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CULTURA PORTUGUESA DO SÉCULO XIX

(2022-2023)

Programa

I – Liberalismo
1 – Constitucionalismo

2 – Romantismo

3 – Anticlericalismo

II – Regeneração
1 – Ciência e Felicidade

2 – Geração de 70

3 – Positivismo

III – Decadência
1 – Camões

2 – Republicanismo

3 – Pessimismo

Departamento de Estudos Portugueses


Textos de apoio

Pág.

– Constituição Politica da Monarchia Portugueza 3

– Archivo Popular (volume I) 6

– O Panorama 8

– Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra 13

– António Feliciano de Castilho, Felicidade pela Agricultura 15

– Código Civil Português 19

– Antero de Quental, Causas da decadencia dos povos peninsulares... 20

– Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, As Farpas 25

– Bibliografia 27
Constituição Politica da Monarchia Portugueza,
decretada pelas Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes,
reunidas em Lisboa no anno de 1821

EM NOME DA SANTÍSSIMA E INDIVISÍVEL TRINDADE

AS CORTES GERAES EXTRAORDINARIAS E CONSTITUINTES DA


NAÇÃO PORTUGUEZA, intimamente convencidas de que as
desgraças publicas, que tanto a tem opprimido e ainda opprimem,
tiverão sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no
esquecimento das leis fundamentaes da monarchia; e havendo
outrosim considerado, que sómente pelo restabelecimento destas
leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da
mesma Nação, e precaver-se que ella não torne a cair no abysmo de
que a salvou a heroica virtude de seus filhos; decretão a seguinte
CONSTITUIÇÃO POLITICA, a fim de segurar os direitos de cada um,
e o bem geral de todos os Portuguezes.

TITULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAES DOS PORTUGUEZES
CAPÍTULO ÚNICO

ARTIGO 1
A Constituição politica da Nação portugueza tem por objecto manter
a liberdade, segurança, e propriedade de todos os Portuguezes.

2
A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não
manda, nem a deixar de fazer o que ella não prohibe. A conservação
desta liberdade depende da exacta observancia das leis.

3
A segurança pessoal consiste na protecção, que o Governo deve dar
a todos, para poderem conservar os seus direitos pessoaes.

4
Ninguém deve ser preso sem culpa formada, salvo nos casos e pela
maneira declarada no artigo 203 e seguintes. A lei designará as
penas, com que devem ser castigados, não só o Juiz que ordenar a
prisão arbitraria e os officiaes que a executarem, mas tãobem a
pessoa que a tiver requerido.

5
A casa de todo o Portuguez é para elle um asylo. Nenhum official
publico poderá entrar nella sem ordem escrita da competente
Autoridade, salvo nos casos e pelo modo que a lei determinar.
6
A propriedade é um direito sagrado e inviolavel, que tem qualquer
Portuguez, de dispôr á sua vontade de todos os seus bens, segundo
as leis. Quando por alguma razão de necessidade publica e urgente,
for preciso que elle seja privado deste direito, será primeiramente
indemnizado, na forma que as leis estabelecerem.

7
A livre communicação dos pensamentos é um dos mais preciosos
direitos do homem. Todo o Portuguez pode conseguintemente, sem
dependencia de censura previa, manifestar suas opiniões em
qualquer materia, comtanto que haja de responder pelo abuso desta
liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.

9
A lei é igual para todos. Não se devem portanto tolerar privilegios do
foro nas causas civeis ou crimes, nem commissões especiaes. Esta
disposição não comprehende as causas, que pela sua natureza
pertencerem a juizos particulares na conformidade das leis.

11
Toda a pena deve ser proporcionada ao delicto, e nenhuma passará
da pessoa do delinquente. Fica abolida a tortura, a confiscação de
bens, a infamia, os açoites, o baraço e pregão, a marca de ferro
quente, e todas as mais penas crueis ou infamantes.

12
Todos os Portugueses podem ser admitidos aos cargos publicos, sem
outra distincção que não seja a dos seus talentos e das suas virtudes.

18
O segredo das cartas é inviolavel. A Administração do correio fica
rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste artigo.

19
Todo o Portuguez deve ser justo. Os seus principaes deveres são
venerar a Religião; amar a patria; defendella com as armas, quando
fôr chamado pela lei; obedecer á Constituição e ás leis; respeitar as
Autoridades publicas; e contribuir para as despesas do Estado.

Título II
DA NAÇÃO PORTUGUEZA, E SEU TERRITORIO, RELIGIÃO,
GOVERNO E DYNASTIA

CAPÍTULO ÚNICO
ARTIGO 20
A Nação portuguesa é a união de todos os Portuguezes de ambos os
hemisferios.
O seu território forma o Reino-Unido de Portugal Brasil e Algarves, e
compreende:
I. Na Europa, o reino de Portugal, que se compoem das provincias do
Minho, Trás-os-Montes, Beira, Extremadura, AlemTejo, e reino do
Algarve, e das Ilhas Adjacentes, Madeira, Porto Santo, e Açores:

II. Na America, o reino do Brasil, que se compõe das provincias do


Pará e Rio Negro, Maranhão, Piauhi, Rio Grande do Norte, Ceará,
Parahiba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergippe, Minas Geraes,
Espirito Santo, Rio de Janeiro, S. Paulo, Santa Catharina, Rio Grande
do Sul, Goiaz, Matto Grosso, e das ilhas de Fernando de Noronha,
Trindade, e das mais que são adjacentes áquele reino:

III. Na África ocidental, Bissáo e Cacheu; na Costa de Mina o forte de


S. João Baptista d’Ajudá, Angola, Benguella e suas dependencias,
Cabinda e Molembo, as ilhas de Cabo Verde, e as de S. Thomé e
Principe e suas dependencias: na costa oriental Moçambique, Rio de
Senna, Sofalla, Inhambase, Quelimane, e as ilhas de Cabo Delgado:

IV. Na Asia, Salsete, Bardez, Goa, Damão, Diu, e os estabelecimentos


de Macáo e das Ilhas de Solor e Timor.
A Nação não renuncía o direito que tenha a qualquer porção de
território não comprehendida no presente artigo.

25
A Religião da Nação portugueza é a catholica apostolica romana.
Permitte-se comtudo aos extrangeiros o exercicio particular de seus
respectivos cultos.

29
O Governo da Nação portugueza é a monarchia constitucional
hereditaria, com leis fundamentaes que regulem o exercicio dos tres
poderes politicos.

30
Estes poderes são legislativo, executivo, e judicial. O primeiro reside
nas Cortes com dependencia da sancção do Rei. O segundo está no
Rei e nos Secretarios d’Estado, que o exercitão debaixo da autoridade
do mesmo Rei. O terceiro está nos Juizes.
Cada um destes poderes é de tal maneira independente, que um não
poderá arrogar a si as attribuições do outro.

31
A dynastia reinante é da serenissima casa de Bragança. O nosso Rei
actual é o senhor D. João VI.
Archivo Popular (volume I - 1837)

O MERCADO DOS ESCRAVOS


Tendo chegado ao Rio de Janeiro, fômos visitar o mercado dos
escravos, para vêrmos o modo por que alli sе effeituava este trafico vil, e que
tanto deshonra a humanidade.
Achámos centenares de desgraçados negros, quasi nús, arrebanhados
nos armazens: tinhão-lhes rapado as cabeças; e fazia estremecer vê-los todos
accocorados no chão, ousando apenas mover-se. A maior parte dos expostos
erão creanças, e quasi todos marcados com ferro em braza, e em geral essa
marca havia sido applicada nas partes nobres: algumas raparigas tinhão este
cruel ferrete sobre os peitos!!
Em consequencia da immundicie em que vem mettidos a bordo das
embarcações, amontoados e agrilloados n’huma parte da coberta; e tambem
pelos máos alimentos que ahi lhes dão, que consistem apenas em hum bocado
de carne salgada, toucinho, e farinha de pão, ou de feijão, estas miseraveis
creaturas vem reduzidas á pele e osso, quando desembarcão; em breve todo o
corpo se lhes enche de pequenas borbulhas, que arrebentão, e vão lavrando,
tornando a final em huma só chaga.
A miseria e a fome lhes faz perder o lusidio da pele, torna-se-lhe aspera
e escamosa, e bem depressa aqueles desgraçados se podem mais comparar a
animaes selvagens, do que a figuras humanas.
Quando se vendem os negros, são examinados como se fossem
cavallos; para lhes tirar o ar melancolico, costumão misturar-lhes na comida
pimentão, gengibre, e até tabaco; se isto não basta, quando se espera o
comprador, chove-lhes em cima uma nuvem de sôcos, pontapés, e chicotadas,
ou os espicação, como em nossas feiras costumão os lavradores fazer aos bois
para os tornarem espertos. O dono da armação de escravos sahe fóra em
procura de freguezes, e os offerece como se fossem generos ou mercadorias de
commercio, assegurando e exaggerando a bondade da sua raça. Imediatamente
faz levantar os negros, que o comprador designa, e com um açoute na mão os
obriga a mostrarem a sua agilidade. Examinão-lhes os dentes, apalpão-lhes
fortemente as espaduas e canellas, fazem-lhes em fim quantos exames he uso
fazer-se aos cavallos.
Desde o amanhecer até á noite encontrão-se milhares de negros ladinos
vagando pelas ruas em procura de trabalho: os mercados e os cáes estão cheios
delles, e nem hum só passo se pode dar pela cidade sem que venha logo hum
negro pedir alguma cousa. Estes escravos sao obrigados a sustentar-se á sua
custa, e a levarem á noite a seus senhores huma certa quantia, ordinariamente
de huma a duas patacas, aliás sao castigados: porém se ganhão mais do que a
quantia pedida, isso pertence-lhes, e o vão ajuntando para pagar quando em
outros dias não achão trabalho. Muitos senhores mandão trabaIhar os seus
escravos nas pedreiras, outros os mandão em busca de bichinhos, os quaes hoje
são mui procurados para ornatos de vestidos e grinaldas para senhoras. A sêde
do ganho he tal que se tolerão, e até se promovem, as maiores indecencias com
as escravas, com tanto que isso dê dinheiro. Arrancão-se os filhos ás pobres
mãis; vendem-nos por cincoenta ou sessenta patacas; o dono dos escravos
casa-os, e descasa-os a seu bel prazer, e vende quando lhe faz conta a mulher
e o marido a diversas pessoas, de modo que muitas vezes não se tornão mais a
vêr.
E ousão ainda queixar-se, esses especuladores de carne humana, do
empenho com que as nações cultas da Europa tem procurado abolir este
vergonhoso trafico? “MeIhor era que se nao mettessem com os negocios alheios,
gritão elles; pois cada nação tem o direito de governar-se como quizer.” E nao
tem todos o direito, se lhes responde, de advogar a causa da humanidade, e
defender o fraco contra o oppressor poderoso?
Nº 22 - Sabbado, 26 de Agosto

TINTA DE ESCREVER
Muitas são as receitas para fazer tinta. Entre ellas as seguintes merecem
a preferencia. Infunda-se em 1 libra e meia de agua da chuva ou de rio pura, 3
onças de galhas de boa qualidade peladas e cortadas em pedacinhos; exponha-
se por dois dias ao sol, ajunte-se 2 onças de vitriolo de boa côr e pulverisado;
misture-se tudo mexendo com hum páozinho de figueira, e exponha-se de novo
por dois dias ao sol; ajunte-se entào 1 onça de gomma arabia, clara e luzidia em
pó, e 1 onça de casca de roman. Ferva-se tudo a fogo brando, e engarrafe-se.
Outra - Huma libra de nozes de galha, 6 onças de caparrosa verde, 6
onças de gomma arabia e 4 canadas de cerveja ou de agua. Pisão-se as galhas
em hum gral, infundem-se рог vinte e quatro horas em agua quente sem ferver,
e ajunta-se ao mesmo tempo a gomma arabia moida que se dissolve, e
finallmente ajunta-se a caparrosa ou vitriolo verde pulverisado. Côa-se por huma
peneira de crina.
Outra que se faz em huma hora - Tome-se 1 onça de vitriolo romano,
outro tanto de gomma arabia, e 1 onça e meia de nozes de galha pisadas; deita-
se tudo em 10 onças de vinho branco ou de vinagre. Dentro de huma hora pode
empregar-se. Convém aquecer o liquido hum pouco ao lume.
Nº 26 - Sabbado, 23 de Setembro

ANEDOCTAS
Hum ministro de bastante influencia na corte dizia a hum moço abbade,
que lhe dirigía continuos elogios: "Vós os pretendentes, em quanto tendes que
pedir, sois mui prodigos de louvores; mas em vos apanhando servidos, só vos
lembrais de nós para nos desacreditar. - Oh! não receeis que comigo tal
aconteça: eu sempre tenho que pedir.”

Huma senhora, que nao passava por mui bem casada, perguntou a
huma sua amiga de que meios se servia ella para viver tão bem com seu
marido. - “Fazendo tudo o que lhe agrada a elle, lhe respondeo a amiga, e
soffrendo com paciencia o que me nao agrada a mim.”

Hum sugeito, que havia tido hum alto emprego na administração da


fazenda pública, construia huma bella casa para sua habitação. Passando por
alli certo cavalheiro do seu conhecimento, elle o convidou para ver as suas obras,
e lhe foi mostrando sala por sala, fazendo-lhe observar o seu gôsto e
magnificencia. Chegando ao último andar, lhe perguntou: “E que me dizeis a esta
agua furtada?” - Que he, lhe respondeo o cavalheiro, como todo o resto da casa.
O PANORAMA - JORNAL LITTERARIO E INSTRUCTIVO DA
Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis

PUBLICADO TODOS OS SABBADOS

INTRODUCÇÃO (nº 1, 6 de Maio de 1837)

De todas as coisas que se offerecem ao homem para lhe recrear


os momentos de ocio, é a leitura talvez a mais aprazivel, e seguramente
a mais proveitosa. Sem quebrar o seu repouso domestico, sem vaguear
pelas ondas do oceano, ou trilhar peregrino as sendas e desvios de
paizes remotos, diante de seus olhos se corre o panno á scena do mundo
passado e presente, e do mundo da sciencia e da arte: trava
conversação com as personagens mais distinctas de todas as epochas
e com os mais nobres engenhos de todas as idades: tracta as
intelligencias dos diversos paizes, e bebe a largos tragos na taça da
sabedoria. Cidadão de todas as republicas, membro de qualquer
sociedade, contemporaneo de qualquer seculo, só o homem dado á
leitura póde com verdade dizer que para elle foi o Universo creado.
Os antigos inventaram uma grande variedade de jogos publicos,
para nelles gastarem as horas que não consagravam aos negocios do
estado, ou aos interesses privados. Nasceram assim os combates do
circo, os theatros, as naumachias, e tantos outros espectaculos que
attrahiam a attenção do povo desoccupado. Faltava aos antigos a leitura;
porque, ignorando a arte de multiplicar as copias dos livros, estes não
podiam ser populares, e ficavam só ao alcance dos abastados, ou dos
sabios, que faziam do estudo o emprego da sua vida. Por esta causa a
civilisação grega e romana foi mui diversa da que hoje encontramos no
meio das naçoens modernas da Europa. Nos dois grandes povos da
antiguidade a policia era mais apparente do que intima; mais tendente a
afformosear, por assim dizermos, o aspecto da sociedade, do que a
melhorar o caracter moral do homem, e a cultivar-lhe a intelligencia. Os
preceitos da Philosophia, os descobrimentos das sciencias, eram
guardados no seio dos lyceus e escolas, como um thesouro, cujas
riquezas não revertiam em beneficio commum. Por esta arte volveram
muitos seculos; as naçoens surgiram umas apoz outras, e a barbaria
estava no amago da vida humana, posto que esta parecesse muitas
vezes aperfeiçoar-se, e que a gloria e o luxo tornasse brilhante a
passagem de muitas raças pela face da terra.
Assim o Grego era supersticioso, cruel, e refalsado; em cada
phenomeno extraordinario da natureza via a colera dos numes; e sem
pudor condenava o virtuoso em odio da virtude: assim o Romano batia
as palmas vendo correr no circo o sangue dos gladiadores, ou fazia
combater seus escravos junto ás mesas dos banquetes e da prostituição,
para lhe alegrarem a alma feroz com o espectaculo das feridas: e,
republicano orgulhoso, o simples cidadão de Roma era mais rico de
tyrannias do que o despota mais barbaro das regioens da Asia.
Nasceu o christianismo, cujo objecto era reformar os costumes:
mas os seus effeitos beneficos o foram quasi só para o coração do
homem. Dahi proveio que o imperio da ignorancia popular não foi
destruido, antes augmentou no meio das espantosas revoluçoens que
passaram por essas eras. A idade media veio depois, bella e sublime em
todos os costumes gerados pela religião do Evangelho, porém
monstruosa e selvagem em todos os usos e habitos que nasciam das
idéas de povos embrutecidos.
Foi a arte da Impressão, inventada no meado do XV seculo, que
deu principio á epocha da verdadeira civilisação. A sciencia até então
era como a fonte pobre, que jorrando em um lago fechado, ahi morre e
se esvae pela terra, sem ser util ás veigas visinhas: com a invenção da
typographia, porém, pouco e pouco se tornou manancial abundante,
transpoz as margens, e correndo semelhante a rio caudal, fertilisou e
cubriu de viço os campos da vida. O saber rasgou o seu véo de mysterio,
e o homem, a quem a consciencia revelava um futuro de gloria litteraria,
não deixou mais passar esta voz como a recordação de um sonho. Os
livros em breve se multiplicaram por tal modo, que em menos de um
seculo os volumes sahidos dos diversos prelos da Europa subiam ao
numero de milhoens, e póde-se conceber até que ponto terão hoje
augmentado, se nos lembrarmos que só os impressos nesta parte do
mundo que habitamos, montam annualmente a mais de cincoenta mil
obras diversas, multiplicadas por milhares de copias. Bella é por certo a
historia dos progressos da intelligencia, que em tão curto espaço
tentámos bosquejar: mas, força é dize-lo, a riqueza nos tornou pobres.
Os descobrimentos, as invençoens, e a meditação do genio, do talento,
ou do estudo, nem sempre poderam seguir de par os progressos da arte
de escrever. Muitas coisas inuteis e até damnosas se publicaram:
milhares de escriptores vestiram por molde seu alheias concepçoens;
milhares nos deram volumes abundantes de palavras e quasi ermos de
idéas. Por outra parte, as observaçoens e as theorias ácerca de qualquer
ramo dos conhecimentos humanos vieram umas apoz outras: cada uma
destas variedades ou mudanças foi representada por um ou por muitos
livros, e sem receio podemos affirmar que hoje a ninguem é dado nem
sequer o examinar os escriptos que existem ácerca de uma sciencia só,
quanto mais tentar instruir-se na totalidade dellas. No seculo XIX a
existencia de um Aristoteles seria absolutamente impossivel.
[...]
Neste estado, pois, da illustração e do progresso, o que mais
importa é o dilatar por todas as naçoens, e introduzir em todas as classes
da sociedade o amor da instrucção; porque este é o espirito do nosso
tempo, e porque esta tendência é generosa e util.
Mas como se dilataria a instrucção, como se faria descer a
variada sciencia até os ultimos degráus da escala social, se
houvessemos de empregar nisto essa multidão de escriptos especiaes
sobre todos os conhecimentos humanos, esses innumeraveis livros
accumulados por toda a parte em bibliothecas immensas? Fôra baldada
empreza, como o prova o que ácerca disto dissemos. Além disso, o
homem publico, o artista, o agricultor, o commerciante, ligados a uma
vida necessariamente laboriosa, poucas horas tem de repouso para dar
á cultura do espirito; e nenhum animo, por certo, seria assaz curioso de
instrucção, para gastar esses curtos momentos em folhear centenares
de volumes, e embrenhar-se em meditações profundas, que só uma
applicação constante póde tornar proficuas. Que é pois necessario fazer
para que seja satisfeita a necessidade de generalisar a instrucção; para
traduzir em obras a idéa característica do tempo actual? A solução deste
problema encontra-se na historia litteraria da Europa, nos ultimos vinte
annos.
[...]
A nação portugueza, cumpre confessa-lo, é uma das que menos
tem seguido este movimento progressivo da humanidade. O nosso povo
ignora immensas coisas que muito lhe importava conhecer, e esta falta
de instrucção sente-se até nas classes, que, pela sua posição social,
deviam ser illustradas. Entre os mesmos homens dados ás lettras, se
acha falharem repetidas vezes as noçoens elementares de tudo o que
não é objecto do seu especial estudo, e a sciencia em Portugal está
ainda longe de ter aquelle caracter de unidade, que ganha diariamente
no meio das outras naçoens.
Assim a Sociedade Propagadora dos conhecimentos uteis
julgou dever seguir o exemplo dos paizes mais illustrados, fazendo
publicar um jornal que derramasse uma instrucção variada, e que
podesse aproveitar a todas as classes de cidadãos, accommodando-o
ao estado de atrazo, em que ainda nos achamos. Esta nobre empreza
será por certo louvada e protegida por todos aquelles, que amam
deveras a civilisação da sua patria.
Sinceramente confessámos a nossa decadência intellectual:
com a gloria das armas morreu a nossa gloria litteraria. Sabemo-lo bem;
nem para o saber careciamos dos insultos que muitos estranhos tem
lançado sobre nossas cabeças por este motivo. Tal procedimento nos
parece vilmente cruel. O estrangeiro, que se assentou á nossa mesa,
que achou o somno do repouso debaixo do nosso tecto, vae para o seu
paiz escarnecer dos males e da ignorancia que entre nós introduziram
desventuras de tres seculos, e fazer do nome portuguez o baldão dos
povos. Semelhante procedimento se póde comparar ao do homem
abastado, que recebido e acatado no tugurio do pobre, fosse depois na
sala de seus banquetes motejar das estreitezas daquelle que o acolheu
como irmão.
Entretanto estas affrontas não devem desanimar-nos; ellas
procedem em parte do nosso antigo renome, que ainda pesa no espirito
dos estrangeiros. Anjos despenhados, procuremos subir outra vez ás
alturas de que, não nós, mas sim torrentes de calamidades publicas nos
precipitaram. Trabalhemos por nos instruir e melhorar nossos costumes,
augmentando a civilisação nacional. E’ esta a mais bella resposta, que
podemos dar ás accusacões dos estranhos: é esta a unica resposta
digna do caracter generoso, que nossos avós nos herdaram, e que não
acabou de todo atravez de tres seculos de decadencia.
Alexandre Herculano, A architectura gothica – Igreja do Carmo em Lisboa
O Panorama (nº 1, 6 de Maio de 1837)

Em nosso paiz os monumentos do estylo gothico teem sido


assaz despresados, e até a barbaridade e ignorancia lhes tem feito
uma guerra cruel. Nas provincias septentrionais, onde a Monarchia
teve o berço, e se levantaram os mais antigos edificios nacionaes, já
poucos vestigios destes, e construcçoens mesquinhas os tem
substituído. Os velhos mosteiros do Minho e da Beira estão de ha
muito convertidos em casarias semelhantes a alojamentos de
soldados, e os templos veneraveis da idade media se derrubaram
para em logar delles se alevantarem salas ou armazens, de mais ou
menos ambito, porém onde nem uma pedra falla do passado, onde
nada respira uma idéa religiosa. As arcarias gothicas, o clarão
solemne de uma luz reflectida no marmore do pavimento, atravez dos
vidros córados das frestas esguias - os portaes profundos formados
de series de arcos ponteagudos, successivamente mais estreitos e
baixos, e que eram na fachada como um symbolo do mysterio - as
torres erguidas dos campanarios, cujos cimos pyramidaes pareciam
apontar para o ceo – as columnas delgadas e subindo a prodigiosa
altura, semelhantes ao pensamento que se ergue até o throno do
Senhor – tudo isto desappareceu. Apenas uma ou outra cathedral, um
ou outro mosteiro, conserva as formas da sua architectura primitiva;
mas estas bellas formas estão cobertas de estuques, de dourados, de
madeiras entalhadas com ridiculo máu-gosto. O capitel gothico, tão
symbolico, tão semelhante ao vaso do incenso empregado nas
solemnidades religiosas, foi sotto-posto1, e coberto pelo capitel
corinthio, adorno proprio de outro systema de architectura, e adaptado
a outra ordem de idéas religiosas. A’ hora em que isto escrevemos
soam talvez as pancadas dos martellos na antiga collegiada de
Guimaraens, onde se vão gastando largas sommas, para destruir em
parte, em parte tornar monstruosa, uma das mais formosas obras da
architectura nacional.
Para salvar o que ainda resta, cumpria que o governo, e as
Municipalidades vigiassem pela conservação destes monumentos, e
podessem cohibir essas barbaras demoliçoens. Na Inglaterra e na
França seriamente se cuida em conservar e reparar esses edificios,
que são como a historia da intelligencia e da grandeza do paiz, e que
talvez em breve serão modelo para os artifices, quando de todo
acabar o preconceito de que em artes só o grego e o romano é bello;
quando se persuadirem que os habitos, as opiniões, e as crenças de
uma nação devem estar em harmonia com os seus monumentos.

1 Do italiano “sottoposto” (que sofreu alterações profundas).


Alexandre Herculano, Da educação physica

(O Panorama, nº 1, 6 de Maio de 1837)

O objecto da educação é o desenvolver e cultivar todas as


faculdades do homem, por tal arte que venham a preencher o fim
para que a natureza no-las concedeu.
Podem-se distinguir as faculdades humanas em tres
classes, a saber: physicas, intellectuaes, e moraes, e dividir-se,
portanto, a educação em tres ramos: educação physica, educação
da intelligencia, e educação moral.
Consiste a educação physica em dar ao corpo todo o
desenvolvimento, força e agilidade, de que é susceptivel, e
considerando-o depois como orgam da alma, aperfeiçoa-lo, por
este motivo, o mais que for possível: porque, em verdade, não é
dos interesses do corpo sómente que se tracta na educação
physica; mas tambem vantagens para o espirito nella se buscam.
Os progressos da intelligencia e o desenvolvimento da
sensibilidade dependem, em grande parte, de influencias physicas.
Tem-se visto almas fortes e puras habitar corpos debeis e
frageis; mas, por via de regra, a organisação viciosa e a saude
quebrada empecem e perturbam os trabalhos do espirito, e
imprimem nos sentimentos intimos um sello de corrupção. E’ pois
de grandissima importancia que se ponham todos os meios para
fortificar e tornar sadia a constituição das creanças. O gosto da vida
laboriosa, e a capacidade do homem para se dar a ella, raramente
se poderão encontrar, sem esta principal condição; e como as
classes populares vivem em geral dos recursos da sua industria,
seria atraiçoar-lhes os interesses vitaes, se menos-prezassemos
curar da sua educação physica.
Para assizadamente dirigir esta, e guerrear com proveito
os funestos habitos, que a ignorancia e as usanças arreigadas
ainda contrapoem á razão e experiencia, cumpre que as pessoas
encarregadas da educação da infancia possuam noçoens de
anatomia, de physiologia e de hygiene popular.
[…]
Os edificios destinados para escholas ou collegios devem
ser voltados ao poente, tomando as necessarias precauçoens para
quebrar a força do sol nos mezes calmosos. Cumpre que estes
edificios sejam colocados em alturas, onde o sopro dos ventos
possa renovar facilmente a atmosphera, e construidos de modo
que a humidade os não torne mal-sãos, e que ao mesmo tempo
recebam o ar e a luz em torrentes, por meio de janellas espaçosas.
Nas escholas onde se reunem muitos individuos, o ar se está
viciando continuamente, e por isso continuamente deve ser
renovado.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

Cap. III
Não: plantae batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra,
macadamisae estradas, fazei caminhos de ferro, construí passarolas de
Icaro, para andar a qual mais depressa, éstas horas contadas de uma vida
toda material, massuda e grossa como tendes feito ésta que Deus nos deu
tam differente do que a hoje vivemos. Andae, ganha-pães, andae; reduzi
tudo a cifras, todas as considerações d'este mundo a equações de interêsse
corporal, comprae, vendei, agiotae. No fim de tudo isto, o que lucrou a
especie humana? Que ha mais umas poucas de duzias de homens riccos. E
eu pergunto aos economistas-politicos, aos moralistas, se ja calcularam o
número de individuos que é forçoso condemnar á miseria, ao trabalho
desproporcionado, á desmoralização, á infamia, á ignorancia crapulosa, á
desgraça invencivel, á penuria absoluta, para produzir um ricco? Que lh'o
digam no Parlamento inglez, onde, depois de tantas commissões de
inquérito, ja deve de andar orçado o número de almas que é preciso vender
ao diabo, o número de corpos que se tem de intregar antes do tempo ao
cemiterio para fazer um tecelão ricco e fidalgo como Sir Robert Peel, um
mineiro, um banqueiro, um grangeeiro - seja o que for: cada homem ricco,
abastado, custa centos de infelizes, de miseraveis.
Logo a nação mais feliz não é a mais ricca.

Cap. IX
Tenho pena de nunca ter visto o Junot nem o Maneta, as duas
primeiras notabilidades que ouvi aclamar como taes e cujos nomes
conhecí... Ingano-me: conheci primeiro o nome de Bonaparte. E lembra-me
muito bem que nunca me persuadi que elle fosse o monstro disforme e
horroroso que nos pintavam frades e velhas n'aquelle tempo. Imaginei
sempre que, para excitar tantos odios e malquerenças, era necessario que
fosse um bem grande homem.
Desde pequeno que fui jacobino; ja se ve: e de pequeno me custou
caro. Levei bons puchões de orelhas de meu pae por comprar na feira de
San'Lazaro, no Porto, em vez das gaitinhas ou dos registos de sanctos, ou
das outras bogigangas que os mais rapazes compravam... não imaginam o
quê... um retrato de Bonaparte.
Foi 'inguiço' - diria uma senhora do meu conhecimento que accredita
n'elles: foi inguiço que aínda se não desfez e que toda a vida me tem
perseguido.
Quem me diria quando, por esse primeiro peccado politico da minha
infancia, por esse primeiro tractamento duro, e - perdoe-me a respeitada
memoria de meu sancto pae! - injustissimo, que me trouxe o mero instincto
das ideas liberaes, quem me diria que eu havia de ser perseguido por ellas
toda a vida! que apenas sahido da puberdade havia de ir a essa mesma
França, á patria d'esses homens e d'essas ideas com quem a minha
natureza sympathysava sem saber porquê, buscar asylo e guarida?
Cap. XIII
Frades... frades... Eu não gósto de frades. Como nós os vimos ainda
os d'este seculo, como nós os intendêmos hoje, não gósto d'elles, não os
quero para nada, moral e socialmente fallando.
No ponto de vista artistico porêm o frade faz muita falta.
Nas cidades, aquellas figuras graves e sérias com os seus habitos
tallares, quasi todos picturescos e alguns elegantes, atravessando as
multidões de macacos e bonecas de casaquinha esguia e chapelinho de
alcatruz que distinguem a peralvilha raça europea - cortavam a monotonia
do ridiculo e davam physionomia á população.
Nos campos o effeito era ainda muito maior: elles characterizavam a
payzagem, poetisavam a situação mais prosaica de monte ou de valle; e tam
necessarias, tam obrigadas figuras eram em muitos d'esses quadros, que
sem ellas o painel não é ja o mesmo.
Alêm d'isso o convento no povoado e o mosteiro no êrmo animavam,
amenizavam, davam alma e grandeza a tudo: elles protegiam as árvores,
sanctificavam as fontes, enchiam a terra de poesia e de solemnidade.
O que não sabem nem podem fazer os agiotas barões que os
substituiram.
[…]
Porque o barão é o mais desgracioso e estupido animal da creação.
[…]
O barão é pois usurariamente revolucionario, e revolucionariamente
usurario.
Por isso é zebrado de riscas monarchico-democraticas por todo o
pêllo.
Este é o barão verdadeiro e puro-sangue: o que não tem estes
characteres é especie differente, de que aqui se não tracta.
Ora, sem sahir dos barões e tornando aos frades, eu digo: que nem
elles comprehenderam o nosso seculo nem nós os comprehendémos a elles.
[…]
Ora o frade foi quem errou primeiro em nos não comprehender, a
nós, ao nosso seculo, ás nossas inspirações e aspirações: com o que
falsificou a sua posição, isolou-se da vida social, fez da sua morte uma
necessidade, uma coisa infallivel e sem remedio. Assustou-se com a
liberdade que era sua amiga, mas que o havia de reformar, e uniu-se ao
despotismo que o não amava senão relaxado e vicioso, porque de outro
modo lhe não servia nem o servia.
Nós tambem errámos em não intender o desculpavel êrro do frade,
em lhe não dar outra direcção social; e evitar assim os barões, que é muito
mais damninho bicho e mais roedor.
[…]
Quando me lembra tudo isto, quando vejo os conventos em ruinas,
os egressos a pedir esmola e os barões de berlinda, tenho saudades dos
frades - não dos frades que foram, mas dos frades que podiam ser.
António Feliciano de Castilho, Felicidade pela Agricultura, 1849

Advertencias

[...] Toda a discussão dá luz; e toda a luz é creadora. As theses


politicas não são porem as minhas; as minhas, o epilogo do meu livro, a
isto se-reduzem: temos terra, que pode ser mais, e melhor cultivada;
devemos cultival-a; temos alma, que póde ser mais, e melhor allumiada,
devemos allumial-a; temos coração, que pode ser mais puro, mais virtuoso,
e mais amante, e mais coração; devemos aproveital-o. A terra nos-fará
ricos; a instrucção poderosos; a moralidade unidos. A riqueza, o poder, a
fraternidade, que são a civilisação, felizes.
[...]

I - Excellencias da vida rustica


A arte variadissima de obrigar a terra a produzir tudo, não é uma
arte rude, pois todas as Sciencias a-cortejam, e a-servem; não obscura,
pois é a mais antiga e universal; não vil, nem desprezivel, pois só depende
de Deus, em quanto os homens todos dependem d'ella. As cidades, que
affectam desprezar os campos, d'elles nasceram, por elles vivem, e
medram, que só lá têem as suas raízes: transformam-se ellas, envelhecem,
amesquinham-se, doidejam, morrem e esquecem, em quanto elles, os
campos, permanecem, riem, amam, dão, e promettem de continuo;
coexistiram desde o principio, coexistirão até o fim com a Raça Humana.
A charrua e o enchadão, topam em toda a parte com as ruinas de
templos, e palácios: essas maravilhas ephemeras da arte, pompearam um
momento sobre o solo desvestido, e logo a Natureza as-afogou; as recobriu
outra vez com o seu sólo, com a sua vegetação, com os seus fructos, com
as suas fragrancias, com a sua paz, com as suas harmonias primitivas e
inefaveis.
Ouvís nas cidades grandes aquelle sussurro profundo de mil vozes,
como bramir de Oceano? - E' o estrépito da industria, o trafego do
commercio, a ebriedade das mesas, o vozear dos espectáculos: - Que
Fada produziu e conserva tudo isso? - A Agricultura.
Vede os exercitos, esse espantoso numero de consumidores
improductivos, esses celibatarios ministros da religião da Morte! - Quem os
gerou? Quem os-renóva? Quem os-alimenta? - O chão pacifico da lavoira.
O seu pão, a sua carne, o seu vinho, os seus legumes, os seus vestidos,
os seus cavallos, os seus carros, as suas bandeiras, os seus mil tambores...
tudo por lá se-creou! tudo aquillo, que vôa como remoinho devastador, que
não deixa senão cinzas, sangue, e lagrimas após si, tudo aquillo, nasceu e
folgou pelas aldeas e casaes; relinchou pelas planicies hervosas; mugio
nas leziras encalmadas; trepou, e balio pelos cerros; ciciou loirejando pelos
chãos, como espigas de alambre; vicejou em florestas; amadureceu
reluzindo por entre as parras movediças dos oiteiros.
[...]
VI – O clero e as mulheres
[...]
Fallámos do sacerdocio de Deus; fallemos do da Natureza;
fallemos das Mulheres.
Um fenomeno moral, dos mais inexplicaveis, é a dependencia, a
sujeição, a especie de tutela ignominiosa da mulher em todos os paizes,
em todas as edades, em todos os gráos da civilisação. Nascido d’ella,
creado por ella, e para ella; referindo a ella quasi todos os seus trabalhos,
pensamentos, e ambições, proclamando-a soberana, acatando-a quasi
como uma semi-divindade terrestre, o homem não cançou ainda de tratal-
a de facto como serva. O seu nome, triumfa na lyra dos poetas; as suas
graças, na tela dos pinctores e no marmore dos estatuarios; o seu credito,
na lança dos antigos paladins, na pistola e espada dos modernos duellistas;
a sua apparição na sociedade, é recebida com murmurio festivo e lisonjeiro,
como a da aurora na espessura, a que ella traz vida: se desprende a voz,
a rasão parece mais bella passando pela sua bocca; a virtude perde o seu
azedume; um feitiço indefinivel lhe-carea todos os animos; o tumulto se-
apazigua; os vicios grosseiros escondem o rosto e emmudecem, até a-
deixarem passar. O rasto de aromas, que os seus cabellos e os seus
vestidos deixam apóz si, não egualam ao vago e voluptuoso affecto, que o
mais leve dos seus movimentos coou até ao fundo dos corações. Respeita-
se-lhe o juizo; ama-se-lhe o espirito, a modestia, a decencia, os instinctos
bons, nobres e generosos, a timidez, que não exclue a heroicidade:
colhem-se-lhe as palavras benevolas, como diamantes, que se-
enthesoiram, e defendem com ciume; fazem-se os maiores sacrificios para
lhas-merecer. O mais soberbo, sente-se ufano, no dia em que obtem a sua
mão; o mais avaro, daria metade dos thesoiros pelo seu primeiro suspiro;
e os thesoiros todos pelo seu primeiro beijo; o mais sabio, a consulta, como
á melhor e menos fallivel porção de si mesmo. ‘Numa palavra: o mais grave
dos nossos interesses, a primeira educação moral dos nossos filhos, a
quem é commettida? dir-se-hia, que a nossa alma, ainda tenra, se-nutre no
seio da sua, como entre os seus braços bebemos no leite de seus peitos o
seu amor. E todavia... abri os codigos de todo o mundo, e perguntae-lhes
o que é este ente, complexo de tantas maravilhas, criado para companhia
do homem, mas depois do homem, como elle o-fôra depois dos brutos, e
os brutos depois dos entes insensitivos! todos os códigos, vos-
responderão: é uma escrava: e alguns, uma victima. Os trabalhos
continuos, obscuros, e inglorios, são a sua vida; e a sua morada um
carcere. Aqui, a-excluem dos recreios mais honestos; alem, a punem com
o ridiculo, se deixa respirar o seu talento; uma decência convencional e
tyrannica lhe impõi silencio quasi continuo. A acção, o passo, o dito, mais
indifferentes, lhe-são interpretados. As universidades lhes-estão fechadas;
defezas as magistraturas e os tribunaes; inaccessiveis o fôro e a tribuna:
só da charidade, dos hospitaes, das escolas de infancia, e do claustro da
oração a não poderam excluir. Que dizemos! não só a Asia as-vende, como
se vendem as flores para os regalos dos opulentos, e a Inglaterra as-deixa
vender nos seus mercados, como animaes de carga, se não que a propria
França, a patria da cortezia e do melindre, a terra, em que ellas mais
imperam sobre as artes, o gosto, e a sociabilidade, a França mesma, lhes-
impõi nas suas leis obediencia e respeito ás vontades de um marido. Da
sujeição filial, a unica reconhecida pela natureza, lá passam para o
captiveiro conjugal! o annel do noivado, é o primeiro de um grilhão, muitas
vezes insoffrivel, e que nenhumas forças lhes-poderão quebrar: o nome do
seu Senhor lhes-é para logo imposto, em vez do paterno! é a marca, é o
ferrete do dominio! marca indelevel, que sobreviverá ao possuidor; e que
só um possuidor novo encobrirá, substituindo a esse nome o seu nome, e
á tyrannia extincta uma segunda tyrannia2.
[...]
[...] e a mulher!... a mulher, nossa mãe, nossa esposa, nossa filha,
nossa irmã; a mulher, nossa ama, nossa educadora, nossa ecónoma,
nossa infermeira; a mulher, que nos-civilisa, que nos-adoça, nos-
encaminha, nos-aconselha, nos-acompanha e consola nos trabalhos, nos-
realça e requinta as alegrias; a mulher, que não vive, que não quer, que
não póde viver senão para nós; que nos-soffre e nos-perdoa de continuo;
a mulher, que é toda amor, e a mais brilhante revelação do ceo; a mulher...
é ainda escrava! escrava em plena Europa! e em pleno Christianismo! quasi
como na Africa e na Asia, sob os influxos do Korão! Escrava, como na India,
como na China, como na Tartaria, como na Turquia, como na Russia, como
entre os selvagens errantes, como entre os Romanos barbaros; escrava,
como sempre, e em toda a parte!
Já que ellas se não queixam (pobres victimas só feitas para
soffrer!...) ousemos nós defender os seus interesses, apesinhados; e não
contra os nossos, senão ainda em nosso beneficio. Parlamento das nossas
esperanças, Congresso de Lavradores, atrevei-vos a uma lei, que vos-doire
na historia, e vos-immortalise: decretae, depois de seis mil annos, a alforria
da mulher. Não são a milicia, as magistraturas, os governos das provincias,
que para ellas vos-pedimos; não são as cadeiras de legisladores, nem as
do magisterio; ‘numa palavra, não são nenhuns dos cargos, que a
prepotencia lhes-disputaria, e de que a Natureza as-tornou isemptas (não
por fracas, não por inferiores em espirito, mas porque foram fadadas para
mães). Dae-lhes porém, o que sem injuria não poderieis recusar-lhes:
reconhecei-lhes, como a seus esposos, como a seus paes, como a seus
filhos, o direito de suffragio. De que poderieis vós arreceiar-vos
franqueando-lhes o caminho á urna? Não têem ellas tanto interesse como
nós, em que leis sabias rejam, e homens sabios administrem? não zelarão
ellas o bem da terra, em que vivem seus consortes, e a sua prole? não são
ellas dotadas, para avaliar os meritos, para extremarem a verdade e a
impostura, de uma maravilhosa sagacidade, occulta arma defensiva, com
que a natureza as premuniu contra as offensivas do nosso sexo? não vivem
mais longe do tumulto da praça, que a nós outros tanta vez nos-desvaira,
lançando-nos em turbilhões já de odios, já d’amores insensatos e
contradictorios? não têem innatamente, alem do instincto de harmonia, o
espirito da justiça? nao foi já por isso, que nas antigas allianças entre

2
Com estas reflexões não pretendemos desapprovar a subordinação das mulheres a seus maridos
nos termos em que a prescrevem os nossos livros sagrados; só não queremos que esta
dependencia se converta em escravidão; que a legitima auctoridade marital degenere em tyrannia.
Eva, diz um Padre da Egreja commentando o Genesis, não foi formada da cabeça de Adão, para
que não tivesse a presumpção de o-querer dominar; nem tão pouco foi formada dos pés do
homem, para que por elle não fosse considerada como serva; foi-o de uma costella, a íim de que
se entendesse, que era destinada a ser sua companheira.
Carthagineses e Gallos se-estabeleceu, que, onde de parte a parte
recrescessem rasões de queixa fossem arbitros, por Carthago os seus
magistrados, pelas Gallias as suas mulheres?
“Mas” vos-segrederão alguns com maligno sorriso “conhecem ellas
o grande jogo da politica? fazem idea do que seja a ordem publica? com
quem o aprendeu a sua roca, para lho-ensinar?” Não, homens honrados,
ellas não sabem a politica; e eis-ahi uma das grandes vantagens que nos
levam para eleitoras; mas a ordem publica, se a não sabem, adivinhal-a-
hão, que para isso entre seus filhos e domesticos são rainhas de
pequeninos reinos: essa roca, alvo do epigramma ingrato e insolente, é o
seu sceptro; e póde ser, que ácerca da felicidade commum da aldea, da
freguezia, e da provincia, lhes-haja ella dito muito mais nas caladas dos
serões d’inverno, que á maior parte dos nossos eleitores cortesãos a
lampada parisiense entre os baralhos de cartas e os montes d’oiro. Mas
concedamos-lhes, que nossas esposas, nossas mães, e nossas filhas,
nunca jámais até agora pensaram sobre os negocios do Estado, como vos
elles dizem: por isso mesmo, por isso mesmo, lhes-deveis restituir mais
depressa o seu usurpado e imprescriptivel direito de votação; porque essa
indifferença, se ‘nellas existe, é mais uma calamidade; pois são as
educadoras da geração, que nos-ha-de succeder. Concedamos ainda
mais, que o precioso affecto da liberdade é; n’ellas quasi nullo; de quem é
a culpa? d'ellas? não; mas de nós outros, que a poder de escravidão lho-
adormentámos. Restitui ás Mulheres o seu quinhão legitimo de liberdade;
e vereis como ella se-consolida sobre fundamentos d’amor, mais que
duplicados.
Que miserrima contradicção é esta, que onde para a herança da
coroa a lei salica não governa, onde á mulher se-reconhece aptidão para o
cargo supremo do Estado, se-lhe-denegue para votar como cidadan em
mandatarios dos communs interesses!
De uma coisa podeis vós estar certos, ó deputados, e é; que as
eleições, em que ellas entrassem, por menos acertadas que a sua
inexperiencia as-produzisse, não dariam (porque era impossivel) mais
vergonhosos resultados, que todas quantas á sua revelia havemos feito, e
que para vergonha nossa lá ficam registadas na historia.
Oh! se o humilde Portugal estava ainda guardado para dar do fundo
do seu abismo tão altas lições, tão esplendidos exemplos á Europa e ao
Mundo!... uma Representação Nacional, genuina, e insofismada!... um
Clero sabio, virtuoso, paternal!... a Mulher investida na plenitude dos seus
destinos sociaes!...
No dia, em que a patria cingisse por suas mãos trez coroas tão
magnificas, morreriamos felizes. Teriamos vivido uma eternidade de
bemaventurança.
Dezembro de 1848.
Código Civil Português (1867)

Art. 7.º:
A lei civil é igual para todos, não faz distinção de pessoa nem de sexo, salvo os
casos expressamente enumerados.

Art. 22:
Perde a qualidade de cidadão portuguez:
4.º A mulher portugueza que casa com estrangeiro, salvo se não for por esse
facto naturalisada pela lei do paiz de seu marido. Dissolvido porém o matrimonio,
póde recuperar a sua antiga qualidade de portugueza, cumprindo com o disposto
na 2.ª parte do n.º 1.º deste artigo.

Art. 138:
As mães participam do poder paternal, e devem ser ouvidas em tudo o que diz
respeito aos interesses dos filhos; mas é ao pae que especialmente compete
durante o matrimonio, como chefe da familia, dirigir, representar e defender seus
filhos menores, tanto em juizo, como fóra delle.

Art. 159:
O pae póde nomear em seu testamento um ou mais conselheiros, que dirijam e
aconselhem a mãe viuva em certos casos, ou em todos aquelles em que o bem
dos filhos o exigir.

Art. 1185:
Ao marido compete especialmente a obrigação de defender a pessoa e os bens
da mulher e a esta a obrigação de prestar obediência ao marido.

Art. 1187:
A mulher auctora não póde publicar os seus escriptos sem o consentimento do
marido; mas póde recorrer á auctoridade judicial em caso de injusta recusa delle.

Art. 1192:
A mulher casada não póde estar em juizo sem auctorisação do maridos, excepto:
1.º Nas causas crime em que seja ré;
2.º Em quaesquer pleitos contra o marido;
3.º Nos actos, que tenham unicamente por objecto a conservação, ou segurança
dos seus direitos proprios e exclusivos;
4.º Nos casos em que tenha de exercer, relativamente a seus filhos legitimos, ou
aos naturaes, que tivessem de outrem, os direitos e deveres inherentes ao poder
paternal.

Art. 1966:
Não podem ser testemunhas em testamentos:
1.º Os estrangeiros;
2.º As mulheres;
3.º Os que não estiverem no seu juizo;
4.º Os menores não emancipados.
Antero de Quental
“Causas da decadencia dos povos peninsulares nos ultimos tres seculos”
(2.ª Sessão das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, 27-5-1871)

Excertos do texto (ed. 1871)

Meus Senhores:
A decadencia dos povos da Peninsula nos tres ultimos seculos é um
dos factos mais incontestaveis, mais evidentes da nossa historia: pode até
dizer-se que essa decadencia, seguindo-se quasi sem transição a um periodo
de força gloriosa e de rica originalidade, é o unico grande facto evidente e
incontestavel que n’essa historia apparece aos olhos do historiador philosopho.
Como peninsular, sinto profundamente ter de affirmar, n’uma assemblea de
peninsulares, esta desalentadora evidencia. Mas, se não reconhecermos e
confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos
aspirar a uma emenda sincera e definitiva? O pecador humilha-se diante do
seu Deos, n’um sentido acto de contrição, e só assim é perdoado. Façamos
nós tambem, diante do espirito de verdade, o acto de contrição pelos nossos
pecados historicos, por que só assim nos poderemos emendar e regenerar.
[…]
Meus Senhores: a Peninsula, durante os seculos 17, 18 e 19;
apresenta-nos um quadro de abatimento e insignificancia, tanto mais sensivel
quanto contrasta dolorosamente com a grandeza, a importancia e a
originalidade do papel que desempenhamos no primeiro periodo da
Renascença, durante toda a Idade Media, e ainda nos ultimos seculos -da
Antiguidade. […]
Taes temos sido nos ultimos tres seculos: sem vida, sem liberdade,
sem riqueza, sem sciencia, sem invenção, sem costumes. Erguemo-nos hoje a
custo, hespanhoes e portuguezes, d’esse túmulo onde os nossos grandes erros
nos tiveram sepultados: erguemo-nos, mas os restos da mortalha ainda nos
embaraçam os passos, e pela palidez dos nossos rostos pode bem ver o mundo
de que regiões lúgubres e mortaes chegámos ressuscitados! Quaes as causas
d’essa decadencia, tão visivel, tão universal, e geralmente tão pouco
explicada? Examinemos os phenomenos, que se deram na Peninsula durante
o decurso do seculo 16.º, periodo de transição entre a Idade-Media e os tempos
modernos, e em que apparecem os germens, bons e maus, que mais tarde,
desenvolvendo-se nas sociedades modernas, deram a cada qual o seu
verdadeiro caracter. Se esses phenomenos forem novos, universaes, se
abrangerem todas as espheras da actividade nacional, desde a religião até á
industria, ligando-se assim intimamente ao que ha de mais vital nos
povos - estarei auctorisado a empregar o argumento (n’este caso,
rigorosamente logico) post hoc, ergo propter hoc, e a concluir que é n’esses
novos phenomenos que se devem buscar e encontrar as causas da decadencia
da Peninsula.
Ora esses phenomenos capitaes são tres, e de tres especies: um
moral, outro político, outro económico. O primeiro é a transformação do
Catholicismo, pelo concilio de Trento. O segundo, o estabelecimento do
Absolutismo, pela ruina das liberdades locaes. O terceiro, o desenvolvimento
das Conquistas longiquas. Estes phenomenos assim agrupados,
comprehendendo os tres grandes aspectos da vida social, o pensamento, a
politica e o trabalho, indicam-nos claramente que uma profunda e universal
revolução se operou, durante o século 16.º, nas sociedades peninsulares. Essa
revolução foi funesta, funestissima. Se fosse necessária uma contraprova,
bastava considerarmos um facto contemporaneo muito simples: esses tres
phenomenos eram exactamente o opposto dos tres factos capitaes, que se
davam nas nações que lá fora cresciam, se moralisavam, se faziam
intelligentes, ricas, poderosas, e tomavam a dianteira da civilisação. Aquelles
tres factos civilisadores foram a liberdade moral, conquistada pela Reforma ou
pela Philosophia: a elevação da classe media, instrumento do progresso nas
sociedades modernas, e directora dos reis, até ao dia em que os destronou: a
industria, finalmente, verdadeiro fundamento do mundo actual, que veio dar ás
nações uma concepção nova do Direito, substituindo o trabalho á força, e o
commercio á guerra de conquista. Ora, a liberdade moral, appelando para o
exame e a consciencia individual, é rigorosamente o opposto do Catholicismo
do concilio de Trento, para quem a razão humana e o pensamento livre são um
crime contra Deos: a classe media, impondo aos reis os seus interesses, e
muitas vezes o seu espirito, é o opposto do Absolutismo, esteiado na
aristocracia e só em proveito d’ella governando: a industria, finalmente, é o
opposto do Espirito de conquista, antipathico ao trabalho e ao commercio.
Assim, em quanto as outras nações subiam, nós baixavamos. Subiam
ellas pelas virtudes modernas; nós desciamos pelos vicios antigos,
concentrados, levados ao summo grau de desenvolvimento e applicação.
Baixavamos pela industria, pela politica. Baixavamos, sobre tudo, pela religião.
Da decadencia moral é esta a causa culminante! O Catholicismo do
concilio de Trento não inaugurou certamente no mundo o despotismo religioso:
mas organisou-o d’uma maneira completa, poderosa, formidavel, e até então
desconhecida. N’este sentido, póde dizer-se que o Catholicismo, na sua forma
definitiva, immobilizado e intolerante, data do seculo 16.º. As tendencias,
porém, para esse estado vinham já de longe; nem a Reforma significa outra
coisa senão o protesto do sentimento christão, livre e independente, contra
essas tendencias auctoritarias e formalisticas. […] É necessario, com effeito,
estabelecermos cuidadosamente uma rigorosa distincção entre christianismo e
catholicismo, sem o que nada comprehenderemos das evoluções historicas da
religião christã. Se não ha christianismo fóra do gremio catholico (como
asseveram os theologos, mas como não pode nem quer aceitar a razão, a
equidade e a critica), n’esse caso teremos de recusar o titulo de christãos aos
lutheranos, e a todas as seitas saidas do movimento protestante, em quem
todavia vive bem claramente o espirito evangelico. Digo mais, teremos de negar
o nome de christãos aos apostolos e evangelistas, por que n’essa epoca o
catholicismo estava tão longe do futuro, que nem ainda a palavra catholico fôra
inventada! É que realmente o christianismo existio e póde existir fóra do
catholicismo. O christianismo é sobre tudo um sentimento: o catholicismo é
sobre tudo uma instituição. Um vive da fé e da inspiração: o outro do dogma e
da disciplina. Toda a historia religiosa, até ao meado do século 16.º, não é mais
do que a transformação do sentimento christão na instituição catholica. A Idade-
Media é o periodo da transição: ha ainda um, e o outro aparece já. Equilibram-
se. A unidade vê-se, faz-se sentir, mas não chega ainda a soffocar a vida local
e autonomica. Por isso é tambem esse o periodo das Igrejas nacionaes. As da
Peninsula, como todas as outras, tiveram, durante a Idade-Media, liberdades e
iniciativa, concilios nacionaes, disciplina propria, e uma maneira sua de sentir
e praticar a religião. D’aqui, dois grandes resultados, fecundos em
consequencias beneficas. O dogma, em vez de ser imposto, era aceito, e, n’um
certo sentido, criado: ora, quando a base da moral é o dogma, só pode haver
boa moral deduzindo-a d’um dogma aceito, e até certo ponto criado, e nunca
imposto. Primeira consequencia, de incalculavel alcance. O sentimento do
dever, em vez de ser contradito pela religião, apoiava-se n’ella. D’aqui a força
dos caracteres, a elevação dos costumes. Em segundo logar, essas Igrejas
nacionaes, por isso mesmo que eram independentes, não precisavam oprimir.
Eram tolerantes. Á sombra d’ellas, muito na sombra é verdade, mas tolerados
em todo o caso, viviam Judeus e Moiros, raças intelligentes, industriosas, a
quem a industria e o pensamento peninsulares tanto deveram, e cuja expulsão
tem quasi as proporções d’uma calamidade nacional. Segunda consequencia,
de não menor alcance do que a primeira. Se a Peninsula não era então tão
catholica como o foi depois, quando queimava os Judeus e recebia do Geral
dos Jesuitas o santo e a senha da sua politica, era seguramente muito mais
christã, isto é, mais caridosa e moral, como estes factos o provam.
[…]
E a nós, hespanhoes e portuguezes, como foi que o catholicismo nos
annullou? O catolicismo pesou sobre nós por todos os lados, com todo o seu
peso. Com a Inquisição, um terror invisivel paira sobre a sociedade: a hipocrisia
torna-se um vicio nacional e necessário: a delação é uma virtude religiosa: a
expulsão dos Judeus e Moiros empobrece as duas nações, paralisa o
commercio e a industria, e dá um golpe mortal na agricultura em todo o Sul da
Hespanha: a perseguição dos christãos novos faz desapparecer os capitaes: a
Inquisição passa os mares, e, tornando-nos hostis os indios, impedindo a fusão
dos conquistadores e dos conquistados, torna impossivel o estabelecimento
d’uma colonisação solida e duradoira: na America despovoa as Antilhas,
apavora as populações indigenas, e faz do nome de christão um symbolo de
morte: o terror religioso, finalmente, corrompe o caracter nacional, e faz de duas
nações generosas, hordas de fanaticos endurecidos, o horror da civilisação.
Com o Jesuitismo desapparece o sentimento christão, para dar logar aos
sophismas mais deploraveis a que jámais desceu a consciencia religiosa:
methodos de ensino, ao mesmo tempo brutaes e requintados, esterilisam as
intelligencias, dirigindo-se á memoria, com o fim de matarem o pensamento
inventivo, e alcançam alhear o espirito peninsular do grande movimento da
sciencia moderna, essencialmente livre e creadora: a educação jesuitica faz
das classes elevadas machinas inintelligentes e passivas; do povo, fanaticos
corruptos e crueis: a funesta moral jesuitica, explicada (e praticada) pelos seus
casuistas, com as suas restricções mentaes, as suas subtilezas, os seus
equivocos, as suas condescendencias, a infiltrar-se por toda a parte, como um
veneno lento, desorganisa moralmente a sociedade, desfaz o espirito de
familia, corrompe as consciencias com a oscilação continua da noção do dever,
e aniquila os caracteres, sophismando-os, amolecendo-os: o ideal da educação
jesuitica é um povo de crianças mudas, obedientes e imbecis, realisou-o nas
famosas Missões do Paraguay; o Paraguay foi o reino dos ceus da Companhia
de Jesus; perfeita ordem, perfeita devoção; uma coisa só faltava, a alma, isto
é, a dignidade e a vontade, o que distingue o homem da animalidade! Eram
estes os beneficios que levavamos ás raças selvagens da America, pelas mãos
civilisadoras dos padres da Companhia! Por isso o genio livre popular decaío,
adormeceu por toda a parte: na arte, na litteratura, na religião. Os santos da
epoca já não tem aquelle caracter simples, ingenuo dos verdadeiros santos
populares: são frades beatos, são jesuitas habeis. Os sermonarios e mais livros
de devoção, não sei porque lado sejam mais vergonhosos; se pela nullidade
das idêas, pela baixeza do sentimento, ou pela puerilidade ridicula do estylo.
Em quanto á arte e litteratura, mostrava-se bem clara a decadencia n’aquellas
massas estupidas de pedra da architectura jesuitica, e na poesia convencional
das academias, ou nas odes ao divino e jaculatorias fradescas. O genio
popular, esse morrêra ás mãos do clero, como com tanta evidencia o deixou
demonstrado nos seus recentes livros, tão cheios de novidades, sobre a
Litteratura portugueza, o snr. Theophilo Braga. Os costumes saidos d’esta
escola sabemos nós o que foram. Já citei a Arte de Furtar, os Romances
picarescos, as Farças populares, o Theatro hespanhol, os escriptos de D.
Francisco Manoel e do Cavalleiro de Oliveira. Na falta d’estes documentos,
bastava-nos a tradição, que ainda hoje reza dos escandalos d’essa sociedade
aristocratica e clerical! Essa funesta influencia da direcção catholica não é
menos visivel no mundo politico. Como é que o absolutismo espiritual podia
deixar de reagir sobre o espirito do poder civil? O exemplo do despotismo vinha
de tão alto! os reis eram tão religiosos! Eram por excellencia os reis catholicos,
fidelissimos. Nada forneceu pelo exemplo, pela auctoridade, pela doutrina, pela
instigação, um tamanho ponto de apoio ao poder absoluto como o espirito
catholico e a influencia jesuitica. N’esses tempos santos, os verdadeiros
ministros eram os confessores dos reis. A escolha do confessor era uma
questão de Estado. A paixão de dominar, e o orgulho criminoso de um homem,
apoiava-se na palavra divina. A theocracia dava a mão ao despotismo. Essa
direcção via-se claramente na politica externa. A politica, em vez de curar dos
interesses verdadeiros do povo, de se inspirar d’um pensamento nacional, traía
a sua missão, fazendo-se instrumento da politica catholica romana, isto é, dos
interesses, das ambições d’um estrangeiro. D. Sebastião, o discipulo dos
jesuitas, vai morrer nos areaes de Africa pela fe catholica, não pela nação
portugueza. Carlos 5.º, Filippe 2.º, poem o mundo a ferro e fogo, por que? pelos
interesses hespanhoes? pela grandeza de Hespanha? Não: pela grandeza e
pelos interesses de Roma! Durante mais de 70 anos, a Hespanha, dominada
por estes dois inquizidores coroados, dá o melhor do seu sangue, da sua
riqueza, da sua actividade, para que o Papa désse outra vez leis á Inglaterra e
á Allemanha. Era essa a politica nacional d’esses reis famosos: eu chamo a
isto simplesmente trair as nações.
Tal é uma das causas, se não a principal, da decadencia dos povos
peninsulares. Das influencias deletereas nenhuma foi tão universal, nenhuma
lançou tão fundas raizes. Ferio o homem no que ha de mais intimo, nos pontos
mais essenciaes da vida moral, no crer, no sentir – no ser: envenenou a vida
nas suas fontes mais secretas. Essa transformação da alma peninsular fez-se
la em tão intimas profundidades que tem escapado ás maiores revoluções;
passam por cima d’essa região quasi inaccessivel, superficialmente, e deixam-
na na sua inercia secular. Ha em todos nós, por mais modernos que queiramos
ser, há la occulto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um
fanatico ou um jesuita! Esse moribundo que se ergue dentro em nós é o inimigo,
é o passado. É preciso enterral-o por uma vez, e com elle o espirito sinistro do
catholicismo de Trento.
[…]
Que é pois necessario para readquirirmos o nosso lugar na civilisação?
para entrarmos outra vez na communhão da Europa culta? É necessario um
esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o passado.
Respeitemos a memoria dos nossos avós: memoremos piedosamente os actos
d’elles: mas não os imitemos. Não sejamos, á luz do seculo 19.º, espectros a
que dá uma vida emprestada o espirito do seculo 16.º. A esse espirito mortal
opponhamos francamente o espirito moderno. Opponhamos ao catholicismo,
não a indifferença ou uma fria negação, mas a ardente affirmação da alma
nova, a consciencia livre, a contemplação directa do divino pelo humano (isto
é, a fuzão do divino e do humano), a philosophia, a sciencia, e a crença no
progresso, na renovação incessante da humanidade pelos recursos
inexgotaveis do seu pensamento, sempre inspirado. Opponhamos á monarchia
centralisada, uniforme e impotente, a federação republicana de todos os grupos
autonomicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida
municipal, dando-lhe um caracter radicalmente democratico, porque só ella é a
base e o instrumento natural de todas as reformas praticas, populares,
niveladoras. Finalmente, á inercia industrial opponhamos a iniciativa do
trabalho livre, a industria do povo, pelo povo, e para o povo, não dirigida e
protegida pelo Estado, mas espontanea, não entregue á anarchia cega da
concorrencia, mas organisada d’uma maneira solidaria e equitativa, operando
assim gradualmente a transição para o novo mundo industrial do socialismo, a
quem pertence o futuro. Esta é a tendencia do seculo: esta deve tambem ser a
nossa. Somos uma raça decaída por ter rejeitado o espirito moderno:
regenerar-nos-hemos abraçando francamente esse espirito. O seu nome é
Revolução: revolução não quer dizer guerra, mas sim paz: não quer dizer
licença, mas sim ordem, ordem verdadeira pela verdadeira liberdade. Longe de
appellar para a insurreição, pretende prevenil-a, tornal-a impossivel: só os seus
inimigos, desesperando-a, a podem obrigar a lançar mão das armas. Em si, é
um verbo de paz, porque é o verbo humano por excelencia.
Meus senhores: ha 1800 annos appresentava o mundo romano um
singular espectáculo. Uma sociedade gasta, que se aluia, mas que, no seu
aluir-se, se debatia, lutava, perseguia, para conservar os seus privilegios, os
seus preconceitos, os seus vicios, a sua podridão: ao lado d’ella, no meio d’ella,
uma sociedade nova, embrionaria, só rica de ideas, aspirações e justos
sentimentos, sofrendo, padecendo, mas crescendo por entre os padecimentos.
A idea d’esse mundo novo impoe-se gradualmente ao mundo velho, converte-
o, transforma-o: chega um dia em que o elimina, e a humanidade conta mais
uma grande civilisação.
Chamou-se a isto o Christianismo.
Pois bem, meus senhores: o Christianismo foi a Revolução do mundo
antigo: a Revolução não é mais do que o Christianismo do mundo moderno.
Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, As Farpas
– Chronica mensal da politica, das letras e dos costumes

O paiz perdeu a intelligencia e a consciencia moral. Os costumes


estão dissolvidos, as consciencias em debandada, os caracteres
corrompidos. A pratica da vida tem por unica direcção a conveniencia. Não
ha principio que não seja desmentido. Não ha instituição que não seja
escarnecida. Ninguém se respeita. Não ha nenhuma solidariedade entre os
cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens publicos. Alguns
agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na
imbecilidade e na inercia. O povo está na miseria. Os serviços publicos são
abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas idéas augmenta
em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de
cima a baixo! Toda a vida espiritual, intellectual, parada. O tedio invadiu
todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das
secretarias para as mesas dos cafés. A ruina económica cresce, cresce,
cresce. As quebras succedem-se. O pequeno commercio definha. A
industria enfraquece.
[...]
Nós não quizemos ser cumplices na indifferença universal. E aqui
começamos, serenamente, sem injustiça e sem colera, a apontar dia por
dia o que poderiamos chamar – o progresso da decadencia.

Maio de 1871

Os nossos filhos. A educação na familia, no collegio e no lyceu

Leitor! Leitora! – fallemos dos vossos filhos. Levantemos a mão das


fraquezas, dos ridiculos, das miserias do nosso tempo, e consagremos esta
pagina aos mais puros e aos mais vitaes dos nossos interesses.
Conhecemol-os – os vossos filhos. Temol-os visto, ao voltar do
collegio, com os babeiros brancos, os chapéos mais velhos, o cabello
despenteado e o dedo sujo de tinta, esfarpando de encontro ás pedras os
bicos dos sapatos, enquanto o vosso creado, com os compendios do sr.
João Felix presos por uma correia debaixo do braço, os segue
pausadamente conversando em coisas lyricas com a criada da vossa
visinha.
[…]
Ellas e elles são pallidos, teem as gengivas esbranquiçadas, os
dentes baços, as pestanas longas, as palpebras opthalmicas, os cantos da
bôcca levemente feridos, o sorriso triste, os movimentos indecisos e fracos,
o olhar quebrado.
Precisam de tomar banhos frios, de comer carne ao almoço, de
beber uma colher de vinho generoso todos os dias, de fazer gymnastica, e
de que se lhes corte o cabello.
Além do cabello extremamente longo – o que equivale perante a
chimica e perante a physiologia a um dispendio de ferro com que não
podem as constituições anemicas dos vossos pequenos – notamos ainda
excessos de toilette cuja voga dá o seguinte resultado: Em parte alguma
do mundo se encontram creanças tão mal vestidas como em Lisboa.
[…]
A unica instrucção séria que se lhes deu na primeira infancia foi o
cathecismo. O Padre Nosso caiu-lhes na memoria como a toada sonolenta
e monotona de uma melopea machinal, de cuja intenção e de cujo sentido
– mesmo literal – elles não teem a minima idéa. Outro tanto lhes succede
com os mandamentos da lei de Deus e com os peccados mortaes. Nada
mais edificante, sobre a falsa educação religiosa que nós cuidamos dar aos
nossos filhos, do que ouvirmos as suas respostas quando lhes
perguntamos o que entendem por esta palavra que os obrigamos a repetir
duas ou tres vezes por dia – Luxuria – Ou a sua interpretação para esta
phrase que egualmente nos esforçamos por lhes fazer decorar: Não invejar
a mulher do teu proximo! Uma pequenina nossa amiga entende que a
luxuria é o peccado do demasiado luxo, e que guardar castidade consiste
em não murmurar contra os castigos.
Taes são as coisas que os nossos filhos aprendem em nossas
casas até a edade dos seis annos!

Chega finalmente a epoca de entrarem no collegio.


O collegio é uma casa triste, sombria, impregnada d’aquelle cheiro
abafante que deixa no ar a agglomeração das creanças. O collegio tem um
guarda-portão de aspecto duro, homem habituado a pagar-se nas lagrimas
dos collegiaes pequenos das diabruras que os grandes lhe fazem. As
paredes têem riscos e lettras a lapis; no chão escuro ha pedaços de papeis
rasgados; a disposição das camas, o aspecto secco dos prefeitos, as
maneiras dos criados dão aos dormitorios um ar de hospital. As aulas, sujas
pela lama que trazem as botas dos externos, os bancos lustrados pelo uso,
as carteiras de pinho pintadas de preto, os transparentes das janellas
manchados pela chuva, a lousa negra polvilhada de giz a um canto da casa,
o roda-pé da banca do professor de baeta lagrimejada de tinta, infundem
uma tristeza lugubre. Tudo quanto pode converter o trabalho n’um objecto
de repulsão e de horror acha-se felizmente reunido na maior parte dos
collegios portuguezes. As mulheres, que a experiencia tem provado
possuirem muito mais aptidão para o ensino do que os homens, são
geralmente excluidas do professorado nos collegios de alumnos do sexo
masculino. O ensino é ordinariamente feito por sabios de pouco preço, para
os quaes os ambitos da sciencia bem como os da sociedade são
egualmente cheios das trevas mais augustas e mais impenetraveis. Por via
de regra, litterato fallido, escriptor malogrado, critico inedito, o magister tem
a pedanteria das pequenas lettras e as severidades da alta magistratura,
envoltas n’um exterior intonso, com maneiras de uma gravidade suspeita e
de um exemplo contestavel.
[…]
Outubro de 1871
 BIBLIOGRAFIA 

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