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A PIADA COMO MECANISMO DE MANUTENÇÃO E DISSEMINAÇÃO DO


MACHISMO NA SOCIEDADE
VIEIRA, F. S.¹; RIBEIRO, G.C.L.²;

¹Acadêmica do curso de Direito no Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA. E-mail: fabianevieira@rede.ulbra.br.
²Advogada. Docente no Ensino Superior Jurídico na área de Direito do Trabalho e advogada. Graduação em Direito pela Universidade de
Marília (1999) e mestrado em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília (2013). Doutoranda em Direito
Constitucional pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (2018). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direitos
Humanos.

RESUMO: Nesta pesquisa se propõe demonstrar a função do humor e o seu limite, compreendendo sua
função social, bem como analisar a piada machista a fim de verificar de que forma é recepcionada pela
sociedade. O artigo aponta para a manutenção e a disseminação do preconceito e violência física e
simbólica contra as mulheres. As informações para tanto foram colhidas através de bibliografias de
estudiosos dedicados ao tema nas últimas décadas, e dados sobre a percepção de homens e mulheres
sobre determinada piada machista, comumente usada, para explanar a visão que ambos os gêneros tem
sobre a questão.

PALAVRAS-CHAVE: machismo; piada; sociedade.

INTRODUÇÃO: A piada é uma manifestação exclusivamente humana, que possui o intuito de


despertar o riso. Não obstante, o conteúdo da piada pode está carregado, de crítica, reflexão, ironia,
deboche, escárnio e entre outros. De forma geral, a piada expressa um contexto cultural, portanto não é
isenta de ideologia e posicionamento e concepção de mundo. Essa pesquisa foca em estudar a piada
como mecanismo de difusão de ideias ou forma de manter ativos no imaginário popular preconceitos e
estereótipos de gênero frente às mudanças sociais.
Desta forma, questiona-se a piada pode ser utilizada como um mecanismo de manutenção do machismo,
o que será verificado no decorrer da pesquisa, onde poderá ser percebida a natureza e o potencial da
piada de gênero, por meio de piadas deste cunho colacionadas no presente trabalho.

MATERIAL E MÉTODOS: Utilizou-se como método de pesquisa a revisão sistemática de literatura,


onde buscou-se pelos descritores: advocacia privada, machismo estrutural, mulheres na advocacia; no
banco de dados Google Acadêmico no site da Ordem dos Advogados do Brasil Federal e em repositórios
de Universidades Federais Brasileiras. Deu-se prioridade aos trabalhos publicados a partir do ano de
1889.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: O humor é uma manifestação humana bastante corriqueira na


sociedade, contudo, questiona-se a piada se presta ao mero entretenimento descontração do indivíduo,
sem possuir qualquer impacto social as ideias e práticas transmitidas por meio do humor. Assim, resta
o questionamento se a piada poderia ser um instrumento de difusão do machismo, tornando-o mais
aceitável sob o pretexto de ser apenas uma brincadeira, ou se de fato não há esse tipo de impacto social.
Quanto a isso, Travaglia (1990) entende que a função do humor possui ampla disseminação em todas as
áreas da vida humana, excedendo a ideia de apenas provocar o riso. O autor deixa claro, o humor o
revela e expõe a visão de mundo, e expõe a realidade cultural e natural da sociedade da qual imerge.
Ziraldo (1970) afirma que quanto mais encoberta e mistificada uma realidade é, maior se torna a
necessidade de consumo do Humor. Desta forma, é percebe-se que as piadas não são meras brincadeiras
desconexas da realidade e sem ligação a um contexto social e cultural, pelo contrário, o humor pode se
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valer como estratégia para se dizer coisas que socialmente não seria bem aceita ou que poderiam causar
desconforto, as tais "verdades encobertas" que se referiu ZIRALDO (1970. p.36).
Vale destacar, por exemplo, o uso do humor para se contrapor a uma realidade desagradável, penosa ou
até mesmo obscura, a regimes autoritários e servidões, ou situações mais leves, porém consideradas
complicadas, como casamento, criação de filhos, vida familiar, rotina de trabalho e afins ou entreter e
aliviar tensões. Para Freud (1905) o humor é uma forma de ataque às censuras, repressões, controle
físico e mental impostos ao indivíduo.
Entretanto, Freud (1977) também atribui a piada o propósito agressivo de humilhar, por meio da
expressão de pensamentos hostis reprimidos, sendo o riso um gesto tipicamente humano que "pode
esconder uma intenção inconfessada de humilhar" (BERGSON apud FRANCHI, 2009, p. 390).
Nesse sentido, conforme explicado acima, o humor pode ser um mecanismo de subversão e resistência
a contextos de dominação social, cultural e social, mas também pode ser utilizado para fins escusos de
humilhação e superiorização, e perpetuação de preconceitos. Diante disso, Raskin (1987) o que poderia
ser considerado como engraçado, o que poder ser entendido como uma ideia de limites para o humor,
se tudo pode ser objeto de troça.
Nesse sentido, Travaglia (1990), cita como exemplo as piadas étnicas, comumente ouvidas no Brasil,
como tema que reforça estereótipos preconceituosos e racistas, tais como: "o português é burro", "o
negro é preguiçoso", "negro safado", "sovaco de preto", os judeus e os turcos são avarentos", e a estes
podemos acrescentar os de cunho homofóbico e machista: " a loira é burra", "o corno", "gaúcho 'veado'
", "mulher no volante", " a puta e o papagaio", "mulher complicada de entender", "a puta" "a puta e o
papagaio", entre outras.
Portanto, verifica-se que o humor possui uma função social que vai além de entreter e divertir, é também,
um fator de sinalização de valores e princípios individuais ou de ideias reprimidas, podendo ser elas,
por exemplo, de caráter machista. Nessa perspectiva, Pinheiro e Furtado (2018) apontam a piada como
um meio de "ludibriar" o censor e da vazão a desejos reprimidos, tais como as piadas com apologia a
violência simbólica ou material às mulheres, sendo estas uma sui generis de tripudiar sobre as mulheres.
Nota-se, que as piadas estão intrinsecamente ligadas a um contexto cultural, mas valendo-se do humor
para negar esse vínculo, a fim de não conflitar com a visão social vigente, tornando-se mais palatável
sobre o pretexto de ser uma brincadeira, assim, auxiliando na manutenção de ideias que em sua forma
mais crua enfrentem algum grau de resistência.
Vale destacar, por exemplo, a pesquisa realizada por Araruna (2016), que questionou a
percepção de homens e mulheres em relação a chiste "mulher no volante, perigo constante"
como uma brincadeira ou uma piada preconceituosa. A pesquisa compreendeu o percentual de
45,42% dos homens e 65,72% das mulheres que viam como preconceito e 54,58% dos homens e
34,28% das mulheres que viam apenas como uma brincadeira.
Assim, conforme demonstrado acima, o público alvo da chacota tende a identificá-las mais como
preconceito. Quanto à parte considerável da pesquisa supra que entendeu a piada mencionada como
apenas uma brincadeira, Pinheiro e Furtado (2018) explica que a piada tende a banalizar e naturalizar
preconceitos, tornando esse tipo de interação mais legítima.
Portanto, por meio da inferência de diversas pesquisas e trabalhos científicos foi possível analisar a
piada como um elemento social, onde restou unânime entre os autores abordados, o seu caráter dubio,
como a utilização do humor para disfarçar a profundidade do tema abordado. O que possibilita que
pensamentos e ideologias permaneçam no imaginário coletivo por muito tempo, ainda que oriunda de
uma cultura já não tão bem aceita com outrora, o que indica tentativa de resgatar uma visão de mundo
reacionária e mantê-la circulando, a fim de conservar uma hierarquia social, por meio de um método
que quando confrontado atribui ao que tenta desconstruí-lo. Essa afronta fica evidente em frases como
"o mundo está muito chato" e "as mulheres não têm senso de humor" (PINHEIRO e FURTADO, 2018,
p.10). Assim, a piada machista é um meio de legitimar a violência física e simbólica contra as mulheres,
reforçar estereótipos de gênero, ridicularizando a inteligência, a postura sexual, as aptidões, o gênio e o
humor, do sexo feminino, e a forma que o interlocutor da piada tem de expor suas opiniões mais escusas
sem ser facilmente questionado, pois se valerá sempre da reprimenda da suposta falta se senso de humor
do outro. Como por exemplo, as piadas e frases de “humor” abaixo:

Deus estava andando com Adão pelo Paraíso, quando Adão resolveu perguntar: (A) -
Senhor ?! Por que fizeste a Eva tão bonita ? (D) - Para que você gostasse dela ! (A) -
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Por que a fizeste tão macia ? (D) - Para que você gostasse dela ! (A) - Tudo bem, mas
por que tão burra ? (D) - Para que ela gostasse de você !

Qual é a diferença entre uma boa trepada e uma boa cagada ? Depois de uma boa
cagada, você não precisa ficar meia hora abraçado com a latrina

Sabe por que mulher tem pé pequeno ? Para chegar mais perto do fogão.

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-?
- Porque, depois que ela ficou sabendo da AIDS, ela começou a reduzir os parceiros.

A piada machista risível os mais funestos preconceitos, disfarçando a sua verdadeira intenção de
humilhar o sexo feminino, pois como foi visto, não há nada nesse gênero de piada que seja capaz de
evidenciar a grandeza das mulheres, pelo contrário. Assim, a naturalização desse tipo de humor é uma
forma de manter socialmente ativa a violência de gênero.

CONCLUSÃO: O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o machismo


é reproduzido por meio das piadas, por de reflexão acerca do humor, além disso, também permitiu
verificar de que forma esse discurso é legitimado socialmente. De um modo geral, o humor possui uma
função social relevante e valiosa, contudo seus fins podem ser distorcidos para intentos inescrupulosos.
Nesse sentido, a propagação do machismo por meio do humor é um método muito eficiente, tendo em
vista que quase metade dos entrevistados entende como uma brincadeira sem qualquer implicação
negativa para o sexo feminino. Os artigos e pesquisas utilizadas forneceram base essencial para entender
como esse mecanismo funciona, e o porquê de ideias misóginas permanecerem tão bem aceitas no
cotidiano social. Dada à importância do tema, torna se necessário o desenvolvimento de análises mais
profundas sobre o tema, que possam revelar com maior precisão os impactos da legitimação do
machismo quando em forma de piada, e, assim, descontruir a redoma naturalização que existe nessa
prática funesta. Portanto, a utilização de piadas machistas, perpetua a violência de gênero, devendo ser
explorada a fim de se torna-la culturalmente inaceitável, pois existem muitas formas de humor e
nenhuma delas precisam se valer de preconceitos para terem graça e motivar o riso.

REFERÊNCIAS:
ARARUNA, Lethícia Silva. O MACHISMO NÃO É UMA PIADA. 2016. 32 f. TCC (Graduação) -
Curso de Ciência Política, Instituto de Ciência Política – Ipol, Universidade de Brasília – Unb,
Brasília, 2016.
BERGSON, H. O riso – ensaio sobre o significado do cômico. Lisboa: Guimarães Editores, 1993
[1899].
FRANCHI, Gisele Maria. A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NAS PIADAS DE LOIRA. Anais
do Seta, Campinas, v. 1, n. 3, p. 387-394, 2009. Anual.
FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas, vol. VIII. Rio de Janeiro: Imago, 1977 [1905].
PIADAS Machistas. Disponível em: https://www.piadasnet.com/piadas-machistas.htm. Acesso em: 04
out. 2020.
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PINHEIRO, P. Marques et al. “Uma piadinha não machuca ninguém”: a violência simbólica do humor
e sua dimensão de controle1. In: DT 7 – COMUNICAÇÃO, ESPAÇO E CIDADANIA DO XXIII
CONGRESSO DE CIêNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE DO, 23., 2018, Belo
Horizonte. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Belo
Horizonte: Intercom, 2018. p. 1-12.
PINTO, Ziraldo Alves. “ninguém entende de humor” in Revista Vozes de Cultura. Petrópolis, v.64,
nº 03, p.21-37, 1970.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Uma introdução ao estudo do humor pela lingüística. DELTA ‐ Revista
de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 55‐82, 1990.
ISSN/ISBN: 01024450.
WOITOWICZ, Karina Janz. O riso como lugar de expressão e fortalecimento do machismo: uma
leitura folkcomunicacional das piadas envolvendo questões de gênero na internet. Revista
Internacional de Folkcomunicação, Ponta Grossa, v. 1, p. 1-15, 2009. Anual.

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