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CARL ROGERS (1) – TENDÊNCIAS FORMATIVA E ATUALIZADORA

A realidade fenomenológica

A psicologia rogeriana trabalha do começo ao fim com as experiências


subjetivas dos indivíduos. Segundo Rogers, essa experiência subjetiva é a
base de todos os julgamentos e comportamentos individuais; é essa realidade
interna, fenomenológica, em vez da realidade externa, objetiva, que exerce
papel central no comportamento das pessoas.
O entendimento de que a nossa percepção da realidade é subjetiva é o
princípio fundamental da fenomenologia. Para a abordagem fenomenológica, a
única realidade da qual podemos ter certeza é a nossa própria experiência
subjetiva de mundo, nossa percepção interna do que se passa ao redor.
Rogers concorda com esse entendimento e afirma que a característica mais
importante de nossa experiência de mundo é que ela é privada e só pode ser
compreendida de forma completa por nós mesmos.
Essa experiência interna inclui tudo o que está se passando no organismo em
um dado momento. Todas essas experiências, conscientes e inconscientes,
constituem o que Rogers chama de campo fenomenal, nosso mundo privado.
A experiência consciente é a parte do campo fenomenal que pode ser
simbolizada, ou seja, pode ser descrita ou imaginada pela pessoa. Já a
experiência inconsciente, ao contrário, é a parte do campo fenomenal da qual a
pessoa não está ciente e, portanto, não pode ser traduzida em símbolos.
Segundo Rogers, quanto mais psicologicamente saudáveis somos, mais
estamos conscientes de nossas experiências, mais somos capazes de
simbolizá-las de forma acurada e completa; quanto menos saudáveis, mais
distorcemos ou reprimimos nossas experiências, tornando-nos menos capazes
de simbolizá-las e senti-las de maneira precisa. Assim, Rogers considera que a
mente consciente deve preponderar sobre a mente inconsciente para que se
mantenha a saúde psíquica.
 

Tendência atualizadora (ou realizadora)


Em cada um de nós existe uma motivação inata à qual Rogers chama
de tendência atualizadora. Um impulso ativo que nos conduz em direção à
realização de nossos potenciais, e nos capacita a nos mantermos e nos
aperfeiçoarmos. Como vimos no vídeo, essa tendência abarca dois tipos de
necessidades: necessidades de manutenção e necessidades de
aperfeiçoamento. Veja a figura abaixo:
As necessidades de manutenção relacionam-se à satisfação de carências
fisiológicas como fome, sede e segurança, mas também à busca da
estabilidade psíquica manifesta pela rejeição da mudança e pela aceitação
do status quo. Já as necessidades de aperfeiçoamento, em contraste com as
anteriores, são aquelas que nos impulsionam ao crescimento, à aprendizagem
e à busca da completude.
A teoria de Rogers confere especial relevo às necessidades de
aperfeiçoamento presentes na tendência atualizadora. Em sua prática
psicoterapêutica, ele percebeu que todos os seus pacientes tinham uma
tendência para o crescimento, para a autorrealização, mesmo os pacientes
mais problemáticos. Essa urgência por expansão, autonomia e
desenvolvimento pode até ficar soterrada sob camadas e camadas de defesas
psíquicas, mas ela existe em cada indivíduo e espera apenas pelas condições
propícias para se libertar e se expressar. Rogers cita experimentos nos quais
até mesmo ratos preferem ambientes que oferecem estímulos mais complexos
a ambientes que oferecem estímulos menos complexos. De forma semelhante,
os seres humanos buscam novas experiências e evitam ambientes pouco
estimulantes.
Rogers entende que o ser humano é basicamente bom, que temos uma
natureza essencialmente positiva. Logo, a tendência atualizadora é uma
tendência construtiva; nós não nos impulsionamos em direção à
autodestruição, a não ser em circunstâncias extremamente adversas. Se as
circunstâncias forem saudáveis e encorajadoras, desenvolveremos nossa
bondade inata.
Embora Rogers seja otimista em relação à natureza humana, ele está
perfeitamente consciente de que às vezes as pessoas são imaturas e
antissociais, e que podem agir baseadas em medo e ignorância. Contudo, tais
comportamentos estão em desacordo com suas naturezas básicas e resultam
de processos de socialização não saudáveis. Assim, a sociedade pode facilitar
ou dificultar o movimento da tendência atualizadora.
É importante ressaltarmos que a tendência atualizadora não existe apenas nos
humanos. Como foi visto no vídeo, os outros animais e as plantas também
apresentam esse direcionamento para a realização de suas potencialidades,
desde que as condições adequadas estejam presentes. Por exemplo, para que
uma planta desenvolva todo seu potencial produtivo, ela precisa de água, luz
solar e um solo fértil. Da mesma forma, o ser humano requer certas condições
para que sua tendência atualizadora prospere. Segundo Rogers, tais condições
seriam relações sociais nas quais estejam presentes a congruência ou
autenticidade, a consideração positiva incondicional e a empatia. Quando
as pessoas têm relações sociais nas quais elas podem ser elas mesmas
(congruência), sentem-se aceitas incondicionalmente (consideração positiva
incondicional) e percebem que seus pontos de vista são compreendidos pelos
outros (empatia), o crescimento psicológico acontecerá inevitavelmente.

CARL ROGERS (2) – O SELF E A AUTORREALIZAÇÃO

O processo de avaliação organísmico


Qua
ndo somos bebês, agimos de acordo com um conjunto de referências internas,
uma bússola interior que nos orienta em nossas ações. Esse sistema de
orientação interno (o processo de avaliação organísmico que já vimos no
vídeo) está a serviço da tendência atualizadora, ou seja, os comportamentos
do bebê estão orientados à busca do crescimento e do desenvolvimento; esse
é o critério que o bebê utiliza para julgar uma experiência. As experiências que
promovem a atualização são percebidas como boas, aquelas que dificultam
essa tendência para desenvolvimento são avaliadas negativamente.
Quando nos tornamos adultos, precisamos avaliar experiências muito mais
complexas do que aquelas avaliadas pelos bebês. Faremos julgamentos muito
mais sofisticados a respeito de uma série de experiências ligadas a coisas
como a carreira, a ética, os relacionamentos, a política e por aí vai, e muitas
vezes os julgamentos que fazemos nessas áreas mudam com o tempo;
podemos julgar uma obra de arte como bela num determinado momento de
nossas vidas e, mais tarde, acharmos que ele é feia ou entediante. Avaliações
a respeito de amigos, conhecidos, políticos, médicos, professores, parentes e
outras questões não são permanentes, elas se atualizam na medida em nos
modificamos ao longo da vida. Além disso, ao contrário dos bebês, os adultos
estão expostos a uma série de opiniões externas que vão sendo incorporadas
aos seus sistemas de avaliação.
Na visão de Rogers, ao longo do nosso processo desenvolvimental, muitas
vezes deixamos que esses valores, opiniões e crenças de outras pessoas se
sobreponham ao nosso processo de avaliação organísmico, nossa bússola
interior, e nos afastamos da nossa sabedoria interna que nos impulsiona para o
nosso crescimento e realização. Uma vez que abandonamos nossos próprios
sentimentos e intuições, passamos a fazer escolhas que buscam agradar aos
outros em detrimento do nosso desenvolvimento pessoal. Mas por que isso
acontece? Essa questão será melhor explicada no próximo vídeo (parte 3),
mas em poucas palavras podemos dizer que durante os processos de
socialização, às vezes passamos a valorizar mais o afeto das pessoas que nos
cercam do que o nosso próprio crescimento, então aprendemos que
precisamos agradar aos outros para sermos objeto de suas afeições, o que
acaba por nos afastar do nosso desenvolvimento enquanto indivíduos.
 

O autoconceito

Todos esses valores, opiniões e crenças que vamos incorporando ao nosso


sistema de avaliação passam a moldar o nosso autoconceito, nossa
autoimagem, o que acreditamos sobre nós; muitas vezes, essas ideias são
limitadoras de nosso potencial. Ideias limitadoras são aquelas que não
correspondem às capacidades que já possuímos nem aos nossos potenciais;
avaliações a respeito de nós que subestimam o que somos, são limitadoras,
mas aquelas que nos superestimam também nos limitam, por não
corresponderem ao que somos.
Quando o autoconceito está repleto de ideias que nos subestimam ou nos
superestimam, nossa capacidade de crescimento torna-se comprometida, pois
nos afastamos das experiências que podem nos proporcionar desenvolvimento
real por considerá-las incongruentes com nosso autoconceito. Uma excelente
oportunidade de trabalho pode ser perdida por parecer “boa demais” para nós
ou, ao contrário, por parecer estar “abaixo” do que acreditamos merecer. O
mesmo vale para oportunidades no campo social e afetivo.
Contudo, às vezes nosso autoconceito está em sinergia com o eu real. Isso
ocorre quando somos socializados em ambientes nos quais nos sentimos
estimulados, amados e aceitos incondicionalmente. Então, utilizamos
completamente nosso processo de avaliação organísmico e experimentamos
inevitavelmente o crescimento pessoal e o movimento em direção à realização
de nossos potenciais. Nas palavras Rogers, esses indivíduos estão a caminho
de se tornar pessoas completamente funcionais. Abaixo, apresentamos as
características que ele atribui a essas pessoas:
1 – Estão abertas a experiências. Pessoas completamente funcionais
não são defensivas, estão abertas a todos os seus sentimentos – medo,
sofrimento, doçura, coragem etc. Elas estão totalmente conscientes de
suas experiências e as aceitam em vez de distorcê-las ou negá-las.
2 – Vivem de maneira existencial. Pessoas completamente funcionais
vivem no presente enquanto suas experiências acontecem, sem
prejulgamentos; não se prendem ao passado ou ao futuro, mas são
abertas e flexíveis, lidando com as experiências da vida como elas são e
descobrindo por si mesmas os significados dessas experiências.
3 – Confiam em seus organismos. Pessoas completamente funcionais
fazem o que acreditam ser certo. O que não quer dizer que estejam
inevitavelmente corretas, mas que fazem suas próprias escolhas,
responsabilizando-se por suas consequências e corrigindo-as se não
forem satisfatórias.
4 – São criativas. A abertura a novas experiências com base em
avaliações próprias, e a disposição para assumir riscos, resultam em
produtos criativos e vidas criativas.
5 – Vidas enriquecidas. Pessoas completamente funcionais vivem
vidas mais ricas que as outras pessoas. Não em termos de alegria,
contentamento e segurança – embora esses sentimentos estejam
presentes nos momentos apropriados -, mas em termos de excitação,
desafio, significado e compensação.

CARL ROGERS (3) – CONSIDERAÇÃO POSITIVA E CONDIÇÕES DE


VALOR

Consideração positiva

Com
o já estudamos, o autoconceito (ou eu percebido) é um conjunto organizado
de características que o indivíduo percebe como particularmente suas, ou seja,
características que o definem. Esse sistema se desenvolve a partir do contato
com outras pessoas, especialmente aquelas que são significativas para nós
como pais, irmãos, amigos, professores. Isso indica que muito do que
acreditamos a nosso respeito, nossa autoimagem, está baseada nas
avaliações que os outros fazem sobre nós, ou seja, passamos a nos avaliar em
termos do que os outros pensam e não do que realmente sentimos.
A razão pela qual confiamos tanto nas avaliações dos outros, segundo Rogers,
é porque desenvolvemos uma forte necessidade por consideração positiva.
Não se sabe se essa necessidade é inata ou se a aprendemos, mas Rogers
entende que mais importante do que descobrir a origem dessa necessidade é
entender seu enorme impacto sobre o indivíduo; todos desenvolvemos muito
cedo uma grande necessidade de amor, aceitação e entendimento.
Infelizmente, muitas vezes aprendemos que só seremos dignos de receber
essa consideração positiva se nos subordinarmos aos valores, opiniões e
crenças das pessoas que são significativas para nós, evitando que sejamos
autênticos.
Como resultado, essa vontade de agradar aos outros como forma de garantir
afetos pode se tornar mais importante do que a disposição de observarmos
nossos próprios sentimentos e percepções, nossa bússola interna (que já
estudamos anteriormente nesse material).
 

Condições de valor
Atitudes como a citada acima indicam que o autoconceito do indivíduo está
carregado de condições de valor, ou seja, a pessoa considera que certas
experiências e comportamentos são aceitáveis apenas quando estão em
sintonia com a aprovação dos outros, particularmente daqueles que
estimamos. Condições de valor, portanto, são as condições (provenientes das
avaliações das outras pessoas) às quais nos submetemos para obter amor,
aceitação e/ou aprovação, mesmo que isso signifique abrir mão do que
realmente desejamos ou pensamos.
 

Autoconsideração positiva incondicional


A situação ideal para que o indivíduo se desenvolva de forma psicologicamente
saudável e se torne uma pessoa completamente funcional (já estudamos
esse conceito no tópico anterior), é aquela em que existe consideração
positiva incondicional, um sentimento de cuidado profundo e sincero em
relação a nós por parte dos outros, sem julgamentos depreciativos dos nossos
pensamentos, sentimentos e comportamentos. Note que isso não significa que
a criança não pode ser punida pelo mau comportamento, mas que a
consideração positiva persiste apesar dos comportamentos indesejáveis da
criança. Em vez de lhe dizermos “Não gostarei mais de você se fizer isso”,
seria mais adequado dizer-lhe “Não faça isso porque não está certo”. Ou seja,
não se deve ameaçar a criança com a perda do afeto por ela agir de forma
inadequada.
Quando nossas necessidades por consideração positiva são suficientemente
atendidas pelas pessoas que são significativas para nós, desenvolve-se
a autoconsideração positiva incondicional, um construto rogeriano
comparável ao conceito de autoestima em Maslow. Quando essa
autoconsideração positiva está desenvolvida, nós deixamos de necessitar de
aceitação e aprovação externas. Quer dizer, o autoamor, a autoaceitação e a
autoaprovação tornam-se mais importantes e independentes das avaliações
externas.

CARL ROGERS (4) – TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE

Rogers entende que algumas condições são necessárias para que o sucesso
da terapia possa ocorrer. Primeiramente, o terapeuta deve
apresentar congruência, ou seja, autenticidade, deve ser ele mesmo.
Segundo, ele deve ter uma postura de aceitação incondicional em relação ao
cliente. Terceiro, precisa estar disposto a ouvi-lo com empatia, sem
prejulgamentos.
Embora as três condições sejam necessárias, Rogers afirma que a
congruência é a mais importante e básica para o processo terapêutico, pois
congruência é uma qualidade geral pertencente ao terapeuta, ou seja, a
congruência é uma disposição do terapeuta em relação a si mesmo, já a
aceitação incondicional e a empatia são sentimentos e atitudes que o terapeuta
terá por cada cliente em específico.
 

Congruência
A primeira condição necessária para o sucesso do processo terapêutico é que
o profissional seja congruente. A congruência existe quando alguém está em
contato com o eu organísmico, o eu real. Ser congruente significa ser
verdadeiro, genuíno, inteiro; ser o que realmente é. O terapeuta congruente
tem a habilidade e o desejo de expressar abertamente seus sentimentos.
Rogers percebeu muito cedo em sua prática terapêutica que, em longo prazo,
não era útil fingir ser aquilo que ele não era. Um terapeuta congruente não é
apenas uma pessoa boa e amigável, mas um ser humano completo que sente
alegria, raiva, frustração, confusão etc. Quando esses sentimentos são vividos,
não são negados nem distorcidos, mas reconhecidos e expressos. O
profissional congruente, portanto, não é passivo, distante nem “não diretivo”.
Em algumas obras, a terapia centrada no cliente ainda é tratada como não
diretiva, mas o fato é que a terapia movimenta-se em uma clara direção, a de
garantir que o cliente entre em contato com seu eu organísmico para que a
mudança terapêutica ocorra, e o terapeuta dirige o processe nesse sentido ao
promover o clima psicológico necessário.
O profissional congruente não é estático. Como a maioria das outras pessoas,
ele está constantemente exposto a novas experiências, mas ao contrário
dessas pessoas, ele recebe tais experiências de maneira consciente, sem
negá-las ou distorcê-las, o que contribui para o seu crescimento psicológico.
Ele não usa máscaras, nem sustenta uma fachada falsamente agradável, e
evita fingir afeição ou amizade quando esses sentimentos não são realmente
sentidos. Da mesma forma, ele não finge raiva, dureza ou ignorância, nem
encobre sentimentos de alegria, euforia ou felicidade. O terapeuta congruente é
capaz de lidar com seus sentimentos de maneira consciente e expressá-los
com honestidade.
Rogers afirma que o terapeuta será mais eficiente se ele comunicar
sentimentos genuínos, mesmo que eles sejam negativos ou ameaçadores. Agir
de outra maneira seria desonesto com os clientes, e eles o perceberiam,
mesmo que de forma não consciente. De toda forma, Rogers entende que
existem diferentes níveis de congruência, ou seja, o terapeuta não precisa ser
absolutamente congruente para facilitar a mudança terapêutica do cliente. Não
é necessário ser perfeito para que alguém seja um terapeuta eficiente.
 

Aceitação incondicional

Seg
undo Rogers, o terapeuta deve aceitar o cliente como é, sem possessividade,
sem julgamentos e sem reservas. Aceitar sem possessividade significa
importar-se com o outro sem sufocá-lo ou apropriar-se dele; significa importar-
se e permitir que o outro seja autônomo e independente, entendendo-o como
um indivíduo separado que tem direito aos próprios sentimentos e opiniões em
relação ao que é certo e errado. O fato de importar-se com o cliente, não
significa que cabe ao terapeuta guiá-lo em suas escolhas, mas que ele lhe
permite ser como é e decidir o que considera melhor. Como vimos, esse tipo de
atitude permissiva rendeu a Rogers o qualificativo de terapeuta passivo e não
diretivo, mas na terapia centrada no cliente o terapeuta deve estar ativamente
envolvido com o cliente.
A aceitação incondicional quer dizer que o terapeuta preza e aceita seus
clientes sem restrições ou reservas quanto a seus comportamentos. Embora o
terapeuta possa valorizar mais alguns clientes do que outros, sua aceitação
incondicional permanece constante e inabalável. A aceitação incondicional
também indica que o terapeuta não julga seus clientes, nem aceita uma ação e
rejeita outra. As avaliações externas (das outras pessoas), sejam positivas ou
negativas, levam os clientes a comportamentos defensivos e atrapalham seu
crescimento psicológico.
 

Empatia

A terceira condição necessária para a promoção da mudança terapêutica é a


empatia. Empatia existe quando o terapeuta sente de maneira precisa os
sentimentos de seus clientes, e é capaz de comunicar essa compreensão de
maneira que eles saibam que outra pessoa foi capaz de entrar em seus
mundos sem preconceitos, projeções ou julgamentos. Para Rogers, empatia
significa viver temporariamente a vida de outra pessoa, movimentando-se nela
com delicadeza, sem fazer julgamentos. A empatia não envolve interpretar os
significados dos clientes ou descobrir seus sentimentos inconscientes, esses
procedimentos implicariam em um ponto de referência externo e ameaçariam
os clientes. Ao contrário, a empatia sugere que o terapeuta vê as coisas do
ponto de vista do cliente, que se sente seguro e não ameaçado.
Terapeutas centrados no cliente não supõem que a empatia ocorra
naturalmente, eles verificam a adequação de suas percepções consultando os
próprios clientes: “Percebo que você está sentindo ‘X’ em relação à
determinada pessoa ou situação, estou correto?” A validação do entendimento
empático é normalmente seguida por uma resposta do cliente confirmando a
percepção do terapeuta ou a retificando.
A empatia é uma poderosa ferramenta que, junto com a congruência e a
aceitação, facilita o crescimento pessoal do cliente. Na visão de Rogers,
quando uma pessoa se sente compreendida adequadamente, ela se sente em
maior contato com suas próprias experiências. Isso lhe dá uma referência
ampliada à qual recorrer em busca de autocompreensão e auto-orientação. Se
a empatia do terapeuta for precisa e profunda, o cliente pode se tornar capaz
de desbloquear o fluxo de certas experiências e permitir que elas sigam seu
curso sem inibições. A empatia é eficiente porque ela permite ao cliente ouvir a
si mesmo e, em consequência, tornar-se seu próprio terapeuta.
É importante não confundir empatia com simpatia. A simpatia sugere um
sentimento “pelo” cliente, enquanto a empatia indica um sentimento “com” o
cliente. A simpatia nunca é terapêutica, pois ela está baseada em avaliações
externas e normalmente leva o cliente a sentir pena de si mesmo; a
autopiedade é uma atitude deletéria que ameaça um autoconceito positivo e
cria desequilíbrio na estrutura do self.
Deve-se notar, entretanto, que ter empatia não significa que o terapeuta tem os
mesmos sentimentos do cliente. O terapeuta não sente raiva, alegria,
ressentimento, frustração ou excitação quando o cliente vive esses
sentimentos. Em vez disso, o terapeuta sente a profundidade dos sentimentos
do cliente ao mesmo tempo que lhe permite ser um indivíduo separado. O
terapeuta tem uma reação cognitiva e emocional em relação aos sentimentos
dos clientes, mas esses sentimentos pertencem aos clientes, não ao terapeuta.
Um terapeuta não se apropria das experiências do cliente, mas é capaz de
oferecer-lhe um espaço no qual possa amadurecer um entendimento sobre os
significados dessas experiências.
 

Estágios da mudança terapêutica


Rogers identificou que cada cliente é único, mas que, em linhas gerais, todos
passam por um processo ao longo da terapia que pode ser esquematizado em
sete estágios. Dessa forma, a atividade construtiva da mudança na
personalidade pode ser colocada em um contínuo que vai das atitudes mais
defensivas às mais integradas.
Estágio 1: Caracterizado pela ausência de disposição para comunicar qualquer
coisa sobre si mesmo. Nesse estágio, a pessoa normalmente não busca ajuda,
mas se por algum motivo ela vai à terapia, mostra-se extremamente rígida e
resistente à mudança. Ela não reconhece qualquer problema e se recusa a
comunicar quaisquer sentimentos ou emoções pessoais.
Estágio 2: O cliente se torna levemente menos rígido. Discute eventos
externos e fala sobre outras pessoas, mas ainda recusa ou tem dificuldade em
reconhecer os próprios sentimentos. Contudo, pode falar sobre sentimentos
pessoais como se fossem fenômenos objetivos.
Estágio 3: Nesse estágio, o cliente fala mais livremente sobre si, mas ainda de
forma objetiva, ou seja, sem nuances, tudo parece exato, preto no branco. Por
exemplo, ao enfrentar um problema no trabalho ele pode dizer que dá o melhor
de si, mas que seu chefe ainda não gosta dele. O cliente fala de sentimentos e
emoções no passado ou no futuro, mas evita os sentimentos presentes.
Recusa-se a aceitar as próprias emoções, mantém sentimentos pessoais à
distancia do aqui e agora, percebe apenas vagamente que pode fazer escolhas
pessoais e nega responsabilidades individuais em relação à maior parte de
suas decisões.
Estágio 4: O cliente começa a falar sobre sentimentos profundos, mas na
maioria das vezes não fala sobre aqueles que são sentidos no momento, e
quando os sentimentos presentes surgem em seu relato, o cliente se
surpreende por expressá-los. Ele nega ou distorce experiências, embora tenha
uma vaga percepção de que é capaz de sentir emoções no presente. O cliente
começa a questionar certos valores que foram introjetados a partir das opiniões
de terceiros e começa a ver a incongruência entre o autoconceito (o eu
percebido) e o eu organísmico (o eu real). Já é capaz de aceitar mais liberdade
e responsabilidade do que no estágio anterior, e começa a se permitir um maior
envolvimento com o terapeuta.
Estágio 5: Ao chegar nesse estágio, o cliente começou a experimentar
mudanças significativas e crescimento. Ele consegue expressar sentimentos no
presente, embora ainda possa haver algum nível de distorção das experiências
que provocam esses sentimentos, e dos sentimentos em si. O cliente começa a
confiar em seu processo de avaliação organísmico, sua bússola interna,
fazendo novas descobertas sobre si mesmo. Ele também experimenta uma
maior diferenciação entre seus sentimentos e passa a apreciar as nuances que
os diferenciam. Adicionalmente, o cliente começa a tomar suas próprias
decisões e a aceitar responsabilidades por suas escolhas.
Estágio 6: O cliente chega a esse estágio experimentando um crescimento
profundo e um movimento irreversível no sentido de se tornar um pessoa
completamente funcional (já estudamos esse conceito em tópicos anteriores
nesse material), também conhecida como pessoa autoatualizadora ou
autorrealizadora. Ele aceita em sua consciência experiências que
anteriormente negava ou distorcia, torna-se mais congruente e é capaz de
reconhecer adequadamente suas experiências presentes e expressá-las
abertamente. O cliente começa a desenvolver a autoconsideração positiva
incondicional, o que significa que ele tem os sentimentos de cuidado e afeição
genuínos pela pessoa que está se tornando. Também é nesse estágio que o
cliente começa a sentir uma certa soltura fisiológica com maior relaxamento da
musculatura, melhor circulação sanguínea e maior facilidade em vivenciar
emoções. Os sintomas físicos desagradáveis que o paciente apresentava antes
da terapia desaparecem.
Normalmente, o estágio 6 indica o final da psicoterapia.
Estágio 7: Após o estágio 6, o cliente chegará ao estágio 7 com ou sem
acompanhamento do terapeuta, pois o crescimento instalado no estágio 6 é
irreversível. Assim, o indivíduo chega ao estágio 7 como uma pessoa
completamente funcional, tornando-se capaz de generalizar os benefícios
obtidos com a terapia para toda a sua vida fora da terapia. Assim, ele passa a
ter confiança para ser ele mesmo todo o tempo, de apropriar-se e sentir em
profundidade todas as suas experiências, vivenciando-as no presente. Seu eu
real, agora unificado ao autoconceito, torna-se o ponto de partida de avaliação
das suas experiências, e o indivíduo sente prazer ao perceber que essas
avaliações internas fluem com tranquilidade, e que a mudança e o crescimento
continuarão. A pessoa torna-se congruente, possui autoconsideração positiva
incondicional e é capaz de ser amável e empática com outras pessoas.
Por se tornar mais realista, o indivíduo passa a ter uma visão mais adequada
das suas potencialidades, o que permite que a distância entre o eu real (a
pessoa que se é) e o eu ideal (a pessoa que se deseja ser) diminua. Essa
distância diminui porque tanto o eu real quanto o eu ideal se alteram, ou seja, o
eu ideal torna-se menos idealizado, a pessoa percebe que pode diminuir as
expetativas em relação ao que ela desejaria ou “deveria” ser; simultaneamente,
a autoconsideração positiva faz com que ela eleve a percepção a respeito de si
mesma.
A diminuição da distância entre o eu real e o eu ideal reduz a tensão
psicológica, o indivíduo torna-se menos vulnerável à ameaça e sente menos
ansiedade. Ele também sente menor necessidade de procurar outras pessoas
para pedir orientações e é menos provável que se valha das opiniões e valores
de terceiros para avaliar as próprias experiências. Ao contrário, a pessoa se
torna mais autodirigida e mais consciente de que o ponto de partida das
avaliações reside dentro de si. Não há mais necessidade de agradar às outras
pessoas e de atender a expectativas externas.
O relacionamento com os outros também se modifica. O indivíduo passa a
aceitar mais as outras pessoas, fazendo menos exigências e permitindo que
elas sejam simplesmente quem são. Como existe menor necessidade de
distorção da realidade, o indivíduo tem menos desejo de forçar os outros a
atenderem suas expectativas. Adicionalmente, ele passa a ser percebido pelos
outros como mais maduro, mais agradável e mais sociável. Sua congruência,
autoaceitação e empatia estendem-se para além da terapia, e ele se torna mais
capaz de participar de outros relacionamentos facilitadores do crescimento.

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