Prajnaparamita

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AS OITO MANIFESTAÇÕES DO GURU

PADMASAMBHAVA

Pelo Venerável Khenchen Palden Sherab Rinpoche

Traduzido para Inglês pelo Venerável Khenpo Tsewang Dongyal Rinpoche


Traduzido para a língua portuguesa por Vera Aché

O3 - 07 - 2009

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ÍNDICE

Introdução

Guru Padma Gyalpo - O Lótus Rei

Guru Loden Chokse – Suprema Sabedoria

Guru Nyima Ozer – Raio de Sol

Guru Padmasambhava – Nascido do Lótus

Guru Shakya Senge – Leão dos Shakyas

Guru Senge Dradok – O Rugido do Leão

Guru Padma Jungne – Nascido do Lótus

Guru Dorje Drolo

Conclusão

Dedicação

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INTRODUÇÃO

Meu pai é a sabedoria


E minha mãe é a vacuidade.
Meu país é o país do Dharma.
Não tenho casta nem credo.
Sou sustentado pela perplexidade;
e estou aqui para destruir a luxúria, a raiva e a preguiça.
- Guru Padmasambhava

O ano do macaco é conhecido como o ano do Guru Padmasambhava. È um


tempo muito especial para discutir seus ensinamentos. De acordo com o calendário
lunar, hoje é o vigésimo nono dia do mês, amanhã é a lua nova, e depois de amanhã
é o primeiro do terceiro mês do calendário Tibetano. Todos estes aspectos são muito
auspiciosos. Tomo isso como um sinal de que todos vocês têm uma conexão especial
com Guru Padmasambhava, e então me sinto muito feliz por estar aqui.
Aqueles que estão praticando visualizações de Guru Padmasambhava,
cantando a Prece das Sete Linhas e recitando o Mantra Vajra Guru já sabem alguma
coisa sobre quem é o Guru Padmasambhava. Porem para aqueles que não se
familiarizaram com ele ou com os benefícios de suas práticas, darei uma breve
introdução para que fiquem numa posição mais favorável para receber os
ensinamentos sobre suas várias emanações.
Na língua Tibetana, Guru Padmasambhava é geralmente referido como
Guru Rinpoche, que significa “mestre precioso”. Guru Rinpoche é um ser totalmente
iluminado, completamente desperto, um buddha. Ele não se iluminou gradualmente
ou começou a praticar os ensinamentos do Buddha Shakyamuni e eventualmente
atingiu a iluminação. Guru Rinpoche encarnou como um ser já totalmente
iluminado. Através de sua forma, a sabedoria primordial se manifestou no mundo
para benefício de todos os seres sencientes.
Buddha Shakyamuni de fato fez uma predição sobre o aparecimento do
Guru Padmasambhava. Dezenove diferentes sutras e tantras contêm previsões claras
de sua vinda e atividades. No Sutra Mahaparanirvana, o Buddha Shakyamuni
anunciou seu paranirvana para os discípulos que estavam com ele nessa ocasião.
Muitos deles, particularmente Ananda, seu primo e atendente pessoal, ficaram muito

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perturbados ao ouvirem isso. Então Buddha voltou-se para Ananda e disse-lhe que
não se preocupasse. “Oito anos após meu paranirvana, um notável ser com o nome
de Padmasambhava vai surgir no centro de um lótus e vai revelar o mais alto
ensinamento sobre a natureza primordial, trazendo grandes benefícios para todos os
seres sencientes”.
Buddha Shakyamuni disse que Padmasambhava seria ainda mais
iluminado que ele próprio. É claro que Buddha Shakyamuni era totalmente
iluminado e que não há nenhuma realização maior do que essa, porem pela maneira
do Buddha se expressar, podemos começar a entender a importância do Guru
Padmasambhava. Alguns relatos afirmam que Guru Rinpoche é uma reincarnação
direta do Buddha Shakyamuni. Este também afirmou que Padmasambhava seria
uma emanação do Buddha Amitaba e Avalokitesvara e se referiu a ele como a
corporificação de todos os Buddhas dos três tempos. Muitas profecias indicam que
Guru Rinpoche seria um buddha totalmente iluminado, surgindo neste mundo para
ajudar os seres sencientes.
De modo geral, o Buddha Shakyamuni apresentou os ensinamentos
Hinayana e os Sutras Mahayana, enquanto que Guru Padmasambhava ensinou
Vajrayana. Ambos revelaram o caminho completo e perfeito do despertar para que
os seres fossem capazes de se beneficiar de acordo com suas próprias capacidades. O
nível absoluto dos ensinamentos do Buddha é inconcebível. Se não fosse além do
nível conceitual, não haveria necessidade de mudarmos nossa maneira normal de
entender as coisas. Para ajudar-nos a compreender a natureza primordial, Buddha
Shakyamuni ensinou repetidamente que precisamos transcender o apego às
concepções dualísticas comuns, atitudes estreitas, mentes fechadas, regras
tradicionais, crenças e limitações.
O significado máximo do ensinamento mais superior não é logo
compreendido pelos seres sencientes. È por isso que Buddha Shakyamuni manteve-
se em silêncio durante quarenta e nove dias após sua iluminação. Ele pensou,
“Realizei o dharma mais profundo e sutil, a clara luz livre de toda a complexidade.
Todavia, isto é profundo demais para as pessoas normais entenderem. Portanto,
permanecerei em silêncio.” Ele sabia como seria difícil comunicar a verdade desse
insight. Apesar de ter ensinado sem descanso durante quarenta e cinco anos, seu
primeiro pensamento reflete a extraordinária natureza do estado no qual ele
despertou, em relação às idéias e concepções mundanas.
Sutra é uma palavra em Sânscrito que significa “condensado ou
sumarizado”. As escrituras que trazem este título indicam que esses ensinamentos
foram diretamente comunicados no mundo a fim de prover um claro entendimento
dos aspectos relativos e absolutos da nossa existência. Eles promovem um
conhecimento com o qual os praticantes podem atingir a budeidade. A maioria dos
ensinamentos do Buddha Shakyamuni é dirigida a seres comuns e oferecem meios
diretos para entender a natureza de nossas experiências. Trata-se de uma visão não
esotérica que apela para a lógica comum, com princípios que podem ser verificados
pela observação de perto dos elementos que constituem nosso mundo cotidiano.

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Com esse conhecimento, vc. pode se mover em direção à iluminação. Essa é a
intenção básica do Sutra Mahayana.
O Vajrayana é também conhecido como Tantra. Os ensinamentos
Tântricos são baseados sobre os Sutras Mahayana, mas oferecem meios e métodos
adicionais. As práticas Vajrayana nos encorajam a olhar mais profundamente nossas
percepções, a compreender a natureza primordial e a aprender a manter a mente
nesse estado. Os Sutras podem ser chamados de ensinamentos gerais que clareiam a
natureza da mente e da percepção condicionadas, enquanto o Vajrayana revela a
estrutura secreta dos fenômenos e destina-se a praticantes mais avançados. Apesar
de compartilharem o mesmo fundamento, o Vajrayana vai mais longe em direção à
compreensão da realidade transcendental. Praticar ambos, Sutra e Tantra juntos pode
trazer iluminação nesta vida, mesmo num período de tempo bem curto. Tal
aceleração distingue as técnicas Vajrayana.
O Buddha somente deu ensinamentos Vajrayana de modo privado, para um
seleto grupo de discípulos. Devido à essência e mesmo à forma desses ensinamentos
avançados ser superior aos conceitos comuns, também são conhecidos como
ensinamentos secretos. Depois do Buddha entrar em Mahaparanirvana, essas
doutrinas secretas foram preservadas por uma hoste de dakinis de sabedoria. Quando
Guru Rinpoche surgiu como reincarnação do Buddha Shakyamuni, ele revelou
inteiramente os ensinamentos Vajrayana. É por isso que Guru Rinpoche é conhecido
como o Buddha do Vajrayana.
Nosso conhecimento atual é limitado por aquilo que nos chega pela
consciência dos nossos sentidos. Há um horizonte para aquilo que se consegue ver.
Ouvimos sons dentro do espectro detectável pelos ouvidos humanos. Os sabores e
fragrâncias que temos consciência estão dentro dos limites de nossos sentidos de
paladar e olfato. O que sentimos é condicionado pela nossa sensitividade, e o que
pensamos revela os parâmetros de nossos conceitos mentais. Realmente não nos
estendemos alem disso.
Essas seis consciências definem as fronteiras do nosso conhecimento e
constituem o ponto de vista individual. Podemos ignorar o que se coloca além dos
nossos sentidos e podemos imaginar que tais coisas não existem, porém na verdade
há muito mais na vida do que percebemos.
Só notamos um por cento e habitualmente ignoramos os noventa e nove por cento
que ainda estão por ser descobertos. Nosso conhecimento é muito limitado. Não
deveríamos bloquear nossa habilidade para aprender assumindo que o que não
conseguimos ver não existe e não é possível. Esse tipo de pensamento obstrui a
ampliação de nosso conhecimento. É como se de fato não quiséssemos iluminação
alguma. Bloqueamos todas as aberturas e ficamos sentados no escuro. Precisamos
abrir a porta. Esta é a forma de ignorância inicial a ser reconhecida. É sempre
necessário permanecer aberto e estar consciente de que há conhecimentos infinitos a
serem descobertos.
Por exemplo, se alguém próximo a você está enfiando uma linha numa
agulha de costura, seria bem óbvio o que essa pessoa está fazendo, ao passo que

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(enquanto que) numa distância de 100 metros, você não veria a agulha nem a linha.
Até poderia imaginar que não havia nenhum desses objetos simplesmente porque
não os estava vendo. Esta é a limitação no conhecimento escassamente colhido
através do poder dos seus olhos. Não significa que não há nada ali. Apenas você não
viu. Há uma enormidade de coisas a serem descobertas além do seu entendimento
atual.
Seres que realizam grande equanimidade descobrem a energia infinita da
Natureza Primordial e conseguem realizar muitas atividades benéficas usando seus
olhos, ouvidos, nariz, língua e corpo. Eles não vão atuar de forma convencional ou
do modo que normalmente entendemos. São capazes de fazer coisas que não
encaixam com nossas percepções comuns. Fenômenos que parecem estar alem das
nossas limitações físicas são às vezes referidos como milagres. De vez em quando,
os que têm essa capacidade vão mostrar fenômenos miraculosos no mundo comum.
As pessoas que não acreditam em milagres pensam que essas histórias são mitos,
metáforas ou contos de fada. De fato, há pessoas que podem realizar coisas
fantásticas, tal como os antigos mestres faziam. Não ignore certos aspectos do
universo pensando que são apenas histórias. O universo contem uma infinita
variedade de qualidades e atividades maravilhosas.
Tais ações são incompreensíveis do ponto de vista ordinário e mundano.
Elas se manifestam para ajudar a destruir todas as abordagens convencionais do
conhecimento. Discriminações e hábitos baseados no ego separaram o mundo em
samsara e nirvana. Essas noções dualísticas são a única e real causa da infelicidade.
Guru Padmasambhava supera esse padrão dualístico para nos conduzir à perfeita
iluminação, alem dos conceitos.
A fim de ter uma profunda compreensão do significado das atividades do
Guru Padmasambhava, é importante manter uma mente aberta. Precisamos
ultrapassar nossas atuais limitações conceituais. Examine sua tendência a duvidar e
criticar, e como isso enche sua mente de contradições. Não restrinja sua mente à
tirania de ter que afirmar ou negar. A maioria de nossas decisões é fundamentada em
polaridades conceituais simplistas. Por ignorância acreditamos na maneira adequada
dessa forma de pensar e assumimos que o que não vemos não existe. Se você cria
agudas divisões e se agarra às estreitas definições de sujeito e objeto, o que quer que
você veja vai sempre surgir no contexto dessas limitações. Quando você vê alguma
coisa, pode dizer, “Sim, isso existe”, porem o que não vê através da percepção direta
é facilmente negado. No Budismo tais pontos de vista são conhecidos como
obscurecimentos ou concepções dualistas. Não conduzem ao verdadeiro
conhecimento e sabedoria, porque são baseados na ignorância. É a ignorância que
define o mundo e que coloca limitações em nossa visão. Temos de superar essa
barreira para que possamos entender as perfeitas atividades das manifestações do
Guru Padmasambhava e as infinitas possibilidades da natureza última.
Dissolvendo concepções fixas e não se prendendo às limitações da
percepção senciente revela-se a vastidão da verdadeira natureza, a esfera da grande
equanimidade. Derrubando as muralhas do pensamento rígido, emergimos com essa

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clareza, vendo tudo como inseparável e fluindo em contínua transformação. Isto
também é conhecido como originação interdependente. Nos ensinamentos
Dzogchen, é chamado de abertura desimpedida da Natureza Verdadeira.
Dzogchen é o mais elevado ensinamento, mais precisamente, Dzogchen é a
situação real, a realidade de todos os fenômenos. A prática nos ajuda a superar as
barreiras do apego ao ego e a nos unir à infinita expansão onde tudo é possível e
tudo surge perfeitamente sem que nada se mova para fora da esfera da
equanimidade. Todos os ensinamentos do Buda Shakyamuni, desde o Hinayana até
Atiyoga, são destinados a transcender as concepções dualistas e efetivar toda a gama
das maravilhosas atividades que surgem do interior dessa profunda equanimidade.
Esse é o ponto central do Dharma e a intenção inspirada por trás das ações de todo
grande mestre. Os ensinamentos do Guru Padmasambava oferecem um caminho
direto para alcançar esse entendimento. O siddhi de sua atividade é especialmente
poderoso e efetivo para destruir a solidez dos conceitos dualistas e opiniões fixas, e
despertar-nos para a verdadeira liberdade.
A Dakini da Sabedoria Yeshe Tsogyal disse que Guru Padmasambava tem
nove mil novecentos e noventa e nove biografias! Essas biografias estão divididas de
três modos: as que relatam as cento e oito atividades do Guru Rinpoche de acordo
com sua natureza dharmakaya, narrativas de acordo com sua natureza
sambhogakaya, e crônicas sobre suas atividades como um buddha nirmanakaya.
No nível Dharmakaya, Guru Rinpoche é conhecido como Buddha
Primordial, Samantabhadra. Inseparável do Buddha Shakyamuni e de todos os seres
iluminados, ele vive como aqueles que nunca foram obscurecidos ou deludidos,
sempre livres na esfera máxima de dharmakaya. Ele é nossa verdadeira natureza,
também conhecida como sabedoria primordial que tudo penetra porque ela permeia
todos os objetos externos e internos nas dez direções incessantemente e é conhecido
como Guru Padmasambava dharmakaya. Completamente desperta, essa
equanimidade é inteiramente livre de todas as marcas e complexidades condicionais.
O dharmakaya emana continuamente cinco sabedorias em todas as
direções. Isso aparece como os cinco dhyani buddhas ou as famílias dos irados, dos
semi-irados, e dos pacíficos conquistadores e seus séquitos. Todos esses buddhas são
Guru Padmasambava na forma sambhogakaya, emanando luz de sabedoria para
liberar todos os seres sencientes dos seis reinos. Diferentes emanações do Guru
Rinpoche surgem em cada um dos seis reinos assim como também em cada direção
dentro de cada um desses reinos para ensinar aos seres sencientes de acordo com
suas capacidades e gradualmente conduzi-los todos à iluminação. Há cem milhões
de Guru Padmasambava ajudando os seres sencientes pelo universo afora. Esses
representam seu aspecto nirmanakaya. Guru Rinpoche pode tomar inúmeras formas
dentro de qualquer reino. Não está limitado a aparecer com nenhum disfarce
particular. Seu caráter e forma de ensinar variam conforme o ser senciente a ser
instruído.
Num sentido mundano, as atividades do Guru Padmasambava são
chamadas de “miraculosas”, porém do ponto de vista da realidade absoluta não são

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fenômenos extraordinários. São as atividades naturais e espontâneas da Natureza
Verdadeira. A partir da perspectiva da realização, nossas atividades comuns do
cotidiano são um tanto ou quanto estranhas e anormais. Neste sentido somos grandes
magos conjurando algo totalmente irreal.
Quando Guru Padmasambhava apareceu na terra, veio como um ser
humano. A fim de dissolver nosso apego às concepções dualísticas e destruir as
complexas fixações neuróticas, ele também mostrou algumas manifestações
extraordinárias. Se tentarmos comparar nossa situação e capacidades com as de Guru
Padmasambhava e outros seres realizados, vamos encontrar algumas dificuldades.
Nossas ações são baseadas em idéias dualísticas e em hábitos padronizados enquanto
que as atividades do Guru Padmasambhava surgem espontaneamente da imensa
equanimidade da Natureza Primordial. As atividades não duais são
incompreensíveis dentro do campo do entendimento dualístico.
Um famoso mestre tibetano chamado Sakya Pandita contava a história de
um homem que viajou para um país totalmente habitado por macacos. Quando ele
chegou lá, todos os macacos se aproximaram dele para examiná-lo. Eles estavam
admirados. “Que estranho!” pensaram. “Este é o macaco mais fora do comum que
jamais vimos. Ele não tem rabo!” Similarmente, os seres sencientes deludidos
ouvem falar das atividades dos seres iluminados e pensam que tais histórias devem
ser míticas ou mágicas porque não estão de acordo com nossas idéias preconcebidas
de como o mundo funciona.
Existem muitas histórias contando como foi o nascimento do Guru
Padmasambhava. Algumas dizem que ele apareceu instantaneamente no pico da
montanha Meteorito no Sri Lanka. Outras explicam que ele veio através do útero de
sua mãe, mas a maioria dos relatos refere-se a um nascimento miraculoso, explicam
que ele apareceu espontaneamente no centro de um lótus. Estas histórias não são
contraditórias porque os seres altamente realizados moram no espaço da grande
equanimidade com perfeita e total compreensão de tudo e são capazes de qualquer
tipo de ação. Tudo é flexível, tudo é possível. Seres iluminados podem aparecer da
forma que quiserem ou precisarem.
De acordo com a forma de pensar regular ou convencional, se alguma
coisa é preta, não é branca. Geralmente somente uma dessas noções pode ser
aplicada num determinado momento. Tentando fazer a realidade se adequar às
limitações das nossas pré-concepções, vamos ficando muito estreitos. Trabalhando
dessa forma não nos permitimos compreender os aspectos místicos e profundos do
universo.
Nossa pequena fresta de conhecimento revela muito pouco do mundo
verdadeiro. Vemos apenas o que encaixa naquele pequeno buraquinho. O
pensamento cronológico ou linear é característico das concepções dualísticas; não
podemos aplicá-lo à Natureza Primordial ou ao estado da Grande Equanimidade.
Espiando através de fresta tão estreita não somos capazes de ver muita coisa. Temos
que abrir nossas mentes se estivermos interessados em ver algo mais.

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Buddha Shakyamuni ensinou que existem infinitos mundos contendo infinito
número de seres sencientes. Portanto há também incontáveis emanações de seres
iluminados a serviço do despertar. Há trinta e seis sistemas de mundos que estão
próximos do nosso. Cada um hospeda uma emanação diferente do Guru
Padmasambhava. Vou lhes contar sobre um desses mundos. A leste daqui há um
mundo onde não existe nem mesmo o conceito de pobreza. Buddha Shakyamuni e
Guru Padmasambhava ambos se manifestaram lá para dar ensinamentos dos Sutras e
Vajrayana. Sendo tão fortes e prósperos, era somente através dos ensinamentos que
as pessoas daquele mundo aprenderam sobre a pobreza e desequilíbrios como os que
existem na terra. Depois de ouvirem sobre isso, eles pensaram, “Oh, que lugar
maravilhoso. Se aqui fosse assim, poderíamos praticar generosidade e servir aos
outros. Há algo muito especial nos atos de dar e receber. Seria muito bom se
houvesse esse tipo de situação em nosso mundo.” Isto é um exemplo da influência
de Guru Padmasambhava sobre seres de um dos trinta e seis mundos relativamente
próximos do nosso.
Nosso próprio mundo é dividido em seis reinos: reino dos deuses, dos
asuras, dos humanos, dos animais, dos fantasmas famintos e dos infernos. Para
ajudar todos os seres sencientes, há um buddha especial e também as oito emanações
do Guru Padmasambhava em cada um desses reinos. Isto é, existem oito emanações
do Guru no reino dos deuses, oito no reino dos asuras, e assim por diante. Cada
emanação apresenta qualidades únicas em relação ao seres a serem atendidos e
podem ser irreconhecíveis por sinais externos. No mundo dos humanos ele apresenta
cento e oito atividades. Estas são sumarizadas em vinte emanações e são mais
compreensíveis como as oito manifestações do Guru Padmasambhava. Vou focalizar
essas oito manifestações no mundo dos humanos, pois elas corporificam suas
atividades mais benéficas em favor de todos os seres.
Então agora vocês podem imaginar, “Porque há oito emanações em vez de
sete ou nove?” Oito é um número muito especial na filosofia budista. Há muitos
significados associados ao número oito. Num sentido geográfico, as oito emanações
simbolizam que Guru Padmasambhava oferece assistência a todos os seres
sencientes nas oito direções. De acordo com o abhidharma, os elementos que
compõem tanto o universo externo quanto as dimensões internas dos seres
sencientes estão baseados em oito átomos originais, muito sutis. Estes são o
fundamento sobre os quais nosso mundo é construído. Até mesmo as mais ínfimas
partículas consistem de agregados desses oito átomos. Quatro são conhecidos como
os átomos do fogo, água, terra e vento. Isso compreende o reino do desejo. Devido
ao fato do nosso mundo ter também qualidades do mundo das formas, há outros
quatro átomos que tem a ver com os aspectos da forma, cheiro, o passado e o
presente. Apesar de serem extremamente pequenos todos esses oito juntos dão
surgimento aos átomos maiores e às moléculas. Ninguém criou essas coisas,
ninguém ordenou que elas fossem desse jeito. Elas são apenas parte da formação
natural do mundo. Não há muito mais a ser dito sobre isso. Esta interpretação se
relaciona com o nível externo.

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No nível interno há as oito consciências. Cinco delas se relacionam com os
órgãos dos sentidos: olhos, ouvidos, nariz, língua e corpo. A sexta é a consciência da
mente, a sétima é a consciência emocional e a oitava é conhecida como o armazém
subconsciente ou consciência de fundamento. Essas oito consciências delineiam a
ciência do mundo interno. A mente é vasta e profunda, profundidade da qual tudo
emerge. O mundo externo emerge daí e reflete esse mundo interior. Então
subjetivamente essas oito emanações se relacionam com as oito consciências.
Além disso, aprendendo a efetivar o conhecimento da natureza primordial,
praticamos o Nobre Caminho Óctuplo para atingir a completa realização. Os tantras
internos contêm muitos outros ensinamentos relativos ao número oito. Nossa
estrutura física possui oito grandes ossos, há oito caminhos de energia superior e oito
divisões gerais que definem o território do ego. Externamente, isso é simbolizado
pelos oito grandes campos de sepulturas. Em mandalas elaboradas, vocês
encontrarão oito cemitérios, oito árvores e oito stupas, oito corpos de água, oito
nagas e oito deuses. Oito é o número de completamento no espaço de mandala
Vajrayana.
As oito emanações do Guru Padmasambhava são muito populares no Tibet.
Variados significados e símbolos são associados a essas manifestações.
Externamente, as emanações do Guru Rinpoche podem ser vistas como
reflexos de sua natureza penetrante. Internamente, elas são as oito consciências. A
transformação das oito consciências nas cinco sabedorias é o caminho secreto para o
entendimento do tema das presentes descrições. Tomadas juntas, as oito
manifestações comunicam todos os três níveis de significado.
Passo agora a nomear as oito emanações do Guru Padmasambhava.
Guru significa mestre, professor ou lama, e precede o nome de cada manifestação.
A primeira é conhecida pelo nome de Guru Padma Gyalpo que significa
“Rei Lótus”.
A segunda é Guru Nyima Ozer, significando “Raio de Sol”.
A terceira emanação de Guru Rinpoche é Loden Chokse, que é toscamente
traduzida como “Portador do Supremo Conhecimento”.
A quarta é chamada Guru Padmasambhava. Este nome é em Sânscrito,
porém até mesmo no Tibet, é assim que nos referimos a essa emanação. Padma
significa lótus, que é um símbolo de perfeição espiritual. Sambhava tem muitos usos
diferentes, todavia neste caso significa essência, então Padmasambhava significa
“Essência do Lótus”.
A quinta é Guru Shakya Sengé. Shakya é uma palavra em sânscrito e parte
do nome de família do Buddha Shakyamuni. Significa invencível ou corajoso. Sengé
é uma palavra tibetana que significa leão, então este título se traduz como “Leão
Invencível”.
A sexta emanação do Guru Padmasambhava chama-se Padma Junge. Em
sânscrito, isto é traduzido como Guru Padmakara. Padma é lótus e kara é traduzido
para o tibetano como jungné, significando “surgido de”. Portanto este nome significa
“Nascido do Lótus”.

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A sétima é conhecida como Guru Sengé Dradok. Em sânscrito é Singha
Nadi que é traduzido como “Rugido do Leão”.
A oitava emanação do Guru Rinpoche é conhecida como Guru Dorje
Drolo. Dorge é a palavra tibetana para vajra. Dro’lo significa essencialmente ou
insanamente irado, às vezes traduzido como “Sábia Loucura”. Este é o nome da
oitava emanação.
Todas as atividades de Guru Padmasambhava desempenhadas neste mundo
podem ser sumarizadas dentro destes oito aspectos.

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GURU PADMA GYALPO

O LÓTUS REI

A primeira emanação é chamada Guru Padma Gyalpo. Gyalpo significa


rei. Guru Padma Gyalpo é a forma pela qual Guru Padmasambhava apareceu
originalmente em nosso mundo. Ele se relaciona diretamente ao Buddha Amitabha,
o Buddha da direção oeste, e também a Avalokitesvara, o Buddha da Compaixão.
Buddha Amitabha representa dharmakaya, Avalokitesvara sambhogakaya, e Guru
Padmasambhava nirmanakaya. Amitabha, Avalokitesvara e Guru Padmasambhava
abrangem todas as emanações possíveis do Trikaya. Talvez vocês estejam
imaginando como Buddhas do darmakaya tais como Samantabhadra, Vajradhara e
Vajrasattva se incluem. Eles estão todos contidos nos três kayas de Amitabha,
Avalokitesvara e Guru Padmasambhava. De fato, a mandala inteira de todos os
buddhas e de todos os kayas está no Guru Padmasambhava. Ele não é somente um
membro importante da família do Lótus, mas também corporifica a mandala inteira.
Os três kayas são simbolizados pela família Padma, uma das cinco famílias de
buddhas, cada um representando um aspecto da sabedoria primordial. No sentido
mundano, a família Lótus é associada com a percepção comum. Esotericamente
corresponde aos nossos ventos cármicos e ao centro da fala. Visões comuns são
transformadas através da profunda ressonância com as qualidades da sabedoria
primordial da família Padma, tais como bondade amorosa ilimitada e compaixão por
todos os seres sencientes. A ação interna dessa família é a irradiação de amor e
compaixão fluindo através dos canais, promovendo o surgimento dos ventos de
sabedoria.
Entre as muitas atividades benéficas que caracterizam a vida do Buddha
Shakyamuni, doze são as mais comumente notadas. Destas, a fala é sua ação mais
poderosa. Além do seu imenso amor e compaixão, até mesmo o Buddha não poderia
liberar ninguém do oceano do samsara. Os seres sencientes estão sujeitos aos seus
próprios karmas e até mesmo os Buddhas devem respeitar isso. O poder da palavra
do Buddha garante o conhecimento de antídotos que podem ajudar a libertar os seres
sencientes do samsara e colocá-los na condição de iluminados. Destituído da
palavra, o Buddha não poderia oferecer muita coisa aos seres sencientes, a não ser
para aqueles que já desenvolveram elevadas capacidades e podem receber
ensinamentos no nível sambhogakaya. A família lótus simboliza o poder da fala com
espírito de amor e compaixão (no espírito do amor e da compaixão). A família
Vajra, Ratna, Karma e a família Buddha todas compõem e emanam da família

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Padma – são os Senhores Lótus de todas as famílias. E Guru Padmasambhava é a
suprema corporificação de todos eles.
Agora vou contar para vocês alguns detalhes sobre o início da vida de
Padma Gyalpo. De acordo com a história tibetana, Guru Rinpoche nasceu quatro
anos após o Mahaparanirvana de Buddha. Apesar da predição do Buddha
Shakyamuni sobre a vinda de Padmasambhava ser depois de oito anos, o sistema
usado na Índia divide o mês em dois, refletindo a lua cheia e a lua nova. De acordo
com o calendário tibetano, Buddha Shakyamuni entrou em Mahaparanirvana durante
o ano do Dragão de ferro e Guru Padmasambhava nasceu no ano do Macaco de
madeira no mês do Macaco. No Budismo Tibetano cada ano do Macaco é
considerado o ano de Guru Padmasambhava.
Bodhgaya é uma pequena cidade no nordeste da Índia onde o Buddha
atingiu a completa iluminação. Todo budista considera Bodhgaya o centro
geográfico-espiritual, o local de supremo poder do universo. Em tibetano chama-se
Dorje-den que significa “trono vajra indestrutível”. Também é ensinado que cada um
dos mil buddhas destinados a aparecer neste aeon vão atingir iluminação lá mesmo.
A cosmologia budista explica que após centenas de aeons, este mundo será
completamente destruído pelo fogo, água e vento. Tudo será reduzido a átomos que
serão espalhados pelo espaço sem deixar traços. Todavia, sob o trono vajra em
Bodhgaya há um duplo dorje que não pode ser destruído nem pelo fogo nem pela
água. Ele vai durar além do final do ciclo do mundo atual. O que aparece
externamente como Vajrasana de Bodhgaya existe internamente como o caminho
que conduz à realização de nossa Natureza Primordial.
Guru Padmasambhava nasceu no noroeste de Bodhgaya num reino
conhecido como Oddiyana. Oddiyana sempre foi considerado um lugar muito
místico e é louvado através da literatura vajrayana. Essa terra misteriosa expressa
um poder natural em formações e na estrutura ambiente muito sutil e se tornou a
maior fonte dos ensinamentos esotéricos Vajrayana. No centro de Oddiyana está a
cidade das Dakinis, e nesta cidade está o palácio dos Herukas. A noroeste desse
palácio, há um pequeno lago conhecido como Dhanakosha.
Do centro do seu coração Buddha Amitabha emanou uma luz dourada que
tomou a forma de um vajra dourado de cinco pontas com a sílaba HRI inscrita. Este
vajra pousou bem no centro de uma flor Udambara, uma espécie de lótus muito rara
e preciosa, que crescia no Lago Dhanakosha. Um jovem Padmasambhava aparece
miraculosamente da união do vajra dourado com Hri inscrito com esse belo lótus de
mil pétalas que crescia no Lago Dhanakosha. Normalmente nascemos de pai e mãe,
porem por aparição espontânea Guru Padma Gyalpo abre-nos a visão panorâmica da
natureza verdadeira. Para romper nosso padrão habitual do nascimento gradual
através da concepção num útero, ele demonstrou a liberdade de um nascimento
instantâneo. Revelou uma nova porta: a condição primordial da grande abertura.
O rei de Oddiyana era um homem extraordinário chamado Indrabhuti. Era
muito bondoso, compassivo e generoso. Durante uma época de grande fome, abriu
mão do conteúdo do tesouro real para alimentar seu povo, mas ainda era necessário

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mais alimento. Nesses tempos antigos era comum velejar para o oceano a procura de
jóias e tesouros. Então o rei Indrabhuti foi ao mar com seus ministros e encontrou
gemas numa ilha distante. Na volta para casa o rei teve muitos sonhos bonitos. Em
um deles, ele viu um vajra dourado de cinco pontas, irradiando luz em todas as
direções. Esse vajra chegou tão próximo que o rei conseguiu segurá-lo em sua mão.
Nessa mesma noite, ele sonhou que o sol e a lua estavam ambos surgindo juntos no
céu a leste. Logo no dia seguinte a esses maravilhosos augúrios Indrabhuti encontrou
Padma Gyalpo.
Quando barco se aproximava da costa, a tripulação viu belos arco-íris
atravessando o céu. Um enorme bando de aves planava nos céus, cantando
lindamente. Fragrâncias celestiais perfumavam o ar. No momento em que eles viram
esses sinais, todos se sentiram abençoados. O rei começou a relatar seus sonhos aos
ministros. Depois de passarem para um bote menor, imediatamente velejaram em
direção ao arco-íris. À medida que chegavam mais perto começaram a ver um
magnífico lótus. Nenhum deles jamais havia visto antes um desabrochar como
aquele. Era uma flor extraordinariamente grande e brilhante, mas mais do que isso,
sentado sobre o leito de pólen estava um belo e sublime menino de oito anos de
idade, resplandecendo e irradiando as luzes do arco-íris sentado na postura vajra. O
rei ficou inteiramente atônito.
Apesar de Guru Rinpoche aparecer como um ser humano, demonstrou algo
totalmente além das nossas concepções dualistas e do nosso pensamento organizado
surgindo neste mundo no centro de um lótus. Ele não nasceu de pais biológicos. Isso
significa que Guru Padmasambhava é livre de apegos e da raiva. Ele não é
acompanhado por nenhuma emoção negativa. Pelo contrário, ele subjuga e
transforma toda a raiva e apego em suas correspondentes sabedorias como é
simbolizado pelo glorioso lótus. Isso significa também que os praticantes que
seguem o caminho de Guru Padmasambhava ou do Buddha Shakyamuni devem
superar e transformar a raiva, a agressão e o desejo neurótico.
Até aquele momento Indrabhuti era cego de um dos olhos. Agora estava
curado. Estava maravilhado pelo fato miraculoso e imediatamente fez cinco
perguntas à criança : “De onde vem você ? Qual é o nome de seu pai ? Qual é o
nome de sua mãe ? O que você faz ? E o que você come ?”
Guru Padmasambhava respondeu : “Vim do não nascido Dharmadhatu, o nome de
meu pai é Kuntuzangpo, e o nome de minha mãe é Kuntuzangmo.” Kuntuzangpo
significa em tibetano, “sempre bom”. Isto é, bondade que nunca muda. É sempre
bondade. Ontem era bom, hoje é bom e amanhã ainda será bom. À pergunta, “O que
você faz ?” a criança respondeu, “Estou aqui para ajudar a todos os seres sencientes
dos seis reinos.” Este é um trabalho permanente. Guru Padmasambhava jamais
estará desempregado ! Sobre a comida a criança respondeu, “Como os conceitos
dualistas e minhas palavras beneficiam todos os seres.”
Sendo budista, o rei Indrabhuti apreciou muito essas respostas.
Naturalmente ele já estava bastante estimulado pela demonstração tão brilhante e
extraordinária, porém ouvindo a criança dar essas respostas realmente se sentiu

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tocado. A irradiação do corpo e da fala dela penetrou profundamente o seu coração.
Grandiosamente movido por tudo isso e sem possuir filhos, o rei perguntou, “Você
quer vir para meu palácio e viver comigo ?” O jovem Padma Gyalpo aceitou o
pedido e foi com a comitiva para o palácio.
O Rei Indrabhuti era um homem muito bondoso e compassivo. Possuía
uma mente extremamente aberta e decidia seus assuntos de acordo com o Dharma.
Guru Padma Gyalpo foi criado como um príncipe. Ajudou Indrabhuti a reger o reino
com bodhicitta e orientou o povo no caminho certo para a iluminação. Ele os
ensinou como se manterem livres de dores de cabeça e de preocupações de tal forma
que harmonia e paz reinavam por todo o país. Eventualmente Guru Padma Gyalpo
casou-se com uma bela mulher de nome Orchima, “a que irradia luz.” Então um dia
o Buddha Vajrasattva apareceu para o Guru dizendo a ele que deixasse Oddiyana
para beneficiar os seres de uma maneira mais ativa. Atento a essas instruções, Guru
Padmasambhava partiu de Oddiyana com trinta anos de idade.
Ele saiu do palácio a pé e perambulou por diversos lugares. Todavia os
mais básicos aspectos de sua jornada não eram comuns. Por exemplo, chegava a
qualquer lugar instantaneamente após sair. O tempo não afetava as atividades do
Guru. Viajou atravessando a Índia freqüentando os mais poderosos e assustadores
cemitérios conhecidos como campos de corpos e ossos. Subjugava as oito classes de
espíritos e os direcionava para o caminho de bodhicitta, o estado unificado de
bondade amorosa, compaixão e sabedoria.
No sentido convencional Guru Padmasambhava tratou todos os assuntos de
Oddiyana com harmonia e em direção ao caminho para iluminação e devido a isso
esse povo atingiu excelência na prática da paz, do amor e da compaixão. No nível
interno, subjugou as oito classes de espíritos negativos e colocou-os a serviço da
prática de bodhicitta. Cercado por dakas e dakinis, Guru Rinpoche demonstrou o
esplendor de sua sabedoria que supera espontaneamente os mais poderosos seres
visíveis e invisíveis sendo visto por eles como seu supremo monarca ou rei. Esta é a
grande vitória de Padma Gyalpo, o Rei Lótus, uma emanação muito especial do
Guru Padmasambhava que magnetiza as percepções e conceitos para além do apego
ao ego e das emoções negativas enquanto que simultaneamente, incrementa sua
alegria, paz e realização espiritual.
Devemos compreender o que dizemos quanto ao magnetismo. Não quer
dizer que vamos trazer um objeto externo, tal como outro ser senciente, sob nosso
controle. Magnetizar a percepção de alguém é trazer mais poder à mente de hábitos
mundanos. Se não tivermos essa habilidade, não poderemos magnetizar ou ajudar
outros seres sencientes. Enquanto formos ainda um pouco selvagens e loucos, como
poderemos domar os outros ? Para ajudar outros seres não podemos ser loucos. Uma
vez que sejamos capazes de superar percepções dualistas e hábitos mentais,
magnetizaremos os outros naturalmente. A prática e a meditação no Guru Rinpoche
como Padma Gyalpo clareia visões mundanas e emoções delusivas e também
enriquece nossas acumulações de mérito e sabedoria.

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Guru Padma Gyalpo exibe abertamente o esplendor e a magnificência da
sabedoria da família Padma. Ele está cercado por um glorioso séquito de dakas e
dakinis que recebem seus ensinamentos. Através da profusa demonstração dessa
reunião, oferece a mesma prosperidade a todos os seres. Esta é a forma externa de
compreender esta emanação.
No nível interno, Guru Padma Gyalpo esta dizendo que aqueles que
seguem esse caminho precisam controlar seus sentidos, estudar as percepções,
subjugar o apego ao ego e transcender suas emoções. Se você superar o apego ao
ego será um grande soberano; possuirá a maestria de suas relações com tudo que vê
e ouve. No comando perfeito dos sentimentos e respostas você tem o poder e a
dignidade de um rei ou rainha esplendorosos. Tendo subjugado o apego ao ego e às
emoções negativas você é verdadeiramente vitorioso.
No Tibet, superar toda a negatividade é considerado como alcançar o
estado de herói. A pessoa se torna um conquistador ou um monarca universal. De
acordo com a antiga cosmografia budista um monarca universal ou Chakravarti é
aquele cujo reino inclui todos os quatro continentes do sistema do mundo. Abrir mão
do apego ao ego e se livrar das neuroses é estar completamente desperto para a
iluminação de todos os vitoriosos como se fosse sua própria. Em resumo, este é o
significado do Guru Padma Gyalpo, o Rei Lótus ou Padma Raja.
A pele de Padma Gyalppo é rosa ou avermelhada, enquanto suas vestes
têm um tom de laranja mais para vermelho do que amarelo. Ele é visualizado
sentado sobre um lótus, e sobre discos do sol e da lua, relaxado na postura real com
uma face, dois braços e duas pernas. É semi-irado e por isso alguns ensinamentos
dizem que deve ser visualizado com quatro braços. Seus longos cabelos são puxados
num nó e envolvidos num pano branco que possui um chumaço vermelho emergindo
no topo. Essa mesma seda vermelha flutua atrás de sua cabeça como se estivesse
sendo soprada por uma brisa suave. Ele também usa uma tiara de cinco jóias. Em
sua mão direita há um pequeno damaru e na esquerda ele segura um espelho e um
gancho. O espelho simboliza sabedoria. Através da sabedoria tudo aparece como é,
apesar de nada existir verdadeiramente. Os fenômenos surgem e passam como
formas num espelho, uma miragem que aparece de repente e logo rapidamente se
dissolve. O espelho também sugere a manifestação incessante, livre de apegos a
objetos concretos. Há outras sadhanas sobre Guru Padma Gyalpo, algumas das quais
descrevem a mão esquerda segurando um sino e um gancho, e outras uma flecha
ritual. O gancho simboliza grande compaixão. È para libertar todos os seres
sencientes presos nas armadilhas das experiências do samsara.
As noções que constituem o samsara são nossos próprios pensamentos e
conceitos; o que você experimenta são suas próprias percepções como sonhos. Não
há uma base verdadeira e não se refere a entidades reais ou objetos sólidos. Isso é
um sonho ou talvez um pesadelo. Um pesadelo não é reconhecido pela pessoa que
está sofrendo nele. Não é realmente uma realidade determinada ou substancial,
apesar de que a experiência de compreensão do sonhador sugira que sim. Vamos
gerar grande compaixão por todos os seres sencientes por estarem temporariamente

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aprisionados por essa ilusão e vamos conduzi-los gentilmente para a liberação.
Nunca desista ou perca a compaixão. Continue e conduza todos os seres para a
grande e insuperável iluminação.
Da mesma forma como em qualquer outra prática, comece tomando
refúgio e gerando bodhicitta. Sinta amor e compaixão por todos os seres sencientes e
faça uma breve meditação. Então imagine um pequeno círculo de luz vermelha no
espaço diante de você que instantaneamente se transforma no Guru Padma Gyalpo.
Recite o mantra de doze sílabas durante o tempo mais longo que conseguir
mantendo a visualização. Finalmente dissolva Guru Padma Gyalpo de volta ao ponto
de luz vermelha mergulhando-o no centro do seu coração para que não exista
diferença entre ele e você. Medite dessa forma o tempo que puder. Quando terminar,
dedique o mérito e faça preces de aspirações. Esta é uma prática muito poderosa e
especial que vai enriquecer muito sua visão.
De acordo com o comentário do Lama Myphan os efeitos dessa prática
estão na dependência do seu nível de abordagem. Se você é um líder, sua liderança
vai se tornar mais estável e benigna. Se você é um praticante regular vai se tornar
um ser mais amável. Se desejar ser amado e apreciado, faça a prática do Guru
Padma Gyalpo. A paz da sua mente e a serenidade do corpo logo experimentadas
são um seguro sinal de purificação efetiva das emoções negativas.
Q: Eu estava interessado em saber como os pensamentos surgem em nossa
mente. Quando Guru Padma Gyalpo andava pelos cemitérios ele estava entre
espíritos negativos e transformava-os através de bodhicitta.
R: Sim, ele os trazia para a justiça de bodhicitta.
Q: Esses espíritos são responsáveis pelos pensamentos que surgem em nós?
R: Geralmente sim. É por isso que Guru Rinpoche ia para todos esses
cemitérios após deixar o palácio. Eram lugares temidos, não se comparam com os
cemitérios ocidentais. Os cemitérios do ocidente são lugares relativamente
agradáveis, como parques. Têm belas flores com caminhos e tudo. Quando você vai
ali, pode se sentir bem à vontade. Todavia na Índia ancestral os cemitérios eram no
fundo da selva onde muitos animais selvagens viviam, como tigres, leopardos, lobos,
chacais e cobras. Abutres pairavam acima. Os corpos dos mortos estavam
espalhados por toda parte. Era um lugar terrível e desagradável.
Q: Pode dizer brevemente porque usamos o símbolo do lótus em vez de
outra flor ?
R: O lótus cresce na água lodosa. Devido a esse fato, é sempre comparado
ao bodhicitta e aos bodhisattvas: pessoas nobres que nascem no samsara mas não são
afetadas pelo condicionamento mundano. Similarmente, o lodo nunca afeta a beleza
do lótus. Ele é sempre puro e belo. Então “padma” significa “ser amável”. De acordo
com o Vajrayana esse ser amável é nada mais que a verdade do amor e da
compaixão, simbolizados pelo lótus.
Q: Minha questão é sobre o simbolismo da cor vermelha.
R: No Vajrayana todas as cores, adereços e gestos são simbólicos, com
uma profusão de significados por traz de cada atributo e gesto. Neste contexto o

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vermelho representa bondade amorosa. Também chamado “grande amor além de
apegos.” Mover-se do apego para a bondade amorosa sem de agarrar-se a isso é
simbolizado pela cor vermelha. O amor é um imenso desapego.
Q: Uma vez que vivemos num estado de sonho, como podemos estabelecer
a diferença entre a verdade e a ilusão nas nossas percepções ?
R: Na equanimidade, tudo é visto como igual, não há distinção entre bem e
mal; se é verdadeiro é completamente verdadeiro, se não é tudo falso. Não há o
relativo, acima e abaixo, não há julgamento final na equanimidade. Portanto o sonho
e o estado de não-sonho são compreendidos como sendo exatamente a mesma coisa.
Entretanto enquanto você está obscurecido só vê um pouquinho e julga aspectos da
experiência do sonho como sendo mais ou menos importante. É assim que os seres
sencientes percebem o mundo.
Q: Quando sentamos e olhamos para você estamos vendo suas emanações
ou é um reflexo da nossa própria percepção ?
R: Ambos. Quando eu olho para você, você está me dando algo e eu
também estou dando algo para você. É uma troca mútua. Porem não importa o que
esteja acontecendo, uma vez tendo visto seja o que for, isso se torna uma construção
mental que pertence completamente ao seu próprio entendimento particular. Tudo
que entrou é trazido para sua mente individual onde se torna seu assunto pessoal. A
percepção e a comunicação comuns sugerem que há duas coisas diferentes, a privada
e a pública, no entanto nos níveis superiores da equanimidade ambas estão
mergulhadas numa mesma transcendência.

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GURU LODEN CHOKSE

PORTADOR DO SUPREMO CONHECIMENTO

Tradicionalmente a segunda das oito emanações do Guru Padmasambhava é Guru


Nyima Ozer cujo nome é traduzido como “Raio de Sol”, todavia, penso que é mais útil pularmos
adiante e apresentar a terceira manifestação porque vai ajudá-los a compreender a segunda. Em
troca, a segunda vai ajudar a explicar a terceira. Esta terceira emanação é chamada Guru Loden
Chokse, que significa “portador do supremo conhecimento.”
Guru Padmasambhava apareceu neste mundo como um buddha perfeito para trazer
benefício a todos os seres. Mesmo antes de deixar o reino de Oddiyana, ele já era totalmente
iluminado. Guru Loden Chokse é a emanação de Guru Rinpoche que lida com a remoção da
ignorância e com a acumulação de sabedoria através da contemplação. Apesar de já ser um buddha
desperto, ele demonstrou a maneira de abordar um profundo conhecimento através do estudo e da
prática para benefício de todos os seres sencientes.
Após deixar o palácio, percorreu os oito campos de mortos da Índia. No nível externo
esteve em cemitérios reais, se alimentando das oferendas aos mortos e vestindo as roupas
disponíveis dali. Nos tempos ancestrais a tradição funerária era deixar suprimentos de alimentação
para um ano e algumas roupas coloridas junto aos corpos. Portanto geralmente havia sempre
alguma coisa disponível apesar de não ser exatamente um alimento para gourmets. Era realmente
mais parecido com lixo ou comida estragada. Enquanto externamente utilizava tais materiais,
morando nos cemitérios, praticando meditação, no nível interno começou a dar elaboradas
instruções sobre os nove yanas para todas as classes de seres invisíveis. Particularmente ministrou
extensivos ensinamentos Dzogchen. Esse período de perambulação por todos os grandes
cemitérios da Índia não deve ser tomado como se Guru Loden Chokse estivesse hoje num deles e
em outro na próxima semana. Ele era capaz de projetar uma emanação diferente em todos os oito
cemitérios simultaneamente ou aparecer com uma multidão de emanações em todos os cemitérios
ao mesmo tempo.
Geograficamente esses oito grandes campos de mortos não existiam lado a lado. Podia
levar algumas semanas ou até mesmo um mês para ir a pé de um para outro. De acordo com
Vajrayana eles se localizavam em pontos especiais e secretos que possuíam um poder natural e
energia geomântica. No nível mais secreto, esses eram os locais onde dakas e dakinis sempre se
reuniam, desempenhando atividades iluminadas incessantemente. No Vajrayana esses oito grandes
locais trabalham juntos como um círculo místico ou esotérico. São lugares muito especiais onde a
mente é ampliada e a energia é naturalmente intensificada. De acordo com os tantras internos esses
campos de mortos não existem apenas na Índia. Apesar de se referirem aos sítios atuais, alguns
tantras superiores indicam que não são locais estáticos, mas encontram-se espalhados pelo mundo

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afora. Os oito grandes cemitérios são os primeiros locais de poder disponíveis para ajudar-nos a
despertar para nossa natureza iluminada.
Assim como dava ensinamentos para os seres invisíveis, Guru Loden Chokse instruiu
seres visíveis também. Na Índia antiga, certas pessoas de casta muito baixa tinham a tarefa de levar
os mortos para os cemitérios e fazer alguns outros trabalhos desse tipo. Loden Chokse começou a
dar ensinamentos a esses trabalhadores. E também viajou para muitos outros lugares, como
Bodhgaya, onde Buddha Shakyamuni se iluminou.
Certa vez quando demonstrava alguns dos seus extraordinários sinais de realização,
próximo à Stupa Mahabodhi em Bodhgaya, uma velha senhora perguntou-lhe, “Quem é seu
mestre? A qual linhagem você pertence ?”
Guru Rinpoche respondeu: “Não tenho mestre e não tenho necessidade de nenhum. Nem
pertenço a nenhuma linhagem. Sou um ser totalmente iluminado, mente plena primordial.”
A velha mulher imediatamente respondeu dizendo: “Oh, isto não está certo. Sem as
bênçãos de um mestre você não pode ser iluminado. Você precisa ter uma conexão com um
mestre. Sem isso ninguém vai aceitar suas palavras.” Rapidamente ele compreendeu a afirmação
da velha mulher se referindo a tornar o ensinamento disponível para os outros. Para demonstrar os
supremos meios de se aproximar do Dharma, “o Supremo Portador do Conhecimento” começou a
procurar mestres de linhagem e seguiu os ensinamentos de acordo com suas instruções.
Isso indica que mesmo sendo um ser altamente iluminado, ainda assim é necessário ter
conexões com uma linhagem. A fim de comunicar essa verdade Guru Loden Chokse passou a
contatar muitos grandes mestres e receber seus ensinamentos. Antigamente havia um currículo
tradicional conhecido como as dez ciências. Era necessário que se tivesse conhecimento disso para
que se fosse considerada uma pessoa educada. As cinco maiores ciências são linguagem, arte,
lógica, medicina e a ciência da mente e meditação.
Guru Loden Chokse foi para Bengala no leste da Índia para começar a estudar.
Lá encontrou um homem muito velho que era conhecido como um estudioso da língua. Com
exceção de pequena mancha vermelha no seu bigode, todo seu cabelo era completamente branco.
Quando foi perguntado sobre a extensão do seu conhecimento, o velho homem disse, “Conheço
todas as línguas faladas em toda Índia, porem minha especialidade são os dialetos falados nas áreas
do leste da Índia.” Depois do pedido de instruções, o velho aceitou Guru Loden Chokse como seu
aluno. Naquele tempo havia quatro grandes grupos de línguas na índia: Sânscrito, Prakrit,
Apabhramsa e Paisacika, assim como também 160 dialetos locais. Apesar de estar familiarizado
com todos esses, Guru Rinpoche tornou-se um expert em línguas para demonstrar como esse
conhecimento pode ser um imenso benefício a serviço dos seres sencientes. Aqueles que buscam a
iluminação não devem ignorar a importância desse aprendizado.
Depois disso ele foi para Padmavati na Índia ocidental, onde encontrou um médico
muito famoso que lhe ensinou tudo sobre medicina. A seguir, estudou lógica e raciocínio,
importantes matérias se estivermos tentando ir além do estado da percepção direta. A análise e a
inferência são as chaves que abrem o conhecimento que está além de nossos dados sensoriais
imediatos. Através do raciocínio podemos descobrir muitas coisas que não são evidentes aos cinco
sentidos. Guru Loden Chokse estudou também astrologia esotérica com Manjushri na China e arte
com o Mestre Visvakarma. No budismo, a expressão estética é dividida em artes do corpo, artes da
fala e artes da mente. Todas as artes estão contidas nessas três categorias.
A quinta ciência é conhecida como ciência interna, que lida principalmente com a
compreensão, as características e a identidade da mente. Esta ciência é a província dos
ensinamentos de Buddha. Guru Loden Chokse recebeu de Ananda, o primo e assistente do Buddha
Shakyamuni, ordenação e instrução em vinaya, sutra e abhidharma. Recebeu ensinamentos de
tantra externo e rapidamente efetivou todas as realizações tais como eram descritas nos textos. A
renomada Mestra Gomadevi, filha do Rei Jah foi uma das professoras humanas que introduziram
Guru Loden Chokse aos ensinamentos da Mahayoga. Recebeu também ensinamentos Mahayoga

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completos do Buddha Vajrasattva em Akanisha, a terra pura de Vajrasattva. Manifestando-se
instantaneamente, ele ouviu as recitações de Vajrasattva. No momento em que solicitou os tantras
Mahayoga, também conhecidos como os dezoito grandes tantras, Vajrasattva transmitiu-os
integralmente. Guru Loden Chokse recebeu os treze ensinamentos Anuyoga na Toda Penetrante
Terra Pura Azul do Buddha Vajradhara. Estes são conhecidos também como os cinco grandes
sutras e os oito grandes pontos.
O primeiro mestre humano de Dzogchen, Garab Dorje, foi a fonte dos ensinamentos de
Atiyoga e também Samantabhadra que mora na terra pura de Dharmadhatu livre de toda a
complexidade. Finalmente para completar seus estudos, Guru Loden Chokse foi ao famoso Mestre
Manjusrimitra, discípulo direto de Garab Dorje. Depois de pedir instruções, Manjusrimitra
respondeu que não podia lhe dar instruções. Em vez disso ele foi encaminhado a um escuro e
assustador campo de mortos no oeste onde vivia uma grande dakini Laygi Wangmo, a dakini das
realizações. Manjusrimitra explicou que ela é que poderia dar as instruções Atiyoga.
Guru Loden Chokse chegou ao terrífico campo de mortos e ali encontrou uma jovem
que carregava um vaso de cristal. Ele pensou que ela podia ser a dakini a quem devia pedir
ensinamentos. Então perguntou, “Qual é seu nome?” Porém ela não lhe respondeu.
“Poderia ter a bondade de me dar ensinamentos?” Ainda não obteve resposta.
“Onde está a grande dakini, Laygyi Wangmo?” A moça não disse uma palavra e
continuou a carregar água.
Guru Loden Chokse se deu conta de que ela devia estar a serviço de alguém, então
quando ela voltava descendo a colina com mais água, ele perguntou, “Poderia me ajudar a
encontrar a dakini da sabedoria?” Mas a moça permaneceu em silêncio e continuou carregando
água.
Ela voltou uma terceira vez e ele perguntou, “Por favor, poderia me ajudar?” Ainda assim
ela se recusou a responder. Então Guru Loden Chokse aborrecido por ela não lhe responder e
através do poder de sua meditação, fez com que o vaso de cristal ficasse aderido ao chão. Quando
a moça tentou ergue-lo não conseguiu tira-lo do chão.
Tomando conhecimento de quem havia causado tal fato falou para Guru Rimpoche:
“Vejo que mostra algum poder, mas me diga o que acha disto?” Nesse momento, tirou uma
pequena faca de cristal do seu cinto e depois de cortar abrindo seu peito, puxou a pele e aí
vividamente ostentada apareceu a mandala completa das deidades do tantra interno. Todas as cem
deidades, quarenta e duas pacíficas e cinqüenta e oito iradas, emanavam claramente do centro do
seu coração.
Guru Loden Chokse prostrou-se e disse, ”Por favor, me desculpe e me conduza até a
grande dakini.”
Dessa vez a moça falou, ”Vou lhe mostrar o caminho. Siga-me.” E ela conduziu-o a um
palácio feito de crânios, caveiras e esqueletos.
Logo que Guru Loden Chokse entrou pode ver que Laygyi Wangmo não era uma
dakini pacífica. Sua expressão era semi-irada. Pousava majestosamente sobre disco de sol e lua
numa postura feroz, cercada de um resplendor de glória, enquanto outro sol e lua sobre ela serviam
como um luminoso dossel. Segurando na sua mão esquerda uma katvanka, fagulhas de fogo saiam
de seus olhos e corpo. Guru Loden Chokse prostrou-se, circumambulou seu trono por três vezes e
fez oferendas de mandala antes de respeitosamente pedir os ensinamentos Vajrayana incluindo as
iniciações, transmissões e instruções principais. Nesse momento ela fez o mudra de subjugação
com sua mão direita e no espaço além de seus dedos a mandala inteira das cem deidades pacíficas
e iradas apareceu vividamente.
“Agora,” disse ela, “Você deve receber iniciação por esta mandala.”
Guru Loden Chokse imediatamente respondeu, “Oh, não. Esta mandala é apenas sua
demonstração. Quero receber iniciações de você, Mestra. Você é a fonte, corporificação e senhora
desta mandala. Deixe-me tomar suas iniciações, transmissões e instruções principais.” A grande

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dakini sorriu gentilmente e disse, “Então você sabe como receber empoderamento...” Nesse ponto
ela entoou a sílaba HUM e a mandala inteira se dissolveu e mergulhou de volta nela. Depois de
cantar outro HUM, transformou o corpo de Guru Loden Chokse numa pequena sílaba HUM e
engoliu-o como se fosse uma noz.
Numa das biografias do Guru Padmasambhava é dito que ela o manteve por uma
semana em cada um dos seus cinco chacras. Portanto ele passou uma semana no seu chacra
coronário, e uma semana no chacra da fala, coração, umbigo, e chacras secretos. Os quatro chacras
superiores são relativos aos quatro empoderamentos. Externamente ele recebeu o empoderamento
do Buddha Amitayus, internamente recebeu o empoderamento de Avalokitesvara e no nível mais
secreto ganhou a realização de Hayagriva. Depois de receber completamente todos os
empoderamentos, transmissões, e instruções principais associadas aos tantras internos, emergiu do
centro secreto de Laygi Wangmo igual a ela em realizações. Isto é o mesmo que dizer que ele se
tornou algo como um super-guru; um guardião do supremo conhecimento da linhagem
demonstrando livremente sua maestria dos ensinamentos atingindo a suprema realização.
Subseqüentemente viajou por diferentes lugares pelo mundo afora servindo aos seres sencientes.
Guru Loden Chokse também recebeu de Laygi Wangmo os oito ensinamentos Heruka
combinados, os quais transmitiu aos oito grandes vidydharas que estavam na Índia nessa época:
Vimalamitra, Humkara, Manjusrimitra, Nagarjuna, Dhanasamskrta, Rambuguhya-Devacandra e
Santigarbha. O próprio Guru Padmasambhava é considerado o oitavo. No nível humano ele
recebeu os oito ensinamentos Heruka desses mestres assim como da dakini de sabedoria Laygi
Wangmo. Por sua vez transmitiu para esses mesmos Vidyadharas o que é conhecido como os Oito
Ensinamentos Heruka Combinados que havia recebido diretamente de Laygi Wangmo.
Guru Loden Chokse também recebeu do mestre Sri Singh o ensinamento Dzogchen
conhecido como Empoderamento da Awareness. Esta é uma breve história de como Guru
Rinpoche adquiriu ensinamentos.
No nível externo, recebeu muitas diferentes instruções e foi mestre em cada uma delas.
Esse período de sua vida demonstra como seguir um curso de estudo e aprender a desenvolver
nossa sabedoria passo a passo. Mesmo sendo Guru Rinpoche uma emanação direta do Buddha
Amitabha e uma reencarnação do Buddha Shakyamuni, esse ser completamente iluminado viveu
sua realização de um modo que iria ajudar a encaminhar os outros em direção à sabedoria.
Os aspectos graduais do caminho são muito importantes. Não podemos simplesmente
ignorar nossos condicionamentos cármicos e pular para um nível mais elevado. Devemos ser
capazes de seguir a mensagem inteira passo a passo e direcionar nossos condicionamentos através
de práticas apropriadas e de maneira progressiva. Essa manifestação do mestre enfatiza que todos
nós devemos dar continuidade ao nosso desenvolvimento e crescimento. Tal abordagem fortalece
nossa compreensão e aprofunda nossa realização. Como Guru Loden Chokse, o Nascido do Lótus
demonstrou sua capacidade de aprender e de tornar-se um adepto em muitos campos do
conhecimento.
Guru Loden Chokse é descrito como tendo uma face, dois braços e duas pernas e
sentado sobre um lótus com discos de sol e lua. Sua pele é de uma cor branca muito pacífica e rica.
Usa uma echarpe branca e tem fitas enroladas em torno de sua cabeça. Seus cabelos são decorados
com um lótus azul esverdeado que é chamado de Uptala. Em sua mão direita há um damaru e na
esquerda uma tigela com um lótus desenhado.
Inicie a prática de Guru Loden Chokse com a geração de amor, compaixão e bodhicitta
por todos os seres sencientes. Então entre suavemente em meditação. Comece a visualização com
uma pequena esfera de luz branca no espaço à sua frente. Concentre-se nisso por um momento e
então transforme a esfera no transcendental corpo de arco-íris de Guru Loden Chokse, irradiando
luz branca em todas as direções. Imagine o som do damaru ecoando vibrações de sabedoria,
despertando os seres sencientes da escuridão da ignorância e estabelecendo-os na sabedoria da
iluminação. Recite o mantra das doze sílabas pelo tempo que puder e então dissolva a visualização

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em luz branca que vai se misturando com o centro do seu coração e permaneça em meditação
acolhendo a Natureza Primordial pelo tempo que puder.
Apesar de já possuir a perfeita realização, a emanação de Guru Loden Chokse nos
mostra a paciente acumulação de ensinamentos de sabedoria. Ele é uma emanação de sabedoria do
Guru Padmasambhava e tal como Manjusri, a deidade da sabedoria, a prática na forma de Guru
Loden Chokse é particularmente efetiva em dissolver as trevas da ignorância, em obter maestria
nas artes e ciências e essencialmente despertar para a realidade da Sabedoria Primordial.

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GURU NYIMA OZER

RAIO DE SOL

Como já foi explicado anteriormente, Guru Nyima Ozer é usualmente


considerado a segunda emanação. Devido ao fato de que Guru Nyima Ozer é
associado às atividades de louca sabedoria, quis lhes contar sobre Guru Loden Chokse
primeiro para que vocês sejam capazes de entender as realizações dele como estudante
e iniciado tântrico. É nesse contexto que devem apreciar os feitos miraculosos do
Guru Nyima Ozer. Apesar de incompreensível para as interpretações lineares ou
cronológicas, todas as oito emanações podem simultaneamente aparecer juntas ou em
muitos diferentes lugares não limitados por sistemas de compreensão dualista.
No nível da percepção comum, Nyima Ozer aconteceu antes ou depois do
tempo de Loden Chokse. Guru Nyima Ozer é um buddha especial cuja emanação
serve para aumentar a consciência da grande benção da vacuidade. É o mestre da
grande alegria e dos estados de êxtase da consciência. Nyima Ozer perambulou pela
Índia com muitos diferentes disfarces servindo aos seres sencientes.
De fato há muitas emanações do Guru Nyima Ozer, não apenas aquela que é
comumente retratada nas thangkas. Às vezes ele aparece como um poderoso mestre de
meditação, porem também aparece como um mendigo bem fraco ou em várias formas
de animais sempre em benefício dos seres sencientes. Suas atividades estão além das
limitações condicionais. Quero contar para vocês como ele ganhou seu nome que
significa “Raio de Sol”.
Guru Nyima Ozer viajou muito, desempenhando as atividades de louca
sabedoria enquanto visitava os oito grandes campos de mortos, os trinta e dois
maiores pontos de poder, áreas selvagens e até mesmo cidades. A extensão de suas
andanças não pode ser compreendida por concepções comuns. Como vem sendo
contado e recontado historicamente, quando ele deixou o reino de Oddiyana, foi para
um famoso cemitério conhecido pelo nome de Chilly Grove e ali praticou meditação
por cinco anos. Durante esse tempo Guru Nyima Ozer estava subjugando
internamente alguns dos mais selvagens seres sencientes.
Numa ocasião ele foi para Varanasi. Hoje, é uma grande cidade à margem
do Rio Ganges, e já era um lugar movimentado naquela época. Havia uma senhora
que servia álcool em Varanasi e Guru Rinpoche viu que através do contato com ela
poderia trazer centenas de pessoas para o caminho da iluminação. A mulher se
chamava Vanesseca. Nyima Ozer apareceu na sua loja como um yogi selvagem
segurando uma katvanga em sua mão direita e perguntou a ela, “Você tem alguma
cerveja?”
“Claro,” respondeu ela.
“Bom. Quanto você tem?”

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“Quinhentos galões,” respondeu.
“Ótimo. Quero todos.”
Ela serviu-o generosamente e quando ele acabou, pediu mais. “Pague-me
pelo que você já bebeu,” disse ela.
Nos tempos antigos usavam certa concha do mar como moeda. Nyima Ozer
na verdade não possuía concha alguma, porém reassegurou-lhe que seria paga, e ela
serviu-lhe outra cerveja. Naqueles tempos não se usavam garrafas, mas tigelas e jarras
bem maiores. Quando estava vazia, ele pediu mais. E depois disso, mais outra. E
continuou dessa forma até que a mulher disse, “Olhe não vou mais lhe dar cerveja
alguma até que me pague o que você já bebeu.”
Guru Nyima Ozer fincou seu katvanga no chão de forma que formou uma
sombra sobre a mesa e disse, “Vou lhe pagar quando esta sombra se mover.”
Vanesseca concordou e lhe deu outra jarra. Ele tomou tudo e imediatamente pediu
mais. Porem a sombra não se moveu nada. O sol continuou alto no horizonte enquanto
Guru Rinpoche terminou com todos os quinhentos galões de cerveja e ainda estava
pedindo mais. Ele não estava nem um pouco bêbado, e a vizinhança estava ficando
preocupada porque o sol não se movia e o dia estava ficando inusitadamente longo.
Galos estavam começando a cantar.
Depois de tomar conhecimento da situação na taberna, todos se deram conta
que aquele devia ser um yogi muito poderoso. O sol não se movia pelo céu, o que
significava que a terra não estava mais girando. O assunto foi levado ao conhecimento
do rei e seus ministros foram enviados para investigar. Quando compreenderam que
tudo isso estava acontecendo por causa de um yogi selvagem que não tinha dinheiro
algum para pagar pela cerveja, ofereceram para pagar sua conta. Guru Nyima Ozer
agradeceu e pegou seu katvanga. Imediatamente o sol tornou-se vermelho escuro e
mergulhou abaixo do horizonte. Uma grande sombra caiu sobre a terra e de repente
era noite.
Essa demonstração ajudou centenas de seres sencientes daquela área a se
tornarem iluminados. O nome de Nyima Ozer ou “Raio de Sol” foi um resultado desse
incidente e as pessoas lembravam o yogi que conseguia parar o sol.
Vanesseca, a mulher dona da taberna, estava entre esses que se sentiram
profundamente tocados por esse fato. Depois de Guru Nyima Ozer deixar Varanasi,
ela tentou entrar em contato com ele. Quando soube onde ele estava meditando, foi
pedir ensinamentos. Guru Nyima Ozer deu-lhe transmissão direta dos ensinamentos
Dzogchen e Vanesseca imediatamente se tornou uma grande yogini. Quando ela
começou a compartilhar esses ensinamentos especiais, atraiu tantos estudantes que
estes vieram a constituir uma linhagem Vanesseca.
No nível interno Guru Nyima Ozer significa uma clara compreensão da
estrutura da constituição psicofísica. Ele é o Buddha associado com a experiência
mística e a realização espiritual. Essa é a mensagem primária comunicada pela
emanação Guru Nyima Ozer. Conhecer os segredos da estrutura interna da fisiologia
de alguém significa que a descoberta da sabedoria primordial está muito, muito perto.
Portanto é importante tornar-se familiarizado com as estruturas sutis do corpo. Nos

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tantras internos essas estruturas são conhecidas como canais residentes (rtsa), a
manifestação dos ventos (os movimentos nestes canais ou rlung), e a ornamentação
dos elementos essenciais do corpo (thig-le). A totalidade de nossa experiência, os
padrões de nossas concepções, as demonstrações dos nossos sistemas visual e
auditivo, são reflexos dessas três estruturas. Compreender isso muito bem é estar em
comunicação direta e profunda com as energias dos mundos interno e externo.
Tudo que vemos: a terra, água, sol, nuvens, vento e fogo nada mais são do
que reflexos de nossas próprias estruturas internas. Mais especificamente, formas tais
como árvores, grama, água e montanhas são tão somente reflexos dos canais. O som e
os ecos são reflexos do movimento dos ventos. Nosso mundo externo espelha nossa
constituição interna. Interiormente, a Natureza Primordial se manifesta como thig-le,
os elementos essenciais do corpo. Há formas brancas e vermelhas do thig-le. Ambas
são completamente liberadas de qualquer formação ou visibilidade, permanecendo
num ciclo de completa equanimidade. Thig-le é refletido externamente nos planetas,
no sol, na lua e nas estrelas. Seu brilho e claridade revelam uma abertura radiante. E
são nada mais nada menos que reflexos dos elementos essenciais do corpo. Pensamos
o sol e a lua como duas coisas únicas, porém de acordo com os ensinamentos do
Buddha, existem bilhões de sóis e inumeráveis luas e planetas. Todos são reflexos da
infinita realidade da Sabedoria Primordial, se expondo dessa forma e aparecendo de
acordo com as necessidades dos indivíduos. Compreender claramente a dinâmica
inter-relacionada de todos esses três aspectos do corpo vajra facilita o despertar da
Sabedoria Primordial. A luz brilhante e clara da Sabedoria Primordial é a fonte
essencial de todas essas estruturas internas. Isso precisa ser compreendido. Revelações
dessas dimensões do corpo escondidas são frequentemente acompanhadas por grande
alegria e felicidade. Isso também é conhecido como bde-chen ou grande bem-
aventurança. A bem-aventurança é uma qualidade inerente da verdade primordial.
Sintonizando com sua própria estrutura vajra, vão surgir insights e experiências de
alegria, transcendendo qualquer sentido de esforço e dificuldade. A completa
compreensão da constituição da galáxia corresponde a ter o controle dos elementos
externos. É por isso que Nyima Ozer não teve dificuldade em controlar o sol ou sua
travessia. Através do conhecimento interno e da disciplina ele ganhou maestria sobre
tais coisas. Ele realizou a flexibilidade e os meios hábeis de exercitar sua vontade que
são incompreensíveis para nosso ponto de vista moderno. Esta é a forma externa de
compreender Guru Nyima Ozer.
O modo interno é conhecer nossas próprias estruturas internas até o ponto da
grande bem-aventurança, grande equanimidade e a completa realização da Sabedoria
Primordial. Quando você se torna intimamente familiarizado com os sistemas de
canais e ventos, quando você entende os ciclos dos elementos essenciais do corpo, vai
deleitar-se com uma clareza que eventualmente lhe conduzira à Sabedoria Primordial.
É assim que se compreende o significado interno de Nyima Ozer.
A prática de Guru Nyima Ozer é meditar no amor e na compaixão, e sentir-
se na profunda natureza da mente. Visualize tal como ele é pintado nas thangkas. Essa
forma é conhecida como Sambhoga Nyima Ozer. Possui uma face, dois braços e duas

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pernas. A cor de sua pele é um vermelho ouro e sua expressão facial é semi-irada, com
os olhos bem abertos e um pouco salientes. Tem cabelos compridos e uma parte está
amarrada por sobre uma tiara de cinco caveiras, enquanto o resto está solto sobre seus
ombros. Tem bigode, barba e alguns ornamentos de osso. Seu peito está nu e veste
uma saia de pele de tigre. Sua mão esquerda faz o mudra de subjugação e parece estar
trazendo a luz do sol para baixo com a ponta do dedo. Sua mão direita segura um
katvanga e está sentado sobre um lótus com discos de sol e lua, sua perna esquerda
está parcialmente estendida e a direita recolhida.
Na meditação do Guru Nyima Ozer visualize-o não como uma entidade
sólida, mas como uma forma de sabedoria, uma manifestação de amor e compaixão
num corpo de arco-íris. Nessa condição recite o Mantra Vajra Guru enquanto a
radiância do Guru brilha sobre todos os seres sencientes e iluminando até mesmo a
terra pura. O poder de uma chuva de bênçãos do Buddha cai sobre Guru Nyima Ozer
enquanto ele emana uma luz vermelho ouro. Essa luz envolve você e em ressonância
com os exercícios de ventos e canais intensifica a realização. Dissolva o Guru na luz
vermelho ouro e absorva a luz no centro do seu coração onde ela se mistura com a
natureza primordial da mente. Relaxe nesse estado o máximo de tempo possível.
Esta é uma prática muito poderosa para realização de atividades benéficas.
Se você esta começando a praticar amor e compaixão e aprecia a sabedoria, mas se
sente limitado em sua habilidade de dar corpo à sua compreensão, Guru Nyima Ozer
vai ajudá-lo a realizar essas qualidades e colocá-la nos relacionamentos com os seres
sencientes.
Lembre que nossas percepções dos fenômenos visuais e tácteis, as vibrações
registradas pelo nosso sistema auditivo e nossa experiência de espaço e luminosidade
são todas demonstrações externas das transformações que estão acontecendo nos
nossos sistemas de canais e ventos. Quando isso é reconhecido, os elementos
essenciais se transformam imediatamente na grande benção da vacuidade. Permanecer
dessa maneira nos libera de todo desconforto, esforço e dificuldade. Tudo se
transforma em grande bem-aventurança. Esta é a prática de Guru Nyima Ozer.

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GURU PADMASAMBHAVA

O NASCIDO DO LOTUS

A quarta emanação é Guru Padmasambhava. Ele é parte da continuidade das


atividades iluminadas que acontecem após Nyima Ozer e Loden Chokse. Essa
emanação é sobre a transformação da energia negativa para formas mais pacíficas e
compassivas, desenvolvendo poder e expressando o impulso interno do Guru
Padmasambhava que é o coração da bondade amorosa e da compaixão. Não há o menor
traço de supressão ou repressão no Guru Padmasambhava. Sua disposição para
transformar a negatividade nos ajuda a crescer sempre mais fortemente em compaixão
simplesmente entrando em contato com a reatividade emocional dos outros. Este é o
propósito particular e o poder associado com essa emanação do Guru Rinpoche.
A seguinte história é um bom exemplo do poder do Guru Padmasambhava em
transformar energia negativa em formas mais pacíficas e amorosas. De acordo com as
biografias, aconteceram pelo menos quatro diferentes ocasiões nas quais as pessoas
tentaram queimar Guru Padmasambhava na fogueira. O incidente particular que vou
lhes relatar também introduz a dakini da sabedoria, Princesa Mandarava.
Guru Padmasambhava estava meditando no Pico dos Abutres, o local onde
Buddha Shakyamuni deu os ensinamentos do Prajnaparamita. Apoiado em
questionamentos internos sobre onde ele poderia oferecer maior ajuda aos seres, ele
teve uma visão de Zahor, um pais a noroeste de Bodhgaya. Também viu uma dakini de
sabedoria na sua visão. Era Mandarava, um ser perfeitamente iluminado que era filha do
rei. Guru Padmasambhava se deu conta de que com sua assistência, ambos podiam
atingir a imortalidade ou realizar o estado da não morte. Por essa razão imediatamente
ele se manifestou no pais de Zahor.
Geograficamente, a fronteira ancestral de Zahor não se achava longe da atual
cidade de Dharamsala onde está vivendo hoje Sua Santidade, o Dalai-Lama. Lá há um
lago com lótus chamado Tso-Pema onde Guru Rinpoche desempenhou muitas
atividades miraculosas. Nesse tempo o Rei Arsadhara de Zahor era muito rico e
poderoso. Apesar de possuir muitas rainhas, não tinha filhos e Mandarava era sua única
filha. Mandarava é uma palavra em sânscrito, e é o nome de um tipo de flor cujo nome
traduzido aproximadamente para o inglês significa “pegar a mente dos outros”. Durante
sua concepção e nascimento aconteceram sinais e presságios auspiciosos indicando que
aquela ia ser uma criança notável. Depois que a pequena princesa nasceu ela mostrava
as marcas maiores e menores de um ser realizado. Mandarava cresceu muito mais
rapidamente do que as outras crianças. É dito que ela crescia um ano em uma semana, e
muito depressa amadureceu e se tornou a mais bondosa e bela menina daquela região.
Todos a amavam e protegiam. A jovem princesa era apreciada e conhecida em todo o
reino.

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Naqueles tempos os casamentos eram usualmente pré-combinados pelas
famílias. Até nos dias de hoje é assim em muitas partes da Índia e da Ásia. E devido ao
fato dela ser tão conhecida e bela, havia muitos reis, ministros e homens ricos pedindo
para casar com a Princesa Mandarava. Isso preocupava o rei porque ele pensava, “Se eu
tivesse centenas de Mandaravas, poderia fazer amigos e manter boas relações com todos
eles, mas infelizmente só tenho uma Mandarava. Se eu der a mão dela para um, todos os
outros ficarão zangados. Seu marido pode ser que fique feliz, porem os outros se
sentirão rejeitados”. Isto era um dilema e ele se sentia muito confuso para encontrar
uma solução.
Finalmente, decidiu deixar por conta de Mandarava de tal forma que ele
poderia dizer que tinha sido escolha dela. Quando lhe perguntou, a Princesa disse que
não queria nenhum dos pretendentes, queria apenas praticar e meditar. Ela havia
tomado essa decisão e o Rei Arsadhara respeitou sua escolha. Mandou construir um
belo convento e designou 500 moças para acompanhar a Princesa Mandarava na sua
busca de uma vida espiritual. Todas foram viver como monjas em eremitério.
Um dia durante uma prática ao ar livre, um magnífico arco-íris apareceu no
alto do céu sobre o convento. No centro desse brilhante arco-íris, surgiu Guru
Padmasambhava. Logo que começou a falar, as monjas sentiram uma forte e íntima
conexão com ele. Pediram que descesse no pátio e foi convidado para ir à sala de
meditação onde começou a ensinar as práticas do tantra interior.
Nesse mesmo momento um pastor de vacas estava procurando uma res em
torno do eremitério. Ele não conseguiu encontrar a vaca, porém enquanto procurava,
achou que vira um homem sendo convidado a entrar no convento. Pensando que seus
olhos o tinham enganado, aproximou-se bem silenciosamente das paredes e ouviu
nitidamente uma voz de homem vindo de dentro do convento. Então voltou para o
vilarejo para contar a todos o que testemunhara. Ora, as pessoas ficaram muito
perturbadas. Não gostaram da idéia das monjas terem um homem entre elas. Se optaram
por estudar o Dharma e desistiram da vida doméstica, porque convidaram este homem
para entrar ? E quais eram as intenções dele ali? Umas poucas pessoas foram investigar
e concluíram que definitivamente havia um homem no Convento Real. Estes fatos eram
muito chocantes e eles não estavam preparados para aceitar tal estado de coisas.
Rumores se multiplicaram pelos vilarejos e quando essas notícias chegaram ao palácio,
já havia se tornado um incrível escândalo. O Rei Arsadhara ficou extremamente
zangado. Até mesmo a rainha-mãe se sentiu insultada. Emocionalmente, foi como se
um vulcão tivesse entrado em erupção nas câmaras reais. Um grupo de ministros e
soldados foi despachado para descobrir a verdade e punir qualquer um que estivesse
envolvido.
Quando a delegação do rei chegou à sala de meditação, Guru Padmasambhava
estava expondo o Dharma sentado num trono cercado por todas as 500 monjas. Todas
estavam muito calmas e serenas. Parecia que estavam muito bem. Quando os homens
do rei começaram a ficar agressivos, as monjas se juntaram mais perto de Guru
Rinpoche e Mandarava. A Princesa suplicou a eles, ”Por favor, não façam isso. Este é

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nosso amado mestre. Está nos guiando e ajudando-nos a atingir a iluminação. Digam
isso a meu pai. Nada esta acontecendo aqui além de ensinamentos do Dharma.”
Os homens a ignoraram e Guru Padmasambhava foi capturado. Suas mãos
foram amarradas e ele foi conduzido cercado por hordas de pessoas. Queriam ter
certeza de que não lhe seria possível tentar fugir. Pelo decreto real, sua punição seria ser
queimado na fogueira. Mandarava foi sentenciada a 25 anos de prisão, e todas as suas
500 acompanhantes foram sentenciadas a 10 anos. Tudo isso foi decisão do rei. Uma
grande quantidade de madeira foi coletada e encharcada de óleo de sésamo. Guru
Rinpoche foi atado no centro e a pira foi acesa. O rei tinha ordenado que ninguém
tivesse permissão para entrar na área durante uma semana com exceção daqueles que
estariam alimentando a fogueira.
Então, enquanto Guru Rinpoche estava no meio das chamas, o fogo se
transformava em água, que logo formou um lago cercado no seu perímetro externo por
um fosso que ostentava um halo formado pelas chamas que corriam de cima para baixo.
No centro desse belo lago havia uma maravilhosa flor de lótus e sobre ela, Guru
Padmasambhava estava sentado numa postura real confortável, mais glorioso do que
nunca. Os guardas que estavam vigiando não podiam acreditar no que estava
acontecendo, mas tentaram descrever numa mensagem ao rei. O rei também não
acreditou e pediu confirmação. Os guardas sustentaram sua história, e então ele decidiu
ir ver pessoalmente.
O Rei Arsadhara aproximou-se cautelosamente do lago miraculoso.
Primeiramente, pensou que era apenas uma ilusão mágica, e andou em volta do fosso,
tentando detectar se era real ou não. Piscou e olhou atentamente, esfregou e depois
arregalou os olhos como se houvesse algo errado com sua visão, mas cada vez que
tornava a olhar, via a mesma cena incrível com Guru Padmasambhava sentado
gloriosamente no centro de uma belíssima flor de lótus, parecendo mais confiante do
que nunca. Enquanto o rei estava ocupado fazendo sua investigação, Guru
Padmasambhava bradou, “Bem-vindo, oh ignorante rei. Você tem uma mente tão
pequena! Seus julgamentos são insanos! Nada pode fazer comigo. Tendo realizado a
grande equanimidade, minha natureza é como a do céu que não pode ser queimado nem
destruído. Oh ser iludido e obscurecido, como pôde se tornar um rei?”
Ao ouvir isso o Rei imediatamente se sentiu lamentavelmente mal com o que
havia feito. Atirou-se ao chão e começou a fazer prostrações dizendo, “Mestre, por
favor, me perdoe, lamento todas as minhas ações ignorantes. Ofereço meu reino. Rogo
que venha para meu palácio.”
Guru Padmasambhava respondeu, “Não preciso de um reino nem de um
palácio.” Então o Rei pediu ensinamentos e aí Guru Padmasambhava aceitou seu
convite.
O rei queria uma escolta em estilo real, como se estivesse dando boas vindas a
outro grande monarca. Enviou os ministros de volta ao palácio para que trouxessem
vestimentas reais e presenteou Guru Padmasambhava com vestes cerimoniais. Em lugar
dos cavalos, o próprio Rei Arsadhara puxou o carro onde ia o Guru até entrar em Zahor.

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Historicamente o famoso chapéu de cinco lados de Guru Padmasambhava foi
um presente do Rei de Zahor. Era o chapéu da coroação do próprio Rei e foi oferecido
ao Guru como símbolo de respeito. Não sei se ele estava usando-o quando chegou ao
Tibete ou se apenas era um de seus favoritos, porém esse chapéu de cinco lados tornou-
se um símbolo auspicioso.
Mandarava e suas 500 acompanhantes foram libertadas da prisão e Guru
Padmasambhava ficou em Zahor por um longo tempo dando ensinamentos Vajrayana,
focalizando especificamente as instruções combinadas de todos os tantras internos.
Como resultado, foi dito que 100.000 pessoas, tanto homens como mulheres, atingiram
o estado de vidyadhara. Isto é considerado uma grande realização no caminho
Vajrayana e Arsadhara, o rei de Zahor estava entre esses afortunados.
O lago onde tentaram queimar Guru Padmasambhava não fica longe de
Dharamsala. Até hoje permanece sendo um local muito popular de peregrinação. Talvez
alguns de vocês já tenham estado lá ou talvez ainda vão no futuro. É um dos mais
importantes pontos de peregrinação budista na Índia.
Nas cercanias da região do Himalaia há uma área chamada Kashmir que fazia
parte do Tibete antigamente. Agora faz parte da Índia, mas a cultura de Kashmir é
muito parecida com a do Tibete. As roupas usadas por eles são similares às dos
tibetanos e também praticam o Dharma. Eles dizem que quando Guru Padmasambhava
emergiu do lago cercado de fogo, o povo de Kashmir foi o primeiro a lhe oferecer chá.
Por isso eles têm uma conexão muito especial com Guru Rinpoche.
Muitas meninas e grupos de senhoras de vez em quando vêm ao lago, dão as
mãos e sentadas na praia do lago, cantam durante muitas horas. Flutuando no meio do
lago há uma pequena ilha chamada “Haste do Lótus”. Ela consiste num emaranhado de
raízes, alguma terra e um pouco de mato. Dizem que quando as mulheres vêm cantar,
essa ilha se move, confirmando sua especial conexão com Guru Rinpoche. Nós mesmos
tivemos a oportunidade de testemunhar isso. Elas começaram a cantar e a ilha começou
a se mover. Era realmente uma coisa muito boa. Não é uma ilha grande, porém quando
as mulheres cantavam, o vento soprava levando-a em direção a elas. Às vezes essas
mulheres até lançam anéis de ouro e jóias para a ilha e quando elas vão embora, a ilha
volta para o centro do lago. Isso atualmente acontece em Tso-pema. Vimos com nossos
próprios olhos algumas vezes.
Depois disso, Guru Padmasambhava foi para a Caverna de Martika que é
conhecida como a Caverna da Imortalidade. Ali fez práticas do Buddha Amitayus, com
Mandarava durante três meses. Ao fim desse período, Buddha Amitayus apareceu e
iniciou-os na não-morte. Guru Rinpoche e Mandarava realizaram a imortalidade.
Haviam derrotado Mara, o demônio da morte. Como já dissemos, Guru
Padmasambhava é um ser totalmente iluminado, mesmo antes de aparecer neste ou em
qualquer outro mundo. É uma emanação direta do Buddha Amitabha, é uma
reencarnação do Buddha Shakyamuni. Isso significa que ele está livre de
obscurecimentos mentais e emocionais e sempre transcende a morte e mortalidade. Mas
no nível relativo, alcançou essa realização na Caverna de Martika.

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Guru Padmasambhava é o Buddha sempre presente. Sua influência permanece
conosco. Sua inspiração, suas bençãos e sua presença permeiam a história tibetana. Ele
simplesmente não apareceu no século oito e depois sumiu. A cada século, os grandes
mestres de todas as quatro escolas do Budismo Tibetano têm sido guiados por Guru
Rinpoche direta ou indiretamente. Sua presença está sempre conosco, por isso se tornou
conhecido como o que sempre vive ou o Buddha presente. Esta é outra forma de
compreender a verdade da imortalidade do Guru Rinpoche.
Em termos históricos, Guru Padmasambhava nasceu oito anos após o
mahaparanirvana do Buddha Shakyamuni. Então quando ele veio para o Tibet no século
8, ainda era jovem. Como já dissemos antes, nós não podemos compreender as
atividades iluminadas dentro dos limites de nossas concepções comuns. Não podemos
penetrar nessas histórias devido ao fato de nosso conhecimento ser muito restrito e não
conseguirmos aceitar o que nossas mentes percebem como contraditório. Por exemplo,
há ensinamentos que dizem que Guru Padmasambhava chegou ao Tibet quando tinha
3.000 anos de idade. Na Índia antiga empregavam um sistema que contava a lua cheia
como um mês e a lua nova como outro mês. Dessa forma um ano se tornava dois.
Porém isso significa que ele tinha ainda pelo menos 1.500 anos quando chegou ao
Tibet. É muito difícil encaixar essa afirmação com o conhecimento que possuímos.
Ocasionalmente você vai ver na televisão pessoas com mais de cem anos e
invariavelmente eles parecem muito velhos. Geralmente os movimentos são muito
difíceis para eles. A maioria de nós ficaria muito surpresa se um velho de 100 anos
pudesse sair pela porta de sua casa, imagine um velho de 1.500 anos cruzando o
Himalaya !
Quando Guru Padmasambhava se tornou imortal transformou completamente
todos os elementos densos em formas sutis de sabedoria. Esses elementos de sabedoria
estão livres de decadência, declínio e mudança. A liberação dessas noções lhe deu a
flexibilidade e a abertura que o tornaram capaz de desempenhar muitas atividades
incompreensíveis. Isso também se aplica à dakini de sabedoria Mandarava. Ela também
é um ser totalmente iluminado e imortal que apareceu sempre e muitas vezes em várias
diferentes formas. Mandarava foi unicamente a primeira dessas encarnações. A segunda
é conhecida entre os Gelupas, Sakyas e Kagyus como a Rainha da Realização. Em outra
encarnação ela é um famoso Buddha de longa vida emanando da família Padma. Por
volta do século 10 viveu uma grande yoguini chamada Machig Lapdron que também foi
outra emanação da dakini de sabedoria Mandarava.
É importante compreender que todas as atividades do Guru Rinpoche se
dirigem para superar a rigidez dos conceitos e convenções dualistas. Ele está além dos
limites das visões e tradições mundanas. Num certo sentido, essas formas condicionais
são muito importantes e especiais, por outro lado são apenas sistemas conceituais
desenvolvidos para resolver certos problemas, nenhum deles se aplica à realização da
Natureza Verdadeira. Nossa visão das coisas é uma criação ou produto de nossa
conceitualização. As atividades de Guru Padmasambhava transcendem essas definições
e indicam que para atingir a iluminação temos que ir além das abordagens mundanas.

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Guru Rinpoche apareceu no mundo assumindo aparência de reis, rainhas,
ministros, camponeses, crianças e até mesmo animais. E continua a aparecer de
inúmeras formas diferentes com a finalidade de ajudar os seres a botar abaixo as
muralhas das concepções dualísticas que restringem a compreensão, e assim poder
liberá-los na vastidão da equanimidade. Este é o foco da atividade de Guru Rinpoche.
Como corporificação do bodhicitta máximo usa muitas diferentes formas de
comunicação.
Bodhicitta está disponível o tempo todo para todos os seres sencientes, pelo
dia afora, a cada ano, por todas as nossas vidas e para sempre no futuro. É algo muito
especial para cada um de nós. Desenvolvendo bodhicitta não temos que fazer nenhum
esforço particular para remover qualidades negativas, tais como raiva ou ciúmes. A
geração de bodhicitta remove naturalmente estes obstáculos, da mesma forma que a
escuridão desaparece naturalmente no momento que o sol se levanta a leste do céu. A
compaixão é uma das primeiras raízes da prática espiritual. Toda a disciplina espiritual
deve estar baseada sobre a compaixão e por essa razão Guru Padmasambhava ensinou
que se você não tiver compaixão, a raiz da sua espiritualidade vai apodrecer. Pode até
mesmo começar a cheirar mal.
Todos precisam de amor e compaixão o tempo todo. Não há pessoa alguma
que vá recusar os benefícios do amor e da compaixão. Essas qualidades são muito bem
simbolizadas pela flor do lótus ou padma sempre fresca e bela. Todos podem apreciar
sua beleza. Sambhava significa essência ou identidade. Isso quer dizer que a essência de
todas as bençãos e benefícios para os seres do samsara é bodhicitta. Esta é a essência de
da verdadeira prática espiritual e devemos desenvolve-la continuamente em nós
mesmos.
Fazer as práticas de Guru Padmasambhava vai ajudar a cultivarmos bodhicitta
e a transformar a negatividade. Portanto comece a meditar com atitude bodhicitta e
então visualize uma pequena esfera de luz branca que tem um brilho avermelhado. Isto
se transforma no corpo de sabedoria transcendental do Guru Padmasambhava com uma
face, dois braços e duas pernas. Sua pele é bem clara e sua aparência é muito pacífica.
Ele usa um chapéu vermelho de monge. Às vezes eu uso o mesmo tipo de chapéu
quando estou dando poderes. È um chapéu alto e pontudo. Ele se senta sobre um lótus
encimado por discos do sol e da lua. Sua mão direita faz o mudra de proteção, enquanto
a esquerda segura uma taça de crânio cheia de amrita ou néctar de longa vida. Durante
a prática imagine que a benção de sabedoria desse néctar flui para você e para todos os
seres sencientes, purificando emoções negativas, obscurecimentos mentais, doenças,
obstáculos externos e assim por diante. Faça isto até sentir que tudo foi completamente
transformado na pureza da esfera original da Sabedoria Primordial.
Você pode fazer essa meditação a qualquer momento, mas ela é
particularmente efetiva quando sua mente estiver perturbada, cansada e
demasiadamente cheia de conceitos, sobrecarregada de pensamentos estressantes e
atitudes pesadas. É claro que pode fazer também outras práticas em tais momentos,
porém quando você necessita transformar ou regenerar sua energia, é especialmente
benéfico meditar no Guru Padmasambhava. Ele vai revitalizar sua energia vital e ajudar

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a equilibrar os elementos essenciais do corpo. Sinta profundamente sua presença de
amor e compaixão e faça surgir bodhicitta. Quando estiver excelente na prática de
bodhicitta, estará preenchendo seu corpo inteiro, seu coração e todos os seus sistemas
de canais e ventos com a energia do amor, compaixão e sabedoria. Isto vai trazer um
estado relaxado de calma e paz e ajuda a criar uma boa atmosfera para outros seres
sencientes, harmonizando os ambientes internos e externos.
Enquanto visualiza claramente Guru Padmasambhava, comece a recitar o
Vajra Guru Mantra. Abra seu coração e mente até que se sinta cheio de amor,
compaixão e sabedoria e cante neste estado durante todo o tempo que for possível.
Quando terminar, dissolva a visualização de volta à esfera de luz branca com o halo de
brilho avermelhado e traga ela para o centro do seu coração. Medite um pouco mais
nessa disposição não-dual e então dedique o mérito dessa prática a todos os seres
sencientes.
Completamos quatro emanações, portanto teremos ainda mais quatro pela
frente.

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GURU SHAKYA SENGÉ

O LEÃO DOS SHAKYAS

A quinta emanação é Guru Shakya Sengé, a forma do Guru Rinpoche


demonstrar os meios para atingir a iluminação no período de uma única vida, através da
disciplina e do desapego. Trata-se de uma abordagem muito simples e gentil, a maneira
gradual de atingir a iluminação. Shakya Sengé veste trajes de monge e corporifica o
princípio de realização através do caminho monástico.
Após o mahaparanirvana do Buddha Shakyamuni houve sete gerações de
regentes, o primeiro foi Mahakashyapa e o segundo foi Ananda. O terceiro e o quarto
regentes da linhagem, Sanavasika (T. Nimakungwa) e Upagupta, eram originalmente
alunos de Ananda. Junto com ambos, Guru Shakya Sengé foi ordenado pelo Venerável
Ananda numa pequena ilha do Rio Ganges. Existe uma tradição que continua até os dias
de hoje no Sri Lanka, de proceder às ordenações em tais ilhas. Algumas escolas chegam
mesmo a não dar ordenações em terra firme. Vão para um rio, um lago ou para o oceano
e fazem a ordenação dentro de um barco. É dito que quando Guru Shakya Sengé foi
ordenado a deusa da terra lhe ofereceu as vestes de monge e uma tigela de esmolar na
presença dos Buddhas das dez direções.
Depois de sua ordenação, Shakya Sengé praticou de acordo com o sistema
tradicional que envolve estudo, contemplação e meditação. Ele estudou com Ananda
por mais de 20 anos, primeiramente focalizando no Tripitaka, ou os Três Cestos de
ensinamentos: vinaya, sutra e abhidharma. Guru Shakya Sengé teve tanta maestria do
Tripitaka quanto dos tantras internos e externos e atingiu a iluminação.
Após os estudos com Ananda, Guru Shakya Sengé ficou muitos anos em
Bodhgaya onde praticou e ensinou o vinaya, os sutras e abhidharma, servindo àqueles
que eram particularmente adequados para esse tipo de ensinamento. Foi então para
Rajagriha ou Pico dos Abutres, um dos locais mais famosos do mundo para o budismo.
Ali, meditou no Sutra Prajnaparamita. O Buddha havia falado que o Pico dos Abutres
tem um poder especial de pacificar a mente assim como também para revelar a
Natureza Primordial. Shakya Sengé foi meditar e contemplar Prajnaparamita em todos
os lugares onde o Buddha havia dado esses ensinamentos.
No Nepal Guru Shakya Sengé dedicou-se ao Vajrayana e sobretudo às práticas
de Vajrakilaya que é um dos oito ensinamentos heruka. Estas são transmissões muito
secretas, as mais profundas sadhanas tântricas. Praticou e meditou Yangdag Heruka e
Vajrakilaya durante cerca de três anos. Através dessa combinação atingiu o mais alto
nível de Heruka que é conhecido como Mahamudra. Mahamudra é a compreensão da

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vacuidade na qual o universo inteiro é visto como um abençoado vazio a partir do qual
tudo se manifesta. De acordo com narrativas históricas Guru Rinpoche alcançou essa
realização no Nepal durante a época da emanação como Guru Shakya Sengé.
Vajrakilaya é uma deidade muito importante nos tantras internos. Representa o
poder e as atividades de todos os Buddhas dos três tempos e das dez direções. Portanto
atingindo a mesma realização de Vajrakilaya, Guru Rinpoche ganhou a habilidade de
dominar as forças negativas de todas as partes do mundo inteiro. Ele usou essa
habilidade para curar uma erupção das forças escuras da terra e do céu que estava
acontecendo no Nepal. Isto esta entre outras ações de Guru Shakya Sengé, apesar de
que ele é associado principalmente à disciplina e à gentileza.
A despeito de sua elevada realização, Guru Shakya Sengé utilizava habilmente
os meios mais simples e formas comuns. Ele representa o autêntico desenvolvimento
espiritual proveniente do nível mais primário. Não está passivamente absorvido em
estados elevados e sim trabalhando a partir das necessidades do povo. Apesar de
completamente realizado Guru Shakya Sengé fazia uso apropriado das convenções
mundanas. Seu ensinamento essencial é nos tornar bem conscientes da lei de causação
cármica e sermos capazes de aplicar esse conhecimento na prática.
As atividades de Guru Shakya Sengé tiveram uma profunda influência no Rei
Ashoka, o mais famoso e poderoso monarca de toda a história da Índia. Houve a
seguinte previsão do Buddha Shakyamuni sobre Ashoka: um dia o Buddha estava indo
para a cidade a fim de pedir doações para o almoço. No caminho, ele passou por uma
praia onde um grupo de crianças estava brincando. Estavam construindo castelos de
areia completos com estruturas para a corte do rei e para a casa do tesouro. As crianças
haviam assumido até mesmo papeis de rei, rainha e dos ministros. Quando Buddha e
seus discípulos se aproximavam, um menino que estava atuando como rei viu-os
chegando e ficou muito feliz. Pegou um punhado de areia e cascalho que simbolizavam
o tesouro real e correu em direção ao Buddha. Quando Ananda viu que a criança ia
colocar areia na tigela de Buddha estava disposto a mandar o menino ir embora, porém
o Buddha disse: “Deixe-me aceitar esta oferenda. É muito especial.” Abaixou sua tigela
mas a criança não conseguiu alcançá-la. Então o menino chamou um dos seus pequenos
ministros e pediu que ele se abaixasse e ficasse de quatro. Subiu então nas suas costas
para poder colocar a oferenda na tigela do Buddha.
Ananda e os outros estudantes viram tudo isso e ficaram muito surpresos.
Então perguntaram, “Quem é esta criança?” E Buddha replicou,” Este menino é
incomum. Pelas suas aspirações e por esta conexão comigo aqui hoje, vai ser um grande
rei cerca de duzentos e cinqüenta anos depois do meu mahaparanirvana. Vai ajudar a
expandir o Dharma e apoiar a sangha. Vai criar tantos monumentos ao Buddha quantos
grãos de areia que tem em sua mão. É uma criança muito especial e seus companheiros
que o ajudaram hoje vão continuar a apoiar suas atividades no futuro.” Então o Buddha
fez uma prece de dedicação especial e prosseguiu em seu caminho para a cidade. Essa
foi sua profecia sobre o Rei Ashoka.
Como foi previsto, Ashoka apareceu cerca de duzentos após o
mahaparanirvana de Buddha, Ele era filho de um monarca muito famoso, no entanto

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não era considerado um príncipe pois não havia nascido em palácio. O Rei havia estado
com outra mulher fora do palácio e Ashoka era seu filho. Todos sabiam disso. A
maioria dos meio-irmãos de Ashoka vivia no palácio e quando o rei morreu, todos os
irmãos começaram a lutar pelo trono. A única coisa sobre a qual eles concordavam era
que Ashoka não deveria ser rei. Contudo Ashoka queria ser rei, e de qualquer forma,
tinha que se defender da raiva e do ciúme de seus meio-irmãos. A situação culminou
numa terrível luta que envolveu muitos dos filhos mas, finalmente Ashoka saiu
vitorioso. Ele havia matado todos os outros para tornar-se rei. Logo mudou o palácio do
seu local original para Pataliputra. Hoje em dia esse lugar é conhecido como Patna.
Tendo restabelecido a capital em Pataliputra, Ashoka, um lutador muito poderoso e
vigoroso, começou a conquistar outros reinos e tornou-se soberano de quase toda a
Índia central.
Ashoka prosseguiu em conquistas militares por anos a fio e matou muita
gente. Era um rei muito violento e cruel. Há alguns relatos que afirmam que ele não
almoçava sem antes haver matado alguém. Nesses tempos havia uma escola centrada
numa deidade feminina muito irada e Ashoka era um seguidor dessa seita. Seu mestre
disse-lhe que se executasse 10.100 seres humanos e os oferecesse à deusa, seu poder
iria aumentar, porém como isso era um ritual não poderia ser feito através das formas
militares de guerra. Então Ashoka mandou construir uma casa cerimonial bem no
cruzamento central de Pataliputra. Essa casa possuía quatro portas, uma em cada uma
das quatro direções e quem por desventura lá entrasse seria imediatamente executado de
acordo com as ordens do rei.
De acordo com a afirmação do Buddha, Ashoka tinha um bom e forte
fundamento para o Dharma mas, no momento suas grandes motivações estavam
obscurecidas. Com a finalidade de dissolver esses obscurecimentos, Guru Rinpoche
surgiu na forma de um simples monge e adentrou na casa de sacrifícios. O executor
mandou que se apresentasse e puxou sua espada.
O monge perguntou, “Por que vai me matar?”
O verdugo respondeu, “Porque são ordens do rei. Faz parte de uma cerimônia
especial.”
Então o monge disse, “Deixe-me ficar aqui por uma semana e depois disso
pode me matar.” O matador concordou e imediatamente o monge começou a contar-lhe
sobre os seis reinos da existência descrevendo cada um detalhadamente. No final
apontou que se já tivesse sido morto o matador jamais teria ouvido esse ensinamento
profundo. O monge meditou um pouco e então deu ensinamentos mais extensos sobre o
reino dos infernos. Falou para o executor sobre o carma de quem mata e fere seres
sencientes dizendo que isso conduziria ao nascimento em vários reinos infernais e
explicou como certos pensamentos e ações negativos se relacionam a formas específicas
de sofrimento.
Então, como era de se esperar, o verdugo pensou, “Até agora eu sabia somente
uma maneira de matar, mas este monge me ensinou muitas outras mais. Quando acabar
esta semana vou fervê-lo num grande pote e depois vou assá-lo!”

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No final da semana o executor havia preparado tudo conforme queria fazer.
Jogou o monge vivo dentro de um enorme caldeirão de sopa fervendo. Depois o puxou
para fora e assou-o por algum tempo. No entanto, no meio do fogo, viu Guru Shakya
Sengé sentado sobre um lótus de pernas cruzadas. Achando isso bastante extraordinário,
foi informar ao rei. Ashoka teve que ir pessoalmente ver o que estava acontecendo.
Quando Ashoka entrava na sala, o executor de repente se lembrou da sua
missão de matar quem quer que fosse que cruzasse pela porta e então puxou a espada e
o rei, que nunca andava sem uma arma, puxou a sua própria e perguntou, “Por que está
tentando me matar?”
“Foram estas as suas ordens,” respondeu o executor.
E o rei disse, “Não me lembro de lhe ter dado ordem alguma para me matar!”
O matador recordou-lhe, “Me foi ordenado que matasse as primeiras dez mil
pessoas que entrassem nesta sala. E ainda não completei esse número. Portanto estou
lhe matando cumprindo as ordens recebidas.”
Então Ashoka falou, “Bem, se assim é, você entrou aqui primeiro e talvez eu
deva matá-lo!”
Nesse momento, o monge, sem esforço algum levitava no céu. Após
desempenhar as quatro atividades de sentar, levantar, deitar e andar no espaço, começou
a dar ensinamentos. E ainda estavam discutindo enquanto o monge operava essas
milagrosas atividades no céu sobre eles.
Logo Guru Shakya Sengé começou a falar sobre como era mau o carma de
quem tira a vida de outros seres sencientes. “São ações terríveis. Isso não é o Dharma,
que é o caminho positivo. Parem com essa violência. Já que o rei não está querendo
doar sua própria vida nesta cerimônia, como podem tirar a vida de outros? Vocês já
sabem sobre os males de matar, portanto não devem mais tirar a vida de outros.”
O monge preveniu, “Tirando vantagem de seu poder e usando para finalidades
egoístas, vão acabar sofrendo muito mais do que suas vítimas.”
Após ouvir isso, ambos o rei e o executor deixaram cair suas espadas e se
tornaram abençoadamente conscientes do Guru que continuou dando ensinamentos. O
próprio Ashoka destruiu a casa dos sacrifícios e tomou refúgio nas Três Jóias.
Dados históricos relatam que depois deste episódio Ashoka fez um voto de
nunca mais tocar numa espada com pensamentos violentos ou negativos. É dito que ele
se tornou o mais gentil e pacífico rei de todos os tempos. Mesmo sem fazer guerra, a
bondade amorosa e a atitude compassiva de Ashoka assegurou que seus domínios
aumentassem e se tornassem ainda mais prósperos a tal ponto que seu reinado cobria
uma enorme parte do sul da Ásia. Estendia-se desde o Afganistão no oeste até Burma e
Cambodja no leste e no sul até Sri Lanka. Ashoka visitou os locais de peregrinação do
Buddha e erigiu muitos pilares de pedra, stelas de inscrições, monumentos em forma de
pirâmides e um milhão de stupas contendo relíquias de Buddha por todas essas terras.
No Nepal há quatro ou cinco stupas perto de Katmandu que foram construídas por ele e
há muitas outras por toda a Índia.
Previamente ele foi conhecido como Ashoka, o Cruel, porem desde que se
tornou um seguidor do Dharma seu nome mudou para Dharmashoka. Ele é um dos

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grandes exemplos de um monarca religioso na história do mundo. Assumindo a
aparência de um simples monge, Guru Padmasambhava ajudou a trazer Ashoka para o
Dharma.
Esta é a versão externa da história das atividades do Guru Shakya Sengé em
Pataliputra. O significado interno é que bodhicitta é o estado absoluto do Guru. Este
pensamento supremamente benéfico surgindo a partir da expansão do amor infinito e da
imensurável compaixão é sempre co-emergente com a sabedoria. A sabedoria
amadurece a expressão do amor e da compaixão de tal modo que se tornam puros e
verdadeiros. Essas qualidades não existem externamente, caso queira adquiri-las em
qualquer parte fora de si mesmo. São naturalmente inerentes a você. Amor e compaixão
já estão dentro de você para serem compartilhadas. Olhe dentro de sua mente e descubra
o maravilhoso conjunto de atributos originais. A bondade amorosa e a compaixão são
supremas entre essas qualidade primordiais.
A preciosa bodhicitta está se irradiando o tempo todo, guiando-nos através de
nossas dificuldades mesmo quando estamos com pouca consciência dela. Amor e
compaixão nos inspiram para nos comunicarmos uns com os outros e para fazermos
amigos. Completamente baseados numa sabedoria primordial e inseparáveis da natureza
da lucidez. Portanto, quando principiamos a desenvolver ativamente bodhicitta, as
emoções negativas tais como raiva, ódio, inveja, e pensamentos violentos, se dissolvem
naturalmente e desaparecem. Quando começamos a cultivar bondade amorosa e
compaixão, o apego ao ego e as obstruções desaparecem naturalmente. Ao mesmo
tempo sentimos uma grande alegria, paz e felicidade que podem ser compartilhadas e
apreciadas por nossos amigos e os outros em geral. Devemos ficar cada vez mais fortes
na prática da amizade e da compaixão por todos os seres.
A modo absoluto de entender Guru Shakya Sengé é como desapego e
simplicidade; encontrar satisfação,alegria e felicidade seguindo o caminho do meio
entre o ascetismo e o luxo. Este princípio é bem representado no modo sereno e na
disciplina transcendente expressada nas representações artísticas do Guru Shakya
Sengé.
O Sambhoga Guru Shakya Sengé retratado em thangkas parece muito com o
Buddha Shakyamuni com vestes de monge, uma face, dois braços, duas pernas e com
um nó amarrado ou unishaka no topo de sua cabeça sobre o chacra coronário. Em
tibetano isso é chamado tsupa que é nada mais que uma concentração azul escura da luz
da sabedoria. Sua pele é dourada e seus trajes são vermelhos. Ele segura uma tigela na
palma de sua mão esquerda enquanto está sentado num lótus com discos de sol e lua.
Enquanto o Buddha Shakyamuni estende sua mão direita para baixo no mudra de tocar
a terra, Guru Shakya Sengé segura um vajra de cinco pontas. Como todas as outras
emanações seu corpo é luminoso e transparente, completamente da natureza de um
corpo de arco-íris de sabedoria.
Como em todas as meditações anteriores comece com o pensamento supremo
de beneficiar a todos. Visualize uma pequena esfera de luz dourada que se transforma
no Guru Shakya Sengé. Recite o mantra do Vajra Guru pelo tempo que queira até
absorver a essência dourada da sabedoria para dentro do seu coração. Permaneça em

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meditação não-dual por alguns momentos e então dedique o mérito para todos os seres
sencientes.
Entre as seis paramitas, Guru Shakya Sengé está associado com Sila (paramita
da moralidade ou bondade sem ego). Fazendo-nos mais calmos e pacíficos, a prática do
Guru Shakya Sengé vai naturalmente desenvolver força moral, disciplina e conduta
perfeita, o que vai nos conduzir a concentração e contemplação mais profundas. O
caminho do meio entre o ascetismo e a indulgência nos leva à grande equanimidade e à
profunda realização da Natureza Verdadeira. Este é o princípio mais importante
corporificado na emanação de Guru Shakya Sengé.

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GURU SENGÉ DRADOK

O RUGIDO DO LEÃO

A Sexta emanação de Padmasambhava é Guru Sengé Dradok. Sengé Dradok é


a primeira das duas emanações iradas de Guru Rinpoche, a outra é Dorge Drollo. As
deidades iradas são particularmente úteis em se contrapor a influências negativas de
magia negra, maldições e outros distúrbios, tais como pessoas que lançam pragas sem
um bom motivo. Guru Sengé Dradok é muito eficiente em subjugar ou pacificar esse
tipo de obstáculos.
Sengé Dradok emanou na Índia. Orissa, que não fica longe de Calcutá, é o
sítio de uma famosa pedra lingam e yoni que simboliza Shiva em união com sua
consorte. Nesse lugar, todos os dias, pessoas faziam matanças e queimavam animais em
sacrifícios cerimoniais. Sengé Dradok foi até lá e apontou o dedo em direção à pedra até
ela se quebrar e estourar. As pessoas tomaram isso como um sinal e pararam de
sacrificar animais naquela área.
Outra história relacionada a Guru Sengé Dradok aconteceu em Nalanda, ao
norte de Bodhgaya, onde havia o maior monastério da história do Budismo e que
também foi a maior universidade do mundo. Uma parte das práticas de contemplação
em Nalanda eram debates entre os praticantes com a finalidade de refinar sua
compreensão do Dharma. Todos os dias havia vivas trocas expressando os pontos de
vista de várias escolas do Budismo bem como argumentos em apoio dos princípios de
algumas tradições não-budistas. Esses debates ainda acontecem até hoje em alguns dos
monastérios maiores.
Antigamente, era esperado que o perdedor do duelo se convertesse ao ponto
de vista do vencedor. Aconteceu que um grande grupo de 500 estudantes avançados não
budistas viesse a Nalanda. A maioria deles era de magos negros, então eles organizaram
uma competição dividida em duas etapas, o debate normal, seguido de um concurso de
mágicas. Nalanda estava cheio de estudantes e era fácil encontrar 500 estudantes
debatedores qualificados, entretanto nenhum deles era treinado em magia. Eles sabiam
que isto lhes custaria perder o debate e forçá-los a se converterem, portanto marcaram
uma reunião para decidirem o que fazer.
De repente surgiu uma mulher negra no céu e disse “Não se preocupem. Meu
irmão pode ajudá-los.”
“Quem é seu irmão?” perguntaram.
“Seu nome é Padmavajra,” replicou ela.

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“Onde ele está?” perguntaram.
“Agora está vivendo na escuridão do Assustador Campo de Mortos. Vocês
precisam chamá-lo para que ele venha.”
E eles disseram, “Não sabemos como devemos convidá-lo.”
Então a mulher negra ensinou a eles o código secreto: a Prece das Sete Linhas.
Ela contou-lhes que Padmasambhava apareceria se pedissem dessa maneira. Na medida
em que cantavam a prece, Guru Rinpoche imediatamente apareceu por cima dos
telhados de Nalanda e concordou em ajudá-los.
Quando chegou o dia do debate, os budistas venceram facilmente a primeira
parte da competição. A escola não-budista então os ameaçou dizendo que depois de
uma semana apareceriam muitos sinais. Então, Guru Rinpoche praticou Singhamukha, a
dakini Face de Leão, e imediatamente ela lhe deu os ensinamentos apropriados para
efetivar o estágio completo. Quando havia se passado uma semana, veio uma
quantidade de presságios assustadores, tais como ventos violentos e trovões. Guru
Rinpoche se transformou no irado Sengé Dradok e com a liberdade e o poder do rugido
do leão fez o mudra de subjugação e jogou de volta a trovoada para eles. Estes haviam
também conjurado outras formas menores de magias perturbadoras, como entidades
ameaçadoras pairando nos céus e outras coisas terríveis. Guru Sengé Dradok apontou o
mudra de subjugação e as sombras escuras caíram imediatamente no chão. Foi assim
que protegeu a Universidade de Nalanda e ajudou para que as atividades meditativas e
contemplativas continuassem a florescer ali. Todas essas extraordinárias ações são
associadas à energia de Guru Sengé Dradok.
A forma de Guru Sengé Dradok é de especial ajuda em subjugar as energias
irracionais da magia negra e também para desmanchar maldições e pesadelos. Se
obstáculos inesperados surgirem de repente, ele tem o poder de neutralizar tanto os
seres visíveis quanto os invisíveis e evitar desastres naturais. Tem o poder de pacificar
todas essas ameaças. É também um buddha muito forte para superar a inveja. Quando a
gente cessa de sentir inveja, nossas atitudes se tornam amorosas e compassivas. Não há
nada obstruindo a livre irradiação de belas qualidades.
Sengé Dradok é uma emanação irada, porém, sua ira é dirigida basicamente
para a destruição do ciúme, da inveja e da cobiça. Não é acompanhada de apego ou
dependência; não há nada a ganhar ou perder. Pelo contrário, essa ira desfaz ativamente
a luxúria e a inveja. Há muitas deidades iradas no Vajrayana, contudo nenhuma delas
possui raiva ou emoções negativas. Essas formas expressam a intensidade do amor
verdadeiro e a ferocidade da compaixão genuína envolvidas em dissolver o apego, a
ignorância e o ódio. Há uma linha no tantra Vajrakilaya que diz: “A ira vajra de
bodhicitta perfura e destrói a raiva.” É muito importante compreender isso. A natureza
irada de Guru Sengé Dradok é totalmente baseada no amor e na compaixão por todos os
seres sencientes.
A maneira absoluta de meditar em Guru Sengé Dradok é transcender a inveja,
o ciúme e a cobiça. Isso vai sobrepujar instantaneamente a magia negra, maldições,
feitiços, pesadelos e obstáculos inesperados.

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A prática de Guru Sengé Dradok começa pelo cultivo de sentimentos de
bondade amorosa e bodhicitta. A seguir visualize uma esfera de luz azul escuro no meio
de uma nuvem que se revolve transformando-se na forma do arco-íris de sabedoria que
é o Guru Sengé Dradok. A cor de sua pele é azul escura e tem uma face, dois braços e
duas pernas. Vestindo uma pele de tigre e cercado pelo fogo da sabedoria, está de pé
sobre um demônio que corporifica a energia de hábitos negativos e a magia negra. Tudo
isso acontece sobre um lótus encimado pelos discos de sol e lua. Uma coroa de cinco
crânios assentada sobre sua cabeça e seus longos cabelos amarelo-avermelhados
levantam-se em direção ao céu. Possui três olhos fulgurantes olhando para cima e
quatro dentes pontiagudos. Sua mão direita estendida para o alto, segura um vajra de
cinco pontas chamejante e sua mão esquerda faz o mudra de subjugação em direção à
terra. Raios relampejantes voam da ponta de seus dedos e às vezes se podem ver rodas
de ferro com oito raios girando no meio das chamas. Imagine ele cantando com voz
possante a sílaba HUM e PHAT ! Como o rugido de um leão, as profundas vibrações de
sua voz sacodem o mundo inteiro.
Visualize Sengé Dradok e recite o mantra Vajra Guru tantas vezes quanto
puder enquanto ele irradia luzes de sabedoria que dissolvem toda a negatividade, magia
negra, maldições, pesadelos ou qualquer coisa no ambiente que lhe pareça estranha e
incomum. Sinta que esses obstáculos são completamente removidos pela sua benção.
Finalmente dissolva Sengé Dradok numa luz azul escura que mergulha no centro do seu
coração. Permaneça em meditação durante o tempo que puder e então dedique o mérito
a todos os seres.

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GURU PADMA JUNGNE

NASCIDO DO LOTUS

A sétima emanação de Guru Rinpoche é chamada Guru Padma Jungné. De


acordo com a biografia de Guru Rinpoche, seis emanações ocorreram fora do Tibet. É
difícil organizar essas histórias num tempo linear, pois as atividades de sabedoria do
Guru Rinpoche não são limitadas pelo tempo e espaço; porém tradicionalmente esta
emanação e também a última que descrevemos anteriormente, acontecem dentro das
fronteiras do Tibet.
Primeiramente gostaria de dar algum background sobre a introdução do
Buddhadharma no Tibet. Originariamente o budismo chegou ao Tibet por volta do fim
do século IV e princípios do século V. As histórias tibetanas relatam que em torno dessa
época foram encontradas no telhado do palácio real de Yum-bu bla-sang localizado em
Yarlung, algumas escrituras Mahayana, uma stupa dourada e um molde de tsa-tsa. Os
moldes de tsa-tsa eram usados para a confecção de pequenas stupas de massa, oito das
quais podiam ser empilhadas para fazer uma maior. Alguns relatos dizem que o
vigésimo oitavo rei ancestral do Tibet, Ha-tho-tho-ri aos sessenta anos, estava
passeando pelo telhado do palácio quando esses objetos caíram do céu. Isto aconteceu
no início do século V e esse palácio é considerado a primeira construção no Tibet.
Antes disso a maioria dos tibetanos vivia em tendas e cavernas. Ainda hoje há um
monumento nesse local, embora as ruínas remanescentes tenham sido quase
completamente destruídas durante a revolução cultural chinesa. Recentemente, eu soube
que foi feita uma restauração no estilo de antigamente.
Outra história afirma que um monge indiano trouxe esses ensinamentos para o
vigésimo oitavo rei ancestral e lhe disse que tudo seria entendido somente depois de
cinco gerações e que enquanto isso as escrituras deveriam ser mantidas a salvo. No
século IV os tibetanos ainda não possuíam linguagem escrita, portanto, nem o rei nem
qualquer outra pessoa podiam entender o significado escrito. Mas Há-tho-tho-ri sabia
que aquilo era algo especial e auspicioso. Então guardou e venerou esse precioso
tesouro e como resultado dessa fé, seu corpo rejuvenesceu e sua vida durou mais outros
sessenta anos. Após um longo e próspero reinado, morreu aos cento e vinte anos sem
saber nada sobre esses objetos. Essa foi a alvorada do Dharma no Tibet.

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Cinco gerações após, no século VI, o trigésimo terceiro rei dinástico era o
renomado Srong-btsam sgan-gam-po, que é considerado emanação de Avalokitesvara,
construiu a cidade de Lhasa que desde então tem sido a capital. Ele enviou também seu
ministro Thon-mi Sambhota e um grupo de jovens tibetanos para estudar Sânscrito na
Índia. Depois de regressarem, criaram uma gramática sistemática e um alfabeto para a
língua tibetana e começaram a traduzir e estudar cerca de vinte e um textos do Dharma
que trouxeram da Índia e de outros países.
Além de suas rainhas tibetanas, Srong-btsam sgan-gam-po era casado com
Wen-ch’eng, uma princesa chinesa da dinastia T’ang e também com Bhrkuti, filha do
Rei Amsuvarman do Nepal. Nessa época o Tibet estava se expandindo e esses
casamentos entre famílias reais ajudavam a consolidar o império. O Buddhadharma
estava bem estabelecido na China e no Nepal, por isso suas esposas estrangeiras eram
budistas devotadas e trouxeram para o Tibet muitos ensinamentos do Buddha e duas
estátuas famosas. Mas fora da corte e de uns poucos seletos tibetanos não havia quase
nenhum praticante.
O trigésimo oitavo rei da dinastia foi Trisrong Deutsen, nascido em torno do
ano de 740. Nesse tempo, os reis tibetanos haviam se tornado poderosos e expandiam
seus domínios através de conquistas militares, a tal ponto que o Tibet era muito maior
do que a área que hoje chamamos de Tibet. Estendia-se da Baia de Bengala até o Nepal,
leste da China, incluindo Sikkim e Bhutão e a noroeste até Khotan. Mês-ag-tshom, pai
de Trisrong Deutsen, morreu quando o príncipe tinha apenas 12 anos de idade. Portanto
o jovem subiu ao trono com a idade de 13 anos e serviu como general militar liderando
os exércitos em várias campanhas. Durante oito anos permaneceu dedicado às guerras e
aos 17 começou a mudar e a olhar um pouco mais profundamente a vida. Ele sabia que
seu pai e seu avô tinham valorizado o Dharma, no entanto agora ele começava a
entender o significado dos ensinamentos. Apesar de continuar a liderar as tropas em
batalhas durante mais quatro anos, começou a ler muitos textos budistas e a felicidade
que sentiu ao fazer isso tornou claro para ele que o Dharma era algo muito especial. Foi
muito inspirado e tocado pelos ensinamentos do Buddha.
Entre seus ministros havia alguns praticantes budistas que ficaram mais do
que felizes em abastecer o rei com textos do Dharma. Historicamente são nomeados três
deles: o Sutra do Diamante, um texto sobre conduta moral e o Sutra do Grão de Arroz.
Buddha originalmente deu seu último ensinamento a um fazendeiro num campo de
arroz. Como rei, Trisrong Deutsen podia apreciar a sabedoria do texto sobre boa
conduta. Ao ler o Sutra do Grão de Arroz ele compreendeu que a boa conduta não era
simplesmente um fim em si mesma, era de maior valor ainda porque resultava em uma
boa contemplação. Quando terminou a leitura do Sutra do Diamante tinha
compreendido que os ensinamentos de Buddha não se referiam meramente à moralidade
e à contemplação, mas sua sabedoria ia muito e muito mais fundo, até o coração das
coisas. Tendo compreendido a profundidade e implicações desses ensinamentos,
decidiu agir de modo significativo no sentido de estabelecer firmemente o Dharma no
Tibet.

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Um grupo de ministros jovens e bem orientados espiritualmente foram
instruídos pelo Rei para que descobrissem quem era o mestre de budismo mais
altamente qualificado que existia no mundo. Três grupos foram enviados a três
diferentes países: China, Índia e uma outra área que agora é o Afganistão. Cada
ministro viajou com três assistentes para cada um desses destinos, portanto ao todo,
doze pessoas embarcaram nessa viagem. Quando retornaram, todos concordavam que o
abade da Universidade de Nalanda, um monge indiano chamado Shantarakshita, era
amplamente considerado o supremo professor dessa época. Então o Rei decidiu
convidar esse grande Khenpo para ir ao Tibet.
O Rei Trisrong Deutsen enviou uma equipe de 12 mensageiros utilizando
redundâncias e outras salvaguardas para assegurar que seu convite fosse aceito. Quando
Shantarakshita o recebeu ficou muito contente e disse, “Por longo tempo esperei por
essa oportunidade. Nada esta me impedindo de ir por isso não adiarei. O tempo chegou
e devo partir imediatamente.”
A viagem entre o Tibet e a Índia era muito mais difícil e perigosa naqueles
tempos do que é agora. Nas terras baixas da Índia é sempre bom tempo e calor,
enquanto que o Tibet está em grandes altitudes e faz muito, muito frio. Embora sabendo
dessas dificuldades, Shantarakshita não hesitou. Fez a viagem até o Tibet e permaneceu
no Palácio Real durante quatro meses. Ao longo desse tempo, o Rei e a Rainha
tomaram votos de refugio juntamente com um pequeno grupo de ministros. Ele deu
ensinamentos sobre as dez virtudes, os doze elos da originação interdependente, e os
dezoito dhatus. Ensinou o que era básico durante esses quatro meses.
Enquanto isso um número de desastres naturais estava ocorrendo. Os tibetanos
estavam sofrendo com tremores de terra, enchentes e eclodiu uma epidemia. Muitas
pessoas culparam a presença de Shantarakshita de provocar esses problemas.
Queixavam-se de que esses ensinamentos eram estrangeiros e culpavam o Rei e a
Rainha por terem convidado essa pessoa estranha para o Palácio Real. Diziam que os
ensinamentos daquele velho monge eram a raiz de todos os atuais infortúnios e que
devia ser mandado, através das montanhas, de volta para o lugar de onde tinha vindo.
No Tibet antigo, como em todos os países, os nativos se consideravam o
melhor povo do mundo enquanto se referiam ao resto das pessoas como fronteiriços
selvagens. Por isso queriam mandar o estrangeiro de volta para fora de suas fronteiras já
que ele é que havia trazido esses terríveis desastres. Fizeram uma forte declaração ao
Rei de que ele deveria se livrar desse convidado estrangeiro.
Trisrong Deutsen tomou conhecimento disso, mas não mudou sua posição.
Corajosamente manteve seu compromisso de trazer o Buddhadharma para o Tibet.
Ficou muito triste de ver tudo isso acontecendo, porém sua decisão nunca se abalou.
Um dia foi até Shantarakshita e começou a chorar. Depois de explicar a natureza de
seus problemas, o Rei disse, “Eu desejo sinceramente trazer o Buddhadharma para meu
país. Como podemos pacificar esta situação?”
Shantarakshita respondeu, “Não se preocupe com isso. Há alguns
desequilíbrios e espíritos negativos no Tibet. Não vão aceitar o Dharma facilmente e é
por isso que estão ocorrendo essas coisas. Para subjugar essas forças negativas você

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deve convidar o renomado professor, Guru Padmasambhava. Ele é o maior mestre que
existe da terra neste momento e vai poder facilmente pacificar todos esses obstáculos.
Então o Rei falou, “Se eu convidá-lo, ele virá?”
Shantarakshita replicou que Guru Padmasambhava viria sem dúvida alguma.
“Você, eu e o Guru Padmasambhava, nós três juntos, temos uma conexão especial, um
compromisso de vidas passadas de trazer Buddhadharma para esta terra onde ele ainda
não existe. É o tempo certo. Se convidá-lo pode estar certo de que ele virá. Enquanto
isso irei para o Nepal. Quando Guru Padmasambhava vier, retornarei e poderemos
trabalhar todos juntos. Iremos promover boas mudanças.”
Então o Rei enviou Shantarakshita de volta para fora das fronteiras do Tibet.
Quando estava pronto para partir, o Rei ofereceu ao abade uma grande tigela de ouro
em pó e Shantarakshita disse, “Não preciso de tudo isto, mas levarei um punhado para
presentear o rei do Nepal,” e devolveu o resto. O Rei Trisrong Deutsen mandou três
assistentes acompanharem Shantarakshita ao Nepal, e ao mesmo tempo despachou
outros doze mensageiros para convidarem Guru Padmasambhava a ir ao Tibet.
Sendo Guru Rinpoche totalmente onisciente, já sabia de toda a situação, então
em vez de ficar na Índia esperando por eles, foi para a fronteira nepalense-tibetana.
Estava lá sentado quando os tibetanos vieram chegando. Não sabiam quem era ele, mas
no momento em que o viram, sentiram-se muito calmos e pacificados. Guru
Padmasambhava perguntou “Onde estão indo?”
“Para a Índia,” responderam. Ainda faltava muito chão para chegar à Índia.
Sua presença era irresistível e gloriosa. Começaram a se sentir muito felizes e
abençoados. Seus corpos começaram a tremer.
“Por que vocês todos estão indo para a Índia?” perguntou ele.
“Fomos enviados pelo Rei do Tibet para convidar o muito famoso mestre
chamado Guru Padmasambhava para vir ao nosso país e dar ensinamentos”.
Então Guru Padmasambhava perguntou, “Então o que vocês têm para oferecer
a ele?”
A despeito da boa sensação que estavam experimentando, esta questão fez
com que ficassem nervosos; quem era esse homem e quais eram suas intenções?
Um deles se aventurou a perguntar, “Bem, você é Guru Padmasambhava?”
Então ele começou a falar dos conteúdos de suas mentes e pensamentos com
tais detalhes que todos entenderam que sem dúvidas ele era a verdadeira pessoa que
buscavam, o Guru. Fizeram grandes prostrações e lhe ofereceram o anel de ouro do rei
juntamente com uma longa carta.
Guru Padmasambhava olhou para o ouro e disse, “Este é o presente? Mas é
tão pequeno! O que é isto, um presente enviado pelo rei do reino dos fantasmas
famintos? Vocês não trouxeram nada mais?”
Eles procuraram entre suas próprias coisas e ofereceram-lhe todos os seus
pertences pessoais. Guru Padmasambhava perguntou novamente, “Não há mais nada
para me oferecerem?”
“Não temos nada mais além deste ouro do rei,” disseram, “porém lhe
oferecemos sinceramente nossos corpos, fala e mentes.”

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Ao ouvir isso, Guru Padmasambhava ficou muito satisfeito e disse, “Isso é
maravilhoso.” Pela devoção mostrada por esses mensageiros ele pode ver que os
tibetanos estavam aptos a praticar o Dharma, e em particular, os ensinamentos
Vajrayana. Essa resposta vinda do fundo do coração comunicava a atitude básica
necessária à prática Vajrayana. Então Guru Padmasambhava inspecionou mais de perto
a primeira oferenda. Era realmente uma grande bolsa de ouro. Olhou para ela durante
um momento e então falou, “Não preciso disso!” e começou a sacudir o pó de ouro
pelos ares, espalhando a maior parte na direção do Tibet.
Os mensageiros pensavam, “Ele não devia estar fazendo isto. Isto é ouro
precioso.” Imediatamente Guru Rinpoche leu suas mentes preocupadas e falou que
estendessem suas chubas, pela faixa que é parte dessa veste. Logo que assim o fizeram,
ele começou a atirar punhados de terra no colo deles que instantaneamente se
transformava em ouro.
“Não se preocupem com o ouro,” disse. “Guardem agora o que possuem e
levem tudo de volta com vocês. Irei ao Tibet, porém viajarei devagar e subjugando as
forças negativas que estão no caminho. Não podemos viajar juntos. Vocês precisam ir
na frente. Digam ao vosso Rei que estou indo.”
Então os mensageiros retornaram ao Tibet e contaram ao Rei Trisrong
Deutsen tudo que havia acontecido durante sua jornada. O Rei se regozijou com a maior
parte do relato, entretanto uma dúvida atravessou sua mente. Ele não sabia se Guru
Padmasambhava viria realmente.
A dois dias de distância a pé há um local chamado parque de lazer Todlung.
Na cabeça daquele vale está o lugar onde o Monastério do Karmapa foi construído.
Nesse local eles prepararam uma grande recepção de boas-vindas ao grande mestre. O
Rei enviou 500 cavaleiros junto com seus embaixadores Lha-Sang e Lupe Gyalpo para
dar boas-vindas a Guru Padmasambhava. Lha-Sang era o primeiro ministro e braço
direito do Rei. Guru Padma Jungné chegou a pé segurando um cajado.
Tenho certeza de que todos sabem que os tibetanos gostam de beber chá.
Como é o costume estavam se preparando para fazer chá para a recepção, e de repente
descobriram que não havia água alguma ali por perto. Guru Rinpoche vinha chegando
nesse momento e viu o que estava acontecendo. Bateu seu cajado no chão e
instantaneamente a água começou a fluir naquele ponto. Essa fonte existe ainda e
tornou-se um popular local de peregrinação. Até hoje as pessoas ali vão para beber
daquela água ou para se banhar.
No caminho para o castelo que Trisrong Deutsen havia mandado construir,
perto do local do futuro Monastério Samyé, Guru Padma Jungné andava entre o Rei que
estava cercado de uma grande quantidade de homens tibetanos e do lado oposto as
rainhas cercadas de uma hoste de mulheres tibetanas. Havia músicos e acrobatas
fazendo performances. Era uma recepção bastante elaborada. Quando Padma Jungné se
aproximou do rei, pode constatar que o jovem monarca estava um tanto ou quanto
arrogante e orgulhoso.
Trisrong Deutsen pensava, “O Guru deve me honrar com cumprimentos antes
que eu apresente meus agradecimentos. Afinal, sou um rei poderoso, dirigente de três

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quartos do mundo,” referindo-se ao domínio do Tibet sobre a maior parte da Ásia
naquele tempo. O rei havia sido mimado por Shantarkshita quando o Khenpo chegara
anteriormente. O grande abade se apresentou humildemente e elogiou o rei, que agora
esperava que Guru Padmasambhava fizesse o mesmo.
O rei ficou parado e hesitante, Guru Rinpoche leu sua mente e começou a
cantar. Esta canção é considerada a primeira canção religiosa do Tibet e tem cerca de
dezenove versos com linhas deste tipo, “Sou o grande Guru Padmasambhava, sou o Rei
Padmasambhava, sou o Príncipe Padmasambhava, sou o jovem mais forte, sou a
Princesa Padmasambhava, sou a mais bela jovem, sou o grande astrólogo, sou o médico
mais hábil,” e assim por diante. Após cada título ele dizia mais algumas linhas com
mais elogios a cada um daqueles aspectos de si próprio. Iniciava sua canção dizendo,
“Oh grande rei do Tibet, escute-me agora. Em todos os seis reinos os seres estão
sujeitos à morte. Porém eu sou o único que alcançou o estado imortal livre da morte e
do nascimento. Eu possuo as instruções secretas da imortalidade. Vejo o universo
inteiro como uma construção da mente. Os espíritos negativos e os obstáculos são meu
esporte e meus fiéis assistentes. Tudo é meu. Sou rei do universo e tenho a habilidade
de controlar todos os fenômenos.”
Quando Padma Jungné juntava as palmas das mãos, chamas de sabedoria
saiam dos seus dedos, chamuscando as vestes reais. Trisrong Deutsen e todos os seus
acompanhantes imediatamente foram ao chão e começaram a fazer prostrações. A
interpretação interna deste evento demonstra a necessidade do estabelecimento de
relações apropriadas entre discípulo e mestre. As ações de Guru Padma Jungné definem
claramente a natureza dessa conexão tão vital para a difusão do budismo no Tibet.
Logo o mestre Shantarakshita voltou. Poucos dias depois, Guru Padma Jungné
subiu numa pequena montanha sobre Samyé, cantou uma canção para subjugar energias
negativas associadas tanto aos seres visíveis quanto aos invisíveis, e realizou cerimônias
de consagração da terra e do monastério, ao finalizar levitou e dançou no céu. Essa
dança celestial do Dharma continha o design e a planta do Monastério de Samyé e foi a
primeira dança religiosa do Tibet. É claro que Guru Padma Jungné foi uma pessoa
incomum, portanto diferente das típicas danças de Lama, essa acontece no céu e não no
chão. Esta canção também foi a primeira que Guru Rinpoche cantou para subjugar
forças desruptivas.
Guru Rinpoche e muitos outros seres realizados amam dançar no espaço. A
vasta abertura é um lugar maravilhoso porque todos os elementos estão presentes e tudo
se adapta perfeitamente e sempre há mais espaço para muito mais. Os quatro elementos
nunca vão fazer o espaço pequeno. E nos estados da mente mais espaçosos, toda a sorte
de concepções podem ser acomodadas; deuses, demônios e todas as coisas podem ser
diretamente experienciadas e compreendidas. Há espaço para expandir e aprofundar
infinitamente a exploração e apreciação desses estados abertos especiais.
A canção para subjugar espíritos negativos diz, “Escutem poderosos demônios
do mundo. Eu sou Padma Jungné e vim para este mundo miraculosamente. Sou livre
das doenças, da velhice e da morte. Atingi a imortalidade. Meu corpo, fala e mente são
completamente iluminados. Possuo o poder de subjugar todos os demônios e

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negatividades. Tenho o conhecimento de que todos os conceitos e pensamentos nada
mais são do que produções da própria mente. Estou além da esperança e do medo. Nada
pode me ferir, ninguém pode me causar mal. Sabendo claramente que na Natureza
Verdadeira da abertura primordial não há deuses nem demônios, seja o que for que
tentem fazer, nada poderá afetar minha realização e compreensão. Não podem mudar
um átomo. Tentando me prejudicar, somente revelam que sua mente está deludida.”
Nesse ponto Guru Padma Jungné ofereceu torma. Novamente, era a primeira
vez que tal cerimônia acontecia no Tibet. Ele ergueu as tormas e disse, “Ofereço essas
tormas para as hostes de demônios e espíritos maléficos. Apesar de ser uma pequena
oferenda estou multiplicando-a através do poder de minha meditação, para que todos
tenham uma grande festa e possam se sentir satisfeitos. Apresentando-lhes isto, estou
oferecendo tudo que desejam, então todos devem ficar muito felizes e aproveitar este
supremo alimento. Pelo poder de minha meditação e mantra, ofereço este presente. Por
favor, venham, aceitem e fiquem contentes. Ajudem a promover paz e harmonia por
toda estas terras e ajudem-me a trazer o Dharma para cá. Abençoem este esforço para
construir um monastério neste lugar e para completarmos os desejos do Rei. Venham
todos e juntem-se a nós neste trabalho. Nunca mais ignorem as palavras dos que como
eu são praticantes do tantra. Rápido agora, rogo que abençoem esta terra!”
Daí por diante, não houve mais muitos obstáculos para o estabelecimento do
Dharma no Tibet. É dito que ao longo da construção de Samyé, os seres humanos
trabalhavam durante o dia e as deidades locais durante a noite. Em cinco anos
completaram todas as construções do monastério.
Quando estavam construindo Samyé muita discussão aconteceu acerca do
tamanho da obra. O Rei Trisrong Deutsen era um homem muito forte e um ótimo
arqueiro. Diziam que uma flecha disparada do seu arco lá doTibet poderia atingir a
Universidade de Nalanda nas planícies da Índia. A decisão final foi que os limites
seriam delineados pelas flechas que o Rei iria disparar de Leste para Oeste e de Norte
para Sul, e então seriam construídos os muros de Samyé em torno desses pontos
cardeais.
No entanto alguns dos ministros que não eram muito entusiásticos desse
projeto e que conheciam a força do Rei, pensaram que em vez de argumentar contra
esse grande plano, seria mais fácil enganar o Rei colocando mercúrio nas flechas para
que estas ficassem mais pesadas. Foi assim que o Monastério de Samyé acabou sendo
bastante grande, mas não tão grande quanto deveria ser. É claro que, frequentemente, o
Rei Trisrong Deutsen também teve que enganar esses mesmos ministros porque eles
não acolhiam nem valorizavam o Dharma e nem mesmo queriam monastério algum.
Tal como as mandalas dos tantras internos, as construções de Samyé eram
dispostas de acordo com a configuração dos quatro continentes e oito subcontinentes
agrupados em torno do Monte Sumeru central. A arquitetura executou a mandala
geomântica, refletindo a cosmologia budista simbolizando a estrutura interna do
universo.
Depois da criação do glorioso Samyé, Trisrong Deutsen falou, “Terminamos a
construção do monastério porém isso não é o bastante para preencher minhas

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aspirações. O principal propósito de todo esse trabalho é efetivamente trazer o Dharma
para cá.”
O Rei então pediu a assistência de Guru Padma Jungné e do Khenpo
Shantarakshita. Ambos concordaram em ajudá-lo e depois de discutirem os planos, o
Rei pessoalmente selecionou um grupo de 108 jovens tibetanos de idades entre oito e
dezessete anos para que aprendessem Sânscrito e outras línguas. Muitos desses jovens
tornaram-se tradutores adeptos, traduzindo textos da Índia, China, Turquestão, Kashmir
e de muitos outros lugares, para a língua tibetana. Trabalhando muito próximos de
outros grandes mestres do budismo a fim de assegurar a qualidade das traduções, todos
os ensinamentos do Buddha, do Hinayana ao Vajrayana tornaram-se disponíveis em
edições tibetanas.
O cânone corrente tibetano consiste de 105 grandes volumes dos
ensinamentos do Buddha e também outros 253 volumes de comentários escritos por
grandes mestres indianos. A maioria deles foi traduzida durante o reinado de Trisrong
Deutsen. Por isso ele é lembrado como o Rei que trouxe o Buddhadharma para o Tibet.
Estabeleceu treze colégios monásticos budistas por todo o país e doze grandes centros
de retiro, dando suporte a essas atividades com seu tesouro real.
Guru Padma Jungné empreendeu jornadas por todo o Tibet, e é dito que não
há sequer uma polegada de solo tibetano que não tenha sido abençoada com sua
presença. Com a ajuda da Dakini de Sabedoria Yeshe Ts’ogyal e outros estudantes,
Guru Rinpoche escondeu ensinamentos por toda parte para que só fossem revelados em
gerações futuras no momento apropriado. Permaneceu noTibet por longo tempo dando
ensinamentos do Tantra Interno para cinco alunos diletos e depois para 25 discípulos,
para 35 ngakpas, 37 yoguines e outros. Muitos desses atingiram iluminação numa única
vida, alguns num período de tempo muito curto. O Buddhadharma inteiro, do Hinayana
até Dzogchen, rapidamente se tornou bem estabelecido, iluminando as terras todas do
Tibet como um sol brilhante. Graças ao poder e às preces aspiracionais do Guru Padma
Jungné, de Shantarakshita e do Rei do Dharma Trisrong Deutsen, o Tibet tornou-se o
lar abençoado de milhares de seres altamente realizados.
A subjugação de demônios e de forças negativas que obstruíam o Dharma e o
estabelecimento do Monastério de Samyé trouxe grandes bênçãos para todo o Tibet.
Este foi o trabalho externo da emanação conhecida como Guru Padma Jungné.
No nível interno, Padma Jungné é associado com a prática da meditação. Os
tantras internos descrevem dois aspectos do caminho: o estágio da criação e o estágio
do completamento, também conhecidos como práticas de visualização e de perfeição.
Guru Padma Jungné confere especiais habilidades para nos ajudar a integrar esses dois
estágios e alcançar ambos os siddhis, o ordinário e o extraordinário. O refugio tântrico
invoca as três raízes de guru, deva e dakini. A raiz das bênçãos é Guru Padma Jungné.
Ele preenche todos os desejos e ajuda seus devotos a realizar e transcender todos os
estágios da prática. O Buddha Padma Jungné remove a ignorância e leva-nos a
descobrir a sabedoria primordial. Isto é muito profundo porque não há separação entre
sabedoria e os meios hábeis para sua realização. Guru Padma Jungné é um símbolo

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poderoso da união entre a sabedoria e os meios hábeis. Através dessa técnica podemos
abordar a iluminação muito rapidamente.
Guru Padma Jungné é visualizado com uma face, dois braços e duas pernas,
sentado na postura de bem estar real com uma katvanga apoiada no seu ombro
esquerdo. Segura um vajra em sua mão direita e na esquerda uma tigela de crânio com
um pequeno vaso dentro. Em outra forma, como Tso kyi Dorje, sua pele é azul escura,
tem três olhos e em vez da Katvanga, está abraçando a dakini da sabedoria Yeshe
Ts’ogyal.
Guru Padma Jungné é considerado a incorporação simultânea de todas as oito
emanações e portanto é associado com as quatro ações de pacificação, aumento,
magnetização e subjugação. É também um Buddha de Longa-Vida e pode nos ajudar a
equilibrar os elementos de nossa fisiologia. O corpo físico consiste em cinco elementos:
terra, água, fogo, ar e espaço. Quando nossa vitalidade diminui podem ocorrer
desequilíbrios nos causando doenças. Praticar com Guru Padma Jungné é uma técnica
muito efetiva para ajudar a remover obstáculos, recarregar nossa força vital e restaurar o
equilíbrio. Num sentido mais geral está associado com o atingimento das quatro ações
iluminadas.
Comece gerando bodhicitta e visualizando uma pequena esfera irradiando luz
das cinco cores, branco, azul, amarelo, vermelho e verde. Concentre-se nisso por um
momento e transforme essa esfera radiante no corpo de sabedoria transcendental do
Guru Padma Jungné. Recite o mantra Vajra Guru com devoção enquanto raios de arco-
íris continuam a irradiar em todas a s direções a partir do centro do seu coração.
Recolha essa luz como essência luminosa de todos os elementos, devolvendo-a para o
flash na copa de crânio empunhada pelo Guru, até que ela transborde e flutue em
direção a você. A luz entra pelo seu chakra coronário ou pelo chakra do coração e se
dissolve, corrigindo quaisquer desequilíbrios e nos retornando a paz, clareza e frescor
da equanimidade perfeita. Medite desta forma por um breve período de tempo e então
dedique o mérito para todos os seres. Este é o modo de praticar com Guru Padma
Jungné, a sétima emanação.

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G U R U D O R J E D R O LO

A oitava emanação é outra forma irada, Guru Dorje Drolo. Guru Dorje
Drolo é o louco Buddha irado da era de degenerescência. Não possui padrões regulares
para sua ira. Está completamente fora deles!
Guru Dorje Drolo emanou imediatamente antes da partida de Guru Rinpoche
do Tibet como uma forma de confirmar seu legado de palavras e ações. Alguns
historiadores dizem que ele permaneceu no Tibet durante cinqüenta e cinco anos. Esta
emanação aconteceu cerca de cinco anos antes de sua partida de lá. Durante esse tempo
ele deu muitos ensinamentos que Yeshe Ts’ogyal a dakini de sabedoria transcreveu.
Seguindo as instruções de seu Guru, ela escondeu muitos desses textos pelas terras do
Tibet. Quando ele estava se preparando para partir para o sudoeste a fim de converter os
rakshasas, Guru Rinpoche novamente abençoou todo o território do Tibet e multiplicou
os tesouros do Dharma escondidos através de seus poderes meditativos.
Com a finalidade de preservar a prática do Dharma no Tibet, e de assegurar
o compromisso dos espíritos locais de estender sua proteção através das gerações, Guru
Padmasambhava emanou Guru Dorje Drolo. Nessa forma, reconfirmou o poder de sua
realização e assegurou o apoio e submissão dos seres invisíveis. Dorje Drolo é o
Buddha dedicado ao despertar de todos aqueles que apareceram no Tibet depois da sua
partida. E também nessa mesma ocasião, fez muitas profecias e predições para as
futuras gerações de tibetanos e para o mundo em geral. Essas profecias são muito claras
e acuradas. Muitas delas são bastante detalhadas se referem a eventos em países e
estados. Sua veracidade tem sido observada pelos tibetanos de geração em geração
através de séculos.
Existem treze cavernas diferentes no Tibet chamadas de “Ninhos de Tigre”.
Logo antes da partida de Guru Rinpoche, ele emanou treze Dorje Drolos, um em cada
uma dessas treze cavernas, todos ao mesmo tempo. No budismo tibetano o número treze
está associado com uma lista de treze obstáculos habituais. Isso foi feito para subjugar e
pacificar esses obstáculos. As transformações originais ocorreram no centro do Tibet e
cada uma das emanações de Dorje Drolo teria voado para as diferentes cavernas nas
costas de uma tigresa.
O “Ninho de Tigre” mais conhecido de todos ficava no sul do Tibet num
lugar conhecido como Bhutan. A caverna é chamada de Taktsang que significa ninho de

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tigre. É muito bela. Talvez vocês já tenham visto fotos. Há uma grande montanha com
uma íngreme escarpa de pedra que possui uma caverna nela. Não sei como isso foi
feito, mas construíram um pequeno monastério numa saliência em frente à caverna.
Embora o acesso seja muito difícil muitos turistas vão até lá. Eles têm que ser
carregados um de cada vez por uma pessoa local porque é tão escarpado e alto que é
muito fácil ficar tonto. Dizem que nunca alguém caiu daquele local mas, é muito
assustador.
De acordo com Buddha e Guru Padmasambhava, esta era de
degenerescência é caracterizada por fortes formas de desejo e raiva. Estes são os
maiores obstáculos com os quais se confrontam os praticantes nos dias de hoje. Dorje
Drolo é a emanação relacionada com a transformação dessas situações. Naturalmente
nos tempos ancestrais também já existiam a raiva e o apego, porem eles permeiam o
mundo moderno de forma mais profunda. As mentes das pessoas são continuamente
perturbadas por sua influência que da origem a mais problemas emocionais. Dorje
Drolo é a melhor prática para remover obstáculos mentais e emocionais. Guru Rinpoche
aparece nessa forma para liberar os seres sencientes da raiva e do apego.
A raiva e o apego são qualidades da mente que tornam difícil a obtenção do
relaxamento. As pessoas podem se tornar tão perturbadas por se aprisionarem nessas
emoções que suas próprias percepções se voltam contra elas e começam a ver inimigos
em toda parte. Guru Padmasambhava ensinou que quando existe dúvida e hesitação a
mente não consegue relaxar e é atormentada pela preocupação e não descansa. O
resultado disso a longo termo é que a pessoa se torna cada vez mais amedrontada. Isto
perturba sua sensação de bem estar que vai afetar os canais e ventos. É claro que
quando as partes físicas sutis sofrem distúrbios, acontecerão desequilíbrios
experimentados nas situações externas também. É este o padrão típico das neuroses e
problemas que surgem continuamente nesta era de degenerescência.
Ao longo dessas linhas, Guru Rinpoche disse que no futuro, todos os
homens tibetanos seriam influenciados por uma força demoníaca chamada Gyal-po, e as
mulheres tibetanas seriam possuídas por um demônio chamado Sen-mo, e todos os
jovens tibetanos seriam afetados por um mau espírito chamado Ti-mug. Gyal-po
simboliza raiva e ciúme e Sen-mo representa apego. Ti-mug é uma mente confusa e sem
habilidade de focar, centrar e sem atenção direta. Tudo fica misturado. Esses três
demônios são metáforas. Ele não quis dizer que somente os homens tibetanos seriam
influenciados por Gyal-po ou que só as mulheres seriam possuídas por Sen-mo, mas a
raiva, a inveja e o apego geralmente surgem juntos e dependem um do outro, como uma
família. Dorje Drolo é uma influência muito especial e poderosa para ajudar a limpar e
dissolver as reviravoltas dos obstáculos mentais e emocionais.
As pessoas que estão conscientes de se sentirem mentalmente instáveis ou
infelizes sem nenhuma razão aparente fariam bem em desenvolver práticas de Dorje
Drolo. Mesmo se tudo estiver de acordo, às vezes a mente não se sente confortável,
relaxada ou apaziguada. É nesse caso que tal prática se faz de fato relevante. Quando
existem sensações desordenadas é particularmente útil meditar em Dorje Drolo. Isto vai
ajudar a acalmar e equilibrar a mente.

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Como em todas as outras emanações do Guru Rinpoche, Dorje Drolo é uma
forma de sabedoria, um corpo de arco-íris, e não um objeto sólido ou concreto. A partir
de uma esfera de luz vermelha brilhante, ele é visualizado com uma face, dois braços e
duas pernas. A cor do seu corpo é vermelha escura. Sua mão direita empunha um vajra
de nove pontas e a esquerda segura uma phurba que é uma adaga mística feita de ferro
meteórico ou celeste. Dorje Drolo é muito irado, mostrando presas capazes de dar uma
grande mordida e três olhos. Ele está calçado com botas tibetanas, tchuba e vestes de
monge, dois brincos de conchas brancas e uma grinalda de cabeças cortadas. Seu cabelo
é vermelho brilhante e encaracolado disparando faíscas. Para mostrar como é
verdadeiramente louco, ele dança sobre as costas de uma tigresa, cercado pelas chamas
de sabedoria. A tigresa também está dançando, de tal forma que tudo está em
movimento.
De fato, a tigresa é Tashi Kyedin, uma discípula de Guru Padmasambhava e
Yeshe Ts’ogyal, e uma das cinco dakinis de sabedoria. As cinco dakinis de sabedoria
nada mais são do que encarnações dos cinco Buddhas femininos representando as
famílias Vajra, Ratna, Padma, Karma e Buddha. E estas nada mais são do que a pura
forma dos cinco elementos. Junto com Mandarava, Yeshe Ts’ogyal, Kalasiddhi e
Shakyadevi, Tashi Kyedin também colabora para que Guru Rinpoche possa realizar
suas atividades de sabedoria. Quando Guru Padmasambhava emanava como Dorje
Drolo ela imediatamente se transformava em uma tigresa. Visualize demônios
masculinos e femininos representando raiva e apego, sendo esmagados sob suas patas
estando ela de pé sobre um lótus e discos de lua e sol.
Visualize esta cena sobre sua cabeça ou em sua frente. Recite o mantra Vajra
Guru e imagine as chamas de sabedoria de Dorje Drolo irradiando através de você,
removendo a agitação, confusão, stress e quaisquer desequilíbrios emocionais. Quando
tais distúrbios surgem faça as práticas de Guru Dorje Drolo. Sinta as chamas como
poderosas bênçãos que destroem todos os problemas psicológicos. Relaxe enquanto elas
consomem você e todos os seres sencientes. Finalmente deixe Guru Dorje Drolo se
dissolver como uma luz vermelha no centro do seu coração e continue a meditar na
abertura da Natureza Verdadeira sem descriminação alguma e sem nenhum foco
particular. Permaneça desta maneira durante o maior tempo possível. Então dedique o
mérito a todos os seres sencientes. Esta é a prática de Guru Dorje Drolo.

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CONCLUSÃO

Estas são as oito emanações do Guru Padmasambhava. Acredite ou não. Observe


o significado especial associado a cada uma delas. Compreenda-as e acompanhe-as. É claro que
Guru Padmasambhava é totalmente iluminado e é capaz de dançar no céu, e você pode não estar
ainda habilitado a fazer isto no presente momento, mas tenha coragem enquanto anda no chão.
Permaneça firmemente comprometido com essas práticas.
Medite sobre as bênçãos e ensinamentos do Guru Padmasambhava, reflita sobre suas
demonstrações ativas em relação a todos os seres sencientes, sobre seu compromisso infinito de
desempenhar as atividades de bodhicitta. Todas as oito emanações podem ser sumarizadas numa
simples palavra: bodhicitta. Toda essa atividade que temos discutido é dirigida à realização de
benefícios para todos os seres sencientes e seu despertar para sua natureza verdadeira.
Se você não conhece outra forma, simplesmente expresse bodhicitta através de ações
de bondade amorosa e compaixão e pratique meditação. Isto vai unificar as atividades de todas as
oito emanações num único simples estado. Bondade amorosa e compaixão são qualidades que
surgem naturalmente na mente e que se tornam atividades incessantes. Permita que todo apego ao
ego, até mesmo o apego a idéias limitadas de bondade amorosa e compaixão, permita que se
dissolvam na expansão da Natureza Primordial, e essa energia vai reaparecer de forma mais sábia,
mais hábil e flexível. Meditar dessa maneira é uma prática muito simples e poderosa.
A partir de um ponto de vista convencional, as oito emanações de Guru
Padmasambhava são estranhas e incríveis. Você pode pensar que são apenas histórias. Porém se
realizarmos equanimidade e entendermos a verdade de Madhyamika, Mahamudra ou Dzogchen, as
atividades de Guru Padmasambhava são perfeita e completamente naturais. Não há nada estranho ou
extraordinário nelas. Para compreender as oito emanações, devemos nos dar conta de que elas nos
foram oferecidas com a finalidade de quebrar nossas concepções fixas e nos ajudar a nos livrarmos
de nosso habitual apego às categorias de pensamentos e sentimentos estreitas. Este é o ponto
essencial de todo este ensinamento.
Tudo é uma demonstração de sabedoria, do aspecto luminoso da Natureza Primordial.
Não há necessidade alguma de nos prendermos a qualquer coisa ou forma particular. Tudo reflete a
Natureza Primordial, portanto não fique fixado na sua mente e atitude. Fique aberto. Você nunca vai
realizar a Natureza Infinita se permanecer apegado a uma única maneira de ver as coisas.
No Sutra do Diamante, Buddha Shakyamuni diz: “Aquele que procura Buddha em
forma ou som está indo numa direção errada. Nunca irão ver realmente o Buddha.” É necessário
abrir a mente e realizar equanimidade. De fato o Buddha está além das idéias e conceitos mundanos.
Isso é conhecido como o Buddha Dharmakaya.
Num Sutra Mahayana o Buddha diz: “Desde o dia em que me iluminei até entrar em
paranirvana, nunca ensinei palavra alguma do Dharma.” Se ficarmos presos à nossa posição limitada
pela percepção comum, só podemos concluir que Buddha foi um grande mentiroso. No entanto
Buddha está falando num nível absoluto, conduzindo-nos para além da dualidade, levando-nos para
a prática a partir do ponto de vista iluminado. Se a verdade absoluta dos ensinamentos está além das
concepções, não há palavras que expliquem o domínio infinito da Natureza Primordial.

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Num outro Sutra, Buddha Shakyamuni explica como nosso universo ocupa um
espaço não maior do que o de um átomo, sem que o átomo se torne maior ou que o universo se torne
menor, ainda que pensemos que é muito grande. O universo inteiro está contido numa partícula.
Todas as noções discriminatórias e contradições são meras abstrações e só existem nos níveis
conceituais. Realmente, tudo está livre de tais limitações. É abertura ilimitada e nesse sentido é
conhecido como estado de grande equanimidade.
As oito emanações demonstram a maravilhosa flexibilidade da Natureza Primordial.
Há espaço para tudo aparecer e incessantemente se transformar, e nenhum ponto para formas ou
dogmas exclusivos.
Todas essas emanações surgem da Natureza Verdadeira que é conhecida nos mais
altos níveis de ensinamentos Dzogchen. O universo inteiro se encontra na Grande Perfeição do
estado Dzogchen. Tudo ali aparece vívido e claramente iluminado. Nada existe à parte das
qualidades transcendentes da Natureza Primordial. Portanto, tudo já está no estado da clara luz. Todo
o movimento é desimpedido e translúcido. Não há obstáculos ou bloqueios para essa liberdade.
Este é meu ensinamento das Oito Emanações do Guru Padmasambhava.

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C O L O P H O N

Procurando ficar mais íntimo das maneiras e significados do


Nascido do Lótus, solicitei esses ensinamentos das Oito Manifestações do
Guru Padmasambhava aos compassivos irmãos Lamas, Khenchen
Palden Sherab Rinpoche e Khenpo Tsewang Dongyal Rinpoche, que
responderam energicamente com cerca de oito horas de palestra
inspirada. As fitas foram transcritas por membros da Sangha Turtle
Hill e editadas por mim, Padma Shugchang. O ensinamento teve lugar
no Padma Gochen Ling em Monterey, Tenesse na primavera de 1992.
Que esses esforços sirvam ao despertar da realidade absoluta do Guru
Padmasambhava nos corações de todos os seres. Bênçãos.

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CEBB Viamão, 07 de Junho de 2010.

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