto enquanto jogavam truco. No balcão, se sentou em uma das
banquetas, surpreendendo-se que agora conseguia subir sozinho, ao contrário de anos atrás.
Agiu da mesma maneira que aprendeu observando a freguesia durante tanto tempo.

- Meu patrão, vê uma coxinha dessa pra mim. A que saiu a menos tempo do forno.

O velho Pará, ao ouvir o pedido, se aproximou analisando o rosto do garoto, em uma mistura
de dúvida e surpresa.

-Eu não to acreditando não, tu é memo o pequeno que vinha sempre aqui? Seu pai não surgiu
por esses cantos ainda hoje, se é isso que veio atrás...

Já era a segunda vez no dia que o garoto era reconhecido por esse motivo. A mãe nunca se
conformou com o fato de o filho ter a mesma aparência do pai. Todo lugar que ia, desde
pequeno, sem ao menos precisar se identificar, todos já sabiam de quem o menino era filho. A
semelhança nunca foi um problema para o garoto, se não fosse pela fama que seu pai tinha:
um alcoólatra e encrenqueiro.

-Sou eu memo, patrão, mas hoje não quero pai nenhum, dessa vez eu só quero minha coxinha.

O dono do bar, foi até o expositor de salgados no balcão. Com um guardanapo procurou pela
coxinha mais quente, colocou em uma bandeja e levou para o garoto.

-Cortesia da casa, cliente antigo tem vantagem no bar. Aproveita que essa aí saiu não faz nem
quinze minutos.

A alegria estampou o rosto do menino, se soubesse a sorte que teria não precisava ter gastado
todo seu tempo para convencer o vendedor de frutas. Mas a felicidade não durou muito. Logo
depois de dar a primeira mordida, viu que o Pará olhava em sua direção e apontava para a
porta. Era seu pai entrando, claramente bêbado, como de costume.

O homem se aproximou parecendo desesperado, como se fugisse de algo e, mesmo no estado


de alcoolismo que se encontrava, logo reconheceu o filho.

-Moleque, me ajuda, passei a mão numa garrafa de cachaça ali num outro bar e agora o dono
tá maluco atrás de mim. Quanto cê tem de grana?

A coxinha que parecia tão gostosa, em segundos, já não atraia mais a vontade do menino. Nem
um cumprimento, um abraço ou, ao menos, a curiosidade de saber como ele estava, nada
disso fez seu pai, apenas pediu por dinheiro. Revoltado, o garoto desceu da banqueta, sem
expressar nenhuma resposta, e foi em direção a saída. O pai foi atrás. 

Quando saíram do bar, o homem bêbado puxou o filho pelo braço, reafirmando a necessidade
de qualquer dinheiro com urgência. O garoto então entregou o troco da banana, sem dizer
nada. Ao mesmo tempo, no fim da rua, o menino viu um homem bem grande e gordo gritando
pelo nome do pai, vindo em suas direções enfurecido. Rapidamente o grande homem se
aproximou, atirando o pai para longe do filho com um empurrão. O garoto não teve tempo
para qualquer tipo de reação, após o golpe dado pelo homem raivoso, viu o pai cambalear para
perto da venda de frutas e, sem controle pelo efeito da bebida, ser atingido por um caminhão
que passava pela rua. O pai foi mais uma vez atirado, só que dessa vez de forma ainda mais
grave, caindo inconsciente entre as barracas da feira. 

A ambulância não demorou para chegar. O menino assistiu a cena em uma mistura de
sentimentos, sem saber o que teria acontecido com o pai, enquanto comia silenciosamente sua
coxinha, acompanhado dos pedestres que paravam curiosos para ver a tragédia. Seu pai, em
segundos, poderia estar morto. Morto a um preço de banana.

Você também pode gostar