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Conferencia de Patrício Alvarez Bayon – 23 novembro 2021-

“O inconsciente no autismo e na psicose na infância.”

A dimensão do inconsciente na psicose e no autismo é uma modalidade que é


diferente do inconsciente na neurose. Lacan define para a neurose o inconsciente que
se manifesta com as mesmas leis que a retórica estabelecia para a construção das
linguagens. A linguística estruturalista colocava que qualquer linguagem se constrói a
partir de um sistema de oposições e combinações das palavras pelas regras dadas pela
retorica, das quais as principais são: metáfora e metonímia. Lacan disse, assim como
uma linguagem é constituída por metáfora e metonímia, fazendo releitura de Freud da
condensação e deslocamento, que o inconsciente de Freud funciona igual que as leis
da retorica, da metáfora e metonímia e que o inconsciente está estruturado da mesma
forma que a linguagem já que funciona de acordo com essas leis.

No primeiro ensino, essas leis são do inconsciente em função das neuroses. No


seminário 1 fala do inconsciente estruturado como uma linguagem e recém no
seminário 5 diz que o que unifica essas leis é o Nome do Pai, o que ordena, o que faz
que esse sistema das leis funcione ordenado é o Nome do Pai.
No seminário 3 diz que é a estrada principal do NP o que ordena todas as formas de
funcionamento da linguagem e as significações.
No caso das psicoses e no autismo essas leis não estão organizadas pelo NP.

A tese de E.Laurent propõe um mecanismo próprio para o autismo, a “foraclusão do


buraco” que é diferente da “foraclusão do NP” da psicose. A partir dessa definição de
E.Laurent se localiza uma teoria e uma clínica muito diferente para a psicose e o
autismo.
Como o inconsciente funciona nesses casos? Nem na psicose nem no autismo o
inconsciente funciona com as leis da metáfora e metonímia. É o inconsciente que não
faz cadeia, é o inc dos S 1, ao contrário da neurose que é sempre um inc da
combinação entre S1 e S2, ou seja, da cadeia significante. Há cadeia porque algo
organiza essas cadeias, o NP define como tudo é combinado. Se não temos esse
elemento que define como tudo é combinado temos os S1 sozinhos. Na neurose está a
cadeia significante, na psicose e no autismo não há cadeia.
Para o Inc na psicose Lacan dá duas fórmulas de posição do sujeito frente ao
inconsciente. No seminário 3 o define como o Mártir do inconsciente e no seminário
23 como o Desabonado do inconsciente.

1- O mártir do inc define o inc a céu aberto da psicose, é um inc que não é velado, ele
traz com isto um elemento da medicina, da cirurgia a céu aberto, que é geralmente
quando não há outras formas devido à urgência, o corpo é aberto sem a mediação das
cirurgias quando são programadas, ele usa a metáfora da cirurgia. Um inc que não está
recalcado, o recalque não funciona, inc do lado do que aparece sem véu, sem um
código definido que fornece o NP, que determina as leis da metáfora e da metonímia.
A síndrome de passividade no psicótico é o que falava De Clérambault, passivo de seus
fenômenos elementares, o psicótico não pode tomar uma posição ativa, subjetiva de
suas formações do inconsciente, ao contrário dos neuróticos que podem subjetivar
seus sonhos, associar lembranças etc. o psicótico é passivo diante de suas formações
do inconsciente. O fenômeno elementar é sua formação do inconsciente, é um
retorno, mas não do recalcado senão um retorno no real, mas é também uma
formação do inc.

Consequências do inc na psicose diferente do inc na neurose.

1 - Inc na psicose Lacan o define a céu aberto, isto significa que não está velado pelo
recalque.
2 - Que não há código de funcionamento da metáfora nem da metonímia.
3 - A posição do sujeito psicótico é passiva, recebe o fenômeno elementar, isto é
diferente da posição subjetiva na neurose onde o sujeito está ativo frente as suas
formações do inc.
4 - A posição do mártir do inconsciente está articulada com a posição passiva. Mártir
significa ser testemunha, uma testemunha aberta que parece fixa, imobilizada, numa
posição que o deixa incapaz de restaurar o sentido do que atesta e de poder partilhá-lo
com os outros, ou seja, não pode subjetivar suas formações do inc. Fica fixado e sem
ser capaz de restaurar o sentido, sofre a presença do fenómeno elementar e é
testemunha do fenómeno elementar.

Oposição entre o retorno do recalcado, e o retorno no real. O retorno do recalcado


retorna como um significante. Freud estabelecia que primeiro há recalque primário e
logo o secundário. O recalcado são significantes que depois retornam sob as
formações do inc (lapsus, sonhos, sintomas) . O retorno na psicose sem inscrição do NP
em vez de recalque primário há um buraco foraclusivo, e em vez de recalque primário
e secundário há foraclusão dos significantes que não se inscrevem e foraclusão do NP.

Diante disso não admitido no plano dos significantes simbólicos, o que aparece é o
retorno no real de certos significantes que são os que compõem o fenômeno
elementar. Fenômeno elementar é o correlato das formações do inc.

Os fenômenos elementares podem permanecer no estado mínimo ou no estado


máximo (De Clérembault) no estado mínimo é o “pequeno automatismo” que é
anideico, asensorial e neutro, apenas um S1 sem qualquer associação. Por anos isso
pode permanecer assim sem produzir nada como, por exemplo, o eco de pensamento
que não chama a outro significante, permanece como S1 sozinho, ou pode
acrescentar-se a ideação que se torna em delírio, ou pode acrescentar-se o sensorial, o
olhar, a audição, e lá temos as alucinações visuais e auditivas, etc. Isto já seria o
“grande automatismo”. Com percepções alucinatórias ou com os afetos: a perseguição
paranoica, a exaltação da mania, a tristeza da melancolia, o afeto fragmentário da
esquizofrenia, etc. Fenômeno elementar em sua forma mínima ou máxima, em ambos
os casos eles são retornos no real.
No pequeno automatismo o significante está em seu estado mínimo como S1 sozinho,
no grande automatismo o S1 já se combina com o S2 e produz a ideação ou se articula
com os sentidos e produz delírios, alucinações, etc., o que se vê nas psicoses
desencadeadas.

Lacan coloca que este retorno pode dar-se de diferentes modos. No seminário 23 ele
acrescenta outra posição possível do sujeito frente à psicose: o desabonado do
inconsciente. Ele diz que Joyce consegue ser um desabonado do inc, isto é outra
posição possível, é o que Miller chama de Psicose Ordinária, é a possibilidade em
alguns casos, de permanecer desprendido, desabonados da cadeia significante
alucinatória, de permanecer no fenômeno elementar mínimo. Isto nos orienta para
onde apontar nos tratamentos das psicoses, em apontar para o desabonamento. Se
ficarmos com o mártir, ficamos com o passivo e o sofredor. O desabonamento do inc é
que o psicótico pode se desprender disso.

No seminário 23. (pág. 162):....o sintoma pode anular o símbolo...não é só Joyce o


sintoma é Joyce desabonado do inconsciente....

O sintoma na psicose é o retorno no real, é o S1, mas o sintoma pode abolir o símbolo,
o S2, ou seja, o S1 pode abolir o enganche com o S2. Abolir é um termo tomado da
monarquia, (como recentemente o rei da Espanha aboliu a realeza) se pode renunciar
a isso. O sintoma que abole o símbolo é que o S1 renuncia à sua combinação com o S2.
Com isto Lacan dá uma orientação no trabalho na psicose, o que implica não continuar
na via do delírio e da alucinação, porque se se avança neste caminho o sujeito fica cada
vez mais desarmado, a cadeia significante fica desarmada e os três registros ficam cada
vez mais desenodados.

O que Joyce consegue com sua escrita é desabonar-se das cadeias significantes. Ao
invés de uma escrita comum com sentido que se entende, Joyce faz um trabalho com
as palavras quebrando as palavras e a linguagem, por isso é difícil de ler, é ilegível... Ele
não tenta fazer-se entender, ele faz essa operação de abolir o sintoma, uma ruptura da
palavra, não fazer cadeia.

Então o fenômeno elementar fica em estado mínimo, às vezes os pacientes consultam


já em estado de delírio... Então, está o sujeito passivo e aquele que pode abolir o
sintoma, desabonado do inconsciente. Desabonar-se (termo que se usa, por exemplo,
para cancelar a assinatura da tv a cabo e não pagar mais)...é um ponto de corte entre
S1 e S2. É sair da posição passiva diante do fenômeno elementar. O psicótico não pode
subjetivar como o neurótico, mas pode, como trabalho, desabonar-se do inc e do S2.
Nos tratamentos, visa-se extrair os S1 e evitar o encadeamento do S1 com o S2 e ficar
no S1 encapsulados. No seminário 23 Lacan diz que Joyce não precisa fazer o que
Schreber fez, para terminar com uma metáfora delirante... Seria parar a cadeia
significante e nos manter com certos S1 que fixam algo da posição do sujeito, tais
como a escrita em Joyce... Não seria perguntar a Joyce sobre sua vida, seu
relacionamento com sua esposa, seus problemas com sua filha, etc. etc.. Senão, qual o
ponto com que o sujeito pode suprir a foraclusão do NP, trata-se de procurar isso e
trabalhar com aqueles S1.

Caso: menino de nove anos que chega à consulta por severos ataques de raiva agride
os seus bichinhos, gato e cachorro muito mal. Pais separados, o pai polícia e comenta
ter sempre um vinculo corporal forte, brincam de briga etc.(se questiona se isso pode
ser a causa da violência no filho).. Nas sessões o menino se mostra super tranquilo,
muito ordenado... eu pensava numa neurose obsessiva... Comecei a ganhar nele nos
jogos, eu ria, zombava dele, etc para deixá-lo bravo...de repente ele fica muito bravo e
quebra um objeto muito querido... o lápis do Museu Freud trazido de Viena.!!!...... seu
olhar parecia como em transe... Nas sessões seguintes ele brinca com os brinquedos e
depois volta para os de competição e eu ganho nele de novo... Nesta vez ele bate a
cabeça na mesa e murmura algo que não se entende... a palavra era "furiosa"
pergunto-lhe o que diz e ele não sabe... Não se reconhece nesse dizer... aí mudo a
minha ideia do diagnóstico anterior.
Em entrevistas com os pais, pergunto como é que ele começou a bater nos animais. O
pai estava de licença por causa de um tiro na perna e disse-lhe que os ladrões que o
alvejaram eram, segundo ele pensava, policiais, que eram ilegais com drogas. Em seus
jogos apareciam personagens bons que se tornavam maus... A transformação se
repetia nos jogos... Ele chama isso de transformação, que seria o S1 com o qual
trabalhar a partir disso "a transformação".

Traz dois sonhos, onde o sonho tem essa forma do S1 e não da cadeia significante.

Sonho 1: bate violentamente no cachorro. Assim como ele fez no dia anterior. O
analista pergunta sque tinha acontecido com o cachorro e ele diz que o cachorro
comeu demais e brincou demais com o irmão. O analista repete é um cachorro muito
Demais e o paciente de novo com esse olhar em trance e muito fortemente repete
sim.

Sonho 2 :outro elemento chave, sonha com um policial mau que mata o pai e ele
acorda e corre para o quarto e vê que o pai estava vivo. Por muito tempo, aparecem
jogos de transformers de zumbis e o roteiro de como o bonzinho se torna mau e como
transformá-lo de volta em bom… isto vá regulando o gozo desregulado e sai das cenas
de violência. O que funciona como uma conjuntura dramática nesta psicose é que o pai
lhe diz que um policial atira nele, uma cena que é traumática em si para cualquer
criança, mas aqui o que se quebra é a especularidade de a a” que a criança tinha em
relação ao ideal do eu da polícia... é paradoxal que o policial atire no policial, ai a
identificação imaginaria com o policial cai da criança, e faz com que apareça um
pequeno desregulamento... ele não desencadeio a psicose, não apareceu nenhuma
alucinação...consegue-se suprir essa lei desregulada e isso impede que a criança
desencadeie a psicose. Um regulamento é produzido com os jogos de transformação.

Com a escola vai visitar os bombeiros voluntários e decide ser bombeiro, totalmente
convencido disso ele pesquisa sobre... etc etc.. e começa a reconstruir algo de aquela
identificação ao ideal do eu, e depois pede aos pais ser escoteiro .. E ele não teve mais
presença de fenômenos elementares. Soube anos depois que foi professor de educação
física... Ele se recompõe em relação a um ideal do eu. Foi um fenómeno elementar que
ficou desabonado do inconsciente. Não produziu o efeito da cadeia significante,
delírios, alucinações, foi uma recomposição do ideal do eu a partir de uma suplência.

Autismo:

Com o autismo, Lacan planteia algo muito diferente, ele da uma definição de autismo
com a qual insiste por 20 anos... No seminário 1 (1953), depois em Alocução sobre
as psicoses da criança (1967) e na Conferência em Genebra (1974) ele diz que no
autismo há algo detido, interrompido ou congelado diante da linguagem.

Ele não da uma descrição senão, define um elemento estrutural: detido, interrompido
na linguagem. Ele planteia para a neurose e na psicose duas posições do sujeito diante
da linguagem: na neurose tudo acontece no nível simbólico e na psicose há um retorno
no real e diz no seminário 3 que há um transtorno na linguagem na psicose.
Dá uma definição de estrutura, diz que o autista está congelado, não habita a
linguagem, não se inscreve no plano da linguagem. Para a psicose Lacan disse que não
habita o discurso, aqui podemos dizer que não habita a linguagem, ele tem linguagem
sim, mas não se inscreve em relação à linguagem como o nurótico ou o psicótico.
Serve para definir o autismo o que Lacan chama de Lalangue. Lalíngua é a entrada do
gozo no corpo onde o S1 não forma cadeia, não se encadeia como sistema de
oposições significantes, formando uma linguagem, é um enxame de S1, é um enxame
de zumbidos, que faz barulho, murmúrio, que produz ressonância, mas não produz
palavras, nem significantes recortados e diferenciados. É o murmúrio de S1, nesse
sentido pode-se deduzir que o autista está detido no nível de lalíngua, nesse efeito do
murmúrio de lalíngua.

As manifestações clínicas do autismo colocam em jogo esse enxame, as ecolalias,


onomatopeias, repetição de frases, palavras e frases sem sentido, palavras cortadas,
ruídos. Um enxame de S1 onde tudo isso não tem intenção comunicativa, não tenta
dizer algo, senão que tem uma função apenas para ele, para seu próprio gozo, aí está o
detido diante da linguagem, não aparece um sistema combinatório de oposições com
metáfora e metonímia, não aparece um laço de um sujeito para outro, no aparece o
Outro. A linguagem implica a dimensão do Outro, o esquema L de Lacan, o sujeito
recebe sua própria mensagem de forma invertida etc etc, isso quer dizer o estruturado
como uma linguagem, já no autismo não, é o enxame de S1, então assim como o
inconsciente na psicose é a céu aberto o inconsciente característico do autismo, é o
inconsciente de S1 que é o inconsciente de lalíngua e é com ele que se tem que
trabalhar, é por isto é que é tão difícil trabalhar no autismo. Trata-se de deixar de lado
a dimensão do sentido... Não adianta falar com ele, interpretar o que ele faz, mas sim
fazer intervenções em relação à lalíngua, os ruídos, o tempo, os espaços.
Um caso grave de uma criança que batia muito forte a cabeça o tempo todo até muitas
vezes ficar inconsciente, no tratamento cognitivo que fazia além da medicação,
colocaram um capacete tipo rúgbi nele... Tempo depois consultaram uma analista e
com o tempo ela começou a perceber que os golpes tinham certo ritmo e ela começou
a copiar esses barulhos batendo na mesa ou no capacete, colocando espaços, silêncios
entre os golpes. Trata-se com isso de uma operação sobre o ruído, não sobre a palavra,
e isso começa a produzir efeitos, os ruídos começam a ter silêncios e passa para
instrumentos de percussão. Opera sobre a lalíngua no recorte que se produz no
murmúrio de lalíngua, são operações feitas com o som. Assim o murmúrio de lalíngua
que era insuportável para o sujeito, se desloca de sua cabeça.

Pergunta: Sobre o tema da falta de intenção comunicativa... Uma criança autista


chama sempre a sua analista pelo nome y pede para que ela repita o que ele diz, e ai
ele se acalma.
Resposta: Já existe ai um trabalho de transferência, o paciente pode dirigir-se à
analista, mas não é com intenção comunicativa de sentido, não é para conversar com
ela, ele pede que ela repita o que ele diz, mas isso já é uma construção do sujeito na
transferência em relação à linguagem.

Miller toma o título do primeiro trabalho sobre o autismo, dos Lefort, “O nascimento
do Outro”, dizendo que eles perceberam muito bem como no autismo o Outro não
existe, ele têm que ser construído. Esta criança, ao conversar com a analista, começa a
construir um laço, mas esse laço não vem dado, ele não chega no plano do laço, que é
o campo da linguagem, ser amável para o Outro, ser querido pelo Outro etc, etc. e
todas as variantes de vínculo com o Outro. É uma direção a tomar nos tratamentos,
que o sujeito passe a dirigir-se ao outro, que entre no plano da presença e da ausência,
por exemplo, os jogos de esconde-esconde, que ele possa demandar algo, poder pedir
algo ao outro sempre levando em conta a posição, que está detido na linguagem,
sabendo que está do lado de lalíngua.

Transcrição ao português: Sara Arkanian.

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