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INTRUMENTOS FORA DE SEUS

CONTEXTOS DE PRODUÇÃO -
INSTRUMENTOS LÍTICOS PLANO-
CONVEXOS PROVENIENTES DE SÍTIOS
LITO CERÂMICOS DO ESTADO

ARTIGO
DE MATO GROSSO*

SIBELI A. VIANA**

Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.


Resumo: este artigo trata dos aspectos metodológicos que nortearam a análise dos instrumentos
lascados de sítios lito-cerâmicos situados no vale do rio Manso, região centro-sul do estado de Mato
Grosso. A análise teve como referência as concepções epistemológicas de evolução tecnológica de obje-
tos técnicos, propostas por Simondon (1969), desenvolvidas e aplicadas à industrias líticas pré-histó-
ricas por Boëda (1997). O fio condutor do artigo passa por uma discussão acerca da presença de ins-
trumentos lascados, tradicionalmente considerados como “ lesmas”, relacionadas a sítios antigos de
grupos caçadores-coletores do Planalto Central Brasileiro (Tradição Itaparica, com cerca de 11.000
BP), mas que na presente área de pesquisa foram localizados em contextos de sítios arqueológicos
mais recentes, relacionados a grupos agricultores e ceramistas (Tradição Uru, com cerca de 760 AP).

Palavras-chave: Tecnologia lítica. Estrutura técnica. Evolução técnica. Tradição cultural.

É nosso propósito neste artigo tratar dos principais aspectos teórico-metodológicos que
nortearam a análise dos instrumentos líticos lascados dos sítios lito-cerâmicos locali-
zados no vale do rio Manso, região centro-sul do estado de Mato Grosso1. Para isso,
tomaremos como eixo condutor a discussão acerca de dois instrumentos do tipo plano
convexo, tradicionalmente denominados de “lesmas”,2 as quais são consideradas tão
singulares no Brasil Central a ponto de, no passado, serem indicativos de marcadores

* Recebido em: 09.01.2011.


Aprovado em: 09.02.2011.
** Doutora em Arqueologia. Professora na PUC Goiás. Diretora do Instituto Goiano de Pré-história
101 e Antropologia da PUC Goiás. E-mail: sibele@pucgoias.edu.br.
culturais, relacionados a ocupações pretéritas vinculadas a Tradição Itaparica, cujas da-
tações mais antigas, segundo Schmitz (1984), são entorno de 11.000 BP. As “lesmas”
tratadas nesse artigo foram encontradas em um sítio lito-cerâmico denominado Poção,
localizado na referida área de estudo, cuja data de ocupação foi avaliada em torno 760
de nossa era 3 e, com base em estudos tecnológicos, foram considerados “fora de seu
contexto de produção” (Figura 1).
ARTIGO
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Figura 1: Sítios arqueológicos do Vale do Rio Manso/MT

A ocupação pré-histórica na região centro-oeste, elaborada a partir de uma pers-


pectiva histórico-cultural, foi sintetizada por Schmitz et al (1981) em três grandes pe-
ríodos: 1) um período mais antigo, denominado de “paleoíndio”, no qual se insere a
Tradição Itaparica com destaque para os instrumentos do tipo “lesmas”; 2) um período
intermediário, denominado de “arcaico”, os materiais líticos mais representativos eram,
segundo os referidos autores, instrumentos pouco elaborados e 3) um período mais
recente, denominado de “formativo”, que teria surgido por volta de 2.500 AP e no qual
se destaca pela presença da cerâmica e instrumentos líticos lascados sobre suportes vo-
lumosos. Em data mais recente, por volta de 1.000 AP há registro de sítios compostos
pelas grandes aldeias, associadas principalmente às tradições cerâmicas Uru e Aratu.
Nesses sítios, segundo os referidos autores, os materiais líticos lascados são quantitati-
vamente pouco expressivos e qualitativamente pouco trabalhados, há uma ênfase sobre
os materiais líticos confeccionados por polimento.
Segundo Lourdeau (2006, p. 27), esses instrumentos - “lesmas” - são “unifaciais
confeccionados sobre lascas espessas e alongadas cujo volume é organizado com reti-
radas na periferia da peça, realizadas à custa da face superior da lasca-suporte, a face
inferior é sempre reservada“. Nosso objetivo neste artigo não é exatamente aprofundar
sobre as características da organização tecnológica, funcional e a gênese desses instru- 102
mentos, encontrados nos sítios de caçadores-coletores da região Centro-Oeste, já que
esses aspectos foram trabalhados em detalhe por Fogaça e Lourdeau (2008) e Mello
(2005). Nosso interesse consiste em utilizar dos dados disponíveis acerca da tecnologia
dos instrumentos tipo “lesmas”, presentes no Vale do Rio Manso e compará-los com
a organização tecnológica atestada em outros instrumentos dessa região, discutindo as
semelhanças e diferenças tecnológicas entre esses diferentes tipos de instrumentos.

artigo
É também nosso propósito apresentar os argumentos tecnológicos que têm nos
levado a considerar que esses instrumentos – “lesmas” – não provêm do sistema tec-
nológico de lascamento dos grupos que ocuparam os sítios lito-cerâmicos de Manso e
confeccionaram os demais instrumentos no referido sitio.
Estas questões foram primeiramente discutidos por Viana et al. (2002), quando
questionavam sobre as hipóteses simplistas, normalmente aplicadas à estas situações
relacionadas à apropriação de instrumentos, empréstimo de material ou transferências
de conhecimentos tecnológicos entre grupos distintos. A hipótese de um simples reas-
sentamento sobre sítio mais antigo, não se sustenta, já que os perfis estratigráficos e a
análise geral da indústria lítica não demonstravam vestígios dessas eventuais instalações
mais pretéritas. No entanto, tais explanações pouco avançaram, e se limitaram a ad-

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mitir a possibilidade de “mudança tecnológica” interna, inserido na própria dinâmica
cultural daqueles grupos ceramistas. A grande disponibilidade de matéria-prima na
área, a presença de uma indústria lítica expressiva, em termos quantitativos e qualitati-
vos (entre outros, a presença de lascas de retoques e de façonnage, com características de
organização tecnológica elaborada) nos sítios lito-cerâmicos favorecia tal hipótese. To-
davia, não se dispunham naquele momento de um instrumental teórico-metodológico
para investigar em termos tecnológicos tal questão.

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O FENÔMENO DE MUDANÇAS


TECNOLÓGICAS

O fenômeno de “mudanças tecnológicas” do sistema de lascamento de grupos


ceramistas foi pensado por Viana et al (2002) não necessariamente relacionado a fatores
externos, onde por contato, se teria a apropriação de novos conhecimentos tecnológicos.
Considerava-se a possibilidade de uma mudança tecnológica no interior do próprio gru-
po, ocorrendo numa direção própria, ou seja, conforme a lógica interna da sociedade.
Tal hipótese baseava-se nas proposições de Bassala (2000); Lemonnier (2000); Loney
(2000) e Rabardel (1995), entre outros, que consideravam a possibilidade de redesco-
bertas de antigas tecnologias em contextos arqueológicos mais recentes. Esse fenômeno
é considerado, pelos referidos autores, como uma resposta à necessidades imediatas
(não necessariamente ligado a questões econômicas).
No entanto, como investigar a possibilidade de ocorrência desse fenômeno entre
sítios lito-cerâmicos do vale do rio Manso? Como argumentar de forma consistente,
103 essa hipótese? Para tanto, partimos do princípio de que uma “mudança tecnológica”
deve ser investigada sob o aspecto da abordagem contextual que também considera os
imperativos sociais e simbólicos no qual a tecnologia foi desenvolvida.
Para aprofundar essa complexa discussão o presente trabalho não se baseia em
análises tipológicas tradicionalmente adotadas na análise de material lítico pré-histó-
rico, estruturadas nos critérios morfológicos das peças. Ao contrário, tomamos por
referência as concepções teórico-metodológicas de evolução técnica, proposto por Si-
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mondon (1969) e Boëda (1997), onde são considerados os aspectos evolutivos e a gênese
dos objetos técnicos.
Para a explanação dessa questão, parte-se do princípio de que a tecnologia pode
mudar e se desenvolver dentro de um determinado grupo, ela é dinâmica na medida em
que os ajustes, as situações imprevistas e a criatividade são inerentes aos indivíduos em
todos os tempos. Mas, ao buscarmos os argumentos técnicos para assegurar a susten-
tação da referida hipótese constatamos algumas restrições. Observamos, com base nos
estudos tecnológicos, que as mudanças tecnológicas seguem uma trajetória lógica tendo
por parâmetros características tecno-sociais da própria cultura. Mas o que significa
seguir uma “trajetória lógica”?
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EM BUSCA DA GÊNESE DOS INSTRUMENTOS LÍTICOS LASCADOS - UM


POUCO DE METODOLOGIA

Primeiramente é preciso considerar que um instrumento lítico pré-histórico é antes


de tudo, um objeto técnico, ou seja, um objeto que está inserido em um encadeamento
de gestos, em um comportamento técnico geral e faz parte das tradições técnicas de uma
dada cultura (DEFORGE, 1985, p. 81) ou ainda, como define Geneste (1991, p. 4):

“L’ objet technique (c’est-à-dire l´objet étudié comme aboutissement d´une chaîne opératoire) est
d´abord le fruit d´une connaissance abstraite conçue par le cerveau humains; il est ensuite fabriqué
au moyen d´un processus technique de réalisation qui organise progressivement une matière inorga-
nique et la finalise comme un prolongement du corps humain vers le milieu extérieur.

Também se considera igualmente que um instrumento, além de sua função so-


cial e simbólica numa sociedade, ele desempenha uma atividade prática, que é a trans-
formação de uma matéria, é a ação que o homem não quer ou não pode executar utili-
zando apenas a sua própria força ou o seu próprio corpo (CRESWELL, 1989).
Como enfatiza Geneste (1991) e, em maior detalhe Pelegrin (1993), podemos
ainda compreender os instrumentos líticos como resultado de concepções mentais pre-
sentes na mente humana desde os sistemas tecnológicos mais arcaicos e explicados
com base nos fenômenos cognitivos e psicomotores que subjazem os fatos técnicos.
Tal abordagem busca a investigação dos comportamentos (fatores mentais) relaciona-
dos ao sistema técnico, ou seja, um comportamento “ideo-motor” que não se restringe
apenas às características tecnológicas de manufatura de um determinado instrumento, 104
como por exemplo, a posição e a localização do ponto de impacto, o ângulo aplicado
na percussão etc., mas também se relaciona a fenômenos comportamentais, que vão
desde a seleção da matéria-prima, que leva em conta sua qualidade, massa, forma e
escolha de diferentes tipos de percutores, relacionados às diferentes etapas de produção
do instrumentos. Ademais, o lascador que concebe o instrumento é guiado por uma
série de imagens mentais de formas existentes em sua mente, sendo a situação real

artigo
comparada a todo o momento com a imagem mental idealizada a ser praticada no
próximo estágio.
Nesse sentido, a produção de qualquer instrumento por mais simples que se con-
figure, deve ser compreendida a partir de uma concepção “não-aleatória”, presente des-
de a seleção da matéria-prima, a produção do suporte, passando pelos diferentes estados
de modificação deste suporte (alguns instrumentos podem ser caracterizados sem mo-
dificação intencional, utilizados em estado bruto) e, finalmente chegando à função e ao
funcionamento do instrumento. Isso reforça a idéia de que, mesmo entre os instrumen-
tos pouco transformados, como é o caso da grande maioria dos instrumentos líticos dos
sítios do Vale do rio Manso, houve uma pré-concepção mental de sua estrutura. Nas
palavras de Deforge (1985, p.53), “tous les objets que l’homme a inventés, produits et

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utilisés sont bien évidemment le fruit d’une réflexion.”

SISTEMA DE DEBITAGEM: PRODUÇÃO DE SUPORTES

A pesquisa da gênese da estrutura de um instrumento lítico pré-histórico exige


que sua análise tecnológica se desenvolva a partir da reconstrução de “um caminho de
volta”, tendo como ponto inicial o instrumento e seu funcionamento. Nesse percurso,
é necessário considerar os elementos relacionadas à produção do suporte e a identifica-
ção da gênese ao qual ele está relacionado. Nessa perspectiva diacrônica, a evolução do
objeto técnico é considerada no sentido de longa duração.
A perspectiva diacrônica foi amplamente desenvolvida por Boëda (1997), quando
explorou com grande acuidade o aspecto evolutivo de objetos técnicos pré-históricos.
Para esse autor, o instrumento pré-histórico segue uma trajetória lógica composta por
uma estrutura volumétrica específica cujo suporte provém de uma gênese que, por sua
vez, evolui segundo uma linhagem tecnológica.
As mudanças tecnológicas ocorrem conforme os conhecimentos tecnológicos
presentes na cultura, como também segue a evolução do próprio homem: há, segundo
Boëda uma co-evolução dada entre o homem e o instrumento:

Chaque objet se traduit par une forme, portée par une structure, elle-même composée d’autres élé-
ments – des caractères techniques – liés entre eux de sorte que la spécificité de leur agencement crée la
forme requise. De ce fait, la forme n’est qu’une des composantes de la structure. Si la forme peut être
considérée comme la manifestation extérieure de la structure, cela n’ implique pas que la structure
105 puisse être réduite à la forme (BOËDA, 1997, p. 8).
Enfim, podemos perceber os instrumentos inseridos em linhagens evolutivas
específicas. Essa evolução, todavia, não pode ser pensada em uma ascensão sempre
positiva, há interrupções que podem levar ao fim do ciclo de vida da produção do
instrumento, assim como há saltos ou continuidades4. É interessante pensar que, se
nos tempos atuais, o desenvolvimento e as mudanças tecnológicas são mais rápidas, ou
seja, ocorrem em um espaço de tempo relativamente curto, o mesmo não ocorreu na
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pré-história e, segundo Boëda (2004, p. 23), as principais causas dessa aceleração são a
“capacidade de memorização” e a “comunicação” entre os homens.
Ainda sobre essa questão, pode-se perguntar até onde segue essa evolução tecno-
lógica? Há alguma restrição? Para Simondon (1969), há dois tipos de restrições: uma
econômica relacionada à quantidade de matéria-prima, de trabalho e o consumo de
energia gasto; a outra diz respeito ao fato do objeto não ser “auto-destrutivo”, ele se
mantém em funcionamento estável o maior tempo possível. Boëda (1997) acrescenta
que o instrumento pode ser abandonado por algum efeito circunstancial, de “moda”,
embora operacionalmente ainda esteja respondendo às suas funções (BOËDA, 1997).
Segundo Simondon (1969), a evolução dos objetos técnicos segue num processo,
cujo ápice é seu estado de concretização, ou seja, há uma transformação progressiva
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de uma estrutura denominada “abstrata”, que segue rumo à uma estrutura “concreta”.
Uma forma primitiva do objeto técnico, a forma “abstrata”, na qual cada unidade teóri-
ca e material é tratada como única e seus elementos não estão em sinergia. Essa forma
“abstrata” tende ao modo “concreto”, no qual o sistema é unificado, havendo uma siner-
gia de forma e função que resulta numa integração total do objeto técnico.
Outro aspecto importante sobre essa questão, diz respeito à simplificação do ob-
jeto técnico “concreto”. Deforge (1985) e Boëda (2004) baseiam-se nessa obra de Si-
mondon, para notar algumas características evolutivas desses objetos “concretos” como,
redução do seu volume e da sua massa. Segundo Deforge (1985), a concretização leva à
“evolução rumo ao simples”. Ele observa, através da evolução de algumas linhagens de
objetos modernos, uma tendência à simplificação do objeto técnico, que não significa
regressão tecnológica. Assim, por exemplo, a redução do número de peças da indústria
eletrônica é considerada como um indicador bastante claro da evolução que caminha
no sentido da simplificação.
Segundo Boëda (1997), o processo de concretização dos instrumentos também
tende a uma normalização das características morfotécnicas presentes nos processos
de produção tecnológica e, finalmente, ao estado de hipertelia, caracterizado por uma
especialização exagerada, que “desadapta” o instrumento em relação a uma mudança
na sua utilização, ou seja, a menor modificação influenciará sua estrutura, chegando
mesmo a inviabilizar a funcionalidade do instrumento. Nesse sentido, o estado de hi-
pertelia caracteriza, por um lado, o ápice da evolução tecnológica do instrumento.
Sobre os objetos técnicos pré-históricos “abstratos”, pode-se tomar como exemplo
os raspadores, bem conhecidos na literatura especializada sobre pré-história da região
Centro Oeste brasileira, estes apresentam um ou mais bordos ativos. Nesses instrumen- 106
tos as partes ativas do instrumento podem ser utilizadas independentes umas das outras
e, no caso de uma quebra ou de qualquer outro acontecimento não previsto, é possível
retomar o objeto, reorganizando-o e mantendo sua função primeira ou adaptando-o a
outras funções. Esses raspadores, teoricamente, não poderiam, por exemplo, se trans-
formar (evoluir) em pontas de flechas, pois pertencem a linhagem técnicas distintas, e a
evolução tecnológica é possível de ocorrer no interior de sua própria linhagem.

artigo
No caso de objetos técnicos “concretos”, os exemplos mais clássicos são as peças
bifaciais ou foliáceas, como por exemplo, as pontas de projéteis, nas quais todas as
partes foram confeccionadas de modo integrado, há sinergia entre todas as suas partes.
Uma vez fracionada em qualquer uma de suas partes, o instrumento não funcionará
mais de maneira adequada.
Para tratar acerca da gênese de linhagens evolutivas, é preciso considerar a es-
trutura dos instrumentos e, para isso, é importante de destacar o suporte no qual os
instrumentos foram produzidos. Neste contexto, destaca-se como via de análise o mé-
todo de debitagem, caracterizado pela exploração dos núcleos, a partir de métodos
específicos:

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Sont des connaissances aprises, appliquées et transmises par un groupe. Ces connaissances cons-
tituent l’ héritage technico-culturel du groupe, elles témoignent de l’expérience acquise et succes-
sivement transmise de génération en géneration. Chaque méthode utilisée opère selon des régles
constitutives de chaque structure. En effet, toute méthode, quelle qu’elle soit, n’a d’existence
réelle que lorsqu’elle est conçue pour atteindre des objectifs précis en respectant des règles precises
(BOËDA,1997, p. 31).

A evolução das estruturas dos núcleos foi tratada em Boëda et al. (2005), quando
detalham as estruturas de debitagem, a partir de sistemas tecnológicos distintos: “A”,
“B”, “C”, “D” e “E”. As concepções de debitagem “A”, “B”, e “C”, caracterizam-se em
núcleos “abstratos”, nelas as seqüências de exploração do bloco são independentes uma
em relação à outra (as partes não estão em sinergia). Mesmo que haja várias superfícies
de debitagem, elas são independentes entre si.
O sistema “C”, o mais comum na região do rio Manso, se caracteriza pela ocor-
rência de uma organização algoritma que, segundo Boëda (2001), corresponde a menor
operação técnica, necessitando de uma superfície de plano de percussão e de uma su-
perfície de debitagem; que podem ou não serem previamente organizadas. Podem estar
presentes séries de retiradas, sendo que a mais comum é uma seqüência de até quatro
retiradas. A inicialização dos núcleos pode ser realizada a partir de uma superfície
natural, de uma superfície antiga de debitagem ou de uma preparação específica do
plano de percussão. Em todos os casos, ela se situa em uma ou mais partes do bloco,
não ocorrendo, portanto, uma estruturação total da peça.
Entre esses sistemas de debitagem mais simples, destacamos ainda, na região do
107 rio Manso, os núcleos explorados por procedimentos bipolares, realizados sob uma
bigorna, conforme descrição de Crabtree (1972) e núcleos explorados por “fatiagem”.
A debitagem por “fatiagem” consiste na exploração de um seixo rolado, sendo que toda
a superfície natural do bloco é relevante para a exploração da debitagem1.
O sistema de debitagem “D” é caracterizado por uma maior complexidade tecnológi-
ca. Refere-se às concepções de debitagem discóide e piramidal. Nesse sistema de exploração
um maior número de características do bloco são determinantes: as superfícies e as extremi-
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dades laterais e distais são levadas em consideração no momento da escolha do bloco. Esta
sinergia das partes é igualmente necessária: durante o processo de debitagem, cada retirada
influenciará no sucesso da próxima lasca. O que está em jogo não é somente a predetermi-
nação das lascas, mas também a manutenção da estrutura dos núcleos, para garantir a reti-
rada de outras lascas predeterminadas, de modo que, por exemplo, um golpe abrupto pode
desestruturar os núcleos discóides. Há um início de normatização da produção.
O ápice da evolução das estruturas de debitagem está representado pela levallois
e laminar, denominadas de sistema “E”. Nelas há um alto investimento técnico de pro-
dução (BOËDA, 1997). Isto é, primeiramente ocorre a preparação total dos núcleos e,
posteriormente, sua exploração. No caso da estrutura levallois, todo o bloco é preparado
para a retirada de uma única lasca ou de uma seqüência de lascas, os suportes produzi-
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dos por este sistema trazem em si as características dos futuros instrumentos.

SISTEMA DE FAÇONNAGE – CONFECCIONANDO OS INSTRUMENTOS

A produção de instrumentos líticos pode ser pensada a partir de uma noção de


curto prazo ou sincrônica que, segundo perspectivas tecnológicas, podem ser caracte-
rizadas em três grandes momentos: seleção e aquisição de matéria prima; produção do
suporte e confecção do instrumento.
Segundo Balfet (1991), uma cadeia operatória não pode ser entendida simplesmen-
te como uma sucessão de operações; ela se traduz por um encadeamento das operações
mentais e dos gestos técnicos, com o objetivo de desenvolver um projeto específico, ide-
alizado anteriormente, sendo que cada operação está inteiramente relacionada à anterior
que lhe deu origem e à seguinte que garantirá a seqüência das demais operações. Leroi-
-Gourhan (1964) foi quem primeiro relacionou o conceito de cadeia operatória aos con-
textos pré-históricos. Nesse conceito, operações tecnológicas novas podem ser acrescidas
à estrutura técnica anterior sem que necessariamente as antigas operações sejam abando-
nadas, o que leva a uma concepção “cumulativa” de conhecimento tecnológico. Nesse
encadeamento de operações, acrescenta Leroi-Gourhan (1985), encontram-se as “cadeias
operatórias maquinais” que se caracterizam por seqüências de gestos estereotipados, adqui-
ridos pela aprendizagem, que são realizadas sem uma consciência prévia dos atos.
Boëda (1995) completa esse raciocínio ao trabalhar com o conceito de cadeia opera-
tória inserida numa perspectiva global de análise tecnológica, considerando que além das
atividades de aquisição, produção e descarte dos objetos, o conceito de cadeia operatória
está relacionado às noções, aos conhecimentos técnicos e ao saber-fazer do lascador. 108
Outro aspecto importante da cadeia operatória é ajustado por Schalanger (1996)
ao enfocar a não uniformidade da cadeia operatória, ou seja, algumas atividades podem
ser interrompidas em determinados momentos, no entanto, há outras que são consi-
deradas fixas e não podem ser canceladas ou momentaneamente paralisadas. No caso
contrário, a ruptura poderá comprometer o desenvolvimento do projeto pretendido.
O sistema de façonnage consiste em um lascamento por etapas sucessivas, cujo

artigo
objetivo é moldar uma matriz cujos bordos serão, em um segundo momento, orga-
nizados para obter um ou mais instrumentos. As atividades de façonnage podem ser
realizadas em suportes brutos ou estar relacionadas a qualquer nível evolutivo de debi-
tagem. Segundo Boëda et al (2005), podem ser distinguidos três sistemas de produção
dos instrumentos: um primeiro, mais elementar, nele busca-se formas naturais que
possuam o maior número de características desejadas, de modo que praticamente não
são feitas transformações no objeto, aproveitando ao máximo as formas naturais dos su-
portes. O segundo sistema é caracterizado pela existência de certa organização técnica,
restrita ao gume do instrumento. Há, portanto, pouca transformação para se chegar ao
produto esperado. Esse segundo estágio é caracterizado pela adição de uma ou de várias
partes transformativas associadas a uma parte preensiva. Finalmente, o terceiro estágio

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é compreendido pela organização geral de uma matriz, a qual é capaz de, a qualquer
momento, responder a uma necessidade específica de afiação ou reafição.
Os objetos técnicos, estejam ligados ao sistema de façonnage ou de debitagem ou
a ambos, são constituídos por estruturas cujas gêneses são distintas e evoluem, segun-
do os parâmetros de “tendência parcial” e “lógica interna” de cada cultura (BOËDA,
1997; LEROI-GOURHAN, 1964). Os instrumentos seguem uma linhagem específi-
ca, rumo a um estado de concretização que se faz por um aumento da tecnicidade. No
entanto, há também, nesse percurso, segundo Boëda (1997) outros fenômenos, como
a memória acumulada, a aprendizagem, o saber-fazer, a transmissão de conhecimentos
pela tradição ou por contatos entre grupos e fatores técnicos e/ou sociais que podem
igualmente intervir na evolução tecnológica, além dos fatores psicológicos, individuais
ou coletivos.
Para compreender o instrumento em ação, é preciso, segundo Rabardel (1995),
considerá-lo como uma entidade mista, ou seja, constituído por uma análise producio-
nal e por um esquema de utilização e de funcionamento. Segundo Boëda (2001, p. 52),
estas duas dimensões, ainda que associadas, são independentes entre si, “en effet, à un
même schème d’utilization peuvent correspondre différents types d’objets et à un même
type d’objet différents schèmes d’utilisation”.
Segundo Rabardel (1995), um instrumento é adaptado ao sujeito e ao objeto.
Essa adaptação é possível pelos processos de instrumentalização e de instrumentação.
O primeiro, em termos gerais, concerne à produção e a transformação do objeto téc-
nico (composto por propriedades intrínsecas e extrínsecas). Quanto ao processo de
instrumentação, trata dos instrumentos em ação, isto é, ao modo de funcionamen-
109 to e compreende a relação entre o conjunto de características técnicas operacionais
presentes, tanto na porção transformativa do instrumento como na parte preensiva.
Segundo Boëda (2001) esses processos de instrumentação se inscrevem em três tipos
de restrições, que atuam tanto sobre a parte preensiva do instrumento como sobre a
transformativa: restrição do instrumento com a matéria; restrição da mão do homem
com o instrumento; e restrição do homem, do instrumento e da matéria-prima em uma
relação de espacialidade.
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A investigação dessas restrições é proposta por Boëda (1997) mediante um es-


quema diacrítico de leitura capaz de evidenciá-las. Essas restrições refletem uma orga-
nização particular de retiradas cujas conseqüências técnicas agem em sinergia, no sen-
tido de evidenciar um elemento técnico remarcável e coerente, denominado Unidade
Técnico Funcional (UTF). Essas UTFs podem estar dispostas em diferentes partes do
instrumento: porção transformativa, preensiva e transmissora de energia. No que diz
respeito as UTFs transformativas, a zona ativa do bordo, denominado de plano de bico
(Pb), deve possuir propriedades físicas e tecnomorfológicas adaptadas a sua ação (entre
outras características ser mais resistente do que o objeto a ser modificado). No entanto,
a zona ativa do instrumento não se resume ao fio do gume: há uma seção anterior, de-
nominada de plano de corte (Pc), que é criado pela interseção das superfícies inferiores
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e superiores do instrumento e, pode existir naturalmente ou ser produzida. Uma UTF


transformativa constitui-se, portanto, numa relação sinérgica entre o plano de bico, o
plano de corte e a matéria transformada.
As características tecnomorfológicas do plano de bico variam. Todavia, sempre
há a busca por superfície inferior plana, bem como por um gume com ângulo variável
conforme a estrutura e a função do instrumento. Os planos de bico e de corte estão
intimamente correlacionados. Com efeito, se o plano de bico é produzido em último
lugar, é porque um plano de corte foi organizado ou escolhido (no caso de ser natural)
anteriormente, o que indica uma antecipação global de utilização dessa zona.

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS INSTRUMENTOS LASCADOS DO VALE


DO RIO MANSO

Gestão de Matéria-Prima

A região do rio Manso possui nos tempos atuais abundante matéria-prima lítica,
que esteve disponível para as populações pré-históricas que ocuparam a região. A maior
disponibilidade está nos estratos geológicos do Grupo Cuiabá (bacia do rio Manso).
Esta disponibilidade, em menor proporção, também é atestada às margens dos rios
da bacia do rio Casca (Formação Furnas e Botucatu), bem como nos relevos de topo
tabular, onde se destacam o Morro da Mesa, Morro do Descalvado, Morro do Chapéu.
Pela análise do material lítico constata-se que o sílex e o arenito constituem as
matérias-primas predominantemente utilizadas, ambas são provenientes de seixo de rio
e fragmentos de colúvio (seixo, calhau e bloco). O sílex pode ainda ser encontrado sob 110
a forma de veio. Em geral, a qualidade da matéria-prima na região varia de média a re-
gular, dependendo do local de procedência. As rochas que provém de veio apresentam,
em geral, grãos mais compactos e homogêneos, com menos intrusões e superfícies de
aspectos translúcidos, consideradas de melhor qualidade se comparadas com aquelas
provenientes de seixos rolados ou de fragmentos coluviais (seixos, calhaus e blocos), que
apresentam mais fissuras e uma granulação menos compacta. Ressalta-se que é justa-

artigo
mente na forma de veio que ocorre a maior parte do material arqueológico em sílex de
boa qualidade.
Embora a maior ocorrência de material arqueológico em arenito tenha sido re-
gistrada na forma de seixo rolado, a melhor qualidade ocorre nos grandes blocos. No
entanto, em nenhuma das duas situações, a qualidade dessa matéria-prima não se apro-
xima da alta qualidade da matéria no qual os instrumentos “lesmas” foram confeccio-
nados.
Os instrumentos líticos em seixos de arenito e de sílex apresentam vestígios de
córtex que denotam uma preferência por seixos volumosos, de superfícies convexas,
formando ângulos naturais, representados por quinas, o que, em termos tecnológi-
cos, permite um melhor direcionamento de debitagem da lasca (TIXIER, et al 1980).

Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.


Dessa situação, infere-se uma questão enfatizada por Pelegrin (1995), Boëda (1997),
entre outros, que se refere às “preferências” e às “escolhas” preconcebidas, já que no
ambiente dos referidos rios distribuídos na região, há tanto seixos angulosos quanto
arredondados e disformes. Constata-se, ainda, preferência por seixos menores (de
cerca de 20 cm), mas com uma das superfícies convexas, utilizados na debitagem do
sistema discóide.
A matéria-prima em sílex de veio ocorre em maior representatividade nos topos
do Morro da Mesa e Morro do Descalvado. Para a aquisição desta rocha, tem-se de
levar em conta o tempo e a energia gastos para se chegar a esses locais, já que são regiões
formadas por escarpas abruptas. A aquisição deveria ser feita por extração, já que os
blocos, em geral de grande dimensoes encontram-se no subsolo, em profundidades
variáveis. Diante desse fato, considera-se que haveria uma preparação dos núcleos e/ou
dos suportes antes de eles serem transportados ao sítio.

PRODUÇÃO DOS INSTRUMENTOS LASCADOS

Foram analisados cerca de 380 instrumentos, presentes nos diferentes sítios


lito-cerâmicos da região do vale do Rio Manso e, com base em análise tecnológica,
foram inseridos em diversos tecnotipos (VIANA, 2005).
Os instrumentos do Vale do Rio Manso não são homogêneos, tanto no que diz
respeito à produção de suporte, como no que se refere às ações técnicas de produção.
Os suportes provêm de sistemas de debitagem variados (“B”, “C” e “D”), como pode
se observar pela Figura 2, 3 e 4, ou se trata de suportes naturais que já apresentavam as
111 características volumétricas desejadas (Tabela 1).
Tabela 1: Estrutura de debitagem e quantidade de núcleos
SÍTIO DEBITAGEM “B” e “C” FATIAGEM DISCOIDE PIRAMIDAL
Ribeirão Vermelho
14 X 15 6
Sítio 6
Poção 04 X 03 -
Mundo Novo 02 X 03 -
ARTIGO

Pantanalzinho 02 X 01 01
Fartura 01 X 01 02
São Roque X X X -
Roncador 02 X - -
Estiva 1 1 - 04 02
Milharal X X 1 -
Coca-cola X X X -
Legenda: X = concepção de debitagem atestada pelos produtos de lascamento.
Fonte: Viana (2005).
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Figura 2: Núcleo C, Sítio Novo Mundo

Sobre a produção tecnológica dos instrumentos lascados, constata-se a presença


de quatro amplas categorias, constituídas por tecnotipos específicos. Trata-se de instru-
mentos unifaciais nos quais os estigmas de façonnage são pouco evasivos. No entanto,
a disposição dos retoques dos gumes, suas características, assim como as partes preen-
sivas, atestam uma organização elaborada dos instrumentos. 112
artigo
Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.
Figura 3: Núcleo Discóide, Sítio Estiva

113 Figura 4: Nùcleo Piramidal, Sítio Ribeirão Vermelho 6


Categoria 1 – é formada por instrumentos que denotam uma organização tecno-
lógica tanto no que se refere à produção ou a escolha do suporte, como ao sistema de
confecção do instrumento. Os suportes desses instrumentos são predeterminados, ob-
tidos a partir de sistema de debitagem específico – sistema “C”. Em termos de estrutura
volumétrica, constatam-se suportes volumosos e espessos, cujas características podem
ser observadas na Figura 5:
ARTIGO
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Figura 5: Estrutura volumétrica dos instrumentos da categoria 1


Legenda: (a) Dorso espesso – produzido ou aproveitado naturalmente do suporte; (b) Gume – oposto ao dorso; (c) Face inferior
plana; (d) Face superior oblíqua retilínea ou levemente convexa.

Os estigmas de façonnage (quando existem) e de retoque, apresentam um organi-


zação técnica clara e elaborada, dispostas em forma de candelabro no qual, as retiradas da
primeira seqüência se cortam criando nervuras que são retomadas pela segunda seqüência
de retiradas. As novas nervuras obtidas são elas próprias retomadas e, assim por diante. Essa
estrutura permite atenuar as nervuras entre duas retiradas, criando uma superfície mais
regular. É preciso igualmente sublinhar a forte relação entre as zonas de utilização (UTF
transformativa) e as zonas preensivas (UTF preensiva) (Figura 6).
Categoria 2 – os suportes apresentam estrutura volumétrica semelhante à cate-
goria 1, no entanto, essa estrutura não foi intencionalmente produzida, ao contrário,
houve um aproveitamento de peças brutas (não lascadas) adquiridas no ambiente e
exploradas no seu estado natural; apresentando características necessárias para servirem
de suporte ao(s) instrumento(s) desejado.
Os sistemas de façonnage e de confecção dos instrumentos da categoria 1 e 2 se
assemelham (Tabela 2). Nessas categorias foram definidos 16 tecnotipos, os quais agru-
param cerca de 100 instrumentos. Cada matriz de um tecnotipo específico foi cons-
tituído, sistematicamente, por mais de um instrumento. Em certos casos, pela análise
diacrítica, é possível observar níveis hierárquicos de intenções: as UTFs preensivas que 114
são representadas por dorsos espessos, intencionalmente produzidos ou aproveitados
conforme suas características naturais, foram também usados para o funcionamento de
mais de um instrumento.
O ângulo do plano de bico (Pb) das UTFs transformativas, em geral, foi acima
de 60 , chegando a mais de 100º e, na maioria das vezes, apresentou superfície plana
o

ou côncava. O plano de corte está entre 60o a 90o. Note-se que os planos de corte foram

artigo
produzidos e sua seção, na maioria dos casos, é plana/côncava.

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Figura 6: Instrumentos – categoria 1 – Sitio São Roque/Vale do Rio Manso

Categoria 3 – os suportes desses instrumentos foram obtidos igualmente pelo


sistema de debitagem “C” e, eventualmente, pela utilização de fragmentos em seu es-
tado natural, não lascados. Embora não tenha sido constatada uma padronização vo-
lumétrica entre as lascas-suporte, como ocorrido nas categorias 1 e 2, o suporte destes
instrumentos apresentam fortes evidências de predeterminação, cujos padrões os mais
recorrentes são aqueles provenientes das séries de algoritmos, provenientes de núcleos
do sistema de debitagem “C” (uma série de até quatro retiradas de lascas), definido
anteriormente.
São igualmente recorrentes nesta categoria as lascas ultrapassadas e as lascas siret,
cujas partes proeminentes (ultrapassagem ou dorso produzido pelo siret) seriam utilizados
como áreas preensivas. Ressaltamos ainda as lascas de “fatiagem”, que apresentam ambas as
115 faces – posterior e inferior – lisas, com talões avantajados (onde funcionavam as áreas pre-
ensivas), que estão opostos ao gume de fio rasante (UTFs transformativas), o qual pôde ser
usado na sua forma bruta. Essas lascas são morfologicamente mais largas do que compridas,
apresentam córtex sobre o talão e dorso (Tabela 3). Pela convexidade da zona cortical (talão
e dorsos laterais), observa-se a exploração de seixos pequenos e médios de forma arredonda-
da. Essas lascas apresentam perfil retilíneo e golpes de retirada abruptos (Figura 7).
ARTIGO

Tabela 3: Categorias de instrumentos 3 e 4

CATEGORIAS DE INSTRUMENTOS 3 e 4 UTF


PREENSIVA
UTF TRANSFORMATIVAS

Proveniência
do PC - UTF
Tecno- Espes produzido
Quan- Comp. Largura No PB - PC PC - prehensiva
tidade sura PB (oC) (façonnage/ Suporte
tipo (mm) (mm) UTF superfície (oC) superfície
debitage) ou Produto/
(mm
natural do natural
suporte

Lasca de
Negativos de
debitage “C”, Negativos
A 45 31 12 1a4 44 - 75 cc- cx - pl 30 - 75 cc - pl debitage e
volumosa de debitage
natural
com dorso
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Lasca de
debitage
Negativos de
“C”, nervura Negativos
B 23 44 32 14 1a4 30 - 80 cc - pl - cx 25-80 cc - pl - cx debitage e
central ou de debitage
produzido
paralela ou
em Y

Negativos de Lasca de Natural e


C 13 61 63 21 1a2 55 - 65 cc - cx - pl 50- 65 cc - cx debitage e debitage “C”, negativos
natural espessa debitage

Produzido Natural e
Lasca “C” ,
D 5 61 38 21 1a3 40 -70 cx - pl 50 - 70 pl - cx debitage ou negativos de
com nervura
façonnage debitage

Lasca de
debitage
Negativos
E 2 65 43 30 3a4 70 e 100 pl - cc 70 - 80 pl - cc Natural “C”, espessa
de debitage
e talão
avantajado

Negativos Negativos
Lasca
F 7 39 46 22 1 a 4 70 - 95 cc - cx 40 - 75 cc - pl debitage e de
ultrapassada
produzido debitage

Natural ou
Negativos
Lasca “C” – negativos
G 2 53 75 17 1 a 2 50 60 cc - pla 40 - 60 cc - pl debitage e
tranche de
produzido
debitage
Négatifs
cc - cx Negatifs
H 3 26 30 10 2 a 4 55 - 80 cc - pl - cx 55 - 80 Écaille “C” de
- pl debitage
debitage

Negativos
Negativos
cc - cx Lasca “C” - de
I 21 50 43 15 1 a 9 35 - 85 cc - pl - cx 35 - 85 debitage e
- pl s/ nervura debitage e
produzido
natural

continua...
116
conclusão

Negativos
Negativos de
J 15 53 46 23 1 a 5 45 - 90 cc - cx - pl 50 - 75 cx - pl debitage e Lasca “C” debitage
produzido ou
natural

artigo
Negativos
de
Lasca de
Negativos debitage,
proveniente
K 38 44 36 23 1 a 3 45 - 75 cc - cx - pl 20-75 pl - cc debitage e de
de
produzido façonnage
façonnage
e de
retoque

Negativos Negativos
cc - cx Debitage
L 45 58 45 21 2 a 4 55 - 115 cc - cx - pl 55 80 debitage et de
- pl “C”
produzido debitage

Debitage Negativos
Negativos
M 24 40 39 17 1 a 4 25 - 45 cx - pl 25-60 cx - pl discóide- de
debitage
núcleo “D” debitage

Lasca
Negativos
Negativos proveniente
N 2 63 34 22 2 a 4 60 a 85 pl - cc 60 - 70 pl de
debitage debitage

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debitage
piramidal

Negativos
de
Negativos Lasca
O 2 54 56 2 1 a 2 55 - 65 pl - cx 45 - 65 pl debitage
debitage Kombewa
e de
façonnage

Negativos
Lasca de
Negativos de
P 12 50 35 23 1 a 3 50 - 75 pl - cc 40 - 70 pl - cc fragmentos
debitage debitage e
naturais
natural

Negativos
Lasca de
Negativos de
Q 11 26 24 24 1 a 3 55 - 100 pl - cc - cx 55 90 pl - cc núcleo
debitage debitage
piramidal
ou natural

Negativos
Negativos
pl - cc Debitage de
R 4 77 55 21 1 a 4 40 - 90 pl - cc - cx 40 - 80 debitage e
- cx “C” debitage
produzido
ou natural

Negativos
Negativos
pl - cc Debitage de
S 13 50 39 29 1 a 4 65 - 90 cc - cx - pl 60 - 80 debitage et
- cx “C” debitage e
produzido
natural

Legenda:
PC = plano de colte
PB = plano de bico
pl = plano; cc = cx=convexo; bicc - bl côncavo; blcx = bl convexo
= Instrumentos de categoria 4.

Quanto ao sistema de façonnage e de confecção de instrumentos da Categoria


3, (Figura 7) notam-se que as estruturas foram pouco modificadas. Os retoques são
pouco expressivos, restritos ao gume. Ao que se percebe, há uma procura por resultados
117 práticos e mais imediatos.
ARTIGO
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Figura 8: Instrumento Categoria 4 – Sitio Ribeirão Vermelho 6

Figura 7: Instrumento categoria 3 – Sitio Ribeirão Vermelho 6

Categoria 4 – é formada por peças menos volumosas, nela estão presentes os instrumen-
tos provenientes do sistema de debitagem “D”. Em geral apresentam dimensões menores e
são bastante normatizadas se comparadas aos produtos de debitagem provenientes do “C”.
Apresentam maior comprimento na largura ou forma quadrada, com face superior marcada
por uma ou mais nervuras-guias. Elas não têm dorso, seu perfil é helicoidal e os gumes são
rasantes. O ângulo de percussão de obtenção a lasca é semi-rasante (Figura 8).
Sobre a confecção desses instrumentos, as lascas-suporte não foram molda-
das, no sentido de retirada de volume. Receberam retoques para delineamento do
gume ou foram utilizados em estado natural. Todavia, deve-se estar atento, pois esse
aspecto “circunstancial” camufla um aspecto importante desses instrumentos, carac- 118
terizado pelo sistema de debitagem que produziu tais suportes, no caso, o sistema “
D” – discoide .
Poder-se-ia questionar sobre o porquê desses instrumentos terem sido pouco
modificados, já que neles há evidencias de organização elaborada de debitagem.
A explanação dessa questão não está na ausência de conhecimento técnico para tal
atividade, pois ao contrário do que a priori pode se imaginar, essas peças denotam

artigo
um conhecimento tecnológico complexo, já que esses instrumentos foram planejados
e praticamente finalizados, durante as operações de debitagem (concepção de debi-
tagem discóide - “D”), portanto, antes mesmo da confecção do instrumento (Tabela
3). Dessa forma, trata-se de lascas pré-determinadas cujos suportes já trazem em si
as características almejadas para o futuro instrumento. Não há, por isso, necessidade
de modificá-los!

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Figura 8: Instrumento categoria 4 – Sitio Ribeirão Vermelho 6

Nas categorias 3 e 4 foram definidos 17 tecnotipos, onde agrupam cerca de 280


matrizes líticas. Nessa categoria, a produção de diversos instrumentos sobre um mesmo
suporte é bastante expressivo.
O ângulo do plano de bico (Pb) das UTFs transformativas desses instrumentos
é visivelmente menor que nas demais categorias, atingindo em média de 25o até 90o.
Quanto à forma do Pb, não há um padrão, mas se observa maior recorrência dos pla-
nos/convexos. Os ângulos do plano de corte (Pc), em geral, são menores ou iguais aos
dos Pb, atingindo de 25o a 80o; a superfície plana é a mais recorrente. Essas caracte-
119 rísticas indicam que se trata de instrumentos com gumes mais agudos, cujos planos
de forma plana ou convexa contribuem para as atividades de corte, por penetrar mais
facilmente na matéria a ser transformada. Essa é uma das possibilidades, mas não a
única! Note-se ainda que o plano de corte na grande maioria é natural. Essa informação
reforça a predeterminação das lascas-suporte, onde as características dos instrumentos
são organizadas durante a exploração dos núcleos.
As UTFs preensivas, na grande maioria dos casos, são naturais ou se revezam
ARTIGO

com certas UTFs transformativas, contribuiu para isso a baixa ocorrência de estruturas
com dorso.
As quatro categorias aqui definidas atestam conhecimento e aplicação de ações
técnicas precisas para a configuração de instrumentos diversos. Os instrumentos do vale
do Rio Manso são unifaciais, com a face inferior do suporte sendo naturalmente plana e
reservada. Há uma integração entre a face superior e inferior, o que garante o bom funcio-
namento do instrumento. A sinergia destas peças unifaciais se limita às zonas específicas
da peça, formadas pelas combinações de UTF transformativas e UTF preensivas.

CARACTERIZAÇÃO DO SÍTIO POÇÃO


Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.

O sítio Poção é o assentamento onde foram encontrados os instrumentos plano-


-convexos do tipo “lesma”, apresenta datação radiocarbônica de 760 ± 60 AP5. O ma-
terial cerâmico é composto por cerca de 2.810 fragmentos, tratando-se basicamente de
uma cerâmica utilitária, atribuída à Tradição Uru, representada por cerca de 150 peças
em material lítico. Pela tabela 4 é possível comparar, sob vários aspectos, o sítio Poção
e os demais sítios lito-cerâmicos da região.

Tabela 4: Quantificação de material cerâmico, lítico e áreas dos sítios

Total de Total de
Sítios Área (m2)
material cerâmico material lítico

RV6 648 1573 306.900

PO 2.813 150 105.000

MN 1.180 406 55.600

PZ 863 293 58.000

FA 1.148 89 65.000

SR 18 27 3.500

RO 155 16 13.500

ES 1 194 1383 23.500

MI 613 196 69.300

CC 127 32 17.600
120
Implantação e Estratigrafia do Sítio Poção

No que diz respeito à implantação ambiental e à localização estratigráfica do


material arqueológico, o sítio Poção localiza-se parte em ambiente de planície fluvial e,
em parte, sobre uma encosta. A estratigrafia é composta por três camadas, os materiais
arqueológicos (cerâmico e lítico) foram localizados até a segunda camada e, eventu-

artigo
almente, atingindo o início da terceira camada, mas de forma intrusiva. As “lesmas”
estavam presentes na primeira camada.

Análise Tecnológica – comparando as “lesmas” com os demais instrumentos

As matrizes líticas do tipo “lesmas” encontrados no sítio lito-cerâmico Po-


ção são em número de dois, sendo que uma delas está fragmentada e, por isso, não
será parcialmente investigada. Estamos conscientes da complexidade de estabelecer
uma análise comparativa segura entre categorias de instrumentos quantitativamente
pouco representadas. No entanto, sabemos que este fato constitui-se em si um dado
importante.

Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.


Características da lasca-suporte

Com base no instrumento inteiro (PO 10), a leitura dos estigmas técnicos indica se
tratar de um suporte em lasca, obtida por procedimentos unipolares. A matéria-prima é
em arenito de cor vermelha, sem córtex e de qualidade excepcional, o que difere dos
demais instrumentos desse sítio, bem como de todos os demais estudados na região.
Quanto às dimensões, ele mede cerca de 110mm de comprimento, 45mm de largura
e 20mm de espessura. O eixo tecnológico coincide com o morfológico, nós temos,
portanto, uma lasca-suporte de forma retangular, cujo comprimento é mais de duas
vezes a sua largura. Apresenta ainda uma extremidade arredondada pelas seqüências
de façonnage e de retoques. A técnica de obtenção da lasca-suporte foi por realizada
por percussão dura, com um golpe tangencial. O perfil original é ligeiramente he-
licoidal, o talão é liso e mede cerca de 15 mm de comprimento e 6 mm de largura
(Figura 9).

Face inferior

Os estigmas característicos da extremidade proximal da face inferior estão bem pre-


servados: bulbo e esquilhas bem nítidos, bem como algumas ondulações por toda superfície
do suporte. Constata-se ainda que a face inferior não é totalmente plana, em decorrência
principalmente do bulbo, que se manifesta de modo proeminente. Assim, essa face inferior
pode ser subdividida em duas grandes áreas: extremidade proximal, que apresenta uma face
121 convexa e uma extremidade meso-distal levemente côncava, quase plana.
ARTIGO
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Figura 9: Instrumento plano convexo – “lesma” (PO 10) Sitio Poção

Face superior

Essa peça ainda mantém alguns negativos originais preservadas, proveniente do


sistema de debitagem. Percebe-se que as atividades de façonnage e os retoques não mo-
dificaram substancialmente sua estrutura original. Entre os estigmas preservados, an-
tigos, destacam-se dois grandes negativos que se estendem do centro da superfície até à
extremidade da peça, note-se que, na porção proximal, esse negativo é pouco visível, ou
mesmo ausente, devido a sequência posterior de negativos de façonnage e de negativos
de preparação do talão.

Produção do suporte

Com base nas informações tecnológicas das faces inferior e superior, nós reco-
nhecemos que esta lasca suporte tem características de predeterminação.
No sítio Poção, assim como em outros sítios da região, não há núcleos que possam
estar relacionados à produção da lasca-suporte das referidas “lesmas”.6 Isto reforça a hipó-
tese segundo a qual estas “lesmas” sejam provenientes de outros locais. Essa situação não
ocorre nas demais categorias de instrumentos. Entre os núcleos presentes, percebe-se uma
coerência técnica entre a estrutura, os negativos de núcleo e os suportes dos instrumentos.
Por outro lado, também não se pode considerar que a lasca-suporte desta “lesma”
seja proveniente de um sistema de debitagem “C”, pelo menos quando comparada com 122
os outros suportes de instrumentos ou mesmo quando comparada com negativos de
retiradas desses núcleos, constata-se que não há nenhuma semelhança tecnológica.
Diante dos dados disponíveis, se aceita o argumento de Boëda (2005, com. pessoal)
Mello (2005) e de Fogaça e Lourdeau (2006), de que o sistema de debitagem desses instru-
mentos estaria inscrito num processo técnico de evolução “intermediária”, de uma linhagem
original de objetos técnicos cujas estruturas técnicas ainda não foram localizadas.

artigo
Estrutura Volumétrica do Instrumento PO 10

A façonnage desse instrumento é resultante de lascamentos organizados para


moldar as superfícies laterais e central do suporte. Ao imaginarmos um corte trans-
versal, observamos uma seção plano-convexa, ou seja, superfície inferior plana e su-
perior de curvatura convexa, resultado de retiradas proveniente dos dois bordos que
se convergem entre si em sentido convexo, entrecruzando-se em algumas partes da
peça. Esses lascamentos foram realizados a partir de uma base plana e não trabalhada
(Figura 10).

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Figura 10: Organização dos negativos PO 10

O outro instrumento de sítio lito-cerâmico dessa região que, num primeiro mo-
mento, poderia se assemelhar, em termos tecnológicos, às duas peças do sítio Poção
encontra-se no sítio Estiva 1. No entanto, embora os lascamentos ocorram nos dois bor-
dos e também se entrecruze em algumas partes, a organização tecnológica do façonnage
resulta em superfícies superiores planas e convexas, ou seja superfície inferior plana e
superfície superior ora plana ora convexa.

Organização Tecnológica do Instrumento PO 10

Nota-se que há uma “harmonia” entre as diferentes partes da peça, inclusive com
a face inferior, não trabalhada. O trabalho de façonnage produziu um volume convexo.
Tal organização é percebida, a princípio, pelos negativos anteriores (produzidos duran-
te a debitagem do suporte) de direção oblíqua, que contribuíram para a convexidade
123 dos negativos posteriores, provenientes da façonnage e pela sequência de retoques.
A organização tecnológica desse instrumento está caracterizada por seqüências de
negativos de façonnage e de retoques. A primeira sequência é de façonnage presente por
toda a superfície superior da peça, porém ausente nas extremidades distal e proximal.
Pela análise diacrítica, nota-se que os lascamentos iniciaram a partir da porção proxi-
mal. Trata-se de lascamentos longos e largos (com extensão de até 18 mm e largura de
até 16 mm), quadrangulares ou mais largos do que compridos, profundos, com nervu-
ARTIGO

ras bem marcadas. O ângulo médio de destacamento é semi-abrupto, girando em torno


de 55o. Uma segunda sequência de façonnage concerne apenas à porção meso-distal do
instrumento. Nessa região, os lascamentos são menos longos (com extensão de até 10
mm e largura de até 8 mm), são também quadrangulares ou mais largos do que com-
pridos; o ângulo médio de destacamento também é semi-abrupto, mas um pouco mais
abertas (ângulo médio entre 60o e 65o ). Em algumas áreas os negativos dessa sequência
são refletidos.
Nota-se, de um modo geral, que o trabalho de façonnage regularizou um volume
plano-convexo, simétrico em seção transversal. Tal organização é percebida desde os
negativos antigos (do sistema de debitagem), que contribuiu para a convexidade dos
negativos de façonnage. A peça ainda recebeu retoques curtos, escamosos, que não estão
Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.

presentes em todos os bordos, nota-se a intenção de regularizar zonas específicas dos


bordos laterais.
Finalmente, outra seqüência é marcada por micro-retoques que se estendem
nos dois bordos laterais de forma bastante intensa e, de forma menos evidente, na
extremidade distal, na zona arredondada. O instrumento possui, portanto, dois bor-
dos que se convergem formando uma extremidade arredondada. A superfície inferior
é plana.
Na porção meso-proximal, a maior parte dos negativos está relacionada à fase
de debitagem da lasca-suporte, visavam reforçar o ângulo e eliminar a cornija antes do
golpe de retirada de lasca. No que diz respeito às unidades técnico-funcionais (UTFs),
também entendemos essas peças a de partir suas partes, compostas pelas: porção proxi-
mal e parte da porção mesial; ambas teriam sido utilizadas para preensão. Nessas áreas
os lascamentos não têm perfil convexo e são mais refletidos do que no restante da peça;
lembramos que o bulbo proeminente proporcionou uma superfície abaulada que teria
favorecido uma melhor acomodação da mão na peça, contribuindo para uma boa pre-
ensão do instrumento.
A porção distal e parte da porção mesial são compostas por três grandes UTFs
transformativas: (a) representada numa pequena zona, nela ocorre o plano de bico de
maior grau, que gira em torno de 75o, e o plano de corte de 65o; (b) caracterizada pela
extremidade arredondada, com plano de bico em torno de 60o e de corte de 55o; (c), no
outro bordo, um gume de tendência retilínea formado por ângulo de bico em torno de
60o e plano de corte de 45o, também convexos.
Ressalta-se que as zonas reconhecidas como preensivas poderiam, eventualmen-
te, também agir como transformativas (Figura 11). 124
artigo
Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.
Figura 11: Identificação das UTFs e esquema de produção do instrumento PO 10

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Em relação a peça PO 10, podemos falar em “harmonia” técnica entre as diferentes


partes da peça e não exatamente em “sinergia” total. Essa harmonia favoreceu a confec-
ção e funcionamento de diferentes unidades tecno-funcionais (UTFs) dispostas ao longo
dos bordos, tornando esse instrumento “multifuncional”, ou seja, vários instrumentos
presentes numa única matriz. Trata-se de uma característica recorrente entre os demais
instrumentos apresentados anteriormente, como também entre as “lesmas” dos sítios ca-
çadores-coletores de outras áreas da região Centro Oeste. Nessas matrizes instrumentais,
uma eventual quebra não necessariamente teria interrompido o ciclo funcional da peça, o
bordo poderia ser retomado com funções similares ou incorporando novo papel.
Para exemplificar essa possibilidade de retomada, destacamos a peça PO 11
(“lesma fragmentada”) que apresenta, num primeiro momento, os bordos originais
confeccionados formando um volume plano-convexo, cujas características tecnoló-
gicas assemelham-se ao instrumento PO 10, descrito anteriormente. O segundo mo-
mento de confecção desse instrumento pode ser conferido nas extremidades adjacen-
125 tes aos bordos.
A organização tecnológica do instrumento mais antigo está caracterizada, grosso
modo, por seqüências de façonnage, que formaram um instrumento de superfície con-
vexa; os negativos se convergem para o centro da peça sem, no entanto, se tocarem.
Constatamos várias UTFs transformativas nesses bordos, sendo que os planos de bico
(Pb) variaram de 60o a 80o, já os planos de corte (Pc), em todos os casos, são menores
do que os planos de bico e variaram de 55o a 65o.
ARTIGO

A segunda retomada da peça também apresenta seqüências de lascamentos de


façonnage e retoques e estão dispostos nas extremidades proximais e distais da peça.
As UTFs transformativas variam de 55o a 80o, os planos de corte são menores ou
iguais ao Pb.
Nas extremidades dos bordos laterais, constata-se a interrupção abrupta dos ne-
gativos, o que reforça a hipótese de fratura. Não obstante, dada a análise de todas as
UTFs transformativas, nota-se a diferença do instrumento mais antigo para o segundo,
retomado, com ângulos de planos de bico maiores, mais propícios para atividades de
raspagem (Figura 12).
Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.

Figura 12: Instrumento plano convexo retomado – “lesma” reomada – identificação das UTFs e análise
Diacrítica 126
Finalmente entendemos que os instrumentos tipo “lesmas” aqui analisados (PO
10 e PO 11), não se tratam de peças “hipertélicas”, em estágio “concreto”, como defi-
nido anteriormente Todavia, segundo Boëda (com. pessoal 2005), também não pode
considerá-los puramente “abstratos” devido ao alto índice de padronização, tomando
por base as muitas peças analisadas por Fogaça e Lourdeau (2006), que atestam essa
“normatização”. Dessa forma, tanto as informações relativas ao sistema de debitagem,

artigo
como aquelas provenientes do sistema de façonnage, contribuem para a hipótese de ins-
trumentos em fase de evolução tecnológica de nível “intermediário”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos objetivos desse artigo foi primeiramente demonstrar, a partir de argu-


mentos tecnológicos, que a tecnologia evidenciada na construção das matrizes instru-
mentais tipo “lesmas” encontrados no sítio lito-cerâmico Poção, no estado de Mato
Grosso, não faz parte da tradição tecnológica encontrada nos demais instrumentos
líticos lascados pertencentes à Tradição Uru da região do rio Manso.
Embora pareça evidente, para os arqueólogos brasileiros com experiência no es-

Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.


tudo das indústrias líticas do planalto central, que peças do tipo “lesmas” referem-se
a grupos antigos de caçadores-coletores, relacionados à Tradição Itaparica, a origina-
lidade desse trabalho está em fundamentar esta proposição com base em argumentos
convincentes, tomando por referência uma abordagem tecnológica e comparativa entre
as “lesmas” e os “outros” instrumentos líticos lascados da referida região. Não estamos
querendo dizer com isso que esses grupos ceramistas não utilizaram essas “lesmas”. Isso
é outra questão, ademais o uso pode não ser utilitário, mas estar relacionado, por exem-
plo, ao aspecto social e simbólico. No entanto, embora ciente da potencialidade dos
estudos sobre a apropriação dos indivíduos por objetos de outros contextos culturais,
não é nossa intenção, neste momento, enveredar por esta abordagem.
Ao elaborarmos essa fundamentação tivemos que necessariamente caracterizar
em termos tecnológicos todos os instrumentos, o que constatamos não somente dife-
renças tecnológicas entre eles, mas também complexidade técnica nas indústrias líticas
dos sítios lito-cerâmicos. Sabemos que tradicionalmente os materiais líticos desses sítios
são rotulados de “ocasionais” ou “circunstanciais” (VIANA, 2006). Todavia, com base
nos estudos de gênese e de evolução tecnológica dos objetos técnicos, proposta por
Simondon (1969), adaptado com êxito às indústrias líticas pré-históricas por Boëda
(1997), constatamos neste trabalho que os grupos ceramistas do vale do rio Manso, de-
tinham os conhecimentos técnicos do lascamento e a habilidade para executar a cadeia
de gestos necessários.
Dominavam uma tradição técnica composta por concepções de lascamento especí-
ficas de estágios de complexidade técnica de nível intermediário (nível de debitagem “D”)
e estágio simples (sistema de debitagem “C”), ambos com evidencias de clara pré-determi-
127 nação de lascas-suportes. Essa complexidade tecnológica é também evidenciada pelo
sistema de façonnage, no qual a produção de certos instrumentos denota uma organiza-
ção tecnológica bem elaborada e planejada de tal modo que as UTFs transformativas e
preensivas atuam juntas produzindo ações sinérgicas, garantindo assim o bom funcio-
namento dos instrumentos.
Estamos de acordo com Boëda (1997) quando diz que numa tradição técnica
cultural, esquemas conceituais e operatórios permeiam as atividades técnicas e teste-
ARTIGO

munham a experiência adquirida pelos lascadores que é sucessivamente transmitida


de geração a geração. Nessa perspectiva, os objetos técnicos não são concebidos como
obras que surgem fora de um contexto tecnológico próprio. Eles se desenvolvem in-
seridos numa linhagem que tem uma gênese tecnológica específica. Exceto as duas
peças líticas, denominadas tradicionalmente de “lesmas”, nós não observamos nas
indústrias líticas dos sítios lito-cerâmicos de Manso, elementos que indiquem que
a matriz técnica que compõe a estrutura das “lesmas”, tenha se desenvolvido nes-
ta tradição tecno-cultural. E, segundo Mello (2005) a indústria lítica de horizonte
cultural mais antigo - sítios caçadores-coletores de Manso (tradição Serranópolis)
também não apresentam tais indícios. Embora também seja de nosso conhecimen-
to que inovações e mudanças tecnológicas possam ser incorporadas e desenvolvidas
Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.

por meio de fenômenos externos, além de fatores técnicos e/ou sociais internos, que
podem igualmente intervir na tradição tecnológica do grupo. Mas, como discutido
anteriormente, é preciso que o meio interno seja favorável (LEROI-GOURHAN,
1964) para que uma “novidade” seja aceita e persista, o que parece não ser o caso da
região de Manso.
Finalmente, pensamos que as indústrias líticas dos sítios lito-ceramicos de Manso
e suas características de variabilidade e complexidade tecnológica não sejam únicas da
região centro-oeste do Brasil7. E, considerando que as indústrias de sítios lito-cerâmicos
em geral são quantitativamente pouco representativas (o que não é o caso de todos os
sítios da região de Manso), é preciso adotar uma metodologia que considere e releve
com acuidade os valores técnicos dos objetos.
Entendemos que esses “valores técnicos” sejam possíveis de serem apreendidos
são somente pela identificação do conjunto de técnicas em si, o que Boëda (1997, p. 37)
define como “análise tecnológica total”: os sistema de debitagem e sistema de façon-
nage, suas evoluções tecnológicas e seus estados de abstração e concretização; o funcio-
namento dos instrumentos, por meio da identificação das unidades técnico-funcionais
(UTFs). Para tanto, é necessário pensar no sujeito, ou seja, quem executa as ações.
Essa proposição se traduz em um conceito antropotécnico, definido por Rabardel (1995)
que compreende que em toda técnica, deve-se considerar o utilizador e o produtor do
objeto (sujeito) e o contexto onde a situação se desenvolve, bem como o potencial dos
indivíduos e as suas capacidades intelectuais e físicas que estão relacionadas aos objetos
técnicos. Nesse sentido, a análise tecnológica se humaniza, em outras palavras, o objeto
técnico é concebido não somente por sua dimensão técnica, mas também pela dimen-
são humana e social. 128
TOOLS LITHICS OUT OF THEIR CONTEXTS OF PRODUCTION: PLAN-
CONVEX TOOLS FOUNDED IN LITHIC-CERAMIC ARCHAEOLOGICAL
SITES IN MATO GROSSO – BRAZIL

Abstract: this article discusses the methodological issues that guided the review of the chipped ins-
truments of lito-ceramic sites located in the valley of the river Manso, center-south region. It took

artigo
as a reference the epistemological concepts of technological evolution of technical objets, proposed by
Simondon (1969), developed and implemented prehistoric by Boëda (1997). The thrust of the arti-
cle is a discussion about the presence of chipped instruments, traditionally regarded as from sites of
ancient hunter-gatherers groups (Tradition Itaparica, with about 11000 BP), in contexts of more
recente archaeological sites, groups farmers and potters (Uru Tradition with about 760 BP).

Keywords: Lithic technology. Technical evolution. Technical developments. Cultural tradition.

Notas
1 Para mais detalhes, ver Viana (2005).
2 As pesquisas arqueológicas nessa região se iniciaram a partir da implantação de um projeto de arque-
ologia de contrato, desenvolvido pela UCG/IGPA e Furnas Centrais Elétricas, (Viana et al, 2002).

Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.


Posteriormente, parte do material foi objeto de pesquisa em nível de doutorado por Viana (2005) e
Mello (2005).
3 Essa tradição foi definida por Calderon (1969), que teve como elemento principal para a caracteri-
zação dessa tradição, a presença dos instrumentos tipo “lesmas”.
4 Embora na região tenham sido trabalhados 27 sítios arqueológicos, o presente artigo se restringirá
aos 10 sítios estudados em detalhe por Viana (2005), onde se inclui o sítio Poção.
5 Simondon (1969) é quem chama atenção sobre o fato de a evolução dos objetos técnicos nem sempre
seguirem de maneira absolutamente contínua, ou de maneira completamente descontínua, mas por
patamares. Entre esses patamares, pode ocorrer evolução de tipo contínua, o que faz com que o
esquema interno do objeto técnico se modifique por saltos e não por uma linha contínua, o que não
significa que essas mudanças ocorram ao acaso.
6 Datação realizada no laboratório Beta Analytic INC., amostra 160506.
7 Essa ausência de núcleos é também atestada por Mello (2005) em sítios de caçadores-coletores também
da região do Manso, por Fogaça e Lourdeau (2006) para sítios de caçadores-coletores da região de
Serranópolis/GO.
8 Análises de material lítico de sítios lito-cerâmicos de outras regiões do estado do Mato Grosso (rio Ver-
melho) e do estado de Goiás (Caiapônia), apresentam indícios de conhecimentos tecnológicos similares.

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Goiânia, v. 9, n.1, p. 101-131, jan./jun. 2011.

* Agradecemos a E. Boëda por suas contribuições ao longo da analise do material lítico e a A.


Lourdeau pelas sugestões dadas ao longo do texto. Este trabalho foi apresentado na Jorna-
da de Arqueologia do Cerrado, a versão original foi publicada na Revista de Arqueologia
131 Americana (Journal of American Archaeology, 2008, n. 26).

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