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Polícia e classe social

Durante os últimos suspiros do governo Bolsonaro, quando uma série de episódios de


violência política sucederam no país, tivemos a oportunidade de testemunhar aquilo
que sempre se soube a respeito da polícia, mas que, ao longo de décadas, vinha sendo
negado mesmo entre especialistas da segurança pública: o caráter classista da ação
policial violenta. É claro que esta característica só é propriamente uma “descoberta”
para a minoria de privilegiados cujas vidas nunca estiveram ameaçadas pela
intervenção policial. Entretanto, mesmo para os brasileiros comuns, que sofrem
diariamente as violações de seus direitos mais fundamentais, a exposição a nu, em
rede nacional, desse modus operandi, transpareceu como um fato chocante. Isso
porque tivemos a raríssima oportunidade de observar uma relação que, em geral, se
dá nas sombras, isto é, como a polícia se comporta quando os portadores da violência
pertencem às elites.

Antes de tratar propriamente dessa relação, é salutar uma breve contextualização da


semana em que este breve artigo foi escrito. No Rio de Janeiro, um morador de rua foi
assassinado por um policial na Cidade de Deus, após o agente ter confundido um
pedaço de madeira que a vítima carregava com um fuzil. Essa não seria a primeira,
nem a segunda, nem a terceira vez que a polícia se confunde e mata um homem
honesto no Rio de Janeiro, mas pulemos esta discussão. Um dia antes desse episódio
no Rio, um outro morador de rua em Goiás, possivelmente com problemas mentais, foi
perseguido à tiros e executado pela polícia goiana em plena luz do dia. A vítima em
surto havia atirado pedras na viatura policial e estes responderam acabando com sua
vida. Este não seria nem o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro portador de
deficiências cognitivas a ser brutalmente assassinado pela polícia, em qualquer
unidade da federação. Mas pulemos esta discussão.

Embora chocantes, episódios como estes não são novidade e, durante o governo
Bolsonaro, se tornaram ainda mais frequentes. Contudo, esses dois trágicos eventos
ocorridos na primeira semana de janeiro, em berços bolsonaristas como Rio e Goiás,
ganham uma densidade extra à luz de outros acontecimentos violentos amplamente
debatidos pela opinião pública nacional. Dentre estes, talvez o mais notório seja o caso
de Roberto Jeferson, preso há alguns meses por disparar granadas e tiros de fuzil
contra um grupo de policiais federais em uma cidade do interior do Rio de Janeiro.
Portador de um verdadeiro arsenal, cujo emprego resultou em 3 policiais feridos,
Roberto Jeferson foi tratado pela PF como um verdadeiro compadre, com direito a
cafezinho, risos e afagos, antes de ser conduzido sem algemas pelos agentes federais.
Outro caso notório ocorrido neste mesmo período foi o da deputada Carla Zambeli,
aliada do presidente, que, junto com mais três ou quatro capangas armados, perseguiu
e disparou contra um homem negro, em plena luz do dia, no coração de São Paulo.
Acionada a polícia, esta acolheu Zambeli como vítima, tomou nota de sua “queixa” e a
deixou ir embora com a arma que portava ilegalmente naquele momento.

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