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ISSN IMPRESSO 2316-333X

E-ISSN 2316-3828
DOI-10.17564/2316-3828.2018v7n1p137-148

artigos de demanda

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO “EXOTISMO AMAZÔNICO”


LA CONSTRUCCIÓN HISTÓRICA Y SOCIAL DEL “EXOTISMO AMAZÓNICO”
THE HISTORICAL AND SOCIAL CONSTRUCTION OF “AMAZON EXOTICISM”

Rafael de Figueiredo Lopes1 Wilson de Souza Nogueira2

RESUMO
O artigo propõe uma reflexão sobre o contexto exótico a Amazônia costumam reproduzir símbolos e valores
e espetacular atribuído à Amazônia, numa perspec- do imaginário colonizado, reforçando estereótipos,
tiva metodológica ecossistêmica comunicacional, ou clichês culturais e limitando a compreensão das sin-
seja, analisando o fenômeno na articulação entre fa- gularidades de uma região heterogênea.
tores históricos, humanos, socioculturais, ambientais
e tecnológicos. Percebe-se, que a força de ideologias
hegemônicas construíram ideias e valores que ainda
Palavras-chave
se propagam no senso comum, principalmente, pelos Ecossistemas Comunicacionais. História. Amazônia.
meios de comunicação. Assim, as concepções sobre Imaginário.

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ABSTRACT
This paperproposes a reflection on the spectacular reproduce symbols and values of the colonized imagi-
exoticism related to Amazon. The methodological ap- nary, reinforcing stereotypes, cultural clichés and lim-
proach follows the bias of communicational ecosys- ited understanding of the peculiarities of the region.
tems, analyzing the phenomenon on the relationship
between historical factors, human, social, cultural,
environmental and technological. It can be seen that Keywords
the strength of hegemonic ideologies built ideas and
values propagated by common sense, influenced by Ecosystems Communicational. History. Amazon.
the media. Thus, the concepts of the Amazon usually Imaginary.

Resumen
El artículo propone una reflexión sobre el contexto cación. Así, las concepciones sobre la Amazonia sue-
exótico y espectacular atribuido a la Amazonia, en len reproducir símbolos y valores del imaginario co-
una perspectiva metodológica ecosistémica comuni- lonizado, reforzando estereotipos, clichés culturales
cacional, o sea, analizando el fenómeno en la articu- y limitando la comprensión de las singularidades de
lación entre factores históricos, humanos, sociocul- una región heterogénea.
turales, ambientales y tecnológicos. Se percibe, que
la fuerza de ideologías hegemónicas han construido
ideas y valores que aún se propagan en el sentido
Palabras clave
común, principalmente, por los medios de comuni- Ecosistemas Comunicacionales. La historia. Amazonia.

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1 CONFIGURANDO UM ECOSSISTEMA nidades e organizações que estão desenvolvendo no-


vas formas de pensamentos e que se estabelecem com
COMUNICACIONAL PELO PENSAMENTO COMPLEXO novos princípios. (CAPRA, 2006, p. 259).

Neste artigo propomos uma reflexão acerca da Para Capra (2002) o maior desafio é mudar a
construção do imaginário exótico e espetaculari- maneira de pensar, descortinando uma nova visão
zado sobre Amazônia, apresentando fragmentos e da realidade. Segundo o autor, é necessário ultra-
impressões desde a formação natural da região até passar as noções mecanicistas e reducionistas, que
inter-relações com as diferentes fases de ocupação ainda guiam muitas teorias ancoradas no pensa-
humana e suas transformações socioculturais, polí- mento cartesiano-newtoniano.
ticas e econômicas, marcadas por profundas trans- Segundo Morin (2002) a construção do conheci-
formações em diferentes períodos. mento é um processo auto-eco-organizador, sempre
Por tratar-se de um tema amplo, em torno de um em transformação, devido às dimensões sensíveis e
objeto complexo, não se busca uma análise focada cognitivas, que organizam e desorganizam a consci-
em resultados práticos ou respostas, pois a intensão ência sobre o que nos rodeia, como um circuito em
é exploratória, levantando questionamentos e apre- movimento de múltiplas relações. O autor salienta
sentando uma possibilidade de leitura sobre a temáti- que o pensamento complexo é ecológico porque não
ca. Sendo assim, optou-se por trazer à tona aspectos separa a dimensão humana (biológica, psíquica, espi-
diversos, tecidos numa contextualização relacional, ritual) da relação com seus ambientes (social, cultu-
com destaque para questões da Amazônia brasilei- ral, econômico, político, natural). Portanto, o sentido
ra, já que seria muito complicado retratar no espaço dialógico permite uma associação de complementari-
de um artigo todas a Pan-Amazônia, uma região com dades, concorrências e antagonismos, em constantes
mais de sete milhões de quilômetros quadrados, per- divergências e conciliações provisórias.
passando por nove países da América do Sul. Assim, ao nos imbuirmos nessa concepção, propo-
A abordagem metodológica é guiada pelo viés dos mos um arranjo teórico-metodológico em movimento,
Ecossistemas Comunicacionais (COLFERAI, 2014), como uma espiral que tangencia autores de diferen-
a partir da perspectiva inter e transdisciplinar do tes áreas, para a melhor aproximação com o objeto
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comu- investigado, que é caracterizado por deslocamentos,
nicação da Universidade Federal do Amazonas, que fluidos na plasticidade de suas metamorfoses espaço-
propõe analisar os fenômenos pela inter-relação de -temporais, como veremos a seguir.
elementos socioculturais, ambientais e tecnológicos
(MONTEIRO; ABBUD, PEREIRA, 2012). Uma proposta 2 AMAZÔNIA: AS ORIGENS DE UM IMAGINÁRIO
alinhada às concepções dos novos paradigmas da ci-
ência, baseada em ideias do pensamento complexo e Séculos antes dos navegadores europeus chega-
sistêmico, a partir de quadros teóricos e pensadores rem à região que hoje é conhecida por Amazônia ela
que acreditam em uma reforma de ordem epistemoló- já era povoada, portanto, não foi descoberta como
gica e prática do fazer científico. costuma-se reforçar na visão de algumas ideologias.
Na época, estima-se que havia entre dois e seis mi-
Essa visão transcende as atuais fronteiras discipli-
nares e conceituais [...]. Não existe no presente mo-
lhões de pessoas distribuídas por essa imensa planí-
mento, uma estrutura bem estabelecida, conceitual cie, mas alguns pesquisadores apontam a possibili-
ou institucional, que acomode a formulação do novo dade de uma população ainda maior. E, assim como
paradigma, mas as linhas mestras de tal estrutura já em outras regiões da (atual) América, era formada por
estão sendo formuladas por muitos indivíduos, comu-
uma complexa teia de relações e atividades. Entre-

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tanto, conforme Pizarro (2012) toda uma diversidade atrás mostram como é antiga a presença humana na
étnica e cultural foi ignorada e suplantada a partir da região. Acredita-se, que os primeiros grupos possam
imposição etnocêntrica europeia, com reflexos que ter chegado há 20 mil anos, provenientes da Ásia
permanecem até hoje, traduzidos numa visão “exóti- quando alcançaram a América pelo Estrito de Bering,
ca” – construída pelo olhar estrangeiro. foram descendo e povoando o continente, acompa-
nhando as grandes manadas de animais, já que sobre-
Como qualquer explorador, chegamos com imagens viviam como caçadores-coletores.
preconcebidas e com os mitos produzidos sobre ela,
como o do território verde com populações indígenas,
Quando os primeiros grupos humanos chegaram
do paraíso, do pulmão do mundo, entre tantos outros. à região, a vegetação era formada por savanas com
Como dizíamos, uma consideração ampliada do cul- manchas de florestas ciliares. Fósseis encontrados
tural pode vir a incorporar uma variedade de elemen- principalmente próximos a barrancos de rios indicam
tos, mas nossa inquietude se orienta especialmente
para o modo como foram construídos, e ainda se
a presença de animais como o mastodonte, a pregui-
constroem, no discurso, os imaginários sobre esta ça-gigante, o toxodonte e o tigre-dentes-de-sabre,
área (PIZARRO 2012, p. 29). entre outros. Cerca de seis e sete mil anos atrás o
planeta passou por profundas mudanças climáticas
No livro A invenção da Amazônia, Gondim (2007) que impactaram à região, tornando-a mais quente
diz que Amazônia foi concebida a partir de uma série e úmida e com isso houve a expansão da floresta,
de relatos que começaram a ser escritos pelos primei- como aponta Prous (2007, p. 14), “além dos vestígios
ros colonizadores, depois pelos viajantes, missionários culturais, os vestígios naturais informam sobre o pa-
religiosos e artistas. A autora remonta um painel his- lioambiente: clima, vegetação, fauna e topografia,
tórico do século XVI ao século XX. Conforme Gondim que mudaram ao longo do tempo, influenciando as
(2007), esses aventureiros e viajantes deixaram os coletividades humanas”.
seus registros de entusiasmo, preconceitos e fantasias, Uma das consequências desse processo foi o au-
acendendo o imaginário dos europeus, que sonhavam mento dos recursos de alimentação, marcando uma
com o “paraíso e a fonte da eterna juventude”. segunda fase na ocupação da Amazônia, caracteri-
Para Colombo e os navegadores que o seguiram, zada pelo início da formação sociocultural. Há apro-
expectativas e impressões sobre as Índias Orientais e ximadamente cinco mil anos, os bandos passam a
a China teriam originado um imaginário fabuloso e o permanecer por mais tempo numa determinada área
impacto dessa construção simbólica foi tão forte que e começam a praticar a agricultura e intensificam a
ainda no século XVII os viajantes procuravam o des- fabricação de objetos cerâmicos. Com o surgimento
conhecido e o fantástico no “novo continente”, con- da chamada Cultura de Floresta Tropical, os povos
forme Gondim (2007). A autora vai ainda mais longe, que habitavam a região diversificaram suas práticas
afirmando que a invenção social da Amazônia traz e constituíram-se em diferentes culturas que se de-
resquícios da mitologia grega somados a concepções senvolveram durante vários séculos, destaca Prous
bíblicas, devido ao poder da Igreja durante a Idade (2007). Nesse contexto ocorreu o encontro entre as
Média, deixando rastros até os nossos dias. populações nativas e os exploradores europeus.
Porém, antes de nos concentrarmos nos relatos
dos viajantes, é interessante compreendermos como Em busca do Eldorado
essa imensa região geográfica formou-se e desen-
volveu-se anteriormente à chegada dos europeus. Nos séculos XV e XVI Portugal e Espanha eram gran-
Há diferentes teorias sobre o processo migratório de des potências econômicas, que por meio da navegação
ocupação, mas segundo Prous (2007), vestígios cerâ- expandiam seus impérios. O tratado de Tordesilhas, as-
micos, inscrições e pinturas rupestres de 11 mil anos sinado em 1494, criou uma divisão territorial, na qual

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a atual Amazônia (mesmo ainda desconhecida ou não ao longo do maior rio do mundo, foram feitos pelo
explorada pelos europeus) estava dentro dos domínios frei Gaspar de Carvajal. Essa percepção, possivel-
espanhóis. Na época do tratado, Cristóvão Colombo já mente, seja responsável pelo início da construção
havia chegado a América Central, em 1492. do imaginário fantástico sobre a região, inclusive a
Já a chegada dos europeus ao Brasil é oficialmente referência de seu nome.
tomada a partir da expedição de Pedro Álvares Cabral,
em 1500, na viagem que tinha por objetivo chegar à Pressionados por adversidades comuns à época,
os homens sonham encontrar o paraíso e a fonte
Índia contornando a África e acabou se desviando da da eterna juventude. A tradição religiosa dizia que
rota. Não há documentação que comprove que essa um grande rio nascia naquele local aprazível, cujas
mudança tenha sido intencional ou se deva ao acaso águas encobriam riquezas, e não muito longe, uma
depois de uma tempestade (como didaticamente se fonte convidava para a total supressão dos males so-
ciais, onde a fome, as doenças e as pestes continu-
ensina), mas os portugueses já eram conscientes da amente dizimavam respeitáveis contingentes huma-
possibilidade de grandes extensões de terra a oeste. nos. (GONDIM, 2007, p.13-14).
Como aponta Bueno (1989), há controvérsias sobre a
história oficial e muitos historiadores sustentam que Segundo os relatos dessa viagem, o grupo de
outros navegadores teriam chegado ao Brasil antes de Orellana se confrontou com uma tribo na qual as
Cabral, como Vicente Yáñez Pinzón, Diego de Lepe e mulheres demonstravam coragem e habilidades de
Duarte Pacheco Pereira, que em 1498, numa expedição verdadeiras guerreiras ao dispararem flechas, dar-
encomendada pela Coroa Portuguesa, para conhecer o dos e zarabatanas para defender seu território. De-
que poderia estar além da linha de Tordesilhas, teria vido a essa postura destemida, os exploradores as
chegado à foz do rio Amazonas e à Ilha de Marajó. relacionaram com as guerreiras Amazonas da mito-
A conquista de novas terras estimulava a cobiça, logia grega, que ainda povoava a imaginação euro-
pois a partir do reconhecimento e posse, se afirma- peia. A partir daí, o lugar passou a ser chamado de el
vam o poder político e econômico de Portugal, Espa- rio de las amazonas.
nha e outros impérios que buscavam estender seus Na mitologia grega, as amazonas formavam
domínios. E assim se desenvolveu a terceira fase de uma nação de mulheres que excluía a participação
ocupação na Amazônia. masculina. Eram exímias guerreiras e para manejar
melhor o arco cortavam um dos seios. Para perpe-
Antes de chegar à região, os expedicionários acumula-
vam sonhos e fantasias acerca da Amazônia. Mas ela
tuarem a raça, uma vez ao ano, mantinham relações
sempre foi misteriosa e, as sensações que eles tinham, sexuais com homens de uma tribo vizinha. Os me-
é lógico, incluíam o medo de não encontrar o que tanto ninos nascidos desses encontros eram mortos ou
ansiavam. O que de fato aconteceu. Os indígenas se- encaminhados aos pais, já as meninas eram criadas
riam os habitantes que ajudariam os brancos a con-
seguir extrair a riqueza do local e ao mesmo tempo os
pelas mães e treinadas para as práticas agrícolas,
auxiliariam na adaptação à região, mas não aconteceu caça e artes da guerra. Na época da expedição de
dessa maneira (GONDIM, 2007, p.163). Orellana já havia entre os índios da região a crença
das Icamiabas, tribos formadas por mulheres lide-
A primeira grande expedição à região foi reali- radas por uma cunhã virgem. Não tinham contato
zada entre 1540 e 1542, comandada pelo espanhol com homens além da necessidade de procriação.
Francisco de Orellana (primeiro explorador a per- Os bebês meninos eram sacrificados ou abandona-
correr o curso do rio Amazonas dos Andes ao Atlân- dos na natureza, enquanto as meninas se tornavam
tico). Os relatos dessa viagem, que são os primei- guerreiras. Essa lenda teria chegado ao conheci-
ros registros escritos sobre a floresta amazônica e mento dos exploradores, que no transcurso da via-
a diversidade de ambientes e culturas encontradas gem, possivelmente, tiveram algumas experiências

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que os fizeram relacionar as histórias, recriando no 3 COLONIALISMO CANIBAL: O “CIVILIZADO DE-


novo mundo um mito clássico. Inclusive descreven-
do as Icamiabas como mulheres desnudas, altas, VORA O SILVÍCOLA”
brancas e de cabelos compridos dispostos em tran-
ças dobradas no topo da cabeça. No século XVI a região amazônica pertencia à
Espanha, mas logo Portugal começou a impor estra-
A narrativa maravilhosa de Carvajal deixou como he- tégias para o seu controle, devido a invasões de in-
rança à grande maioria dos viajantes, a história das gleses, franceses e holandeses. Em 1616, na foz do
Amazonas no império dourado de Canhori. Quase
trezentos anos depois, viajantes a serviço de seus pa-
rio Amazonas, foi fundado o Forte do Presépio, para
íses ainda se perguntavam pelas guerreiras solitárias. proteger a região de invasões estrangeiras, dando
(GONDIM, 2007, p.169) origem à cidade de Belém. Nessa época os portugue-
ses estavam interessados em ampliar seus domínios
Devido ao motivo exploratório da empreitada em direção a oeste, explorando as riquezas vegetais,
de Orellana, a viagem está relacionada com o for- minerais e animais da floresta.
talecimento do mito do Eldorado. Neste caso, uma A partir de 1637, uma grande expedição comanda-
possível referência ao mito do soberano de uma da pelo português Pedro Teixeira, composta por mais
cidade com construções de ouro perdida no meio de duas mil pessoas, avançou pelo rio, estabelecendo
da floresta. A busca por esse lugar, que jamais fora núcleos de povoamento, explorando a mão de obra
encontrado, teria sido a motivação de muitas expe- indígena e extraindo produtos da floresta que eram
dições, pois os relatos indígenas aguçavam a am- comercializados a altos preços no mercado europeu,
bição dos desbravadores. Historiadores relacionam como a castanha, o cacau, o tabaco, peles de animais,
a busca pelo Eldorado com inúmeras lendas, entre entre outros que ficaram conhecidos por drogas do
elas a dos índios Chibcha, que viviam próximo a atu- sertão. As dificuldades dos europeus em desbravar
al Bogotá (Colômbia), e em seus rituais religiosos o ambiente natural da Amazônia, com condições cli-
tinham o costume de cobrir o corpo do rei com uma máticas adversas, uma fauna e flora diferentes do que
resina sobre a qual sopravam um finíssimo pó dou- estavam acostumados, criavam a ideia de uma região
rado, para que ele se banhasse em uma lagoa como indomável, selvagem, o que o imaginário do coloniza-
oferenda ao seu deus. dor classificou como o “inferno verde”.
A expedição de Orellana não foi a primeira nas
terras que hoje integram a Amazônia, conforme A Amazônia é, assim uma construção discursiva. So-
mente através dessa construção é possível chegar a
ressaltam Bolle; Castro; Vejmelka (2010), porém
sua imagem. Esta região do imaginário é a história dos
foi a mais expressiva das incursões espanholas e discursos que foram erigindo, em diferentes momen-
lançou os fundamentos do que se sustenta como o tos históricos, dos quais recebemos apenas uma ver-
que chamam de “região universal e teatro do mun- são parcial, a do dominador. (PIZZARRO, 2012, p. 33).
do”. Nessa viagem pela primeira vez o grande rio foi
percorrido em toda a sua extensão e sua intrincada O processo de colonização que subjugou ou ex-
geografia, algo completamente diferente do que os terminou culturas indígenas no atual Brasil também
europeus estavam acostumados, com situações que ocorreu em outras regiões do “novo-continente”, com
variavam da cooperação ao conflito armado, devido a mutilação de povos, seu patrimônio material e sua
à diversidade de povos que encontraram ao longo memória. Sociedades que vinham sendo consolidadas
do caminho. Somado a isso, estava à ambição, nas há séculos, como os Astecas, Maias, Incas e os indí-
infindáveis promessas de riqueza (BOLLE; CASTRO; genas da América do Norte (num período posterior),
VEJMELKA, 2010). foram sendo dominadas e perdendo suas identidades.

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As diversas vozes contidas nos “discursos narrativos da rar o atraso de Portugal em relação a outras potências
conquista” veiculam-se, sob três formas principais: o
europeias pelo incremento comercial com a Europa
“discurso mitificador”, que opera uma ficcionalização
tanto da realidade do Novo Mundo quanto da natureza a partir das mercadorias produzidas na região, tais
e do significado do processo de conquista, o “discur- como cacau, canela, cravo, algodão e arroz, dando
so de desmitificação” (discurso narrativo do fracasso) início a uma nova fase no desenvolvimento da região.
que questiona os modelos formulados pelo primeiro
Essa segunda metade do século XVIII também é
deles, e o “discurso narrativo da rebelião”, que estuda
o processo de crise e liquidação simbólica dos mitos e marcada pela chegada dos primeiros escravos afri-
modelos anteriores (MIGÑOLO, 1982, p. 57). canos na região do baixo Amazonas, se concentrando
mais entre o Pará e o Amapá. Como os índios não se
Em menos de dois séculos de exploração europeia, adaptavam ao trabalho pesado além de serem facil-
a região amazônica, que era formada por uma multi- mente afetados por doenças, os negros supriram a
plicidade cultural, passou a servir exclusivamente aos demanda, sobretudo, na construção civil e nas plan-
interesses da coroa portuguesa. Seus habitantes na- tações de cacau e demais atividades agrícolas e de
tivos foram escravizados ou forçados a assumir uma extrativismo. Muitos conseguiram fugir e assim fo-
nova configuração dentro de um processo que redu- ram formados os primeiros quilombos. Na época a
ziu maciçamente a população indígena. Entre as im- miscigenação de raças era estimulada para aumentar
posições do colonizador vieram as missões religiosas, o povoamento na região, fazendo florescer o que
principalmente dos jesuítas (expulsos em 1759, acu- convencionou chamar de população cabocla.
sados de tentar criar um estado próprio no reino de
Portugal) e dos franciscanos, com o intuito de conver- Tanto portugueses como espanhóis, no processo de
conquista e ocupação, transplantaram e difundiram
ter os índios a fé cristã e utilizar sua força de trabalho. os valores e símbolos culturais europeus. A socieda-
Os brancos também disseminaram doenças entre os de nativa amazônica, ao receber o impacto dominante
povos nativos, como a gripe, o sarampo e a tubercu- desses valores e sistemas imperiais, aculturou-se, por
lose. Enfermidades, até então desconhecidas e que via de submissão, acomodação, assimilação ou confli-
to, sobrepondo-os ou integrando-os à própria cultura
fizeram sucumbir aldeias inteiras sem que “nenhuma original. (BENCHIMOL, 2009, p. 73-74).
pajelança” fosse capaz de reverter à situação.
O Tratado de Madri, em 1750, determinou oficial-
mente os domínios territoriais entre as colônias de 4 DA ASCENSÃO À QUEDA DO “OURO BRANCO”
Portugal e Espanha, visto que na prática ambas as
cortes nunca cumpriram com o que havia sido firma-
NO “INFERNO VERDE”
do em Tordesilhas. Há de se ressaltar que nessa época
No século XIX, quando o Brasil se tornou indepen-
os mapas eram bastante imprecisos o que dificultava
dente de Portugal, a região amazônica passou por
avaliar a real extensão das terras. Além do critério do
grandes transformações políticas e sociais. A Caba-
direito de posse (e os povoamentos portugueses já
nagem (1835-1840, no atual estado do Pará) foi uma
estavam estabelecidos em muitas regiões), os mapas
revolta, que por interesses diferentes, congregou ín-
que serviram de base para o tratado, encomendados
dios, mestiços e caboclos (que sobreviviam na penú-
por Portugal, propositadamente apresentavam algu-
ria) com a elite econômica (comerciantes e fazendei-
mas distorções no traçado de rios, o que favoreceu a
ros) na luta contra a exploração do governo regencial.
corte de Dom João V e praticamente estabeleceu o
Calcula-se que durante o conflito a província do
contorno geográfico das fronteiras do Brasil atual.
Grão-Pará tenha perdido cerca de 40% da sua popu-
Após o Tratado de Madri foi criada a Companhia
lação, sem que os cabanos tenham alcançado seus
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, pelo
objetivos. A decadência foi acentuada na região e só
Marquês de Pombal, em 1755, com o objetivo de ti-

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começou a mudar a partir da criação da província do gurado em 1896, numa época em que a borracha
Amazonas, desmembrada do Grão-Pará, em 1850, era responsável por quase metade das exportações
quando surgem os primeiros movimentos de valori- brasileiras.
zação industrial da borracha extraída da seringuei- O declínio deste ciclo, que durou cerca de três
ra, que já era utilizada pelos índios na fabricação de décadas, se deu com o fim do monopólio brasileiro
objetos como botas e recipientes. Entre 1870 e 1900 na produção da borracha, devido a implantação de
aproximadamente 300 mil nordestinos migram para seringais na Ásia (mais produtivos que os brasilei-
trabalharem nos seringais juntamente com os indí- ros), o que proporcionou comercializar a borracha
genas, pois devido a Revolução Industrial, as fábricas com preços mais competitivos no mercado interna-
(principalmente a indústria de pneus) importavam cional. Essa mudança teve como pano de fundo um
matéria prima em grande quantidade. dos casos mais famosos sobre biopirataria, pois os
Esses migrantes, empurrados pela pobreza e seringais constituídos na Malásia, Sri Lanka e Indo-
constantes secas no Nordeste, acabaram tendo que nésia, tiveram origem em sementes de seringueiras
se adaptar a uma realidade tão dura quanto a que contrabandeadas da Amazônia.
viviam anteriormente, porém com uma rotina dife- O declínio da atividade fez com que muitos se-
rente. Foi preciso avançar para dentro da selva e re- ringueiros voltassem para o nordeste e ocorreu um
alizar um trabalho pesado na extração da seiva da despovoamento significativo na região entra as dé-
seringueira, em sua defumação e no processamento cadas de 1920 e 1930. Na década seguinte, com a
do látex e no transporte do material até às margens Segunda Guerra Mundial, os países aliados contra
dos rios, de onde eram levados ao comércio nas cida- a Alemanha não tinham acesso a borracha asiática
des e posteriormente embarcados em navios para a devido o controle japonês e precisaram recorrer a
Europa e América do Norte. Amazônia para não comprometer a indústria bélica,
Diante desse contexto, a ideia do “Inferno Verde” como vemos em Martinello (1988). Nesse período
voltou a ser marcada no imaginário sobre a região. ocorre uma segunda migração em massa de nordes-
Os seringueiros (trabalhadores dos seringais) e suas tinos para o norte, são os chamados “soldados da
famílias, que também atuavam na produção da bor- borracha” (para quem estava em idade militar: ou
racha, eram explorados ao extremo e sobreviviam de lutava na guerra ou ia trabalhar nos seringais), con-
forma rudimentar (praticamente presos num perverso vocados pelo governo do presidente Getúlio Vargas
sistema de aviamento), impedidos de conquistar sua que tinha o apoio dos Estados Unidos com grandes
independência financeira, enquanto os seringalistas investimentos para a retomada da produção de bor-
(exploradores dos seringais) e comerciantes usufruí- racha na Amazônia.
am da riqueza proporcionada pela atividade. O discurso para atrair trabalhadores, em todo o
Cidades como Belém e Manaus se desenvolve- país, ganhou força, recorrendo a ideias de paraíso
ram rapidamente e ganharam ares cosmopolitas da fartura e fortuna, quase numa alusão ao antigo
com a vinda de estrangeiros como sírio-libaneses, mito do Eldorado. No entanto, na prática, a marcha
ingleses, italianos e franceses, interessados em para o oeste não trouxe a riqueza para os traba-
formar atividades comerciais e de exportação. As lhadores, que mais uma vez se viram presos numa
capitais importaram hábitos e costumes da moda cadeia de exploração econômica injusta. Quando a
e passaram a usufruir de requintes que contrasta- guerra chegou ao fim, os norte-americanos desis-
vam com a realidade brasileira, como luz elétrica, tiram de levar adiante os investimentos na região
sistema de água encanada, rede de esgoto e bonde devido à baixa produtividade. Cerca de 30 mil serin-
elétrico. Prédios e palacetes suntuosos foram er- gueiros morreram vítimas de doenças e abandona-
guidos, como o imponente Teatro Amazonas, inau- dos pelo governo brasileiro.

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5 AMAZÔNIA FRAGMENTADA: nal, entre eles os assassinatos do líder sindical Chico


Mendes, em 1988 e da missionária norte-americana
OS REFLEXOS DA DITADURA Dorothy Stang, em 2005 e o no conflito conhecido por
massacre dos Carajás, em 1996.
Na década de 1960, a ditadura militar pretendia Mesmo com tantos problemas é possível pensar
integrar a Amazônia com o resto do país, pregava a num futuro com otimismo por meio da capacidade de
unificação nacional e a proteção da floresta contra a adaptação que a Amazônia tem, conforme percebe-
“internacionalização”. Os militares realizam obras em mos em Samuel Benchimol:
infraestrutura para a ocupação da região e a constru-
ção de estradas, a principal é a Transamazônica, ro- Tudo isso indica que a Amazônia está sofrendo um gran-
dovia ligando Cabedelo (PB) à Lábrea (AM). A política de processo de mudança e transformação. Mudança,
tanto no sentido econômico, pela ampliação e surgi-
do “integrar para não entregar” propunha um novo mento de novas atividades produtivas, como no campo
modelo de ocupação com projetos mineradores, ma- cultural, pela absorção de novos grupos humanos que
deireiros e agropecuários, e se daria com a criação de para aqui se deslocaram. (BENCHIMOL, 2009, p. 487).
polos de desenvolvimento espalhados pela Amazônia,
entre eles se deu a implantação do polo tecnológico e O resultado de um processo de ocupação tão inco-
industrial da Zona Franca de Manaus. Entretanto, as mum só poderia resultar numa complexa diversidade
consequências dessas iniciativas não se traduziram social e cultural inseridas num dos ambientes naturais
num progresso totalmente “sustentável” para o norte mais “aclamados” pelo mundo. Hoje se fala que o de-
do país, diante da constatação de inúmeros proble- safio para o desenvolvimento sustentável da Amazônia
mas que crescem a cada ano. passa pela compreensão do seu processo histórico.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE) de 1970 para 2000 (último
senso realizado por completo na região) a população
6 UM ESTIGMA INSUPERÁVEL?
da Amazônia Legal passou de sete milhões para vinte
Segundo Soranz (2012) o processo histórico mol-
e um milhões de habitantes, ou seja, triplicou nesse
dou a ideia de uma Amazônia caracterizada pelo exo-
período de 30 anos, obrigada a se adaptar dentro de
tismo, pela espetacularização e os meios de comuni-
um crescimento desordenado. Em 2009 a área desma-
cação reproduzem tais concepções por meio de livros,
tada atingiu a marca dos 70 milhões de hectares, e
filmes, telenovelas, telejornalismo, conformando uma
segundo ambientalistas a principal causa é o avanço
“Amazônia Midiática”. Conforme o autor, a região cos-
da pecuária extensiva que derruba a floresta para for-
tuma ser restringida à exuberância de sua paisagem e
mar pastagens, também tem relação com a explora-
aos aspectos folclóricos, enquanto as populações são
ção ilegal de madeira, grilagem de terras e projetos de
inferiorizadas ou quase não têm destaque, além dis-
assentamento que não cumpriram sua função social.
so, o maniqueísmo – representado nos conflitos entre
O combate ao tráfico de drogas, animais, plantas e
o homem “civilizado” e o “selvagem”.
minérios não se mostrou eficaz diante da imensa ex-
Paes Loureiro (2015), ao refletir sobre o discurso
tensão territorial a ser vigiada. A degradação ambien-
etnocêntrico propagada pelos meios de comunicação,
tal e a poluição gerada pelas atividades do garimpo
considera que a imagem sobre a Amazônia se disse-
ainda deixam marcas em muitas áreas. As tensões so-
minou, principalmente, por abordagens temáticas
ciais também se agravaram com a disputa por terras,
sensacionalistas voltadas a representar aberrações
obras polêmicas como a construção de hidrelétricas,
(de tribos canibais até monstros pré-históricos) e o
a violência e criminalidade nas cidades e comunida-
ambiente natural (do paraíso na terra, cheio de rique-
des do interior, com casos de repercussão internacio-

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zas e farturas ao inferno verde com sua natureza hos- Araújo (2000) considera os clichês são como “fór-
til e perigosa), explorando imagens mirabolantes da mulas” aplicadas a rotinas, situações, expressões
selva e dos rios, inserindo nesse espaço ideias fantás- linguísticas, objetos, símbolos, entre outras possibi-
ticas de civilizações perdidas, piranhas e anacondas lidades comunicativas, que produzem concepções e
assassinas, índios canibais e outras possibilidades comportamentos estereotipados. Esses padrões tam-
que suscitem fortes emoções. bém são refletidos por Arendt (1995, p. 6), ao conside-
Para Costa (2000) o apelo ao fantástico, ao exóti- rar que os clichês resultam da superficialidade e da
co e a exuberância natural são os aspectos que mais falta de reflexão, uma espécie de autodefesa, pois a
chamam a atenção quando o assunto é Amazônia.
Segundo a pesquisadora essa tendência está ligada a [...] adesão a códigos de expressão e conduta con-
vencionais e padronizados têm função socialmente
questões muito complexas que começam nas estrutu- reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja,
ras antropológicas do imaginário até a influência da da exigência do pensamento feita por todos os fatos
indústria cultural, que se apoia em características da e acontecimentos em virtude de sua mera existência.
cultura regional, mas as deslocam de seu contexto,
pois, em geral, são elaboradas por discursos genéri- Essa reflexão indica que a manutenção de ideias,
cos externos, num olhar de quem é de fora. Gonçalves símbolos e paradigmas está associada à comodida-
(2010, p. 21), chega a afirmar que “as imagens cons- de de uma suposta segurança, contrapondo-se ao
truídas pelo estrangeiro ou mesmo o brasileiro não risco dos imprevisíveis efeitos da originalidade e da
egresso das populações periféricas da Amazônia es- ousadia. Cunha (1999) diz que o imaginário sobre a
tão permeadas por concepções alienígenas”, segundo Amazônia e seus povos, normalmente não tem como
o autor essa visão se preocupa mais com a exuberân- referência o real, mas o modelo construído pela lite-
cia da fauna e da flora e pormenoriza a presença do ratura romântica e marcadamente idealizado, como
homem nativo e suas subjetividades. atestam os inúmeros “guaranis”, “ubirajaras” e “ira-
cemas”. Desse modo, reproduz e propaga o olhar es-
A leitura mais contemporânea da Amazônia contempla- tigmatizado do processo histórico.
rá um repertório onde cabem também caçadores de ca-
beça, expedições paleontológicas, ataques de piranhas
Silva (2006, p. 7) entende que “todo o imaginário
e de jacarés, areias movediças, exploração de minérios, é real e que todo o real é imaginário, que o ser huma-
ouro e diamantes. A aventura está presente em boa no só existe no imaginário”. Ou seja, para o autor não
parte deles, com os ingredientes que se assemelham existe real sem imaginário, que é uma manifestação
àqueles do western clássico: um notável maniqueísmo,
o desafio da fronteira, a coragem como elemento impul-
complexa da subjetividade cultural, sendo ao mesmo
sionador do sucesso. (AMANCIO, 2000, p. 89). tempo a vida que vivemos e a que imaginamos. É um
conceito que não pode se esgotar num rótulo, devi-
Nesse sentido (AMANCIO, 2000, p. 83) contextualiza: do à complexa trama de relações na sua construção,
como uma fonte de impulsos racionais e subjetivos.
O Brasil sempre esteve incluído na categoria dos pa- Segundo Silva (2006), além do ambiente social a
íses exóticos, seja pelo seu caráter periférico frente construção do imaginário é influenciada por “tecnolo-
aos centros impulsionadores da economia capitalista
ocidental ou pela sua extensão geográfica que abri-
gias” que “seduzem” (tais como livros, o teatro, a músi-
ga uma enorme variedade de gentes, de cenários, de ca, a internet etc.), recursos que trabalham na forma-
histórias, melhor dizendo, de possantes virtualidades ção das nossas concepções, acrescentando camadas
imaginárias. Dentro desta perspectiva, a Amazônia de significados, a ponto de cristalizar uma ideia (mes-
desempenha um papel de especial relevância para a
manutenção de uma mitologia baseada em alternati-
mo sujeita ao processo de mudança). Segundo o autor,
vas potencialmente ambíguas, de trânsito simbólico o concreto é impulsionado por forças imaginárias, nas
entre o real e o maravilhoso. relações que fazemos por redes que codificam e rela-

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cionam símbolos às práticas sociais, impulsionando BOLLE, Willi; CASTRO, Edna; VEJMELKA, Marcel
uma “mitologização do cotidiano” que não é baseada (Org.). Amazônia – Região Universal e Teatro do
no falso, mas em impressões reais, sentimentos, lem- Mundo. São Paulo: Globo, 2010.
branças que acionam laços do sujeito social que, por
consequência, produzem o simbólico. Conforme Silva BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento. Rio de
(2006) para compreender como um imaginário foi sen- Janeiro: Objetiva, 1998a.
do construído é necessário um exercício arqueológico
“tirando as camadas” que foram se sobrepondo. BUENO, Eduardo. Náufragos, traficantes e degreda-
Assim, ao propormos a reflexão sobre o imaginá- dos: as primeiras expedições ao Brasil. Rio de Janeiro:
rio em torno da Amazônia, voltamos ao passado, para Objetiva, 1998b.
compreender como o processo histórico influenciou
na sedimentação de ideologias e como a arte, ain- COLFERAI, Sandro. Um jeito amazônida de ser mun-
da hoje, capta e reproduz tais concepções. Podemos do. A Amazônia como metáfora do ecossistema comu-
perceber que a imagem exótica, estereotipada e es- nicacional: uma leitura do conceito a partir da região.
petacularizada, que estampa o imaginário acerca da 2014. Tese (Doutorado em Sociedade e Cultura na
região, construída desde os relatos dos colonizadores, Amazônia) – Universidade Federal do Amazonas, Pro-
passando pela literatura, pintura, fotografia, cinema, grama de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na
TV, internet etc., continua propagando discursos colo- Amazônia. Manaus: UFAM, 2014.
nizados, apoiados em clichês culturais e estereótipos,
que criam falsas impressões e limitam a compreensão CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para
sobre a diversidade ambiental, cultural, étnica, social uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002.
e econômica da região. Nesse sentido, existe uma
emergência de outros olhares sobre a Amazônia, valo- CAPRA, Fritjof. Teia da vida: uma nova compreensão
rizando as vozes e representações que estão inseridas científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2006.
no seu contexto real, a fim de ampliar as percepções
sobre suas multiplicidades e singularidades. CUNHA, Edgar. Cinema e imaginação. São Paulo:
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1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comu-


nicação da Universidade Federal do Amazonas; Bolsista da Capes.
E-mail: rafaflopes@bol.com.br

Recebido em: 10 de Janeiro de 2016 2 Doutor e mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, pela Univer-
Avaliado em: 5 de Abril de 2017 sidade Federal do Amazonas – UFAM; Professor do Programa de Pós-
Aceito em: 20 de Julho de 2018 Graduação em Ciências da Comunicação – UFAM.
E-mail: wilsonsouzanogueira@gmail.com

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