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Aprenda a se defender das

agressões verbais camufladas


Você ficou sem entender bem o que aconteceu - conversou com uma pessoa que o
tratou de maneira amável, simpática e muito gentil, mas, ao invés de se sentir feliz e
estimulado, não via a hora de encerrar aquele encontro e voltar para casa.
Pois é. Aparentemente, você foi tratado de maneira cordial, mas, se não conseguiu
ficar à vontade e se sentiu desconfortável, é provável que tenha sido vítima de uma
agressão verbal camuflada.
E o pior é que, nessas situações, além de sermos agredidos, ainda por cima nos
sentimos culpados. Afinal, se fomos tratados com tanta consideração, que direito
teríamos de nos sentir inferiorizados, incompetentes ou fracassados?!
Não, você não está ficando paranoico não. A agressão verbal camuflada é mais
comum do que se possa imaginar e a todo instante estamos sujeitos a ela nas
circunstâncias mais imprevisíveis, em nossa casa, no relacionamento com amigos ou
no ambiente de trabalho.
Somos insultados, desrespeitados, humilhados, desconsiderados, mas a agressão, de
maneira geral, é feita com tal sutileza que não a percebemos conscientemente, e por
isso nos abatemos como se tivéssemos agido mal. Quando alguém nos agride de
forma explícita, conseguimos entender no momento o que está ocorrendo e podemos
decidir se devemos ou não nos defender. Entretanto, se a agressão é velada, apenas
nos sentimos ofendidos e ficamos impotentes, ou por não percebermos o fato de
maneira consciente, ou por notarmos a intenção da outra pessoa, cuja sutileza não
nos permite nenhum meio de reagir.

Agressão verbal camuflada não intencional


Talvez essa seja a pior de todas as situações, porque a pessoa não tem intenção de
agredir, ao contrário, pode até estar querendo elogiar, mas nos sentimos, se não
ofendidos, pelo menos diminuídos ou desconsiderados. O meu saudoso amigo e um
dos responsáveis pelo sucesso do primeiro livro que publiquei, Como falar
corretamente e sem inibições - pois foi quem fez o prefácio -, Blota Júnior, certa vez,
ao ser convidado para participar de um programa de televisão, foi vítima de uma
agressão verbal camuflada não intencional e deu um excelente exemplo de como sair
desta verdadeira cilada da comunicação.
Depois de ter permanecido algum tempo no programa, a apresentadora o presenteou
com uma caneta de ouro muito bonita e gentilmente disse que desejava que, com ela,
ele pudesse dar a nós, telespectadores, um presente: aquela lembrança que ele
estava recebendo, deveria servir para ele assinar um contrato com a televisão, pois a
televisão brasileira não podia ficar sem a participação de um profissional com a
competência do Blota Júnior. E complementou comentando que não importava qual
seria a emissora, pois poderia ser no SBT, na Bandeirantes, na Globo, na Cultura...
Enfim, o importante era que ele usasse a caneta para assinar um contrato com a
televisão, qualquer que fosse a emissora.
Observe como foi delicada essa situação. A apresentadora estava elogiando Blota
Júnior de forma sincera, amável e verdadeira, mas, nas entrelinhas, sem perceber,
dizia, na verdade, que ele estava desempregado e que a televisão não tinha interesse
em seu trabalho.
De um lado, como é que ele poderia recusar um elogio simpático e amigo como
aquele? Por outro, estava se sentindo diminuído com o comentário recebido e
precisaria dar a sua versão para revelar que não concordava com a informação.
Veja com que habilidade o grande orador, o melhor que tive a felicidade de conhecer,
usou a comunicação para contornar de maneira vitoriosa a posição difícil em que se
encontrava:
'Se eu tivesse a capacidade de resistir à emoção, mas acho que já não a tenho,
poderia dizer que você, com esse coração tão grande, tão alto, tão generoso, está
sempre procurando ajudar os seus semelhantes. Eu a conheço há muitos anos, desde
que começou a trabalhar na televisão e nos tornamos grandes amigos.'
Depois desses elogios iniciais, em que demonstrou a amizade e a admiração pela
apresentadora, deu sua resposta genial:
'Eu diria um pouco poeticamente que, no momento em que estou, a televisão brasileira
já não tem tanto interesse na minha participação. O fato é que, com a minha idade, já
penetrei no que chamo as doces penumbras de outono. Estou naquele momento em
que, no outono, no crepúsculo, as árvores vão perdendo um pouco das suas flores,
das suas folhas, mas adormecem muito tranquilamente, certas de que já cumpriram
toda a sua finalidade. Já hospedaram pássaros que nelas fizeram seus ninhos, já
floriram e já enfeitaram as paisagens, já deram frutos e, portanto, alimentaram
apetites. Enfim, cumpriram dignamente essa missão. As suas raízes estão fundadas.
Elas pertencem a essa paisagem e não precisam necessariamente retornar à
atividade do passado para se sentirem certas de que um dia na vida puderam e
souberam cumprir a sua missão.'
Assim, sutil, com inteligência e diplomacia, Blota Júnior conseguiu discordar, sem
demonstrar nenhuma contrariedade.
Em circunstâncias semelhantes essa é a melhor atitude: retribuir o elogio e, com
simpatia, sem demonstrar que se sentiu agredido, dar a versão do fato para poder
preservar e elevar sua imagem.

Agressão verbal indireta

Esse tipo de agressão é percebido até com bastante facilidade, mas quase sempre
dificulta a defesa pelo fato de ser transmitido por uma pessoa que não é a autora da
crítica. Por exemplo: um conhecido que chega dizendo que está chateado com o que
tem ouvido a seu respeito e aproveita para acrescentar outras informações, como se
ainda fossem de terceiros, usando o tom de voz para carregar um pouco mais nas
cores... Como foram outros que criticaram, você não tem muito o que fazer, além de
se sentir magoado. A pior atitude nessa circunstância é a de revelar a contrariedade e
passar a se defender da agressão de um anônimo, que talvez nem exista, e que, se
existir, provavelmente não tem a fisionomia do demônio que acaba de ser pintado.
Antes de atirar para todos os lados, pergunte de maneira firme, mas calma, quem fez
o comentário e em que circunstância ele ocorreu. Ao obter a resposta, procure atenuar
o fato, ou pelo autor da crítica ou pela circunstância em que ela foi feita. Sobre o autor
da crítica, poderá dizer, por exemplo, que ele tem passado por momentos difíceis, pois
perdeu o emprego, não conseguiu a promoção que desejava, foi abandonado pela
esposa, ou qualquer outra informação que seja do conhecimento público. A respeito
da circunstância, seria possível argumentar que, em momentos como aquele, uma
pessoa acaba agindo de forma impensada, sem ter muita consciência do que está
dizendo.
Esse procedimento deixará desnorteada e sem ação a pessoa que o está agredindo
com o uso de palavras de terceiros, pois ela começará a perceber que seu objetivo
está fracassando.
Se, entretanto, a pessoa não souber dizer quem fez a crítica, ou por alegar que não o
conhece, ou porque ele na verdade não existe, e usa as palavras de terceiros apenas
com o objetivo de agredi-lo, a melhor reação é dizer, com a maior sinceridade que
puder demonstrar, que esse tipo de comentário não o incomoda e que, se alguém
perde tempo para fazer fofoca pelas costas, é porque deve estar atacado pela inveja
ou atormentado por uma crise de autoestima.
Diante dessa atitude, a pessoa verá o tiro sair pela culatra e será obrigada a receber
seu ataque sem reagir, pois você não a está censurando diretamente, mas sim
censurando aquele que ela disse ter feito a crítica. Touche!
Uma outra modalidade dessa agressão verbal indireta ocorre quando a pessoa se vale
de uma afirmação feita por outro, quase sempre por uma autoridade no assunto,
quando, na verdade, ela mesma é quem deseja fazer a crítica. Assim, se ela deseja
criticar a estante que você acabou de comprar para a sala de visitas, diz que o
renomado arquiteto Fernandinho Abelhudo comentou, na última palestra que fez sobre
a arte e o bom gosto na decoração de interiores, que as estantes deveriam ficar longe
das salas de visita. Ora, essa é uma opinião dele e provavelmente o arquiteto jamais
tenha tocado nesse tema. Apenas usa o nome da autoridade para dar peso a sua
opinião e esconder o fato de estar pessoalmente fazendo a crítica.
Se perceber que o jogo é esse, apenas desconverse, dizendo, por exemplo, que esses
profissionais não entram mesmo em acordo e que cada um possui opinião diferente
dos outros.

Agressão verbal com voz suave

A pessoa fala com aquela vozinha meiga, doce e ingênua. Aos poucos, entretanto, vai
destilando o veneno que demora a ser sentido. Sem que possamos perceber, já
estamos contaminados e nos sentindo agredidos. Às vezes a agressão é tão sutil que
só conseguimos percebê-la depois de muito tempo, longe da pessoa que nos atacou.
O primeiro sintoma é o de um desconforto que vai se transformando em sentimentos
que nos deixam atormentados, como a ideia de fracasso, impotência e insegurança.
A pior reação ao perceber que estamos sendo agredidos seria a de revidar ao ataque
de maneira veemente, pois perderíamos o papel de vítimas e passaríamos a ser os
agressores. A pessoa que agride com fala mansa e voz suave, de forma geral não
altera seu comportamento e se delicia ao verificar que conseguiu irritar e tirar o
equilíbrio do outro.
Finja não ter percebido a agressão e converse normalmente, como se nada estranho
estivesse ocorrendo. Ao notar que não está conseguindo seu intento, a pessoa poderá
ficar desmotivada a continuar.
Quando um casal briga, os filhos e as outras pessoas da família tendem a apoiar o
cônjuge que se comportou de maneira mais suave e equilibrada e a condenar aquele
que gritou e agiu com atitude destemperada. Ocorre que aquele que falou mais alto e
esbravejou talvez estivesse apenas revidando aos ataques que recebeu a partir de
agressões que foram feitas com sutileza, de maneira suave e aparentemente gentil.
Assim, a vitima dos ataques acabou se transformando em agressora. Por isso perdeu
a razão e a solidariedade dos outros.

Agressão verbal com expressões sutis

Algumas expressões sutis, inseridas de maneira estratégica ao longo de um


comentário, podem funcionar como agressão que atinge a vítima como se fosse uma
bomba.
Vamos supor que o gerente de desenvolvimento da empresa, depois de se dedicar
semanas à elaboração de um projeto de mudança da linha de produção, fosse
apresentá-lo para a apreciação de um diretor que, pela função que exerce, tivesse a
obrigação de receber o trabalho e discutir com os demais membros da diretoria a
possibilidade de implantá-lo. E vamos imaginar também que ele não desejasse a sua
aprovação.
Um comentário aparentemente ingênuo e não intencional poderia destruir as
possibilidades de sucesso da nova ideia. Se ele dissesse, por exemplo, que o projeto
tinha demandado grande esforço de muitos profissionais e que teoricamente poderia
dar resultado, estaria usando de maneira sutil uma expressão com chances de
funcionar como objeção ao plano apresentado. A expressão 'teoricamente', em
circunstâncias como essa que exemplificamos, possui sentido pejorativo e pode
induzir as pessoas a concluírem que, se é teórico, talvez na prática não funcione.
Há algum tempo estava assistindo a um programa de televisão e percebi que dois
profissionais sutilmente trocavam farpas, embora a aparência fosse de perfeita
cordialidade.
Em determinado momento, após um deles fazer brilhante explanação de um tema
comportamental, o entrevistador perguntou ao outro profissional o que ele achava
daquele assunto. Antes de dar sua opinião sobre a questão, fez um comentário sobre
a exposição do colega dizendo que, em parte, estava de acordo com o que tinha
acabado de ouvir.
Observe que, ao dizer que concordava 'em parte', de maneira sutil demonstrava que
não comungava das ideias do colega. E o pior de tudo é que, em seguida, ao dar sua
opinião com outras palavras, disse exatamente o que já tinha sido exposto pelo outro
entrevistado.
Fique sempre muito atento a essas expressões sutis, pois, dependendo da maneira
como são usadas e da inflexão de voz como são pronunciadas, poderão funcionar
como verdadeiro veneno para o sucesso da sua causa.
Nessas circunstâncias, a melhor saída é demonstrar que ficamos felizes com o
comentário e complementar dizendo que tínhamos certeza de que uma pessoa bem
preparada e inteligente como ele iria mesmo concordar com este ponto de vista,
eliminando, assim, a força daquela expressão sutil.
Cuidado, entretanto, para não começar a ver fantasmas em todas as situações,
imaginando sempre que alguém está querendo agredi-lo. Use o bom senso e aprenda
a identificar bem seus sentimentos - eles, mais do que ninguém, saberão orientá-lo
sobre o que está realmente ocorrendo.

Reinaldo Polito
Revista Vencer nº 24
Esses e outros conceitos são desenvolvidos no curso de expressão verbal ministrado pelo
Professor Reinaldo Polito.
Reinaldo Polito é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante, professor de Expressão Verbal e
autor de 20 livros.
'Terminantemente proibida a reprodução sem autorização expressa do autor

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