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De Karime Kamel

Coach e Consultora

“Sem aceitação e respeito por si mesmo, ninguém pode aceitar e respeitar o


outro, e sem aceitar ao outro como um legítimo outro na convivência, não há
fenômeno social.”
Humberto Maturana

Somos capazes de perceber que as declarações geram o mundo e podem ser


consideradas válidas a depender do poder e da autoridade de quem as
executa. Contudo, existem declarações que não exigem uma concessão formal
de autoridade, mas estão associadas à própria dignidade das pessoas.
Todos nós possuímos o poder de efetuarmos determinadas declarações em
nossa vida pessoal e, enquanto exercemos tal poder, consolidamos nossa
dignidade como pessoa. Vejamos alguns exemplos desse tipo de declaração:

A declaração de negação, o “NÃO”


Dizer não é uma das declarações mais importantes que um indivíduo pode
fazer, pois reforça tanto sua autonomia quanto legitimidade como pessoa. E
em maior grau, pode comprometer sua dignidade.
Então, por que temos tanto medo do conflito que pode ser causado pelo
“NÃO”? Segundo a psicóloga paulista Corinna Shabbel, especialista no assunto,
quase todas as pessoas que estão prestes a dizer NÃO, imaginam reações
negativas por parte do outro – temem que fique bravo, agressivo, magoado,
triste ou ofendido.

Esse olhar negativo sobre as consequências do “NÃO” coloca muita força e


peso nessa recusa. E isso, geralmente, não passa da mais pura imaginação. Se
dissermos um “NÃO” limpo, coerente com nossos sentimentos e com clareza, é
muito provável que o outro aceite sem alimentar conflitos ou ofensas, diz a
psicóloga.

Enquanto indivíduos, podemos nos dar o direito de não aceitar o estado das
coisas que enfrentamos e as demandas que os outros podem nos fazer. E esse
é um direito inalienável, que não pode nos ser tirado de forma alguma. Em
algumas ocasiões, o preço de dizer NÃO é tão alto, que depende do limite de
cada um pagá-lo, ou não. Podemos perceber que o respeito à nossa dignidade
está sempre presente nesse limiar decisório.

Cada vez que consideramos que devemos dizer NÃO e não o fazemos, vemos
nossa dignidade comprometida. Cada vez que dizemos NÃO e isso não é
considerado pelo outro, nos sentimos desrespeitados. É uma declaração que
define o respeito que temos conosco e que as demais pessoas tem por nós. É
uma declaração que tem um papel decisivo em dar forma às nossas relações
com pares, de amizade, de trabalho, com filhos, etc.

Recomenda-se, portanto, refletirmos bastante sobre os fantasmas e fantasias


de cada um, conhecê-los de perto e tentar identificar quando estão se
aproximando para turvar a realidade e nos impedir de dizer NÃO quando se faz
necessário.
Muitas pessoas vão acumulando diversos “NÃOS” que não foram ditos, até que
se transformam em um grande “basta”, que muito frequentemente assume
proporções exageradas para a situação limite que o provoca. É a famosa “gota
d’água que transborda o copo”… Outras pessoas vão acumulando em suas
vidas muitas situações em que o NÃO deixou de ser respeitado, que chegam a
perder sua autoestima e confiança.

Em outro extremo, existem aquelas pessoas que somente sabem dizer NÃO,
ou seja, não conseguem concordar com coisa alguma, estão sempre contra
qualquer situação, são conhecidas como as pessoas “do contra”. Você conhece
alguém assim? A sensação é de que essas pessoas dizem NÃO para a própria
vida, pois se fecham a outras possibilidades.

A declaração de aceitação, o “SIM”


O “SIM” parece não ser tão poderoso quanto o NÃO, pois toda a vida é um
espaço aberto ao “SIM”. Além disso, se não dizemos que não, normalmente se
assume que estamos no SIM – “quem cala consente…”.

Existem pessoas que, na pressa em definir alguma coisa, acabam proferindo o


“SIM” quando não deveriam, trazendo para si determinadas situações que
poderiam ser perfeitamente evitadas.
Um aspecto muito importante diz respeito ao compromisso que assumimos
quando dizemos “SIM” ou o equivalente, aceito. Quando isso ocorre, colocamos
o valor e o respeito de nossa palavra. Poucas coisas afetam mais a identidade
de uma pessoa do que dizer SIM e não atuar coerentemente com tal
declaração.

A declaração da ignorância, o “Não Sei”


As experiências da vida nos mostram que muitas vezes presumimos que
sabemos, para logo descobrir o quão ignorantes realmente somos. Um dos
problemas cruciais da aprendizagem é que frequentemente nem sabemos que
não sabemos! O que chamamos da cegueira da cegueira.

Ou pior, temos orgulho ou vergonha de reconhecer que simplesmente não


sabemos! E quando essas situações acontecem, simplesmente fechamos a
possibilidade da aprendizagem num terreno pleno de possibilidades de
aprendermos coisas novas.

Dizer “NÃO SEI” é uma porta aberta ao processo de aprendizagem.


Poderemos, a partir disso, declarar que aprenderemos e, em consequência,
criaremos um espaço em que será possível expandir as possibilidades de ação

em nossa vida. “NÃO SEI” representa uma das forças motrizes mais poderosas
no processo de transformação pessoal e de criação de quem somos.

A declaração de gratidão, o “Obrigado”


Podemos dizer “OBRIGADO” sem que isso signifique muito, mesmo assim,
dize-lo nunca será insignificante. Não podemos deixar de reconhecer o poder
gerador de ação que executamos ao dizer “OBRIGADO”, pois estamos
construindo a relação com o outro, e não agradecer pode prejudicar tal
relação.

É importante reconhecer o que os outros fazem por nós e o que significam em


nossas vidas. Agradecer a quem cumpre suas promessas ou compromissos
conosco ou a quem faz suas as nossas inquietudes, e atua em consequência
disso.

A gratidão nos permite responsabilizar-nos pelo outro no sentido das suas


inquietudes, de se reconhecer o que o outro fez e manifestar nosso apreço pela
atenção da qual fomos beneficiados. Se não agradecemos, podemos gerar
ressentimentos a quem se esmerou em servir-nos e fechar possibilidades de
no futuro voltar a contar com esse apoio.

Outra mirada é podermos ver a gratidão como uma oportunidade de celebrar


tudo o que a vida nos tem provido. A vida por si só é motivo de gratidão e de
celebração por tudo o que nos provê, além de um ato fundamental de geração
de sentido, de reconciliação com nossa existência, passado, presente e futuro.

A declaração de perdão, o Perdoe-me


Quando não cumprimos com aquilo com que nos comprometemos, ou quando
nossas ações causam danos a outros, mesmo que sem intenção, nos cabe
assumir a responsabilidade, normalmente dizendo PERDÃO.
Podemos também fazê-lo na forma de pedido: “te peço perdão” ou “te peço
desculpas”. Nessa forma, a declaração de perdão fica dependente do ato
declarativo de quem pode dizer “te perdoo”.

Ambas são muito importantes, e nos parece necessário não submeter uma a
outra. A importância de mantê-las separadas é que nos permite reconhecer a
eficácia de dizer PERDÃO com independência da resposta que se obtenha do
outro, pois a responsabilidade que nos cabe sobre nossas ações não pode
depender das ações do outro.

O perdão do outro não nos exime de nossa responsabilidade. Em muitas


ocasiões, declarar perdão pode ser insuficiente, pois devemos reparar o dano
feito e compensar o outro. Mesmo assim, não diminui a importância da
declaração de PERDÃO.

Quando alguém não cumpre o que prometeu ou se comporta conosco de


maneira contrária às nossas expectativas, possivelmente nos sentiremos
afetados. Mas se essa pessoa não assumir as consequências de seus atos (ou
de sua omissão), possivelmente nos sintamos vítimas de uma injustiça. Ao
pensar assim, justificaremos nosso ressentimento com o outro, sobretudo na
medida em que nos colocarmos no lado do bem e colocarmos o outro do lado
do mal. Portanto, consideramos que temos todo o direito de estarmos
ressentidos.

O que possivelmente não percebemos é que, ao cair em ressentimento, nos


colocamos numa posição de dependência a respeito de quem fizemos
responsável pelo fato causador. Para a outra pessoa pode, perfeitamente, ter
havido um mero desentendimento. Contudo, nosso ressentimento vai continuar
nos amarrando, como escravos, ao outro. Vai consumir nossa paz, nosso bem-
estar, vai terminar comprometendo o conjunto de nossa vida. O ressentimento
nos faz escravos de quem culpamos e, portanto, compromete não só a nossa
felicidade, como também nossa liberdade como pessoa. Quem vive com
ressentimento, vive na escravidão, a escravidão da alma.

Perdoar não é um ato de graça para quem nos causou algum dano, embora
também possa ser. Perdoar é um ato de libertação pessoal. Ao perdoar,
rompemos a cadeia que nos ata ao ofensor e nos mantém como vítima. Ao
perdoar pomos fim ao processo que segue aberto, reproduzindo o dano que
nos foi causado. Ao perdoar, reconhecemos que não só o outro, mas nós
mesmos somos agora responsáveis por nosso bem estar.

Outra dimensão muito importante é a nossa capacidade de perdoar a nós


mesmos. Nesse caso, assumimos o papel de vítima e de ofensor. Uma das
dificuldades que enfrentamos em relação a perdoar a nós mesmos provém de
sustentar uma concepção metafísica sobre nós mesmos que supõe que somos
de uma determinada forma e que tal forma é permanente. Se fizermos algo
irreparável, isso fala de como somos e não podemos mais arcar com a culpa
pelo resto de nossas vidas. Essa interpretação não dá lugar ao reconhecimento
de que, no passado, atuamos em condições diferentes das atuais.

O perdoar a si mesmo tem o mesmo efeito libertador de que falamos antes e


fazê-lo é uma manifestação de amor a si mesmo e à própria vida!

A declaração de amor, o “Te Amo”


Quando alguém diz “TE AMO” ou “te quero”, remete a um vínculo particular
entre duas pessoas. Podemos também falar do amor que mantemos conosco
mesmos.
Ao declarar “TE AMO”, participo da construção da minha relação com o outro e
tomo parte da criação desse mundo compartilhado.
É importante examinar nossas relações pessoais fundadas em vínculos de afeto
(pais, filhos, companheiros/as, etc.) e o quanto declaramos mutuamente esse
afeto. Podemos nos perguntar: que diferença faria ao outro escutar essa

declaração? É importante não duvidar que tanto o falar, quanto o calar, gera
nosso mundo.
Segundo Elaine Gaspareto, dizer te amo é para qualquer hora, qualquer dia, o
grande momento é agora, e se não é fácil para você, “fale com os olhos, fale
as mãos, com os braços e abraços”!
Bem, finalizo com uma última pergunta: como você têm praticado
essas seis declarações e que resultados vêm obtendo em sua vida a
partir delas?

Resumo e adaptação realizados por Silvana Baccin, com base no livro “Ontologia da
Linguagem” de Rafael Echeverría.

_________

A partir da leitura e reflexão acerca deste texto, te convido a criar uma das
mais importantes declarações que existem: a Declaração de Identidade. Com o
apoio das perguntas abaixo, crie a sua. Pense em uma declaração que te
represente, que possa chegar antes de você em uma sala, que espelhe o que
você, em essência, enxerga e sabe sobre si.

Vamos lá?

1 – Quem é você na essência?

2 – O que te faz feliz?

3 – Você vive com propósito? Qual é ele?

4 – Quais são os seus dons e talentos?

5 – No que você gostaria de ser melhor?

6 – Onde e como você quer estar daqui a 5 e10 anos?

7 – Quais são as suas principais conquistas na vida?

8 – Você é reconhecido em sua carreira?

9 - Você trabalha com o que gosta?

10 – Como você é visto pelas pessoas ao seu redor?

10 – Que legado você quer deixar para o mundo?

Bom trabalho!

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