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C g ò T / 2 H )

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA


e d iç ã o : ' 2 G A B IN E T E DE O R G A N IZ A Ç Ã O D O F E S T IV A L
* D A C A N Ç Ã O E M Ú S IC A T R A D IC IO N A L

p ro d u ç ã o : - 1 D IR E C Ç Ã O N A C IO N A L DE C U LT U R A
: — S E R V IÇ O N A C IO N A L
PI DE M U S E U S E A N T IG U ID A D E S
A v . Ho C h i M in , 1233, M a p u to

c o o rd e n a ç ã o : Q j i P A U LO SOARES
fo to g r a fia s : 5 JOSÉ C A B R A L
J SÉ RG IO S A N T IM A N O

desenhos: fr3 M A R T IN S PEREIR A


’l ROQUE

desenho R?
na c a p a : W M ALA N G ATAN A

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e a ra n jo f#
g r á fic o : »T J Ú L IO N A V A R R O HAROLD 8.
Oj BR IG HA M YOUNG U N IV W S IT Y
c o m p o s iç ã o , /
a c a b a m e n to : I | IM P R E N S A N A C IO N A L PROVO. UTAH
m o n ta g e m ||
im p re s s ã o : j' li T IP O G R A F IA A C A D É M IC A
[n T IP O G R A F IA G LOBO
Sumário
valorização da música e canção tradicional
— Paulo Soares

As tradições musicais em Moçambique


— John M am er

<S3>A influência árabe na música tradicional


* — Mortinho Lutero e Martins Pereira
I* As relações entre a música e a dança no Sul
de Moçambique — John M araey

As Timbila — Mortinho Lutero

Os arcos musicais em Moçambique


— M aria da Luz Duarte
Nyanga, a dança das flautas
— Mortinho Lutero e Martins Pereira
Como a m aioria d a s m anifestações m usicais em
M oçam bique, a m úsica d e Nyanga perten ce a u m a
d a n ç a do m esm o nom e. Podêm o-la enco n trar n a s
províncias d e Tete e M anica.
A m ais a n tig a referência q u e tem os d e la vem
NYANGA num dicionário d e 1900: « N y a h g a a , s., instrum ento
d e sopro feito d e seis ou sete p ed aço s d e caniço
juntos e d e vário tam anho; dança; am uleto». (*)
A DANÇA M ais tarde, em 1928, é-nos d escrita a Nyanga
como «um a esp écie d e flau ta d e P an nhanga ou
sure. form ada d e p eq u en o s b o ca d o s d e c a n a d e
DAS tam anhos d esig u ais q u e é u s a d a em certas d an ças.
(Em M anica, nos casos o b serv ad o s pelo au to r). G e­
ralm ente o to cad o r a lte rn a os sopros d a flau ta com
FLAUTAS sons em itidos p e la p ró p ria laringe». (2)
Estudos etnológicos feitos n a re g iã o d e Tete n a
d é c a d a d e cin q u en ta assin alam «um coro d e flautas
por d e Rã, asso c ia d o à d a n ç a N y a n g a dos N yungw es
testem u n h ad as a O. d e Tete.» (3)
M artinho Lutero O utros textos c itarão p o rv e n tu ra a s Nyanga, m as
e d e m om ento n ã o nos foi possível en con trar m ais
referências. De q u a lq u e r m odo já a s prim eiras nos
M artins Pereira descrevem a Nyanga com o u m a d a n ç a ac o m p a­
n h a d a por flautas d e ca n a.
A d a n ç a faz-se em ro d a , apro x im ad am en te por
vinte elem entos q u e a o m esm o tem po dançam , to­
cam e cantam . E sta ca racterística to rn a o «espectá­
culo artístico» Nyanga especialm ente rico, tanto m ais
q u e em q u a s e to d as a s o u tras m anifestações artísti-'
ca s conjuntas d o p a ís tem os os tocadores sep a rad o s
dos dançarinos. A ju n ção m ais com um é a do d an -
e çarino ser a o m esm o tem po o cantor, como é o caso
i, do Tufo, do Msaho, d a Ngalanga por exemplo. N a
o Nyanga, o d an çarin o c a n ta e d a n ç a a o m esm o tem ­
po e como se n ã o b astasse, a in d a toca. O facto de
o instrum ento u sa d o n a d a n ç a ser d e sopro e o
instrum entista tocar sim ultaneam ente com o canto
s é único em todo o M oçam bique e talvez em África.
No coro dos N y a n g a sab em o s q u e a voz hu m an a
é p ro d u zid a atra v és d o a r q u e v ib ra a s cordas vo­
o cais e q ue, a o m esm o tem po, um instrum ento de
sopro utiliza esse m esm o a r p a r a produzir um som
num tubo exterior. É com um verm os um instrum en­
D tista d e co rd a ou p ercu ssão c a n ta r en q u an to toca,
m as com um instrum ento d e sopro isso n ã o é tão
comum. O to cador d e Nyanga. por vezes, intercala
r
o som d a flau ta com o d a voz, form ando u m a m elo­
d ia só com dois tim bres diferentes.
Por vezes, e este é o caso m ais interessante, o
tocador utiliza o som d a voz p a r a so p rar no tubo em conjuntos d e seis a oito n a s pernas. As flautas,
D produzindo a o m esm o tem po u m a n o ta q u e é a voz porém , constituem o g ra n d e m aterial sonoro d a
3 em itida e o u tra q u e é a do tu b o d e ar, d a flauta, m assa m usical produzida.
X q u e sim ultaneam ente está sendo soprado pelo ar As flautas n a Nyanga sã o com o dissem os do tipo
d esta nota. flauta-pã, ou se ja um conjunto d e c a n a s enfileiradas
em núm ero q u e v a ria geralm ente d e dois a cinco,
No caso d a s flautas m ais graves, o tocador não
e a m a rra d a s entre si p o r fibras d e palm eira. C a d a
canta, p o rq u e o tu b o d e a r é m uito g ra n d e (apro­
c a n a produz u m a n o ta m usical diferente, form ando
x im adam ente 84 cm no caso d a flauta «Leão») e o
1 assim a «tessitura» d a flauta. No caso do conjunto
esforço exigido p a r a produzir o som já é dem asiado.
3 ouvido n a Ilha d e M oçam bique encontram os vinte
1 Os instrum entos m usicais q u e entram n e sta d a n ç a e cinco tipos d iferentes d e flautas, c a d a u m a com
1 são a s flautas e os guizos, estes últimos am arrad o s a su a re sp ectiv a tessitu ra com o se segue:
PAQUILA PEQUENA

KWALILA MÍUVO GRANDE

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NGANDAMO GRANDE MATSWELA

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MACUOTE (4) a m úsica co m eç av a n a to n alid ad e d e F á M aior
(sust.) p a ssa n d o p a r a Si M aior, com p assa g en s ém
Sol sustenido M enor, atin g in d o à s vezes, Mi Maior,
p a ra depois, n u m a c a d ê n c ia em Dó sustenido M aior
voltar a F á sustenido M aior. Portanto, variaçõ es p er­
feitam ente cabíveis dentro d a h arm onia tonal tra ­
dicional.
A o rg an ização m elódica e harm ónica d estas o b ras
E stas diversificações d e nom es têm íntim a relação exige um conhecim ento prático profundo pois n ão
com o som de c a d a flauta, surgindo conforme o podem os esq u e cer q u e c a d a instrum entista tem a p e ­
núm ero e q u alid ad e d e sons em itidos. nas d u a s a cinco n o tas tocadas ac resc en tad as d as
P a ra a afin ação do instrum ento e determ inação cantadas e q u e o conjunto dos vinte e cinco toca-
d a s notas, a s flautas são d o ta d a s d e anéis no bocal, dores-cantores é q u e constrói a arq u ite ctu ra poli-
um ou m esm o dois, q u e n a m aior p arte d es casos fónica q u e eclode n a execução. O ritmo b aseia-se
são aju stad o s com alc a trã o ou cera, m atérias que num com passo tern ário com posto, v aria n d o no meio
os colam e não deixam p a ssa r o a r entre os aros p a ra um tern ário sim ples m as com a s acen tu açõ es
e a p a re d e interior do tubo. Os instrum entos e seus por vezes alte rn a d a s, m ais ou m enos à b a s e d e dois
com ponentes obedecem a determ inado p a d rã o a c ú s­ com passos p o r tem po forte.
tico. As dim ensões do interior do tubo e d a em bo­ No p a n o ra m a g eral d a o b ra tem os u m a «cadenza»
c a d u ra d ependem d a intenção d e conseguir d eter­ c a n ta d a q u e la n ç a o tem a e a le tra q u e aco m p an h a
m inado timbre. a obra. Só neste m om ento existe m ensagem atrav és
As m ed id as q u e registam os a partir de c a d a do texto. À p a rte e sta s «cadenzas» estão os «inter­
flauta o b se rv a d a (n a Ilha d e M oçam bique e em lúdios orquestrais» com a s características já refe­
Tete) n ão podem considerar-se precisas, particu lar­ ridas.
mente no q u e diz respeito à la rg u ra e a ltu ra interior A distribuição dos elem entos do conjunto faz-se
do tubo. P a ra um rigoroso registo tornar-se-ia n e ­ a partir do tim bre d e c a d a flauta. O «pico-pico» é
cessário ac o m p a n h ar o fabrico d e c a d a um dos o elem ento m ed iad o r ou seja, a q u e le q u e com unica
instrum entos e a resp ectiv a afinação. com to d as a s flautas fazendo com q u e toquem acer-
O conjunto orquestral d a s flautas Nyanga é re- tadam ente.
gide por leis harm ónicas m uito próxim as d as oci­ «Se ele faltar (n a o rq u estra) a s outras flautas não
dentais. No caso observado, n a Ilha d e M oçam bique po d erão tocar bem ». E sta observação colhida em
Tete ap lica-se certam ente à s Nyanga de outras re ­
giões, n o m ead am en te a s o b serv ad as n a Ilha de
M oçam bique.
No caso do g rupo d e M oatize re g istad o em Tete,
a ap ren d izag em d e um instrum ento com eça pela
seguinte ordem: «natuevera», «ngandam o», «pico-
-pico» e «pecho». «Se o aprendiz conseguir tocar o
pico-pico, o n g a n d a m o e o m ag u n te pequenos, po­
d e rá to car tam bém os grandes», já q u e a m aneira
d e to car é a m esm a. «Primeiro ap re n d e -se a soprar
e q u a n d o isso já e stá sabido, a p ren d e-se a cantar.
Por fim, q u a n d o se sa b e tocar e ca n ta r entra-se n a
ro d a p a r a a p re n d e r a dançar».

A ap ren d izag em d u ra alg u n s dias, dependendo


d a facilidade d e c a d a um. N orm alm ente n ão é o
chefe do grupo qu em en sin a os prim eiros toques aos
novos instrum entistas, m as o próprio tocador do
instrum ento escolhido. Q u alq u er elem ento do grupo
pode en sin ar desd e q u e s a ib a tocar a su a Nyanga.
Ao chefe c a b e co o rd en ar o novo tocador com os
outros dentro do conjunto.
C a d a grupo tem um chefe e um adjunto. O p ri­
meiro n ão é obrigatoriam ente o dirigente musical do
conjunto, m as sim, o responsável g eral do grupo. As

iiiimBÉwnniiMWMwriíirTTTi— ....... ..... ......


su as funções v ão desd e receb er convites a té esco­
lher canções. O segundo é o orientador dos ensaios,
q uem distribui os tocadores a o form ar-se a roda.
A ap ren d izag em d e novas canções faz-se com
grupos de o u tras regiões. Se o chefe d e um deter­
m inado g ru p o g o sta d a m an eira d e d a n ç a r e d a
m elodia d e outro conjunto, ele «aprende essas no­
v id ad es p a r a a s transm itir depois a o s seus com pa­
nheiros». No en tanto a inovação está sujeita a re­
g ra s rígidas: os grupos só can tam canções q u e
« aprenderam com os antep assad o s» ou seja, ca n ­
ções q u e ch eg aram a té ele de g e ra ç ã o em geração.
Verificamos, p or exem plo, q u e os três grupos d a
p rovíncia d e Tete, cantam canções distintas, diferen­
tes entre si e q u e atribuem a «invenção dos seus
g id a s im postas p e la trad ição ? Em princípio, n ão
an tep assad o s» . Não há, portanto, criação d e novas nos p a re c e q u e com a s Nyanga n ã o se consiga
canções. O chefe do g ru p o d e M oatize traduziu-nos tocar o u tras m úsicas.
u m a d estas canções q u e p a ssa ra m de pais p a ra Percebem os m elhor o ca rác te r conservador d a
filhos: «os cam poneses eram cham ados ao Posto de m úsica, q u a n d o os m úsicos falam do p ap e l d a
Chikolocwé, p a r a ca p in a r com os dentes». C lara­ Nyanga. De alg u m a s contradições é lícito concluir
mente, u m a can ção q u e se refere a o tem po colonial. q u e a criativ id ad e do m úsico e stá re g u la m en tad a
O g ru p o d e M oatize conhece a p e n a s oito canções p e la so ciedade. «A Nyanga é to c a d a p a r a os vivos e
diferentes. A m úsica é sem pre a m esm a. Só m u d a n ão p a r a os espíritos» diz-nos o velho d e Moatize;
a forma d e d a n ç a r e a letra. D isseram -nos q u e não m as logo a c re sc e n ta q u e o instrum ento é tocado
podem m u d ar a m úsica, ou seja, com por m úsicas «em cerim ónias d e m orte, q u a n d o se v ai tocar em
novas, podiam «aprender m as por a g o ra não». Q ue sentim ento d a q u e le q u e m orreu». Q u a n d o alg u ém
n ão é por c a u s a d a tradição, m as a p e n a s porque faleceu, fazem «mpondo» n a cerim ónia «m bona»
n ão conseguem m udar. p a r a «oferecer can to s e ritos a o espírito q u e m or­
Ao investigador põe-se a pergunta: se rá porque reu, p a r a q u e ele n ã o volte, p a r a qup ele v á de
não conseguem m u d ar ou p o rq u e h á restrições rí­ vez».
C om preende-se pois, a dificuldade ou mesmo a a pen sar q u e investigando junto d as populações
proibição d e criar novas m úsicas. D esbedecer seria d esta região se c h e g aria a um a p ista m ais fértil.
g rav e d esrespeito p a r a com os an tep a ssad o s. Por Seja com o for, do q u e ficou dito, m ais um a vez
outro lado, sendo a m úsica e d a n ç a Nyanga parte ficamos sab en d o q u e a ap ren d izag em de novas
d e todo um cerim onial, n ão se explicaria u m a m u­ canções (letra) se fazia e faz ain d a, com outros
d a n ç a n a m an eira d e tocar ou n a m úsica. grupos. E q u e q u a n d o a s canções d e um grupo
S erá a m ú sica d a s Nyanga a m esm a d e sem pre? a g ra d a m a outro, entram no reportório do segundo.
É m uito provável, em b o ra n ão se p o ssa dem onstrar O chefe do grupo d e Moatize, p a r a reforçar a su a
p or falta d e d o cum entação escrita e registo sonoro. opinião, referiu o caso do Festival d e M úsica T ra­
Uma in v estigação paciente, no sentido d e descobrir dicional, em q u e os vários grupos tiveram a ocasião
a s origens rem otas d a s Nyanga, um estudo com pa­ de ouvir e fazer ouvir a s su a s canções. O g rupo de
ra d o com instrum entos idênticos d e outros países Moatize tinha a p reciad o de tal m an eira a s canções
africanos, sobre a su a n a tu re z a e a su a execução do grupo de C h an g ara, q u e decidira levá-las p a ra
e um estudo antropológico profundo sobre a s socie­ su a a ld eia e can tá-las caso fossem aprovadas pela
d ad e s q u e d an ç am a Nyanga, p oderiam fazer a l­ população. Sublinham os esta condicionante, p o rque
g u m a luz sobre o assunto, sem todavia, nos possibi­ nos diz, claram ente, d a s re g ra s a o bserv ar pelos
litar conclusões definitivas. músicos: «se todos disserem sim, poderem os a p re n ­
Os m úsicos q u e entrevistam os disseram -nos n ão der; caso contrário, n ão precisam os dela, não a
conhecer a origem d a s Nyanga. «Q ue ap ren d eram podemos cantar».
com os p ais e n ã o lhes p e rg u n ta ra m n a altura, onde O m usico do Moatize, disse, q u e a Nyanga «é ao
eles tinham aprendido». M as o responsável distrital mesmo tem po o nom e de um instrum ento, o nom e
d e cu ltu ra d e C h an g ara, co n seg u iu junto do grupo d a d a n ç a e o nom e d e um chifre d e anim al», m as
Nyanga d e M panzo, alg u n s esclarecim entos. Disse­ q u e n ão en co n trav a n en h u m a relação entre o nom e
ram -lhe q u e tinham a p ren d id o a d a n ç a com os d a d a n ç a e o chifre. A d a n ç a Nyanga, disse-nos
A scenas de M u tarara. Logo a d a n ç a veio de M uta- ainda, é conhecida tam bém por Ngoromba. Q uanto
rara, d e u m a re g iã o c h a m a d a M aende. E q u e a ao chifre, de gazela, serve p a r a fazer a cerim ónia
d a n ç a tin h a sido traz id a d e lá, por um g rupo q u e de Malombo, d a n ç a onde só a s p essoas possuídas
tra b a lh a v a n u m a fáb rica d e sisal em M aterna. Os de determ inado espírito (serpente, m acaco, leão,
d e Tete, q u e tra b a lh a v a m tam b ém n a fábrica, a p re n ­ leopardo) podem participar, q u a n d o v ão p ed ir chu v a
d eram en tão a tocar a s Nyanga. nas altu ra s d e seca.
A d a n ç a seria pois d e M utarara, o q u e nos leva S erá en tão q u e n ão encontram n en h u m a relação
entre o nom e d a d a n ç a e o chifre? Mais um a vez
ficamos n a d ú v id a face a o ca rác te r reservado, se­
creto mesmo, de certas m anifestações culturais.
O utros inform adores, disseram -nos q u e a letra das
can çõ es re su lta m uitas vezes d e im proviso a partir
de um tem a ou acontecim ento e q u e a Nyanga é
q u a se sem pre ca n ção d e lam ento. Como exemplo,
analisem os u m a d a s canções re g ista d a s n a Ilha de
M oçam bique, intim am ente lig ad a, ao q u e parece,
com o presente dos seus intérpretes:
«Estou d esg raçad o , sozinho
Chorei, chorei
Não tenho com quem conversar
(...)

«Eu choro todos os dias


P ela m inha m ãe
M as ninguém me esc u ta
Eu choro, choro pelos m eus irm ãos
M as a m inha c a s a é m uito longe
Já m e cansei d e chorar»

A can ção de q u e transcrevem os p assag en s, co­


m eça com um tem a: « esta c ria n ç a q u e r a m ãe»
seg u id o de um apelo à q u e le s d e quem dep en d e
a situ ação d a criança: «vocês os m ais velhos, v e­
jam isso. C om binem bem vocês os m ais velhos».
N otam os com o q u e um refrão a o longo d a canção, «Esta c ria n ç a q u e r a m ãe
o lam ento d a crian ça sozinha q u e se transfere p a r a (...)
o próprio tocador-cantor. Se quiserm os, este vive a Eu choro todos os d ias
solidão d a criança, falando d e si próprio atrav és P ela minha m ãe»
dela: A d a d o passo, a c a n ç ã o transm ite u m a cen su ra

mim»
«É u m a v e rg o n h a p a r a vocês os m ais velhos q u e todas, de m an eira geral, fazem m enção ao
É u m a d esg raça» leão:
ou seja, cen su ra-se q u e os ad u lto s deixem a crian ça «Os leões lá n a terra
d esa m p a rad a , longe d a m ãe. E o can to r (criança) C om binaram com er u m a p essoa
fala n a prim eira pessoa, referindo os seus «irmãos», Ao p é do rio»
lá longe: Linguagem m etafórica, à m an eira tradicional ou,
«Eu choro, choro pelos m eus irm ãos o q u e nos p are c e m ais provável, referência directa
M as a m inha c a s a é m uito longe ao s q u e encarn am o «espírito do leão» (m acan-
l á m e cansei d e chorar» gando)? Sobre este ponto, n ão chegam os a conclu­
sões por dificuldade em o bter u m a explicação clara
O can to r d esalen tad o , no final, dirige-se (n a se ­ e convindente. Portanto, n ão av an çam o s ideias q u e
g u n d a p e sso a d o plural) e im perativam ente, a d e ­ possam n ão p a ssa r d e especulações sobre um a s ­
term inados ouvintes; sunto q u e só in v estig ação d e m o ra d a p o d e rá escla­
«Vós, os mais velhos recer. Q uerem os no entanto, salien tar q u e será
muito im portante ap ro fu n d ar o conhecim ento q u e
Escutai e s ta n o ssa história» tem os do «m acangando», u m a vez q u e ele p o d e
a c a b a n d o com u m a co n stata ção (n a prim eira p e s­ ser, tam bém , u m a chave p a r a a com preensão d a
soa): d a n ç a Nyanga. M ais u m a vez, ap o n tam o s a n eces­
«Os m ais velhos sidade d e um estudo antropológico, exaustivo, feito
Dizem q u e eu n ã o consigo dorm ir por especialistas, q u e p erm ita ir g rad u alm en te a o
Por c a u s a do sabum ba» fundo d a questão. Tal n ão nos foi possível por
lim itações d e tem po. Só a convivência d iá ria com
Há, pois, dois polos im portantes n a canção: um as populações, no seu am biente, p o r larg o tem po,
sujeito, ou seja, a «criança», «eu», «nós», q u e é aco m p an h an d o to d as a s su a s m anifestações cultu­
in terp retad o e assum ido pelo ca n to r e um voca- rais, p o d e rá fazer-nos e n tra r n o cam inho p a r a a
.tivo, «vós», «os m ais velhos», a q u em a c a n ç ã o se com preensão de m uitos porm enores q u e se nos afi­
dirige. guram d e m om ento, contraditórios ou obscuros.
O u tras can çõ es recolhidas, n a Ilh a d e M oçam ­ N ão e r a tam bém este, im ediatam ente, o objecto
b iq u e e m ais ta rd e n a re g iã o d e Tete, ap resen tam do estudo q u e levám os a cabo. As investigações
e stru tu ra sem elhante à q u e a c a b a m o s d e expôr. q u e se seguirem , p o d erão com pletar o q u e o ra d ei­
P a ra term inar este b re v e estudo, direm os a in d a xam os escrito.
Mèl
aa
NOTAS
.Gruppenbildende und individuelle Musikinsrtumente in Mozam­ *
(*) «Dicionário de Cafre-Tetense português», traduzido por Padre bique» em «VII èm e Congrès International de Sciences Antro-
Victor José Courtois, S. J., Coimbra, Im prensa d a U niversidade, pologiques et Ethnologiques», volume VII M., 1964; .O s instru-
1900, pp. 41. imYnli°QKKmu,sl™ls de Moçambique» em «Geográfica». n.o 6,
(2) «Respostas ao Q uestionário Etnográfico», Gustavo de Bivar Pinto biqui»6 LX<<Alw 7 nÇa ° ° U Ù B l c ç u em tArte Popular de Moçam-
Lopes, encom enda d a C om panhia de M oçam bique, 1928, pp. 100.
(3) Margot Dias. Fragm ento citado n a E nciclopédia Verbo, volume 13, (<) Conjunto d a s F. P L M. A maior parte dos elementos « de
p ág in as 1031—1032. Sobre este assunto, e d a m esm a autora, ver: Tete, inclusive o chefe do grupo.

liu ii
?

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