Você está na página 1de 26

PAEG: A GESTÃO ECONÔMICA SOB A INFLUÊNCIA DO

AUTORITARISMO

Marcos Taroco Resende1

Mestre em Economia (UFAL)

marcostaroco07@hotmail.com

Roberto Pereira Silva2

Doutor Docente Adjunto no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (UFAL)

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar os condicionantes do regime autoritário brasileiro para as políticas
econômicas formuladas e as reformas institucionais aplicadas no âmbito da implementação do PAEG
(1964-1967). A partir da busca de alguns elementos teóricos da relação de pesquisa proposta, investiga-se
a influência do contexto autoritário para a gerência da economia no caso do PAEG e em quais políticas
econômicas e reformas institucionais essa influência se fez mais decisiva.

Palavras-chave: PAEG, autoritarismo, política econômica, reformas, instituições.

ABSTACT

The objective of this article is to analyze Brazillian dictatorship conditioning for economic policies and
institutional reforms applied under PAEG implematation (1964-1967). Starting of the search of some
theorical elements on the proposed research relation, investigates the influence of authoritarian context for
economic management in the case of PAEG and which economic policies and institutional reforms it can
be better viewed.

Key-words: PAEG, autoritarism, economic policy, reforms, institutions.

JEL: N00, E60, D70

1
Bolsista CAPES do Mestrado em Economia da Universidade Federal de Alfenas (Campus Varginha).
2
Professor Adjunto no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas.
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

INTRODUÇÃO

O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) implementado entre 1964


e 1967 consubstanciava medidas visando a estabilização, isto é, a diminuição dos
desequilíbrios econômicos herdados do governo João Goulart, principalmente o controle
da inflação e reformas institucionais que objetivaram a modificação das bases
institucionais em que o sistema econômico estava assentado (FISHLOW, 1974;
HERMANN, 2005; RESENDE, 2014).

Os estudos sobre o PAEG apresentam algumas controvérsias no que concerne,


por exemplo, ao tema estabilização, a natureza do diagnóstico da inflação
consubstanciado no plano. Não se discute, porém, que o plano teve um enfoque
gradualista. Aliás, isto é evidente no documento síntese do PAEG, no qual o enfoque
gradualista - de “redução gradual da taxa de aumento de preços” – é escolhido em
detrimento ao tratamento de choque (queda abrupta da inflação) (BRASIL, 1965). Uma
das principais justificativas é a inevitabilidade da “inflação corretiva”, que seria
ocasionada pela eliminação de alguns controles de preços, como o reajuste de tarifas
públicas. Segundo Hermann (2005) essa medida era importante para o alinhamento dos
preços relativos da economia e justificava o tratamento gradual da inflação. 3

Fishlow (1974), Macarini (2000) e Hermann (2005) afirmam que o PAEG era
ortodoxo, amparado num diagnóstico de inflação de demanda. O primeiro autor aponta,
com base no documento do PAEG, que as três causas tradicionais arroladas pelo PAEG
são: déficits públicos, expansão de crédito às empresas e o aumento dos salários em
proporção maior que o aumento da produtividade. Isso decorria de 1) dispêndio
governamental superior a retirada do poder de compra privado, seja por meio de impostos

3
A não escolha pela opção do tratamento de choque no combate a inflação é justificado por vários outros
motivos, tais como a defasagem intertemporal dos reajustes salariais das diferentes “classes sociais”,
preocupação para não prejudicar a poupança nacional devido às políticas restritivas já realizadas, a
imediata eliminação do déficit público acarretaria na queda dos investimentos públicos, a possibilidade de
alta de preços e desemprego em vários setores após uma abrupta queda da demanda global, etc..
(BRASIL, 1965)

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

2
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

ou empréstimos públicos. 2) inconsistência entre propensão a consumir e propensão a


investir4.

Diferentemente, para Resende (2014) o diagnóstico da inflação subinscrito no


plano, não era totalmente ortodoxo, isto é, há dimensões importantes de heterodoxia. E
isso podia ser visto na preocupação constante de estabilização sem efeitos
demasiadamente grandes no nível de atividade econômica. O caráter heterodoxo do
plano, assim, seria derivado do reconhecimento da causa de inflação através do conflito
distributivo entre as parcelas da renda requeridas pelo governo, os empresários e os
trabalhadores (e não puramente inflação de demanda – como concebeu os três primeiros
autores). Assim, o diagnóstico do Plano não vê a expansão monetária como elemento
autônomo da inflação, a expansão monetária seria ratificadora das causas, ex-post.
Ademais, o autor enxerga que as políticas de cunho ortodoxo implementadas tiveram
certo pragmatismo, qual seja, o desejo que num contexto de crise no balanço de
pagamentos, pudesse conquistar a confiança dos agentes financiadores estrangeiros:
investidores privados e agências multilaterais/governamentais de crédito,

Outro debate é em relação a contribuição que a estabilização e as reformas do


PAEG tiveram para o período posterior conhecido como “milagre econômico” (1968-
1973). Neste ponto Resende (op.cit, p.211) entende que “As bem estruturadas e
modernizantes reformas fixaram as bases do período de rápido crescimento econômico
que se iniciou em 1968”. De outro modo, Fishlow (1974) apesar de reconhecer os méritos
de algumas reformas, qualifica a posição anterior concebendo que o fundamental na
retomada do rápido crescimento econômico pós-1968 foi o próprio movimento cíclico da
economia brasileira, inerente ao processo de substituição de importações. Ou seja, a
economia encontrava-e em declínio desde inícios da década de 1960, com baixas
importações. Após a reversão do ciclo as importações de bens necessários à expansão do
crescimento econômico aumentaram.

Esses debates e outros não serão o centro de análise do trabalho. Esses temas
serão abordados ocasionalmente de forma a atender aos objetivos do trabalho.

4
Na interpretação de Fishlow (1974) o diagnóstico de inflação de demanda era totalmente inconsistente
para a análise do processo inflacionário, que na verdade, tinha seus fundamentos na inflação de custos. As
verdadeiras causas seriam atreladas às estruturas de mercados não competitivas (monopólio e oligopólio)
da economia brasileira.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

3
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

Essas controvérsias têm como pano de fundo as interações entre as instituições


e regimes políticos e o desempenho da economia, ou melhor, entre autoritarismo,
democracia, política econômica, reformas e desenvolvimento econômico. Porém, não há
muitos trabalhos que analisaram de forma sistemática o PAEG na perspectiva sobre a
relação entre os condicionantes políticos do ambiente autoritário de sua implementação e
as políticas econômicas e reformas estruturais. Isto porque não fazia parte do objeto ou
objetivos desses estudos que focalizaram muito mais a descrição e análise da política
econômica stricto sensu e nas medidas do plano em geral. Isto não significa, de modo
algum, que tenham deixado o contexto autoritário à margem de toda análise econômica.
Pelo contrário, há importantes contribuições em todos os textos (principalmente na crítica
da política salarial do período), porém difusas, que inclusive serão realçadas em vários
pontos deste trabalho.

O objeto deste trabalho concentra-se em apreender os condicionantes do regime


político autoritário para as políticas econômicas formuladas e as reformas institucionais
aplicadas. Portanto, privilegiando os componentes políticos como objeto central, visa-se
contribuir para a complementação da bibliografia em relação à análise do PAEG a partir
desta ótica.

O problema norteador deste trabalho pode ser descrito nos seguintes termos:
Qual a influência do poder autoritário do governo Castello Branco para a implementação
das medidas econômicas do PAEG? E em quais dimensões da política econômica e das
reformas institucionais essa influência pode ser observada?

É importante ressaltar que o trabalho tem uma interface interdisciplinar, por


vezes tocando a fronteira, por exemplo, da ciência política e da história.

A estrutura do trabalho está organizada em três seções além desta introdução e


as considerações finais. Na primeira seção é apresentada uma revisão de literatura entre
a relação entre autoritarismo, condicionantes do sistema político-institucional e
economia. Em seguida, se descreve as principais áreas de focalização ao nível do plano
das intenções, portanto, ex-ante, por meio de análise documental e ao lado, as políticas e
reformas efetivamente adotadas e alguns de seus resultados. Na terceira seção, busca-se
aplicar e analisar o PAEG na perspectiva da relação entre autoritarismo e a formulação
de medidas econômicas.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

4
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

1. ECONOMIA E AUTORITARISMO.

Uma importante contribuição de Maria Rita Loureiro em seu livro Economistas


do Governo é analisar o processo decisório, em perspectiva comparada, a partir de cada
contexto de implementação, estabelecendo marcos estruturais. Neste sentido, divide as
experiências internacionais em dois grupos em que as condições são suficientemente
distintas.

No primeiro grupo encontram-se os países pertencentes às democracias


ocidentais – que possuem um sistema representativo clássico com base em grupos
políticos organizados na sociedade. Neles os economistas de maneira geral são
funcionários de carreira e assessores econômicos

Coats (1981 apud Loureiro, op.cit) exemplifica que em vários países como
Inglaterra, Japão, Itália, Estados Unidos, Noruega os economistas são empossados em
cargos intermediários nas agências burocráticas e não em altos cargos de direção
econômica e política5.

Já as sociedades de processo de consolidação democrática - que por vezes


assume seus aspectos autoritários - são caracterizadas pela instabilidade e por um Estado
Forte e com traços neopatrimonialistas6 com estruturas corporativas para controle de
grupos emergentes e tutela de participação mais autônoma. Os economistas – além das
duas formas de participação anteriormente descrita tornam-se, singularmente, dirigentes
políticos7 (um processo não natural). Eles são normalmente escolhidos com base na
competência técnica, mas também com base em critérios relacionados às relações

5
Para uma análise detalhada e comparativa consultar o capítulo 3 de Loureiro (op.cit)
6
Abreu Júnior (2015) demonstra que pelo conceito de patrimonialismo costuma-se a se referir
originalmente a Marx Weber em sua análise sociológica de tipos ideais, propriamente, nos tipos de
dominação, a saber, tradicional, carismática e legal. O patrimonialismo seria uma dominação política em
que não há separação entre as esferas públicas e privadas na administração do Estado. Em sua revisão da
literatura mais recente a cerca do conceito, com base em Hinnerk Bruhns e Shmuel N. Eisenstadt, o autor
mostra que a diferença entre os regimes patrimoniais e neopatrimoniais se dá pelas novas formas de
dominação e o quadro político contemporâneo, de modo que no último, “os grupos de interesse político
que se acercam do poder se utilizariam do estado burocrático para assegurarem seus interesses
clientelistas, ainda que de forma legal” (ibid, s.d).
7
No trabalho de Loureiro (1997) o economista dirigente é visto como aquele que apenas passa pela
política, o órgão público apenas faz parte de uma carreira profissional maior.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

5
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

pessoais e papel político dos economistas em um determinado grupo, político, econômico,


social.

A participação ativa dos economistas nos órgãos governamentais e processos


de decisão nesses países tem sido relacionados a um movimento geral de maior
intervencionismo e regulação das economias pelo Estado após a Segunda guerra Mundial
através da implementação de políticas de inspiração keynesiana.

A autora, no entanto, rejeita tal explicação como a única possível, entendendo


que a presença dos economistas como elites dirigentes passa por uma combinação mais
complexa de fatores tais como a estrutura de poder e a organização do aparato estatal, os
vínculos dos meios acadêmicos para a formação das elites dirigentes e o governo, o grau
de autonomia estatal frente aos diversos grupos sociais e a existência de um corpo técnico
capacitado para implementar políticas econômicas.

A autonomia do Estado e sua burocracia sobre os grupos sociais e sua capacidade


de realizar grandes mudanças por meio da gestão econômica é um dos elementos
importantes a ser considerado (LOUREIRO, 1997).

A autonomia do Estado não deve ser tomada a priori. Ela ou a não autonomia
deve ser analisada em situações específicas, construída a partir de relações concentras
entre Estado e sociedade em dado momento histórico. Nesse processo certos fatores
podem facilitar ou dificultar a autonomia, a saber, natureza autoritária do governo,
momentos de graves crises econômicas, ameaças militares externas, disponibilidade de
paradigmas hegemônicos, carreiras burocráticas, critérios meritocráticos, etc...

De maneira semelhante, Haggard e Kaufman (1993) enumeram algumas fontes


de autonomia do Estado frente a grupos sociais na tentativa de implementar estabilizações
e reformas.

Primeiramente, para realizar reformas abrangentes, o Estado precisa de


capacidade administrativa e técnica, para não ceder a interesses específicos na reforma, e
quando essa reforma é pró-mercado, deve-se atentar que a própria burocracia pode perder
funções.

Uma segunda fonte é que governos autoritários (Chile e Coréia são exemplos)
têm mais eficácia para realizar amplas reformas estruturais do que os democráticos. Uma

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

6
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

exceção é a Bolívia, que mesmo num regime democrático conseguiu promover um


programa de estabilização, porém o autor ressalva que mesmo na Bolívia teve alguns
impulsos autoritários.

Stalings e Kaufman (1990 apud LOUREIRO, op.cit) vão na mesma direção,


apesar de cuidadosamente, ressaltar que não há uma associação necessária entre tipo de
regime e capacidade de realizar a estabilização econômica, mas que na América Latina o
tipo de regime pode interferir no escopo e no conteúdo dos programas da estabilização.
Regimes militares tendem a aplicar programas ortodoxos de estabilização e reformas
estruturais mais amplas como foi o caso de Pinochet no Chile.

Neste caso se as autoridades que dão poderes aos tecnocratas de tomar decisões
provém de um regime ditatorial e as decisões tomadas não são alvos de questionamentos
por parte da população e dos representantes políticos tem-se um poder tecnocrático
(exemplos são os Chicago Boys no Chile e Delfim Neto no Brasil).

Uma ressalva importante feita pela autora é que a autonomia do Estado pode
significar independência de uns grupos, mas dependência e subordinação a interesse de
outros grupos.

Em suma, nos parece que Loureiro (1997, p.176) resume a situação da tomada
de decisão na América Latina assim:

(...) Em países como o Brasil e seus vizinhos latino-americanos, a


gestão da economia tem um traço distintivo: a relativa autonomia das
equipes econômicas ante as pressões externas (de grupos sociais e
partidos) e uma forte dependência do apoio pessoal dos líderes
políticos, sejam eles Presidentes da República, chefes de juntas
militares ou ministros de Estado mais poderosos. Padrões autoritários
de tomada de decisões, ausência de responsabilidade política sobre os
atos praticados são dimensões que predominam não só nos governos
militares, mas também nos períodos democráticos.

Para Loureiro (1997) o Brasil é uma experiência singular do caso de sociedades


com democracias instáveis, pois os economistas historicamente não só tem assumido o
papel de assessores econômicos ou funcionários burocráticos, como também excedendo
essas funções, e assumindo em várias ocasiões papéis que em maduras democracias são

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

7
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

confinados a políticos. Eles participam com destaque na formulação e implementação de


políticas econômicas, assumindo cargos como do Ministério da Fazenda, do
Planejamento e altos cargos no Banco Central.

Sobre as explicações do aparecimento dos economistas como dirigentes políticos


na América Latina e do Brasil, Loureiro (op.cit, p.145) enfatiza que

(...) a gestão governamental da economia no pós-guerra está associada


á presença marcante dos técnicos (ou dos economistas mais
recentemente) como atores privilegiados. A política autoritária, de base
neopatrimonial, que historicamente predominou na América Latina e o
Estado intervencionista que assumiu, com intensidade variável, a
liderança do processo de desenvolvimento econômico geraram esse
traço particular.

De modo geral, nesse processo países compartilham algumas características,


quais destacam: de um lado, a comum aceitação das ideias da Comissão Econômica para
a América Latina (CEPAL) e o desenvolvimento de um arcabouço institucional de
regulação e intervenção na economia, com a proliferação de organismos estatais e a
formação de técnicos especializados (BIELSCHOWSKY, 2000; FONSECA, 2003;
LOUREIRO, 1997) e em segundo lugar, a “hipertrofia do Poder Executivo” em
detrimento do Legislativo, na condução de políticas reguladoras e desenvolvimentistas
(LOUREIRO, 1997).

O Brasil foi um dos mais intervencionistas ao longo do século XX, e com isso
conseguiu alterar sua estrutura industrial a níveis mais sofisticados que a maioria dos
países da região através de políticas de desenvolvimento econômico e planejamento
estatal (FONSECA, 2003; LOUREIRO, 1997). O país foi um dos poucos países a
expandir a industrialização para faixas de bens de consumo duráveis e aprofundar bens
intermediários e bens de capital (TAVARES, 1972).

Loureiro (1997) enfatiza a importância da questão da autonomia do Estado para


a análise do Brasil. É estabelecido em sua análise que o Estado brasileiro, no seu processo
de desenvolvimento, conseguiu ampliar sua autonomia frente a outros grupos sociais mais
que outros países latino-americanos, como por exemplo, a Argentina, que

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

8
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

recorrentemente incorreu em dificuldades de implementar políticas econômicas no país


no século XX.

2. PAEG: POLÍTICA ECONÔMICA E REFORMAS INSTITUCIONAIS

Nesta seção, através da junção da análise documental e da revisão de literatura


tenta-se apreender os objetivos dos formuladores de política econômica e alguns dos
principais resultados das medidas. Obviamente, por motivos relacionados ao espaço e aos
objetivos do trabalho foram selecionados apenas alguns objetivos (apontados pela
literatura como principais) para a análise dos resultados das medidas.

No contexto de ascensão dos militares ao poder, a equipe econômica do governo


Castello Branco foi composta por Roberto Campos no Ministério do Planejamento e
Octávio Gouvêa de Bulhões na pasta da Fazenda.

Os objetivos gerais do PAEG podem ser sumarizados nos seguintes pontos: 1)


recuperar o crescimento econômico; 2) conter o processo inflacionário em 1964 e 1965,
visando um razoável equilíbrio de preços em 1964; 3) atenuar desníveis econômicos
regionais e sociais com as melhorias das condições de vida da população; 4) garantir a
absorção da mão-de-obra que aflui ao mercado de trabalho; 5) corrigir déficits do balanço
de pagamentos, que ameaçava o desenvolvimento econômico, pelo estrangulamento
periódico da capacidade de importar (BRASIL, 1965).

Para alcançar esses objetivos o programa se daria em três grandes instrumentos


de ação: política financeira, política econômica internacional e política de produtividade
social. Em cada um desses instrumentos de ação, há uma concentração de vários tipos de
políticas.

Na chamada política financeira, havia a pretensão de 1) reduzir déficit público,


para diminuição da pressão inflacionária e para fortalecer a poupança nacional; 2) política
tributária para aumento da arrecadação e combater inflação, estimulando poupança e
orientando os investimentos privados; 3) política monetária com ênfase na estabilização
de preços, porém de forma a não diminuir o nível de atividade econômica e a capacidade

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

9
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

de poupança das empresas.; 4) política bancária para fortalecimento do sistema bancário,


para combater a inflação e estimular o investimento; 5) políticas de investimentos
públicos de modo infraestrutura econômica e social, para criar economias externas e
estimular investimentos privados que atenuasse os desníveis regionais e sociais
(BRASIL, 1965).

Os três objetivos gerais da reforma tributária eram 1) financeiro - de arrecadar


mais recursos fiscais para o governo; 2) social – reduzir desigualdades individuais de
renda e riqueza; 3) econômico – orientar atividades do país na direção das livres forças
de mercado (BRASIL, 1965).

Segundo Hermann (2005) dentre as principais medidas se encontram o


arrecadação de impostos via rede bancária, criação do ISS (Imposto sobre Serviços) – um
imposto municipal, criação do ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços)
– sobre valor adicionado das etapas da cadeia produtiva - imposto estadual, isenção e
incentivos a atividades consideradas prioritárias, a criação do FPEM (Fundo de
Participação dos Estados e Municípios).

Em suma, como resultado dessas medidas,

Esse conjunto de medidas resultou em significativa elevação da carga


tributária do país, que passou de 16% do PIB em 1963 para 21% em
1967. Do ponto de vista distributivo, a reforma tributária do governo
Castello Branco foi regressiva, beneficiando as classes de renda mais
alta (os poupadores) com os incentivos e isenções sobre o imposto de
renda. Assim, a maior parte do aumento de arrecadação foi obtida
através dos impostos indiretos, que, em termos relativos, penalizam
mais as classes de baixa renda (HERMANN, 2005, p. 55).

Do ponto de vista de Resende (2014, p.201) a política fiscal foi a mais bem
sucedida das políticas econômicas. A elevação dos impostos diretos e indiretos permitiu
a redução dos déficits governamentais de 4,2% do PIB em 1963, para 3,2% em 1964,
1,6% em 1965 e 1,1% em 1966. Desse modo, pode-se entender que os resultados foram
condizentes com os objetivos da reforma tributária e de redução do déficit público (1º e
2º pontos do instrumento da ação da política financeira e o primeiro objetivo da política
tributária).

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

10
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

Entretanto, como argumenta Hermann (2005) a política tributária foi regressiva,


pela ampliação dos impostos indiretos, e houve várias isenções para empresas e pessoas
físicas de renda elevada, o que não permite afirmar que o segundo objetivo da reforma
tributária tenha sido alcançado.

No âmbito do sistema financeiro, outras importantes reformas foram


implementadas.

Institucionalmente, a criação do Banco Central do Brasil – incumbido de


executar a política econômica foi representativa. Além disso, criou-se o Conselho
Monetário Nacional que tinha por objetivo regular sistema financeiro, substituindo a
Superintendência de Moeda e Crédito (SUMOC) (HERMANN, 2005).

Para Resende (op.cit) a importância dessa reforma decorre do fato de que até
então SUMOC dividia funções com Banco do Brasil como autoridade monetária. O
Banco do Brasil além de banco comercial acumulava funções de banqueiro do Tesouro e
banqueiro do sistema bancário através da Caixa de Redesconto e Caixa de Mobilização
Bancária. A criação do Banco Central foi uma ação fundamental para modernização do
sistema, apesar de que o Banco do Brasil continuou tendo acesso aos fundos do Banco
Central.

Hermann (2005) caracteriza a estrutura do sistema financeiro brasileiro antes de


1964 da seguinte forma: os bancos comerciais privados e as financeiras eram responsáveis
pelo financiamento de capital de giro das empresas, as caixas federais e estaduais
concediam crédito imobiliário e os bancos públicos atuavam no financiamento de longo
prazo.

A partir das reformas do PAEG o sistema financeiro nacional foi segmentado,


especificando as funções de cada segmento do sistema financeiro (HERMANN, 2005;
RESENDE, 2014)

1) As Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimentos (financeiras) eram


responsáveis pelo financiamento direto ao consumidor. Elas foram criadas em 1959, mas
ganharam maior importância e amplitude no seu raio da ação a partir de 1964; 2) Houve
a criação de Bancos de investimentos – crédito de longo prazo e mercado primário de
ações; 3)

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

11
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) – Banco Nacional de


Habitação (BNH). Esse segmento do sistema financeiro acabou por ter um alto poder de
captação de poupança privada forçada.

Ademais as reformas financeiras do PAEG visavam estruturar o sistema


financeiro através da construção de um segmento de financiamento privado de longo
prazo. Os problemas desta deficiência do sistema financeiro foram evidenciados na
execução do Plano de Metas, anos antes, quando a inflação acelerou-se pela ocasião de
financiamento dos investimentos pela emissão de moeda.

A explicação arrolada para o problema do financiamento interno de longo prazo


era dada em função da insuficiência de poupança doméstica, que por sua vez era
prejudicada pelo baixo retorno real dos ativos (inflação alta e juros fixados no teto de
12% ao ano pela Clausula de Ouro – pela Lei da Usura, herdada pelo governo nessa
época).

Para contornar esse problema foram emitidos títulos públicos, chamados de


Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN) com correção monetária. A
correção monetária, inclusive, era central no plano de combate da inflação com
crescimento econômico, esse mecanismo, por intermédio dos reajustes de contratos e dos
rendimentos, proporcionaria os agentes econômicos a convivência com a inflação pela
possibilidade de manter sua renda real através das aplicações financeiras, sem prejuízos
com a inflação em patamares ainda elevados nos primeiros anos do tratamento gradualista
da inflação (HERMANN, 2005).

Para esta autora, a criação de um mercado de títulos da dívida pública foi o maior
mérito da reforma do sistema financeiro, ao permitir o financiamento não monetário dos
déficits orçamentários.

De imediato essa a composição do financiamento dos déficits governamentais


foi alterado. Em 1965, 55% o déficit foi financiado junto ao público (títulos da dívida
pública) e já em 1966 foi integralmente financiado dessa forma (RESENDE, 2014,
p.201). Isso atendia a dois objetivos da reforma tributária de emergência8 do governo, o

8
No documento do PAEG há uma análise de inúmeras falhas do sistema tributário brasileiro e com isso
haveria necessidade da reforma se dar ao longo dos anos, e não rapidamente. Com isso, os objetivos aqui

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

12
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

de buscar recursos não inflacionários para o financiamento do déficit público e o de


recuperar o prestígio da dívida pública brasileira (BRASIL, 1965).

A captação de poupanças fez-se também pela criação de títulos privados e de


renda fixa – Lei do Mercado de Capitais e outras Resoluções do Banco Central permitiram
e implementaram mecanismos de correção monetária.

Esse novo desenho institucional do sistema financeiro juntamente com a


correção de contratos e títulos de médio e longo prazo propiciados pelo PAEG permitiu
a captação de poupança privada voluntária e sua canalização tanto para financiamento do
Tesouro quanto a investimentos privados.

Em relação à política econômica internacional, tinha-se 1) política cambial e de


comércio exterior para incentivar diversificação das fontes de suprimento e incentivar as
exportações, para facilitar os focos setoriais de capacidade ociosa. Além disso, chegar a
um razoável equilíbrio do balanço de pagamento em longo prazo; 2) política de
consolidação da dívida externa e de restauração de crédito exterior ao país; 3) política de
estímulos a entrada de capitais estrangeiros e de ativa cooperação técnica principalmente
pelas agências internacionais e pela Aliança do Progresso (BRASIL, 1965).

Resende (2014) observa a maior simplificação e união do sistema cambial. Pelos


dados do apêndice estatístico de Giambiagi et al (2005) observa-se maiores níveis de
exportações, com um crescimento razoável. Com um nível de US$ 1430 bilhões em 1964,
chega a US$ 1741 bilhões em 1966 e termina o período com US$ 1654 bilhões em 1967,
maior nível desde o ano de 1951 (quando as exportações atingiram US$ 1761 bilhões).
Desta forma, o primeiro objetivo parece ter sido atingido.

O “razoável equilíbrio de preços em longo prazo” não pode ser qualificado, pois
provavelmente refere-se a um período posterior ao plano, o que de fato aconteceu no
período de 1968-1972. No desempenho do período o balanço de pagamentos (consoante
também ao quinto ponto dos objetivos gerais do PAEG), evidencia-se que algum grau de
equilíbrio foi alcançado, ainda que inconsistente. Os déficits de 1964 e 1966 foram

enfatizados referem-se à Reforma Tributária de Emergência (Lei 4.357, de 16 de julho de 1964)


(BRASIL, 1965).

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

13
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

mínimos, o de 1965 foi de grande magnitude de US$ 218 bilhões, enquanto houve um
volumoso déficit de US$ 262 bilhões em 1967.

No tocante aos objetivos 2 e 3 houve um maior o apoio das agências financeiras


internacionais, como os empréstimos da AID ao Brasil, que “durante o período 1964-67,
foi o quarto maior receptor mundial de ajuda líquida, atrás apenas da Índia, do Paquistão
e do Vietnã do Sul ” (RESENDE, 2014, p .202). Como políticas de estímulo a entrada de
capitais externos Hermann (2005) enumera a Lei nº 4132 de 1962 que permitia a captação
direta de recursos externos por empresas privadas nacionais, Resolução 63 - captação de
empréstimos externos pelos bancos nacionais para repasse as empresas e a facilitação na
remessa de lucros.

O terceiro grande instrumento de ação, a política de produtividade social


subdividia-se em várias políticas, das quais destacamos: 1) Política salarial, visando
assegurar participação dos trabalhadores no desenvolvimento econômico, ao mesmo
tempo, que se consiga o combate a inflação, do lado da procura e dos custos, e que
protegesse a capacidade de poupança do país9.

Na política salarial o PAEG visava manter a participação dos trabalhadores no


Produto Nacional, impedir que reajustamentos inflacionários realimentassem o processo
inflacionário e corrigir distorções salariais, principalmente do setor público, Autarquias e
Sociedades Mistas controladas pela União (BRASIL, 1965).

Resende (2014) enfatiza a substituição da negociação por salários por uma


fórmula oficial de reajuste salarial que consistia que o salário médio real dos últimos 24
meses anteriores ao mês do reajustamento sofreria uma incidência de acordo com a taxa
de aumento da produtividade e a metade da inflação prevista pelo governo no ano seguinte
(resíduo inflacionário)10.

9
Havia ainda outras políticas, cujas análises fugiriam dos objetivos do trabalho. 2) política agrária com
objetivo de aumentar produção e produtividade do setor e melhorar o emprego rural; 3) política
habitacional para favorecer aquisição de imóveis a classes de menor renda; 4) política educacional com
objetivo de ampliar acesso à educação, buscando racionalizar também o uso dos recursos, além de ajustar
o ensino às necessidades “técnicas e culturais” das sociedades modernas (BRASIL, 1965).
10
Esta medida foi implementada pela Circular 10 para Administração Federal e aos demais órgãos da
União em 1965. Em 1966 estendeu-se a forma ao setor privado (HERMANN, 2005; RESENDE, 2014).

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

14
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

É afirmado no documento síntese do PAEG, com essa fórmula, não só estaria


assegurada a manutenção da média dos salários reais, como seu aumento pela
produtividade (BRASIL, 1965).

Entretanto, os impactos dessa mudança foram de diminuição do salário real dos


trabalhadores. Como a inflação efetivamente ocorrida era constantemente maior que a
inflação prevista, o salário mínimo real foi progressivamente reduzido. Com o reajuste
em março de 1965 o salário mínimo real recuou 11% com relação a março de 1964 (índice
100 para 89). Em março 1966 o índice reduziu-se para 78,6 e março de 1967 foi para 71,9
(RESENDE, op.cit, p. 200-201). Numa comparação de 1967 e 1964 o salário mínimo real
regrediu aproximadamente 38%

Ainda, no mercado de trabalho tem-se a criação do Fundo de Garantia por


Tempo de Serviço (FGTS), que visava substituir o antigo regime que garantia estabilidade
ao trabalhador que tivesse vínculo empregatício por mais de 10 anos no mesmo
estabelecimento. Com o FGTS o empregador ficava obrigado a realizar depósitos mensais
de 8% sobre os salários nominais, tendo como contrapartida a possibilidade de demissão
a qualquer momento. A justificativa dessa mudança era que o antigo regime
desestimulava novas contratações (HERMANN, op.cit).

Em síntese, as amplas medidas econômicas adotadas pela tecnocracia


governamental - pretensamente baseadas em critérios técnicos para a “modernização” da
economia brasileira, tiveram um caráter antipopular, favorecendo determinando certos
grupos em detrimento dos trabalhadores. O aumento da carga tributária e seu caráter
regressivo, a diminuição do salário mínimo real, a retirada da estabilidade do emprego
são algumas expressões desse caráter.

3. O PAEG: AUTORITARISMO E GESTÃO ECONÔMICA.

Conforme já discutido, a capacidade de realizar grandes mudanças depende do


grau de autonomia do Estado e sua burocracia em relação aos grupos sociais. Para
Haggard e Kaufman (1993) além da capacidade técnica do corpo técnico da burocracia,

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

15
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

um governo autoritário tende a ter, na experiência empírica, maior capacidade de


implementar reformas estruturais.

É nesse sentido, que se entende que no âmbito de implementação do PAEG, o


governo e a burocracia estatal – em especial seu segmento dirigente-político, Campos e
Bulhões – conseguiram realizar reformas institucionais abrangentes, aprofundando em
vários aspectos da estrutura institucional e econômica brasileira.

Apesar de o PAEG não se tratar de um plano desenvolvimentista, manteve-se a


marca estrutural da autonomia da burocracia tecnocrática no processo decisório e a
“hipertrofia do Poder Executivo”.

Quanto ao segundo ponto, se a centralização do poder se dava num ambiente


democrático, e portanto, sujeito a maiores contestações e resistências, no contexto
autoritário do plano a hipertrofia desse poder potencializou-se, inclusive na sua forma
institucional.

Esses dois aspectos podem ajudar a explicar, por exemplo, a reforma tributária
que segundo Hermann (2005) uma das características mais evidentes foi sua centralização
de recursos na União em detrimento dos demais entes federativos.

Uma ponderação importante da autora é que “Dificilmente uma reforma


regressiva e centralizadora como a de 1964-67 teria sido aprovada pelo Congresso e aceita
sem resistências pela sociedade em um regime democrático” (HERMANN, op.cit, p.55).
Isto porque a pressão dos grupos políticos e sociais era suprimida, seja pela via
institucional e de representação política ou pela repressão.

No terreno da política econômica evidencia-se a política salarial do PAEG como


dimensão de análise da influência do autoritarismo na gerência econômica. Segundo
Resende (2014) o autoritarismo do governo sobre os sindicatos possibilitou solucionar o
impasse distributivo - com a redução da parcela que cabia aos trabalhadores.

Para o autor é isso que as políticas econômicas ortodoxas tentam fazer por
intermédio da recessão. A diferença, segundo ele, é que a ortodoxia com políticas de
restrição de liquidez deixa o mercado distribuir os custos da estabilização aos mais fracos,
enquanto os governos autoritários podem fazer isso simplesmente pela ação política
autoritária na determinação dos salários.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

16
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

O autoritarismo pode ser visto também na dimensão da institucionalização da


política salarial. Primeiramente a política salarial foi definida por um decreto (Decreto
54.228 de 01 de setembro de 1964)11. O documento síntese do PAEG também mostra a
centralização das decisões de reajustes salariais no Conselho Nacional de Política
Salarial. Sem prévia concordância desse órgão, não poderia ser realizado nenhum
reajustamento salarial na órbita do serviço público federal ou em acordos salariais
coletivos nas empresas privadas relacionados com o setor público, como aquelas
subvencionadas à União ou concessionárias de serviços públicos federais (BRASIL,
1965).

Pelo contexto autoritário, fica o contraste com os outros planos econômicos de


estratégia gradualista12 que foram analisados por Bastian e Earp (2012, p.11):

Os outros programas de estabilização tiveram dificuldades em


estabilizar porque ninguém queria pagar os custos de estabilização e a
coalizão do governo não tinha a força política (ou vontade) para definir
os vencedores e perdedores. Como o PAEG foi implementado em uma
ditadura, era capaz de resolver o problema do conflito distributivo.

Por resto, mas não menos importante, focalizamos a reforma do sistema


financeiro, principalmente a reforma que visava dar fim ao financiamento monetário do
déficit público. Para compreender a importância dessa reforma, analisa-se primeiramente
a inflação no contexto recente de implementação do PAEG.

Lessa (1981) concebe o Plano de Metas como uma resposta ao conflito entre
setores industriais e as tentativas de políticas de estabilização, instrumentalizadas no
financiamento monetário do déficit público e na expansão de crédito. Para este autor “O
processo de industrialização já havia atingido um estágio em que explicava seus
interesses” (LESSA, op.cit, p.73), colocando assim o problema da inflação subordinado

11
Informação retirada do documento síntese do PAEG – BRASIL (1965).
12
Programa de Estabilização Monetária (PEM) de 1958 no Governo de Juscelino Kubitschek e o Plano
Trienal de 1962 sob o Governo de João Goulart.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

17
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

à industrialização. O financiamento inflacionário foi fundamental para a expansão dos


investimentos e a industrialização advinda pela implementação do Plano de Metas.

O mecanismo dessa “funcionalidade” da inflação no Plano de Metas, mas


também ao longo do processo de substituição de importações é descrito para Tavares e
Serra (1972) pela possibilidade de manutenção de uma taxa ilusória de lucros
(artificialmente) para um sem-número de novos investimentos físicos em vários setores,
em especial dos bens de produção. No entanto, a inflação tornou-se disfuncional pela sua
aceleração, dando fim às altas e artificiais rentabilidades esperadas e aumentando as
pressões trabalhistas. Essa perda de funcionalidade da inflação levou a queda do nível de
investimentos públicos e privados.

As medidas institucionais que propunham o financiamento do déficit público


por títulos públicos inibia o financiamento monetário do déficit governamental, o, que
levava a inflação e que através do crédito havia se tornado um importante mecanismo
para incentivar os investimentos públicos e privados.

Isso é relevante do ponto de vista do autoritarismo, pois a simples proposição de


uma redução dos meios de pagamento e de crédito para o controle da inflação antes de
1964 já havia representado protestos e repulsas em outros episódios e culminou por vezes
em saídas de membros da equipe econômica ou insucesso de planos econômicos.

Bastian e Earp (2012) dão o exemplo do Plano de Estabilização Monetária do


fim do governo de Juscelino Kubitschek, elaborados por Lucas Lopes na Fazenda e
Roberto Campos no Banco Nacional de Desenvolvimento. Segundo eles as reações ao
plano ocorreram no “front externo” e no “front interno”. No front externo relacionava-se
a não aprovação de certas medidas do plano.

No front interno, os autores, baseados num estudo específico de Fausto Saretta


sobre a Confederação Nacional da Indústria (CNI) no contexto do PAEG, enfatizam que
essa organização gostaria que o combate à inflação focalizasse as causas relacionadas a
pressões salariais. Já aquelas advindas de emissões monetárias seriam um menor
problema, pois a inflação daí resultante “(...) significaria uma transferência de renda dos
consumidores para a indústria, sendo benéfica pois elevaria a poupança e o investimento”
(Saretta, 2010 apud BASTIAN; EARP, 2012, p.5). A agricultura também reclamou com

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

18
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

temor do financiamento das safras de 1958-1959 ser afetado pela redução do gasto
público.

Quer-se dizer que o PAEG não mais colocava a estabilização como subordinada
ás políticas de desenvolvimento e isso mexia com os interesses econômicos de certos
grupos, principalmente os industriais.

A preocupação com a legitimidade política pode ser vista também em outros


motivos do afastamento do combate a inflação pela opção do tratamento de choque
(BRASIL, 1965). Como já se viu havia a preocupação de implementar medidas
politicamente viáveis, como a assertiva de não prejudicar a poupança nacional
aprofundando políticas econômicas restritivas já realizadas pelos governos anteriores (ex:
Plano Trienal). Outro exemplo é a afirmação de que a imediata eliminação do déficit
público (indispensável no tratamento de choque) acarretaria na queda dos investimentos
públicos, e com isso haveria a possibilidade de alta de preços e desemprego em vários
setores após uma abrupta queda da demanda global.
Desta forma, partilha-se da visão de Hermann (2005, p.53) de que

(...) para legitimar o regime de exceção junto à sociedade (leia-se, junto


à classe empresarial e às camadas de renda mais alta) e ao meio político
internacional, era necessário preservar a renda agregada de uma queda
abrupta, enquanto se implementava o plano de combate à inflação.

A reforma do mecanismo de financiamento do déficit público pela expansão dos


meios de pagamento foi uma medida cujos efeitos sobre a expansão de crédito referia-se
a um prazo mais longo. No curto prazo, a política creditícia ás empresas o documento
síntese do PAEG já enfatizava certa flexibilidade, afirmando que seria “suficiente
controlada, para impedir a inflação de procura, mas suficientemente realista para adaptar-
se a inflação de custos” (BRASIL, 1965, p.34).

Foram implementadas metas de expansão do nível de preços, dos meios de


pagamentos e de crédito (nominais) que na sua maior parte não foram cumpridas. A
inflação prevista pelo plano (medida pelo IGP) era de 70% em 1964, 25% em 1965 e 10%
em 1966 (BRASIL, 1965, p.35). Na realidade os números ficaram acima do previsto,

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

19
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

respectivamente em 92,1%, 34,2% e 39,1% (GIAMBIAGI, 2005, p.247). A taxa de


expansão dos meios de pagamentos foram fixadas em 70%, 30% e 15% nos três anos. A
taxa de expansão do M1 foram de respectivamente 81,6%, 79,5% e 13,8% (HERMANN,
2005), Portanto somente a meta de 1966 foi cumprida. Para o crédito às empresas, definiu-
se que seriam reajustados de acordo com a variação total dos meios de pagamento, e, por
consequência esperava-se um reajustamento pelas metas fixadas para o M1 (BRASIL,
1965). A expansão creditícia expandiu-se respectivamente em 80%, 57,5% e 33,6%
(HERMANN, op.cit, p.60). Em todos os anos a expansão ficou longe das metas fixadas.

A uma primeira avaliação poder-se-ia parecer que a política monetária tenha sido
demasiadamente expansionista. Entretanto, apesar expansão dos meios de pagamentos
maior que a prevista pelas metas, cabe ressaltar que os níveis de inflação também
estiveram num patamar mais elevado que o programado, de modo que, os índices de
liquidez real13 nos dá uma ideia mais consistente da situação monetária, já que a equipe
econômica colocava em sua análise as variações dos meios de pagamento consoante às
dos preços. Tanto pelos dados trimestrais de Resende (2014) como os anuais de Hermann
(2005) sugere-se que os anos de 1964 e 1966 foram de contração real dos meios de
pagamento e do crédito, enquanto 1965 e 1967 de expansão.

As contrações reais do crédito não necessariamente podem ter sido intencionais,


dado que algumas variáveis que influem na inflação fogem do estrito controle do governo.
Por outro lado, Resende (2014, p.203) entende que a grande expansão de M1 e do crédito
de 1965 foi advinda do expressivo saldo do balanço de pagamentos (nível recorte de
exportações, investimentos diretos quase triplicaram, empréstimos externos aumentou
65% em 1965), o que fez dobrar as reservas cambiais brasileiras, e a política monetária
não foi capaz de esterilizar essa entrada maciça de recursos tão rapidamente.

Essas questões dificultam a qualificação do grau de restrição das políticas


monetária e de creditícia, o que faz com que a questão mereça uma maior investigação
posterior. Entretanto, essa oscilação pode ser sinal da flexibilidade, especialmente em
relação ao crédito. Na análise de André Lara Resende, o autor enfatiza que na retração de

13
Deflacionamento das variações nominais por algum índice de preço.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

20
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

1966 a restrição dos créditos foi menor que o aperto monetário, especialmente pela
atuação do Banco do Brasil.

Para a explicação da maior capacidade de implementar as políticas econômicas


e as reformas institucionais por parte da equipe econômica não se minimiza também a
ocasião da crise dos anos de 1960, que evidenciou os problemas da industrialização
brasileira, especialmente o problema do financiamento e da inflação. Com isso, pode-se
entender a menor resistência às reformas e políticas econômicas que a priori seriam
contrários a certos interesses econômicos, notavelmente dos industriais.

A maior autonomia do Estado também pode ter ser sido conferida pela ocasião
da crise econômica ocorrida em princípios dos anos de 1960. Ás vésperas do golpe que
derrubou o Presidente João Goulart a economia brasileira passava por sérias dificuldades
econômicas de ordens interna e externa, a saber, respectivamente, a queda da atividade
econômica aliado ao aumento do processo inflacionário, caracterizando a “estagflação”,
e os desequilíbrios no balanço de pagamentos (HERMANN, 2005). Isso pode ser
observado nas taxas de crescimento que no início da década de 1960 ainda se
encontravam num nível elevado, de aproximadamente 9%, em 1962 caiu para 6,6% e em
1963 os sinais da crise configuraram numa clara desaceleração, quando o crescimento do
PIB foi de 0,6%. Ao mesmo tempo, verificou-se uma escala de preços, medida pelo Índice
Geral de Preços (IGP), acelerando-se de 30,5% em 1960 e 47,8% em 1961 para 79,9%
em 1963, e chegando a 92,1% ao final de 1964, já com alguns meses do período militar
(GIAMBIAGI et al, 2005).

Essa crise segundo algumas interpretações, como a do trabalho de Tavares


(1972)14 corresponderia ao declínio estrutural do processo de substituições de
importações iniciado em 193015. Em Tavares e Serra (1972)16, os autores criticam a noção
de tendência a estagnação secular defendida por Celso Furtado. Para ele, as características

14
A primeira versão desse trabalho foi publicada em 1963. Portanto no seio do contexto da crise.
15
A autora vê a necessidade da transição para um novo modelo de desenvolvimento em meio a crise, no
qual o Estado assumiria de forma efetiva e decidida os investimentos e o processo de desenvolvimento.
16
Neste trabalho, os autores discordam da interpretação corrente da estagnação dos anos de 1960. Para
eles, olhando retrospectivamente (dos anos 70 para os 60 – portanto tendo em vista a experiência do
“milagre econômico”, o crescimento econômico pode continuar mesmo com estrutura agrária e
concentração de renda). O que aconteceu nos anos de 1960 para os autores, com os sintomas da
estagnação, estaria ligado à queda do nível de investimentos, determinada pela taxa de rentabilidade
(Eficiência Marginal do Capital) e as expectativas dos empresários, após a grande concentração de
investimentos complementares no tempo na ocasião do Plano de Metas.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

21
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

estruturais da industrialização na América Latina, especialmente no Brasil, levavam a


economia a estagnação. Os motivos da tendência à estagnação estariam ligados a vários
fatores, quais destacam a estrutura agrária altamente concentrada, concentração de renda,
mercado interno restrito, etc... A solução para o destravamento do desenvolvimento seria
reformas estruturais que visassem a redistribuição da renda em favor das camadas de
menor renda.

A crise, salopando o crescimento com altas taxas de crescimento e nas bases até
então conhecidas (assentado no Estado e no maior crescimento relativo da indústria)
permitiu, num ambiente autoritário, a concentração de poder e prestígio nos economistas
como dirigentes políticos, cujas ideias prezavam em alguma medida a estabilização da
inflação. Um dos pontos mais enfatizados para os neoliberais (Gudin e Octávio G.
Bulhões), conforme caracterizou Bielshowsky (2000) era a necessidade de promover
políticas econômicas que promovessem o saneamento financeiro do Estado, e assim
efetuasse o rígido controle do processo inflacionário. Por outro lado, Roberto campos era
classificado na corrente de pensamento econômico “desenvolvimentista do setor público
não nacionalista”, que entendia era fundamental a participação do capital estrangeiro nos
investimentos para o impulsionamento da industrialização (como ocorreu no Plano de
Metas), porém enfatizava o aspecto da estabilização como de suma importância, mesmo
num contexto de expansão econômica (BIELSCHOWSKY, op.cit) 17.

A autonomia da burocracia estatal (economistas como dirigentes políticos),


presente no Brasil e ampliada no contexto do PAEG, com efeitos de realizar políticas
econômicas e reformas estruturais pode ser explicada também em termos da capacidade
técnica dos economistas dirigentes.

Além de Roberto Campos e Octávio G. de Bulhões terem circulação, contatos,


credibilidade, acesso com governos e organismos financeiros internacionais18 – o que era
importante num contexto de necessidade de renegociação da dívida externa - e atuaram
em empresas privadas no Brasil, eles efetivaram uma trajetória importante como

17
Roberto Campos é atualmente conhecido como grande representante do liberalismo no Brasil. Mas a
análise de Bielshowsky (2000) se fez num contexto específico, no auge do desenvolvimentismo
brasileiro, de 1945-1964. Segundo Daconal (2015) a “conversão” de Roberto Campos para liberal se faz
na década de 1970.
18
Os dois economistas foram delegados brasileiros na reunião de Bretton Woods em 1944. Roberto
Campos participou do Departamento Econômico do Itamarati no início dos anos de 1940 e foi
embaixador brasileiro nos Estados Unidos de 1961 a 1964 (LOUREIRO, op.cit)

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

22
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

tecnocratas em vários órgãos e em diferentes governos brasileiros nas décadas de 1940 e


1950, o que os leva a ter um conhecimento empírico detalhado da realidade econômica e
institucional brasileira e de seus principais problemas.

Esses economistas passaram, inclusive, por órgãos da maior importância na


gerência da economia brasileira, ou seja, atuaram como dirigentes políticos. Por exemplo,
Roberto Campos participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951), Diretor
Econômico do BNDE (1952), Diretor Superintendente do BNDE (1955) com
participação na elaboração do Plano de Metas, Presidente do BNDE (1958). Já Octávio
G. de Bulhões foi Chefe da Divisão de Estudos Econômicos e Financeiros do Ministério
da Fazenda e Comissão de Mobilização Econômica (1942), Chefe do grupo de técnicos
brasileiros na Comissão Abbink (1948), Presidente do Conselho Nacional de Economia
CNE de 1950 a 1954 e Superintendente da SUMOC em duas ocasiões (1954-1955 e 1961-
1962) (LOUREIRO, 1997).

O prestígio pessoal do corpo técnico para com o presidente Castello Branco -


característica da atuação dos economistas em sociedades que não consolidaram
democracia (LOUREIRO, op.cit) - pode ser considerada uma importante variável
explicativa. Para Fishlow (1974, p.9) o presidente Castello Branco concedeu “virtual carta
branca a Roberto Campos e Octávio Bulhões”, em função também da deterioração
econômica advinda da crise.

De acordo com o autor isto não era o recorrente na história brasileira. Analisando
retrospectivamente os períodos anteriores, o autor aponta que

Por três vezes antes disso, - durante a breve passagem de Eugênio Gudin
pelo Ministério da Fazenda, de setembro de 1954 a abril de 1955, com
o Programa de Estabilização Monetária introduzido no final de 1958 e
nos primeiros meses da presidência de Quadros em 1961 - a política de
contenção da inflação mediante restrição da demanda não obtivera
apoio decidido e contínuo por parte do Executivo. No primeiro caso, os
protestos inevitáveis contra a restrição do crédito conduziram à
renúncia de Gudin depois de apenas 6 meses na pasta e, com isso, ao
relaxamento do crédito; o segundo episódio terminou com a renúncia
do Ministro da Fazenda, Lucas Lopes, em agosto de 1959, vinculada à
decisão de Kubitschek de romper as negociações com o FMI; e,
finalmente, o apoio indeciso de Quadros ao seu Ministro da Fazenda,
Clemente Mariani, introduziu a discussão de questões que
extravasavam o campo das opções monetárias, em que fora instaurado

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

23
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

o debate, seguindo-se imediatamente a dramática renúncia do


presidente (FISHLOW, 1974, p.8-9).

Aqui está implícito novamente que sob a natureza autoritária do governo pós-
1964. O grau de autonomia do Estado, na expressão do Executivo e da equipe econômica,
foi maior devido a possibilidade de o Executivo limitar ou não ceder a pressões de grupos
sociais contra os ministros responsáveis pela área econômica, o que num sistema
democrático seria mais difícil de não o fazê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de o Estado brasileiro ter, historicamente, um maior nível de autonomia


estatal que seus pares latino-americanos, o contexto autoritário ou democrático influi para
uma maior ou menor grau de sua autonomia – embora não total e não isenta
respectivamente. Alguns fatores atrelados a equipe econômica, tais como a crise
econômica nos anos de 1960, posições teóricas e capacidades administrativas ajudam a
explicar a maior autonomia da burocracia de implementar o PAEG.

O contexto autoritário contribuiu para a implementação da política de


estabilização e de amplas reformas institucionais em várias áreas da realidade econômica
brasileira. Esse autoritarismo ao gerir a economia pode ser vista, por exemplo, na política
salarial, na reforma tributária e na mudança do financiamento do déficit público.

Sugere-se que embora o governo autoritário possuísse uma maior autonomia que
governos democráticos, também buscava a legitimação do poder. Essa busca de
legitimação frequentemente baseava-se nos estratos e grupos sociais mais altos dentro da
sociedade brasileira, em detrimentos dos trabalhadores.

Longe analisar todas as dimensões a respeito da relação entra autoritarismo e


gestão econômica para o caso do PAEG, o trabalho tentou apontar e analisar alguns
pontos de influência do contexto autoritário para as medidas econômicas. A continuação
da investigação nessa perspectiva - dando ênfase também aos componentes políticos

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

24
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

como suporte da análise econômica -, não só desse objeto, mas também de outros, pode
ser de grande valia para o aprimoramento metodológico para estudar os fenômenos da
ciência econômica.

REFERÊNCIAS

ABREU JÚNIOR, N. Do patrimonialismo ao “neopatrimonialismo” gerencial: o caso


da Universidade Estadual de Goiás. In: 37º Reunião Nacional da ANPED, 2015,
Florianópolis. Anaias da 37ª Reunião da Anped. Florianópolis: Anped, 2015. v. 1. p.
167-16

BASTIAN, E.F; EARP, F. S. O Combate à Inflação no Brasil, 1958-67: uma análise dos
planos de estabilização gradualistas. In: Anais do XL Encontro Nacional de
Economia. Porto de Galinhas (PE): 2012.

BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica. Programa de Ação


Econômica do Governo – 1964-1966 (síntese). 2. Ed. Documentos EPEA, n.1, 1965.
243p.

BIELSCHOWSKY, R. Introdução. In: BIELSCHOWSKY, R. (org). Cinqüenta anos


de pensamento na Cepal. Rio de Janeiro: Record; Cofecon; CEPAL, 2000. p.217-237.
v.1.

DACONAL, Pedro Hoeper. A conversão de Roberto Campos. In: XI Congresso


Brasileiro de História Econômica e 12ª Conferência Internacional de História de
Empresas. Vitória. 2015.

LESSA, Carlos. O plano de metas – 1957-60. In:______. Quinze anos de política


econômica. São Paulo: Brasiliense, 1981.

FISHLOW, Albert. Algumas reflexões sobre a política econômica brasileira após


1964. Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 7, jan./mar. 1974.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

25
PAEG: A Gestão Econômica Sob A Influência Do Autoritarismo – Marcos Taroco
Resende e Roberto Pereira Silva

FONSECA, P. O Processo de Substituição de Importações. In: REGO, José Márcio;


MARQUES, Rosa Maria. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: 2003.

GIAMBIAGI, Fábio; BARROS DE CASTRO, Lavínia; HERMANN, Jennifer;


VILLELA, André. Apêndice Estatístico. In: ______ Economia Brasileira
contemporânea (1945 – 2010). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

HAGGARD, Stephan e KAUFMAN, Robert; O Estado no inicio e na consolidação da


reforma orientada para o mercado; In: SOLA, Lourdes. Estado, Mercado e
Democracia: política e economia comparadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p.
391-421
HERMANN, Jennifer. Reformas, Endividamento Externo e o “Milagre” Econômico
(1964-1973). In: GIAMBIAGGI, Fábio. et all. Economia Brasileira Contemporânea
(1945-2004). Rio de Janeiro – Editora Campus Elsevier. 2005.

LOUREIRO, M.A. Os economistas no governo. Gestão econômica e democracia.


Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997. 201 p.

MACARINI, J. P. A política econômica da ditadura militar no limiar do “milagre”


brasileiro: 1967/69. IE/UNICAMP. Texto para discussão n. 99, set. 2000.

RESENDE, André Lara. Estabilização e Reforma: 1964-1967. In: Abreu, Marcelo de


Paiva (org). A Ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2.
ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

TAVARES, Maria da Conceição. Auge e declínio do processo de substituição de


importações. In: Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios
sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

TAVARES, M. C.; SERRA, José. Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de
desenvolvimento recente no Brasil. In: TAVARES, M. C., Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre economia brasileira. Rio de
Janeiro: Zahar, 1972.

7ª Conferência Internacional de História Econômica e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica

26

Você também pode gostar