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ARTIGO
ANÁLISE
INTRA-SÍTIO
DO SÍTIO
JUSTINO, BAIXO
SÃO FRANCISCO
– AS FASES
OCUPACIONAIS
Marcelo Fagundes
Coordenador do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
marcelo.fagundes@ufvjm.edu.br/ fagundes_fgs@yahoo.com.br
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resumo
O presente artigo é fruto da tese de douto-
ramento intitulada Sistema de assentamento e
abstract tecnologia lítica: organização tecnológica e va-
This paper is part of the thesis named riabilidade no registro arqueológico em Xingó,
“Settlement Systems and Lithic Technology: Baixo São Francisco, Brasil, a qual teve como
technological organization and variability in objetivo apresentar os resultados alcançados
archaeological record in Xingó Area, São por meio de pesquisas sistemáticas de campo,
Francisco low valley, Brazil, that aimed to laboratório e gabinete, que, interligadas, coligi-
present the final results of a long-term study ram dados responsáveis por uma compreen-
after systematic research in field, laboratory são mais assertiva sobre o modo de vida e di-
and in office that interconnected unify data nâmica cultural dos grupos pré-históricos que
which gives an assertive understanding of ocuparam a Área Arqueológica de Xingó du-
the life and cultural dynamic of prehistoric rante quase oito milênios. Esse artigo, por sua
societies who occupied the Archaeological vez, tem como objeto a compreensão de como
Zone of Xingó during eight thousand years. as populações pré-históricas que ocuparam a
This paper aims to comprehend how the pre- região estabeleceram seu sistema regional de
historic groups established their regional assentamento em terraço, tendo como hipóte-
settlement system on the fluvial benches. I se norteadora que todos os sítios contemporâ-
used as a guide hypothesis the fact that all neos estariam conectados entre si no chamado
contemporaneous sites were connected complexo situacional de sítios. Para tanto foi
among them in a situational complex of sites. utilizada a análise intra-sítio tendo como mo-
So, I used the intrasite analyze basing my delo gravitacional o sítio Justino, de forma a
data in Justino archaeological site, my gravi- elucidar o sistema de assentamento regional.
tational model, to elucidate the regional set- Em relação ao referencial teórico, foram utili-
tlement system. I used multiples concepts zados múltiplos conceitos e abordagens que
and approaches that worked together to un- convergiram para a compreensão da paisagem
derstand the landscape while a social con- enquanto construção social que, dotada de va-
struction immersed in social means and val- lores e significados, pode ser compreendida
ues which have been understood as a loci of como o loci de ocupação continuada, ou luga-
continuous occupation or persistent places res persistentes.
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do tanto o contexto social como natural), que, texto sistêmico (Schiffer, 1972, 1983, 1987).
sob nosso ponto de vista, na Arqueologia se Nesse artigo ao privilegiarmos as
visualiza pela identificação e correlação dos análises intra-sítios – os diferentes tipos
geoindicadores2 (Morais, 2006). de uso de um dado assentamento em lon-
Logo, esse reconhecimento das caracter- ga duração –, estávamos preocupados
ísticas regionais, que nos serviram de mod- (no caso específico do sítio Justino), com
elo locacional de caráter preditivo, acaba a distribuição espacial e relacional, além
por permitir à constituição dos lugares per- da densidade e diversidade dos remanes-
sistentes3, inclusive como meio de estabel- centes culturais bem como suas sequên-
ecer padrões à compreensão dos sistemas cias operacionais de produção (Fagundes,
regionais de assentamento. 2010a, 2010b, 2010c), de modo que pu-
Com base nesses pressupostos só poder- déssemos inferir seus “papéis” dentro da
emos realizar inferências sobre o sistema organização social do grupo (ou grupos)
regional de assentamento quando estabelec- em estudo.
emos correlações e conexões entre os diver- Ou seja, o que pretendemos frisar é que os
sos sítios e lugares persistentes de uma área estudos sistemáticos intra-sítio da distribuição
(Schlanger, 1992), relacionando-os impret- e associação artefatual em termos espaço-tem-
erivelmente à paisagem, utilizando exem- porais têm sido considerados inerentes à pes-
plos advindos da etnologia, da organização quisa arqueológica que pretende compreender
tecnológica, das estruturas evidenciadas, das a dinâmica cultural nas ocupações pré-históri-
possíveis escolhas, por meio do uso intensivo cas, tendo em vista a integração dos processos
das geotecnologias, ou seja, por meio de in- naturais e culturais de formação dos sítios ar-
ferências e dados estatístico-comparativos queológicos (Panja, 2003).
que mapeiem as possibilidades (e restrições) Aliás, para Bamforth et al (2005: 577) a pri-
para as hipóteses levantadas (Fagundes, meira questão que se deve ter em mente antes
2009; Fagundes & Mucida, 2010). de empreendermos a pesquisa arqueológica é
Portanto, a dinâmica cultural resultante estabelecer critérios de compreensão de
dos processos de continuidade e mudança como forças naturais e antrópicas interagi-
deve ser ‘garimpada’ em meio aos remanes- ram para ‘criar’ um sítio arqueológico.
centes culturais nas escavações compreen- Os trabalhos de André Leroi-Gourhan
dendo a estrutura de cada sítio, visto que a durante as décadas de 1950 e 1960 sobre a
Arqueologia aqui é definida como a discip- estrutura de sítios a céu aberto do paleolíti-
lina responsável em obter conhecimento co europeu, sobretudo Pincevent, podem ser
(ou conhecimentos) válido sobre o passado. apontados como precursores de análises
Isto é, buscar no estático representado pelo que pretendem reconstruir (e interpretar)
registro arqueológico o dinamismo dos pro- integralmente os solos de ocupação pré-his-
cessos e das conexões culturais, de modo a tóricos, coligindo técnicas, métodos e refle-
encontrar no contexto arqueológico o con- xões teóricas acerca da reconstrução dos
1 Kelly define organização tecnológica como: “(...) the spatial and temporal juxtaposition of the manufacture of different tools within
a cultural system, their use, reuse and discard, and their relation not only to tool function and raw material type, but also to behavioral
variables which mediate the spatial and temporal relations among activity, manufacture, and raw material loci” (Kelly, 1988: 717).
2 “Elementos do meio físico-biótico dotados de alguma expressão locacional para os sistemas regionais de povoamento,
indicando locais de assentamentos antigos (...). Assim, os geoindicadores arqueológicos sustentam um eficiente modelo
locacional de caráter preditivo, muito útil no reconhecimento e levantamento arqueológico” (MORAIS, 2006).
3 “(...) places that were repeatedly used during long-term occupations of regions. They are neither strictly sites (that
is, concentrations of cultural materials) nor simply features of a landscape. Instead, they represent the conjunction of
particular human behaviors on a particular landscape” (Schlanger, 1992: 97).
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6 O uso desse termo, para se referir às técnicas de escavação em Xingó, foi instituído por Vergne (2004).
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Profundidade
Decapagem (base da Método Laboratório Cronologia
estrutura)
03 40 cm C14 Inst. Radiocarbônico da Univ. de Lyon – França 1280±45 AP
06 60 cm C 14
Inst. Radiocarbônico da Univ. de Lyon – França 1780±60 AP
08 90 cm C14 Instituto de Geociências da UFBA 2530±70 AP
10 1,10 m C14 Instituto de Geociências da UFBA 2650±150 AP
13 1,40 m C 14
Inst. Radiocarbônico da Univ. de Lyon – França 3270±135AP
20 2,10 m C14 Beta Analytic – USA 4790±80 AP
30 3,10 m C 14
Beta Analytic – USA 5570±70 AP
40 4,10 m C 14
Beta Analytic – USA 8950±70 AP
04 0,50 m TL LabDat / UFS 2191±276 AP
08 0,90 m TL Instituto de Geociências da UFS 1800±150 AP
08 0,90 m AD LabDat / UFS 2010±430AP
10 1,10 m AD LabDat / UFS 2700±620 AP
10 1,10 m TL Instituto de Geociências da UFS 2050±140 AP
13 1,40 m PD LabDat / UFS 4310±800 AP
15 1,60 m TL LabDat / UFS 3865 ± 398 AP
20 2,10 m TL Instituto de Geociências da UFS 4496±225 AP
20 2,10 m AD LabDat / UFS 5500±980 AP
Tabela 01. Datações do sítio Justino. Legenda: C14 (Carbono 14); TL (termoluminescência); AD (Dose aditiva); PD
(pré-dose). Fontes: Vergne, 2004; MAX, 2006b; Santos & Munita, 2007
ciação social e que a maior “fixação” nes- capagem 19 (entre 1,90 e 2,00 m de pro-
te período não esteja vinculada ao cresci- fundidade) em diante.
mento populacional ou questões acerca A cerâmica surge no registro arqueo-
de prestígio, poder, cooperação ou mes- lógico a partir da decapagem 32 (01 frag-
mo competição. mento de bojo evidenciado a 3,29 m de
Nossa hipótese diz respeito às flutua- profundidade), entretanto só se torna re-
ções paleoclimáticas que podem ter ocor- presentativa entre as decapagens 21 e 19
rido (Ab’Saber, 2002; Cavalcanti, 2005), e (um intervalo entre 2,20 m e 2,00 m de
que tiveram como conseqüência uma va- profundidade) 8 , com significativo au-
riabilidade significativa nos padrões eco- mento de elementos a partir da decapa-
nômicos/ produtivos e de subsistência do gem 17 (137 fragmentos evidenciados a
grupo (grupos), obrigando-o a permane- 1,80 m de profundidade).
cer mais tempo no canyon e próximo ao A Fase 04 é o período de mais intensa
rio, local com maiores possibilidades e ocupação do Justino, visto que se observa
com menor propensão às flutuações pa- maior quantidade e diversidade de rema-
leoambientais do período, ou seja, com nescentes culturais. Todo o arranjo das
probabilidade menor de ocorrência de sa- estruturas, distribuição espacial, concen-
zonalidade de recursos (Ab’Saber, 2002). trações e associações demonstram que o
A Fase 03 (equivalente ao cemitério C grupo tenha mudado sua morfologia so-
entre as decapagens 34 e 16, em um in- cial, tornando-se, pelo menos hipotetica-
tervalo de 2,10 m)7, foi datada entre 5570 mente, mais complexo. Em relação à tec-
e 3270 AP. Esta foi subdividida em três nologia lítica, não há mudanças extremas,
ocupações distintas: a primeira entre as exceto que o quartzo passa a ser mais uti-
decapagens 34 e 29 (um intervalo de 0,50 lizado para a confecção de instrumentos
m), a segunda entre a 28 e 22 (um inter- expeditos (ou de ocasião). Assim, há uma
valo de 0,60 m) e a terceira entre a 21 e 16 grande freqüência e diversidade dos con-
(um intervalo de 0,50 m). juntos líticos e cerâmicos evidenciados
No início são claras as evidências de (tanto no solo de ocupação quanto em as-
ocupação e re-ocupação do sítio, que pas- sociação com os sepultamentos consti-
sa por processos contínuos de abandono tuindo o mobiliário funerário9.
somados às curtas permanências dos gru- A Fase 05, último período de ocupação do
pos na área, fator verificável pela baixa sítio entre as decapagens 08 e 01 (um interva-
densidade e diversidade de remanescen- lo de 0,70 m), é datada em torno de 1300 A.P.
tes culturais, evidenciando o uso do local É o momento que apresentou maior diferença
enquanto acampamento temporário (en- tecnológica quando comparado aos demais,
tre as decapagens 34 e 24, um intervalo de com a presença de artefatos líticos mais expe-
1,00 m aproximadamente). ditos e vestígios cerâmicos pouco requintados
A partir da decapagem 21 (entre 2,15 e no tocante à decoração plástica.
2,20 m de profundidade) há uma maior De modo geral, uma das características
permanência no terraço, com incidência mais interessantes deste sítio diz respeito à
da explosão dos vestígios cerâmicos da de- diversidade e quantidade de cultura material,
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número das
fases decapagens profundidades datações
ocupações
10 Cabe destacar que, entretanto, acreditamos que a tecnologia cerâmica deve ter ocorrido a partir da decapagens 21/20,
em torno de 4790±80 AP. Vide Fagundes (2007), em especial capítulo 06.
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rial lítico associado, além de outra pequena 0,80 – 1,10 m acima do sepultamento 159
concentração de líticos nas quadrículas FL (base na decapagem 52). A disposição e con-
15/20, indicando a associação com a mancha. centração de vestígios associados às man-
Entre as decapagens de números 50 e 43 chas sugerem algum tipo de ritual que pode
(5,20 a 4,40 m de profundidade), ou seja, na ter sido executado no ato do enterramento.
segunda ocupação da Fase 01, foi possível ob- Em relação às demais manchas escuras
servar a maior concentração de enterramentos evidenciadas nessa fase, podemos observar
representados pelos de número 160, 163 e 161. claramente que há prosseguimento de algu-
Realizando-se o exercício de sobreposi- mas entre as distintas decapagens, sugerin-
ção dos planos de plotação dos vestígios do que eram fogueiras que, devido aos pro-
das oito decapagens, observaram-se as se- cessos naturais, não foi evidenciado carvão.
guintes realidades: Na decapagem 49 foi evidenciar três man-
chas entre as quadrículas FL 11/16, a primei-
• Muita concentração de vestígios no entorno ra com 0,23 m2, a segunda com 0,36 m2 e a
dos enterramentos, o que sugere: (a) Mobili- terceira com 0,42 m2.
ário funerário associado aos sepultamentos, Na decapagem 48 foram evidenciadas qua-
supondo possível deslocamento vertical de tro pequenas manchas (todas inferiores a 0,20
alguns vestígios; (b) Mistura entre enterra- m2), três escuras e uma avermelhada (FM
mentos e vestígios arqueológicos de ocupa- 15/20), com material lítico associado. Perante
ções anteriores. as dimensões pode-se inferir que seriam pe-
• Concentração de vestígios arqueológi- quenas estruturas de combustão para fins bem
cos associados às manchas no solo (de específicos. Nas decapagem 47/46 outra peque-
diferentes colorações), fora do contexto na mancha avermelhada, quadrículas FM
dos enterramentos. 25/30 (sem associações).
Na decapagem 45 ocorre uma mancha de
Os dados apontam para a hipótese de que 1,30 m2 nas quadrículas FL 50/55, com ma-
realmente os sepultamentos pertençam a Fase terial lítico associado e outras duas na FL
02, destacando o fato de que eles ocorrem na 45/50, porém sem associações; a primeira
face norte do terraço (exceto o de número com 0,27 m2 e a segunda com 0,93 m2. Na
160), ambos concentrados entre as quadrícu- decapagem 44 foi evidenciada uma mancha
las AM 40/55, sendo que os indícios inequívo- vermelha alongada com 0,42 m2, porém sem
cos do uso do assentamento como acampa- vestígios associados.
mento, referem-se aos vestígios e associações Enfim, o conjunto das decapagens, a dis-
evidenciados nas faces leste/ nordeste. A ob- posição dos remanescentes culturais aliados
servação das planimetrias indica que os vestí- à cadeia de produção dos conjuntos artefatu-
gios materiais associados às manchas estão ais líticos sugerem o uso temporário do sítio
dispostos ao redor e em semicírculo, caracte- como acampamento nesse período.
rística que permite a inferência de que real- A ausência de estruturas de combustão e
mente se tratavam de fogueiras. de restos faunísticos em quantidade pode ser
Fato a ser destacado é a existência de explicada pela ação de agentes naturais nos
manchas escuras com vestígios líticos de di- processos formativos do sítio, entretanto a
ferentes morfologias associados, localizadas seqüência dessas manchas, somada a dispo-
nas quadrículas FL 45/50, a partir da deca- sição dos vestígios líticos colaboram com
pagem 44 com ápice na decapagem 41, entre nossas hipóteses.
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42 61 06 01 03 02 73 – 06 02 03 84
41 58 04 05 02 – 69 – 06 04 03 82
40 45 07 04 01 05 62 01 – 07 – 70
39 43 05 05 – 01 54 – 05 – – 59
38 52 05 03 02 01 63 01 07 – 05 76
37 66 12 02 03 03 86 02 06 – – 94
36 56 15 03 01 08 83 – 03 – – 86
35 85 26 04 05 08 128 01 07 – – 136
Tabela 03. Remanescentes culturais da Fase 02 do Justino. Legenda: EC= estruturas de combustão; ME=Mancha
escura; RA=restos faunísticos; C=conchas.
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mos ser interessante à realização de um terraço do Justino (além dos demais sítios
exercício especulativo comparando a Fase 03 surgirem após esse período), pode-se inferir
com as demais, em função da série de hipóte- sobre as causas desta quebra de estabilidade
ses que têm sido formuladas, pensadas e re- ocupacional entre a Fase 02 e Fases 04 e 05,
pensadas sobre esse sítio. representada pelas curtas permanências na
A equipe de escavação privilegiou datar o primeira e segunda ocupações da Fase 03.
sítio em intervalos de 1,00 m de profundidade De qualquer forma, todos os dados apre-
entre as decapagens 10 e 40, exceto que dadas sentados são pouco conclusivos e, por isso,
às particularidades dos cemitérios B e A outras o caráter especulativo.
decapagens foram datadas. Com base exclusi- Mesmo com as indicações de Domin-
vamente nesses resultados das datações abso- guez & Britcha (1997) sobre as cheias do
lutas em C14, observou-se que durante a Fase São Francisco e a intensidade das mesmas,
03, entre as decapagens 30 e 20, o processo de não podemos afirmar com certeza até que
formação do terraço foi mais rápido que nos ponto elas influenciaram na organização
demais períodos, ou seja, em aproximadamen- social desses grupos, sobretudo a partir da
te 800 anos fora acrescido mais um metro de decapagem 20 onde a quantidade de rema-
sedimento, conforme tabela 02. nescentes culturais, concentrações e asso-
Os dados de paleoambiente que temos ciações são imensas, não havendo espaços
para a área de pesquisa (Ab’Saber, 1989, sem presença de cultura material, enterra-
2002, 2003; Cavalcanti, 2005), apontam para mentos intactos (exceto na Fase 05, onde há
uma estabilidade climática no Nordeste a muitas concentrações de ossos que podem
partir da passagem do pleistoceno para o ter sido enterramentos bioturbados, porém
holoceno, com a presença do clima semi- em função de diferentes causas), etc.
-árido e da caatinga, sendo que, inclusive, a Logo é extremamente importante des-
região passou por um período ainda mais tacar que se trata de um exercício repleto
árido do que atualmente, com estações se- de limitações, sobretudo do ponto de vista
cas mais prolongadas. Entretanto, é notório geomorfológico, uma vez que não está in-
que o regime de cheias do São Francisco in- cluso em uma teoria interpretativa dos so-
depende, até hoje, do clima semi-árido. los, com dados acerca de índices erosivos
Assim, supondo que no período entre 5500 e de sedimentação aliados à situação to-
e 4500 A.P. as cheias e vazão do rio fossem poambiental da área de estudo, destacando
mais intensas (e por isso que o processo depo- as qualidades de vazão e dinâmica alu-
sicional foi mais rápido que nos demais – le- viais nos terraços.
vando em conta os processos deposicionais Neste caso as informações aqui apresen-
coluviares e os erosivos), seria uma entre as tadas não podem ser consideradas como
possíveis explicações da causa do terraço ter conceitos chaves/interpretativos para ava-
sido ‘abandonado’? Seria em função desta liação da Fase 03, mas indicam a necessida-
condição que os demais sítios arqueológicos de de estudos da relação deposição/erosão e
da Área 03, com base nas datações de alguns formação do pacote arqueológico e sedi-
deles por termoluminescência, passam a sur- mentar no holoceno médio em Xingó.
gir apenas após esse período? Em meio a estas extrapolações pode-se
Dessa forma, somando-se essas hipóteses indicar que entre as causas da inexistência
com a nossa realidade empírica de que os de remanescentes culturais em densidade
grupos não permaneceram muito tempo no no Justino decorre das suposições, a saber:
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Os vestígios líticos estão representados ção das covas para os sepultamentos e que
por trinta e seis peças e, nesse período, no Justino as camadas de ocupação apre-
ocorrem os primeiros elementos cerâmicos sentavam muito pouca inclinação (Vergne,
representados por seis fragmentos. Além 2004); é justo creditar que os indivíduos
disso, nota-se o número elevado de man- exumados entre as decapagens 28 e 22
chas escuras no solo (32 no total). (aproximadamente), sejam provenientes
Observa-se que na área dos sepultamen- de um novo momento nos terraços em Xin-
tos relacionados ao cemitério D (AS 35/55) gó, representado pelo advento da tecnolo-
quase não há remanescentes culturais, sen- gia cerâmica que deve ter ocorrido em tor-
do que a maior parte dos evidenciados nes- no 4790 ± 80 AP (datação para a decapagem
se solo de ocupação diz respeito à parte 20), sendo que os elementos anteriores a
oposta do sítio. esta decapagem devem ter origem também
Na decapagem 34, quadrículas AE 20/25, intrusiva em função da própria intervenção
foi evidenciada uma grande mancha escura humana, pré-histórica, no solo; fato que de-
de 2,80 m2, com bastante material lítico e ver ser somado às características acerca da
restos alimentares associados, inclusive é a freqüência e morfologia dos elementos evi-
maior concentração de peças líticas dessa denciados.
ocupação, visto que nas decapagens subse- Neste caso, recuamos o advento da ce-
qüentes o número de elementos é bem re- râmica em Xingó aproximadamente 1000
duzido, geralmente sem associações. As de- anos. Todavia, esta conjectura necessita de
mais manchas desse período são uma análise mais bem detalhada. Logo, o
numericamente significativas, porém muito que queremos afirmar é que esses ‘mortos’
pequenas, geralmente não passando de 0,20 são provenientes das ocupações entre as
m2, exceto por uma grande mancha escura decapagens 15 e 20/22, ou seja, do último
evidenciada na decapagem 30, de 1,80 m2, período de ocupação da Fase 03.
localizada na área de sepultamento, quadrí- Nessa segunda ocupação, há um redire-
culas FL 50/55, podendo estar relacionada à cionamento do uso do espaço, uma vez que
ritualidade (?). o eixo de utilização se confirma no corre-
A segunda ocupação ocorre entre as de- dor AS 01/35 (aproximadamente 700 m2),
capagens 28 a 22, em um intervalo de 0,70 como salientado, com o surgimento de se-
m, não havendo datações absolutas para pultamentos (decapagens 28 e 27). Diferen-
esse período entre 5570 e 4790 A.P., aproxi- te dos demais cemitérios estudados por
madamente. Há uma diminuição dos rema- Vergne (2004), não há concentrações espe-
nescentes culturais no sítio, evidenciando o cíficas, estando os enterramentos distribu-
seu uso esporádico (sazonal), estando rela- ídos sob forma de conjuntos em semicírcu-
cionado aos acampamentos temporários, lo tanto nas faces norte como face sul do
como associado à ritualidade funerária, sítio.
muito embora possa se alegar à ação de Para Vergne (2004), esses enterramen-
agentes naturais nos processos formativos tos estariam ‘arrumados’ em semicírculos
do registro arqueológico. acompanhando o que seriam as antigas ha-
Nesse período começam novamente a bitações dos primeiros ceramistas na área.
ocorrer enterramentos. Todavia, lembrando A partir decapagem 26 até a 23/22 ob-
que todo o sepultamento é intrusivo, além servam-se poucos vestígios materiais no
disso, que há padrões regulares na confec- solo de ocupação, contudo os vestígios
líticos só aparecem associados às man- seja, um novo cenário que obrigou a popula-
chas no solo, salvo raras exceções. Essas ção a traçar estratégias adaptativas ao meio
concentrações estão distribuídas irregu- natural e social; tal fato é observado empirica-
larmente, sobretudo nesse espaço do sítio mente pelos itens, a saber:
supracitado. De qualquer forma cabe uma
pequena descrição dos remanescentes • O aumento significativo dos remanescentes
culturais por decapagem: culturais evidenciados na escavação, sobretu-
do referente aos itens que são descartados na
• Decapagem 28 – Entre as quadrículas FL área habitacional (espaço ‘doméstico’).
45/50 há um número significativo de cultura • Pela mudança na tecnologia lítica e pelo
material lítica, entretanto associada aos se- advento da cultura material cerâmica.
pultamentos. Na quadrícula EF 49/51 foi evi- • Pela diminuição paulatina na diversidade
denciada uma mancha avermelhada no solo do uso de recursos líticos.
de 0,90 m2, com uma lasca bruta associada. • Diminuição dos implementos de curado-
• Decapagem 27 – ocorre a base do esquele- ria nos solos de ocupação do Justino que,
to 168 na quadrícula AE 26/30, com muito inversamente, passam a existir nos sítios de
lítico associado como enxoval funerário. Na atividade específica.
quadrícula FL 50/55 ocorre uma mancha • Surgimento de novos sítios de terraço.
escura de 0,30 m2 sem material arqueológi- • Diminuição na mobilidade residencial e
co associado. aumento na logística.
• Decapagens 26 e 25 – quase não há vestígios
materiais que ocorrem distribuídos pelo espa- A partir da decapagem 21 observa-se o
ço do sítio, são quatro líticos e dois fragmentos aumento de cultura material lítica e cerâ-
cerâmicos. Há uma pequena mancha escura mica, bem como o número de sepultamen-
na área de sepultamentos, FL 45/50. to que, supostamente, sejam decorrentes
• Decapagem 24 – ocorre o mesmo que nas das ocupações anteriores. Há também uma
anteriores, sendo evidenciados apenas dois nova realidade no uso do espaço no tocan-
fragmentos cerâmicos, associados a uma pe- te aos locais onde os sepultamentos estão
quena mancha na quadrícula AF 15/20. Entre sendo levados a cabo, passando a se con-
as quadrículas AM 10/20 há concentração de centrar na FL 10/35 e na PR 35/39. O que
manchas escuras no solo, todas muito peque- se pode observar por meio da disposição
nas e sem vestígios arqueológicos associados. dos sepultamentos tanto vertical como ho-
Na quadrícula FL 49/52 uma mancha cinza de rizontalmente é uma ‘mescla’ entre os pa-
0,73 m2, com um fragmento de resto faunístico. drões do cemitério D e B. Novamente con-
firmando a hipótese de Vergne (2004), de
Entre as decapagens 21 a 16 é o momento um período transitório.
marcado pelo aumento significativo dos rema- A partir da decapagem 18/16, há uma
nescentes culturais, sobretudo a cerâmica, ‘explosão’ de cultura material, associada
sendo datado em 4790 ± 80 A.P. (Decapagem ou não aos sepultamentos. É a partir des-
20. Beta Analytic). Acreditamos que aqui é o se momento, com ápice no cemitério B,
momento de transição indicado por Vergne que acreditamos que o sítio passa a ser
(2004), onde o grupo passa a se fixar por maior mais usado pelo grupo (ou grupos), tanto
tempo no terraço do Justino, por todos os fato- para execução de suas práticas cotidia-
res que temos discutido ao longo deste texto, ou nas (enquanto espaço doméstico), quanto
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Gráfico 01. distribuição espaço-temporal dos remanescentes culturais evidenciados na fase 03 do sítio justino.
eixo y – quantidade de vestígios eixo x – decapagens: 01 = decapagem 36 e 19= decapagem 16
concentrações de ossos, entre as quadrícu- 21-35, perfazendo 225 m2, também abran-
las FZ 21/32; gendo o setor II do Justino (Vergne, 2004).
• Entre as decapagens 10 e 09 (entre 1,10 m No que se refere aos conjuntos artefa-
a 0,90 m de profundidade) – onde foi exu- tuais líticos, a expediência é notória nes-
mado o maior número de indivíduos, totali- se desse período, mas também encontra-
zando trinta e nove sepultamentos e cinco mos artefatos mais bem manufaturados,
concentrações de ossos, datados em 2650 ± sobretudo em sílex. Aqui o uso do quartzo
160 A.P., com base no carvão da fogueira 19; torna-se realmente majoritário entre os
ambos localizados entre as quadrículas FZ conjuntos líticos (cerca de 73,00%). Nos-
21/35. sa hipótese, como anteriormente se dis-
cutira, vincula-se à maior sedentarização
Ainda segundo Vergne (2004) a distri- do grupo (grupos) nesse período, instau-
buição dos enterramentos nesse momen- rando decididamente o uso do assenta-
to segue uma ordem lógica, estando divi- mento como base (habitação).
didos em diferentes conjuntos: um Segundo nossas inferências, obtidas
principal e quatro secundários, além do em meios aos dados estatístico-comparati-
sepultamento n°165 que se encontrava vos (Fagundes, 2007; 2010b), os núcleos es-
completamente isolado dos demais. gotados encontram-se nas decapagens fi-
É importante frisar que os conjuntos nais desta Fase (11 a 09), período que
secundários trazem especificidades tais também ocorre a maior quantidade de resí-
como vasilhames completos sobre o indi- duos de lascamento (52,28% do total) e
víduo sepultado (conjunto 03, constituído maior freqüência de percutores (52,38% do
pelos sepultamentos de número 118, 116 total). Tais recorrências indicam que em
e 10), ou dentro de vasilhames cerâmicos torno de 2500 A. P. a atividades redutivas
(conjunto 04, sepultamento 167 e 166). para a produção de ferramentas líticas eram
Além disso, a distribuição espacial das mais freqüentes, sobretudo para a manufa-
sepulturas do cemitério B (em forma cir- tura de ferramentas expeditas para uso mo-
cular e extremamente agrupados) sugere mentâneo, com pouca preocupação com a
que os enterramentos tenham sido reali- morfologia ou questões relativas à durabili-
zados seguindo o contorno da habitação dade ou ‘estética’, ou seja, a ferramenta de-
(conforme Vergne, 2004). veria ser útil para uma atividade imediata e
Ou seja, com base nos dados empíricos certamente pouco especializada.
da autora, percebe-se que os enterramen- Na decapagem 11, por exemplo, a maior
tos distinguem-se até mesmo no espaço do parte dos artefatos stricto-sensu estava
sítio arqueológico, além disso, foi notória a constituída por ferramentas sobre seixo ou
hierarquia social entre os indivíduos, ob- bloco, que receberam poucos golpes para a
servada em sua pesquisa por meio da aná- criação de um bordo ativo. São pouco espe-
lise dos remanescentes culturais associa- cializados e pela análise macroscópica per-
dos aos sepultamentos como mobiliário cebeu-se que foram peças utilizadas e des-
funerário (Vergne, 2004). cartadas.
Assim, diferente que se observou no Ce- O conjunto artefatual depositado como
mitério C, os sepultamentos aqui estão mobiliário funerário, entretanto, há modifi-
concentrados (salvo raras exceções) na cações sensíveis. São peças mais bem elabo-
face sul do terraço, entre as quadrículas FZ radas, com marcas claras de manutenção/
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reparos em muitas, sendo que as ações • Na decapagem 10, quadrícula AE 35/40, foi
transformativas pós-debitagem ocorrem evidenciada uma imensa mancha escura de
com maior freqüência, denotando uma aproximadamente 6,00 m2, retangular, com
maior preocupação com a durabilidade do uma significativa quantidade de fragmentos
instrumento, características que afastam a cerâmicos e restos faunísticos associados.
possibilidade desse material ter sido manu- Na quadrícula ao lado, AE 40/45, foram evi-
faturado exclusivamente para fazer parte do denciadas seis manchas escuras, todas de
mobiliário funerário. pequenas dimensões, porém também com
Em relação à tecnologia cerâmica obser- muito material faunístico e fragmentos ce-
vamos uma maior diversidade de tipos de- râmicos associados (mancha 01 = 0,42 m2;
corativos em relação à Fase posterior (Luna, mancha 02 = 0,40 m2; mancha 03 = 0,37
2001; Vergne, 2004). m2; mancha 04 = 0,17 m2; mancha 05 =
No tocante ao estudo dos solos de ocupa- 0,55 m2 e mancha 06 = 0,43 m2). Na qua-
ção dada a quantidade imensa de material é drícula FL 51/55 foi evidenciada a fogueira
quase impossível indicar concentrações e 19 (0,60 m2), com muitos remanescentes
associações. São 61 manchas escuras, todas associados na face norte dessa estrutura, so-
com remanescentes associados; 08 man- bretudo cerâmica, peças líticas e restos fau-
chas claras, 03 manchas vermelhas e 01 nísticos.
mancha cinza. No que diz respeito às estru- • Na decapagem 12 o maior destaque diz
turas de combustão pode-se evidenciar 05 respeito à fogueira 15 (quadrícula AE 36/40
nessa fase do Justino, sendo que 02 que es- com 0,71 m2 de dimensão), onde havia
tavam associadas aos conjuntos de estrutu- grande concentração de remanescentes cul-
ras funerárias foram datadas: as fogueiras turais, dispostos ao redor da estrutura (em
09 e 19. círculo).
Para essa fase, dada a quantidade de re-
manescentes culturais nos solos de ocupa- SOLOS PALEOETNOGRÁFICOS DA
ção, tornou-se difícil a visualização de con- FASE 05 DO JUSTINO
centrações ou associações dos A última fase de ocupação do sítio está lo-
remanescentes culturais, exceto em casos calizada entre as decapagens 08 e 01 (um in-
específicos. Assim, julgamos não ser neces- tervalo de 80 cm, entre 0,10 e 0,90 m de pro-
sária a descrição minuciosa de cada uma fundidade), ocorrendo duas datações para o
das decapagens, exceto para algumas parti- período: para a primeira ocupação 1780 ± 60
cularidades, a saber: AP (decapagem 06); e 1280 ± 45 AP (decapa-
gem 03), para a segunda ocupação.
• Na decapagem 09 a maior concentração de A Fase 05 (equivalente ao cemitério A) foi
remanescentes culturais está na área de se- subdividida por nós em duas ocupações, uti-
pultamentos. Na fogueira 09 (AF 15/20 com lizando como critério a presença de sepulta-
0,18 m2 de dimensão) havia uma concen- mento (que ocorrem entre as decapagens 08
tração de vestígios materiais, sobretudo ce- e 04) ou ausência deles (entre 03 e 01). Entre-
râmica, na face sul dessa estrutura, em for- tanto, o estudo das cadeias operatórias líticas
ma de semicírculo. Na fogueira 08 (AE demonstrou uma similaridade extrema entre
16/20 com 0,80 m2), apesar de maior que a os conjuntos provenientes dessa divisão, no-
anterior não houve nenhum tipo de vestígio toriamente arbitrária.
material associado. Como dito anteriormente, esse pode ser
ANÁLISE INTRA-SÍTIO DO SÍTIO JUSTINO, BAIXO SÃO FRANCISCO – AS FASES OCUPACIONAIS Marcelo Fagundes
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abordagem de lugar, assim como outros tan- Loci, refletindo sobre as condições que per-
tos ramificados do artigo de Lewis R. Binford mitiram certas escolhas/ estratégias e as in-
(1982 11) em que o autor amplia noção de sítio ter-relações entre sociedade versus meio
arqueológico, sem desmerecê-lo, mas apon- que, ao final de nossa pesquisa, nos apareceu
tando para a necessidade de compreensão dos de maneira distinta do que concebíamos.
não-sítios e, principalmente, da importância Constantemente nos reportamos ao con-
em entender as inter-relações entre sítios con- texto enquanto uma unidade básica inter-
temporâneos de uma área. pretativa. O artefato nos diz pouco (ou nada
Assim, discorrer sobre lugares persistentes quando fora de seu ‘contexto’), as estruturas
é diferente de falar em multicomponencialida- devem estar devidamente mapeadas em
de, isto é, o uso do primeiro pressupõe que suas dimensões horizontal e vertical; sítios
houve (ou há) no local sob intervenção, condi- isolados nos respondem sobre uma realida-
ções tais que permitiram sua ocupação e reo- de fracionada. O contexto pressupõe totali-
cupação em longa duração, diferente de um dade, partindo do estratigráfico (diacrôni-
único sítio (ou conjunto de sítios) com níveis co); da distribuição espacial dos vestígios
líticos e lito-cerâmicos. (sincrônico); do domínio de Mauss (1974)
Vale destacar que um sítio (ou sítios) que supõe a interlocução entre as partes
multicomponencial pode ser integrante de constitutivas de um lugar; ou do complexo
um lugar persistente, mas a abordagem situacional de sítios à moda binfordiana; se-
implica na ampliação da noção de sítio ar- guindo pela distribuição de diferentes sítios
queológico, compreendendo os espaços so- em diferentes compartimentos que consti-
ciais, os não-sítios, as ocorrências arqueo- tuem uma paisagem; além das distintas as-
lógicas, etc. sociações entre trabalho, organização tec-
Tal perspectiva está muito próxima ao nológica e estratégias/ escolhas.
que Mauss definiu como domínio em sua no- Assim, acreditamos que o Justino, nosso
ção de estabelecimento (1974), todavia sendo modelo gravitacional, foi ocupado em longa
aqui compreendida em um sentido mais es- duração em distintos momentos da paisa-
pecífico para o uso em Arqueologia, uma vez gem regional, sendo-lhe atribuídas pelo
que sob a ótica dos lugares persistentes pres- grupo (ou grupos) funções diversas ao lon-
supõe-se a paisagem em sua totalidade. go do tempo, até que, em um período que
Nesse caso, o Locus de ocupação ultra- coincide com o aparecimento da tecnologia
passa o sítio arqueológico, estando consti- cerâmica no registro arqueológico, houve
tuído por elementos bem demarcados no uma maior fixação dos grupos no terraço,
sistema sócio-cultural por meio de frontei- fato que não implica na não-existência de
ras estabelecidas enquanto elemento de outros sítios habitacionais em outros com-
significação (mesmo que fluídas), e forma- partimentos da paisagem12.
dos por todos os locais de uso continuado, O modelo criado teve como base os sítios
tanto em uma perspectiva sincrônica, de terraço e é nesse espaço que é aplicado (e
quanto diacrônica (Silva-Mendes, 2007). aplicável), fato que não nos impediu de es-
A intenção do conceito, dessa forma, é pecular sobre a mobilidade e dispersão es-
mapear a utilização em longa duração dos pacial de sítios e ocorrências, tendo como
ANÁLISE INTRA-SÍTIO DO SÍTIO JUSTINO, BAIXO SÃO FRANCISCO – AS FASES OCUPACIONAIS Marcelo Fagundes
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tais em Xingó indicaram que mesmo me- levadas a cabo, aos sítios mais especializa-
diante ao regime de cheias do rio São Fran- dos.
cisco (que existiram), as denominadas Esses dados partiram principalmente da
“excepcionais” não eram tão freqüentes po- análise das cadeias operatórias dos conjun-
dendo ocorrer em intervalos de dezenas ou tos líticos. De modo geral podemos caracte-
centenas de anos. Em suas palavras: rizá-los (Fagundes, 2010b):
O principal risco geológico ao qual estas popu- • Pelo uso de seixos com pré-disposição à
lações primitivas estavam sujeitas era sem dúvi- retirada dos suportes desejados, representa-
da as cheias do rio São Francisco. As cheias ex- dos por lascas quadrangulares e trapezoi-
cepcionais (com tempo de recorrência de dais, unifaciais, sendo que em alguns foram
algumas dezenas ou até mesmo uma centena realizadas ações transformativas pós-debi-
de anos) podiam alcançar cerca de 25 metros tagem, representadas por golpes de adelga-
acima do nível normal do rio. Estas poderiam çamento e retoques (curtos e em escama),
resultar em grande destruição, até mesmo com executados na face interna para atingir a
mortes, uma vez que se tratam de fenômenos re- externa (retoques diretos). O tipo de técnica
lativamente rápidos e de grande capacidade mais freqüente é a unipolar, com uso de
destruidora (Landim Dominguez e Brichta, percutor duro. Em suma, a escolha pelo su-
1997:07) [grifo nosso]. porte pressupõe uma economia nos gestos
técnicos: seixos com certa morfologia para
Além disso, uma visão mais minuciosa obtenção de lascas corticais ou semi para
sobre os espaços topográficos próximos ao produção dos implementos líticos.
terraço demonstra que há condições reais • Pela produção de raspadores sobre seixos,
de formação de acampamento e/ou aldeias, novamente suportes previamente escolhi-
distante cerca de 50 a 200m das margens do dos por sua morfologia, onde foram realiza-
rio 13. dos golpes abruptos e perpendiculares ao
Durante as duas primeiras ocupações da eixo morfológico da peça para a obtenção
Fase 03, atestamos que o sítio Justino passa de gume ativo, sendo este último muito
a ser menos utilizado pelo grupo quando pouco trabalhado e, quando há retoques, é
comparado as estruturas e remanescentes evidente que foram realizados com a inten-
culturais com a Fase 02. ção de ativação do bordo.
Uma das causas poderia ser estas cheias • Uso preferencial do sílex, mas o quartzo é
excepcionais entre 5500 e 4500 A.P., mas, extremamente utilizado, sobretudo para a
novamente, não há dados concretos. No en- obtenção de lascas corticais para uso oca-
tanto, o emaranhado de dados elencados sional.
(Fagundes, 2007; 2010a, 2010b, 2010c) aca- • Utilização de pequenos blocos de quartzo,
bou por nos permitir inferir que os sítios da geralmente quadrangulares, como raspado-
Área 03 em Xingó realmente seriam com- res, onde foram realizadas pouquíssimas
plementares em meio a um amplo sistema transformações para adelgaçamento do
de assentamento regional: do sítio base, bordo à ativação de um gume cortante.
onde as atividades sociais cotidianas eram Enfim, é uma indústria expedita, mas
ANÁLISE INTRA-SÍTIO DO SÍTIO JUSTINO, BAIXO SÃO FRANCISCO – AS FASES OCUPACIONAIS Marcelo Fagundes
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que traz consigo traços fundamentais para a ses autores, guiamos nosso olhar para o sí-
compreensão da pré-história de Xingó. tio Justino. Com exceção das Fases 04 e 05,
Uma das grandes discussões sobre o sí- pudemos realizar exercícios com as plantas
tio Justino diz respeito a sua estratigrafia. de plotação de vestígios e pudemos verificar
Acreditamos que é uma estratificação com- que vestígios nessas camadas entre 40 e 70
plexa e de difícil leitura14 . Além havia a pos- cm se relacionavam em diferentes estrutu-
sibilidade real de movimentação vertical ras ou concentrações (apresentado nesse
das peças e mistura dos solos de ocupação. texto).
Justamente por isso preferimos seguir as De qualquer forma, o sítio Justino é um
orientações paleoambientais de Landim importante assentamento no vale do São
Dominguez & Britcha (1997). Francisco e novos estudos são necessários
Assim, não se pode negar que ocorrem para se discutir lacunas existentes, princi-
movimentos verticais ou que processos ero- palmente em sua estratificação. Para tanto,
sivos foram responsáveis por perdas de par- como apresentado em nosso doutoramento
celas significativas dos solos de ocupação, (2007), dados paleoambientais seriam fun-
todavia estamos falando de uma área de damentais para a compreensão do contexto
1265 m2 escavadas. Com a orientação des- arqueológico regional.
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