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Carl Rogers e a ACP – Abordagem Centrada na Pessoa

A. Drummond
PsicoArtigos (https://psicologadrumond.wordpress.com)
AGOSTO 15, 2013 ·

Carl Rogers (1902-1987), psicólogo norte-americano, é precursor da psicologia humanista.


Ao contrário de outros psicólogos que partiam do pressuposto da existência de uma neurose
básica, Rogers defendia uma ideia positivista, de que o núcleo da personalidade humana
tendia à saúde e ao bem-estar. Esta conclusão não era, entretanto, uma ideia pré-
concebida, mas uma conclusão de um meticuloso processo de investigação científica ao
longo de sua atuação profissional.

Para Rogers, a personalidade é um contínuo estado de fluxo, em contínua mutação. Assim,


uma personalidade saudável é aquela que pode confiar em sua própria experiência e aceitar
o fato de que as outras pessoas são diferentes. Existe uma tendência inata para a
autorrealização, porém os sujeitos estão sob influência do ambiente social.

Quando as pessoas agem livremente, estão abertas para experimentar e realizar a nossa
natureza básica como animais sociais positivos. Entretanto, em alguns casos as pessoas
podem se comportar de maneira irracional, antissocial, destruindo o próprio self e o self dos
outros. Desta forma, estão sendo neuróticos e não agindo como seres humanos plenamente
desenvolvidos.

CAMPO DA EXPERIÊNCIA

Também chamado de “Campo Fenomenal”, abarca tudo o que ocorre no organismo em


qualquer momento, e que está potencialmente disponível para a consciência. O campo da
experiência é única para cada indivíduo, é um mundo particular e individual que pode ou não
corresponder à realidade objetiva.

SELF

Para Rogers, Self é o autoconceito que a pessoa tem de si mesma,que é baseada em


experiências passadas, estímulos presentes e expectativas futuras. Self é o contínuo
processo de reconhecimento. Rogers enfatiza muito as possibilidades de mudança e a
flexibilidade que são conceitos que fundamentam sua teoria e sua crença de que as pessoas
são capazes de crescimento, mudança e desenvolvimento pessoal.
Neste sentido, a personalidade saudável é aquela que está mais plenamente consciente do
self contínuo. A ideia de “funcionamento ótimo” preconizada por Rogers é sinônimo das
noções de adaptação psicológica perfeita, da maturidade e da abertura total à experiência.
Todas essas características tem caráter de um processo dinâmico.

O indivíduo com funcionamento integral possui variadas características, dentre elas:

1. Abertura à experiência. Implica na pouca utilização dos sinais de alerta, que restringem a
percepção consciente do momento presente. Assim, a pessoa fica mais aberta aos
sentimentos, tornando-se cada vez mais capaz de viver completamente a experiência do seu
organismo, ao invés de impedi-la de alcançar a consciência.
2. Viver no Presente. É a busca por realizar-se completamente a cada momento.
3. Confiança nas exigências internas e no julgamento intuitivo. Consiste na confiança sempre
crescente na capacidade de tomar decisões.
SELF IDEAL

Self ideal pode ser conceituado como o conjunto de características que o indivíduo gostaria
de ter, isto é, uma visão ideal de si mesmo. A extensão da diferença entre o Self e o Self
ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas, por isso o self
ideal pode se tornar um obstáculo ao desenvolvimento pessoal.

A aceitação de si mesmo como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de


saúde mental. Esta aceitação de si mesmo não implica em resignação, mas sim como meio
de estar mais próximo da realidade, pois é somente a partir do reconhecimento de suas
características reais é possível buscar meios eficazes para o desenvolvimento.

CONGRUÊNCIA E INCONGRUÊNCIA

“Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a


tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar
consciência. Um alto grau da congruência significa que a comunicação (o que se está
expressando), a experiência (o que está ocorrendo em nosso campo) e a tomada de
consciência (o que se está percebendo) são todas semelhantes. Nossas observações e as
de um observador externo seriam consistentes.”

A congruência é bem descrita por um Zen-budista ao dizer: “Quando tenho fome, como;
quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo”.

A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência


e a comunicação desta.É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas
também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa.

Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada


repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. A maioria das
psicoterapias trabalha sobre este sintoma de incongruência ajudando as pessoas a se
tomarem mais conscientes de suas ações, pensamentos e atitudes na medida em que estes
as afetam e aos outros.

Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a


comunicação a pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou
experienciando. Este tipo de incongruência é muitas vezes percebido como mentiroso,
inautêntico ou desonesto,mas a experiência mostra que nem sempre esta conclusão é
verdadeira, aludindo mesmo uma inabilidade em expressão ou até em tomar consciência.

A incongruência pode ser sentida como tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais
extremas, como confusão interna. Um paciente internado em hospital psiquiátrico que
declara não saber onde está, em que hospital, qual a hora do dia, ou mesmo quem ele é,
está exibindo alto grau de incongruência. A discrepância entre a realidade externa e aquilo
que ele está subjetivamente experienciando tomou-se tão grande que ele não é capaz de
atuar. A maioria dos sintomas descritos na Literatura psiquiátrica podem ser vistos como
formas de incongruência. Para Rogers, a forma particular de distúrbio é menos crítica do que
o reconhecimento de que há uma incongruência que exige uma solução.

As psicoterapias trabalham sobre este sintoma de incongruência, na medida em que ajudam


as pessoas a se tornarem mais conscientes de suas ações, pensamentos e atitudes.

TENDÊNCIA À AUTOATUALIZAÇÃO

Esta tendência atualizante configura um dos pressupostos principais da teoria rogeriana, que
sugere que há um impulso inato dentro de cada ser humano voltado para o desenvolvimento
pleno de suas potencialidades. É este impulso que conduz todo o organismo a desenvolver-
se, tornar-se autônomo, amadurecer a tendência a expressar-se e ser responsável por ativar
todas as capacidades do organismo, na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou
o self.

Rogers compreende o impulso em direção à saúde como força motriz numa pessoa que está
funcionando de modo livre, não paralisada por eventos passados ou por crenças correntes
que mantinham incongruência.

CRESCIMENTO PSICOLÓGICO

Como já dito, Rogers acredita na existência de forças naturais inerentes ao organismo que o
impulsionam positivamente em direção à saúde e ao crescimento. As pessoas podem
experienciar e se conscientizar de seus desajustamentos através da experimentação das
incoerências entre suas experiências reais e seu autoconceito. Sim, trata de uma tendência
e um movimento natural para resolução diante do conflito. O ajustamento não é algo
estático, mas um processo natural onde novas aprendizagens e novas experiências são
cuidadosamente assimiladas.

Rogers está convencido de que estas tendências em direção à saúde são facilitadas por
qualquer relação interpessoal na qual um dos membros esteja livre o bastante da
incongruência para estar em contato com seu próprio centro de auto-correção. A maior
tarefa da terapia é estabelecer tal relacionamento genuíno. Aceitar-se a si mesmo é um pré-
requisito para uma aceitação mais fácil e genuína dos outros. Em compensação, ser aceito
por outro conduz a uma vontade cada vez maior de aceitar-se a si próprio. Este ciclo de
auto-correção e auto-incentivo é a forma principal pela qual se minimiza ns obstáculos ao
crescimento psicológico.

OBSTÁCULOS AO CRESCIMENTO

Os obstáculos ao crescimento aparecem na infância e são aspectos normais do


desenvolvimento. Quando a criança começa a tomar consciência do self, desenvolve uma
necessidade de amor ou “consideração positiva”. Esta necessidade é universal e existe em
todo ser humano.

A criança considera o amor algo tão importante que acaba por ser conduzida, não pela
característica agradável ou desagradável dos seus comportamentos, mas pela promessa de
afeto que elas encerram. Sendo assim, as crianças tendem agir de forma a assegurar amor
ou aprovação.

Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do Self são denominados na teoria
rogeriana como “condições de valor” e são obstáculos básicos à precisão de percepção e à
tomada de consciência realista, constituindo um impedimento para o indivíduo viver
plenamente no presente e estar aberto às experiências da vida. Quando uma experiência
relativa ao eu é procurada ou evitada unicamente porque é percebida como mais ou menos
digna de consideração de si, diz Rogers que o indivíduo adquiriu um modo de avaliação
condicional.

As condições de valor criam uma discrepância entre o Self e o auto-conceito. Para


mantermos uma condição de valor temos que negar determinados aspectos de nós
mesmos.

Por exemplo, se falaram “Você deve amar seu irmãozinho recém-nascido, senão mamãe
não gosta mais de você“, a mensagem é a de que você deve negar ou reprimir seus
sentimentos negativos genuínos em relação a ele. Se você conseguir esconder sua vontade
maldosa, seu desejo de machucá-lo e seu ciúme normal, sua mãe continuará a amá-lo. Se a
pessoa admitir que tem tais sentimentos, se arriscará a perder o amor. Uma solução que cria
uma condição de valor é rejeitar tais sentimentos sempre que ocorram, bloqueando-os de
sua consciência. Agora a pessoa pode reagir de formas tais como: “Eu realmente amo meu
irmãozinho, apesar das vezes em que o abraço tanto até ele gritar” ou, “Meu pé escorregou
sob o seu, eis porque ele tropeçou“.

Quando a criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido porque a


pessoa nega impulsos diferentes do auto-conceito artificialmente “bom”. Para sustentar a
falsa auto-imagem a pessoa continua a distorcer experiências, quanto maior a distorção
maior a probabilidade de erros e da criação de novos problemas. Os comportamentos, os
erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais mais
fundamentais. E a situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência
entre o Self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o
aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência.

Muitas vezes as manobras defensivas não funcionam. A pessoa toma consciência das
discrepâncias óbvias entre os comportamentos e as crenças e os resultados podem ser
pânico, ansiedade crônica, retraimento ou mesmo uma psicose. Neste sentido, Rogers
observou que o comportamento psicótico parece ser muitas vezes a representação externa
de um aspecto anteriormente negado da experiência.

RELACIONAMENTOS SOCIAIS

Como já antes mencionado, Rogers confere aos relacionamentos sociais importância


central. Os relacionamentos mais precoces podem ser congruentes ou servir como foco de
condições de valor, enquanto os relacionamentos posteriores podem restaurar a
congruência ou mesmo retardá-la. É através da interação com o outro que o indivíduo pode
descobrir, encobrir, experienciar ou encontrar seu self real de forma direta, posto que é a
partir da relação com o outro que nossa personalidade se manifesta. Dessa forma, para
Rogers, os relacionamentos oferecem a melhor oportunidade de estar “funcionando por
inteiro”.

Por atribuir tanta importância às relações sociais, Rogers descreveu sobre o casamento, o
qual considera uma relação pontencialmente de longo prazo, intensiva, que carrega dentro
de si a possibilidade de manutenção do crescimento e do desenvolvimento.

Assim, diz que os melhores casamentos ocorrem com parceiros que são congruentes
consigo mesmos, que têm poucas condições de valor como empecilho e que são capazes
de genuína aceitação dos outros. Quando o casamento é usado para manter uma
incongruência ou para reforçar tendências defensivas existentes, é menos satisfatório e é
menos provável que se mantenha.

As conclusões de Rogers sobre qualquer relação íntima a longo prazo, tal como o
casamento, são focalizadas sobre quatro elementos básicos: compromisso contínuo,
expressão de sentimentos, não-aceitação de papéis específicos e capacidade de
compartilhar a vida íntima. Ele resume cada elemento como uma promessa, um acordo
sobre o ideal de um relacionamento contínuo, benéfico e significativo.

1. 1. Dedicação e compromisso.
Cada membro de um casamento deveria ver a união como um processo contínuo e não
como um contrato. O trabalho feito visa tanto a satisfação pessoal como a satisfação mútua.
Uma relação é trabalho; é um trabalho tendo em vista objetivos separados ou comuns.
Rogers sugere que este compromisso seja expresso da seguinte maneira: “Nós dois nos
comprometemos a cultivar juntos o processo mutável de nosso atual relacionamento, porque
este relacionamento está enriquecendo nosso amor e a nossa vida e nós queremos que ele
cresça“.

1. 2. Comunicação; expressão de sentimentos


Rogers insiste na comunicação total e aberta. “Arriscar-me-ei tentando comunicar qualquer
sentimento persistente, positivo ou negativo, ao meu companheiro, com a mesma
profundidade com que o percebo em mim, como uma parte presente e viva em mim. Em
seguida, arriscar-me-ei ainda mais tentando compreender, com toda a empatia de que eu for
capaz, a sua resposta, seja acusativa e crítica, seja compartilhante e auto-reveladora“. A
comunicação tem duas fases igualmente importantes: a primeira é expressar a emoção. A
segunda é permanecer aberto e experienciar a resposta do outro.

Rogers não defenda simplesmente o colocar para fora os sentimentos Ele sugere que
devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos sentimentos causam em nosso
parceiro quanto com a expressão original dos sentimentos em si mesmos.
Isto é muito mais difícil do que simplesmente “desabafar” ou “ser aberto e honesto”. É a
disposição de aceitar os riscos reais envolvidos: rejeição, desentendimento, sentimentos
feridos e retribuição. A crença de Rogers na necessidade de instituir e manter este nível de
troca contrapõe-se a posições que advogam o ser polido, diplomático, o contornar questões
perturbadoras ou o não mencionar interesses emocionais que aparecem.

1. 3. Não-aceitação de papéis
Numerosos problemas desenvolvem-se na medida em que tentamos satisfazer as
expectativas do outro, ao invés de determinarmos as nossas próprias. Rogers dizia que
“Viveremos de acordo com as nossas opções, com a sensibilidade orgânica mais profunda
de que somos capazes, mas não seremos afeiçoados pelos desejos, pelas regras e pelos
papéis que os outros insistem em impor-nos“. Ele relata que muitos casais sofrem graves
tensões na tentativa de fazer sobreviver sua aceitação parcial e ambivalente das imagens
que seus pais e a sociedade impuseram a eles. Um casamento efetuado com tal quantidade
de expectativas e imagens irreais é inerentemente instável. e potencialmente pouco :
recompensador.

1. 4. Tomar-se um Self separado


Este compromisso é uma profunda tentativa de descobrir e aceitar a natureza total da
pessoa. É o mais desafiador dos compromissos, é dedicar-se à remoção das máscaras tão
logo elas se formem. “Eu talvez possa descobrir mais do que sou realmente em meu íntimo
e chegar mais perto disso sentindo-me, às vezes, encolerizado ou aterrado, às vezes
amante e solícito, de vez em quando belo e forte ou desordenado e medonho, sem esconder
de mim mesmo esses sentimentos. Eu talvez possa estimar-me como a pessoa ricamente
variada que sou. Talvez possa ser espontaneamente mais essa pessoa. Nesse caso,
poderei viver de acordo com os meus próprios valores experimentados, conquanto tenha
consciência de todos os códigos da sociedade. Nesse caso, poderei ser toda esta
complexidade de sentimentos, significados e valores com meu companheiro suficientemente
livre para dar o amor, a raiva e a ternura que existem em mim. É possível, então, que eu
venha a ser um participante real de uma união, porque estou em vias de ser uma pessoa
real. E espero poder incentivar meu companheiro a seguir o seu caminho na direção de uma
personalidade única, que eu gostaria imensamente de partilhar“.

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