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Trabalho temático - 2021

Produção Textual e Fontes de Informação e Pesquisa


Sociologia e Política - Noturno
Victor S. H. M. Braz e Rogério Rodrigues - Grupo 8N

Introdução

Este trabalho consiste de um amálgama entre duas obras de Plínio Marcos: “Barrela” e “Inútil
canto e inútil pranto pelos anjos caídos”. Com quase vinte anos separando os dois trabalhos, o
primeiro possui uma linguagem mais crua e bruta, demonstrando um aspecto agressivo de
uma cadeia e como os presos são vistos - o texto inteiro descreve seus personagens como
verdadeiros animais, em uma clara metáfora -, já o segundo é escrito de maneira mais poética
e, sendo um texto de prosa e não teatral, possui uma certa distância em relação ao que está
sendo contado. Como proposta de trabalho temático, desenvolvemos uma pequena cena
teatral que busca juntar os dois trabalhos, dando uma outra visão sobre ambos.

Cenário: Uma cela de prisão usual. Dentro dela, cinco presos.


Personagens: Lipe, Fernando, Carioca, Maurão e Lúcio.

Os guardas acabam de passar na cela. É uma noite chuvosa, fria. Os cinco encontram-se nos
seus cantos, mas, devido à proporção do local, ainda estão muito próximos.

Lúcio: Que friaca…


Lipe: Pois é...E ainda ficamos só com essa merda de farrapo…
Maurão: Qual é, Carioca. Tá me estranhando, seu viado nojento? Se chegar perto se
esfregando, te quebro na porrada.
Carioca: Aí, Maurão….não fala assim. Quando é lance teu, você vem se escorar em mim e
agora que pagar de machão.
Lúcio: Oh….bora parar com esse lero-lero ai? Já chega essa friaca e cheiro de mofo...ter que
aguentar papo de marica eu tô fora.
Lipe: Falei pra tú, Carioca. Sossega teu facho, mano.
Maurão: Quando eu sair daqui e ganhar o mundo, quero tomar banho de água quente, tá
ligado? Faz tanto tempo que não tomo uma ducha decente.
Lúcio: A gente foi feito pra crescer como musgo aqui, Maurão. Não tem dessas de banho
quente. Aqui a gente morre verde.
Carioca: Puta merda. Acabou a porra da luz. Maurão...deixa eu encostar em você?
Maurão: Tô avisando. Se chegar perto mais uma vez, vou te virar no avesso, Carioca. Se liga!
Lipe: Domingo vai fazer cinco semanas que minha mãe não vem me visitar. Esse final de
semana é aniversário dela. Primeiro de outubro. Dia de Santa Terezinha. Será que aconteceu
alguma coisa com ela e ninguém quer me falar nada?
Lúcio: De novo com isso, Lipão? E iriam falar alguma coisa porque? Olha a nossa
situação...estamos jogados aqui só, ninguém liga…
Maurão: Que climão de merda, viu...Esse frio todo, sem luz, e agora isso.
Lipe: Você não tem mãe não?
Maurão: Que pergunta é essa, maluco?
Carioca: Não desvia da pergunta…
Lúcio: Está com medinho, Maurício? HAHAHAHAHA
Maurão: Ah não fode, tá ouvindo!

Escorado em um canto, Fernando acorda com o grito, claramente bravo com a situação.

Fernando: Que porra é essa?! Tão gritando por quê? Hein?


Carioca: Desculpa, Fernando. É que a luz acabou, está frio, chuva...isso estressa qualquer um.
Maurão: Não é nada disso, não, Fernandão. O Lipe resolveu chorar e os maricas aí
resolveram apoiar. Só isso.
Lipe: A porra da minha mãe não fala comigo há cinco semanas…
Fernando: Ok, ok...Já entendi, me acordaram por bobagem. Vocês parecem crianças, que
merda.
Lúcio: Não é tão bobagem assim, pô, se fosse a minha eu também esquentaria um pouco.
Maurão: É sério isso? Até você, porra? Estão cagando pra gente lá fora!
Fernando: Parou de birrinha agora? Vão me deixar dormir?
Lipe: Ninguém aqui tem alma mesmo…
Fernando: Como é? Virou santinho agora, Lipe? Esqueceu porque está aqui? Porque
ESTAMOS aqui? Porra! Todos aqui fizeram alguma merda, não me importa o quê. Estou
aqui com vocês e não é por isso que tenho que ficar aqui ouvindo choradeira. Está
preocupado? Fala com os homens, mas não atrapalha o meu sono.
Um silêncio ensurdecedor irrompeu a cela. Todos, que já estavam cada um em seu canto,
parecem mais distantes ainda.

Lipe: Estou entendendo…


Fernando: Não quero saber. Vamos parar de criancice e ir dormir agora, por favor?

Eles se deitam. Lipe, outrora tristonho, está sentando, inquieto, no seu cantinho. Indignado,
irritado e com medo, ele parte para cima de Fernando, que está de costas. Iniciando
primeiramente com um chute, ele logo chama a atenção dos outros. Fernando, meio zonzo,
grita com a confusão, mas mal se levanta e é jogado no chão por Lipe, que lhe bate com
força, com os outros em volta, em grande indiferença. No meio disso, um barulho alto de
passos ecoa no corredor e, de repente, um par de olhos surgem na porta cela. Lipe volta
para seu canto. Seu semblante antes tristonho agora só está coberto de raiva.

Lipe: Estão olhando o quê, hein?

Os outros viram de costas, olhando antes para Fernando, caído no chão.

Finalização

Se em “Barrela” iniciamos com uma situação em andamento, com personagens já totalmente


“animalizados” e com conflitos entre si, o que se desenvolve aqui, nessa cena curta, é a
transformação pela qual passam essas pessoas, jogadas em celas e, muitas vezes, sem
julgamento. Não temos detalhes de quem eles são, o máximo que sabemos é que um deles
tem uma mãe e que esta não entra em contato há cinco semanas. A indiferença completa dos
outros pesos e a situação precária na qual vivem torna-se então o estopim de uma mudança, o
infeliz produto de um sistema carcerário brutalizado.

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