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UM OLHAR E UMA ESCUTA PARA A DIFERENÇA

A LOOK AND A LISTEN FOR THE DIFFERENCE

Eugênia Chaves de Souza Pelogia1

“Somos diferentes em uma porção de coisas, inclusive em

nossos potenciais, mas continuamos sendo humanos”.


Laura Monte Serrat Barbosa

Resumo: A proposta desse texto que a “inclusão possível” aconte-

é pensar uma educação inclusiva, ça. E, para locupletar a ideia, o

através da práxis na psicopedago- texto apresenta um caso clínico

gia, onde o profissional da educa- onde a ampliação do olhar, da

ção através do “espaço entre” o escuta e o acolhimento do psico-

sujeito que aprende e o objeto de pedagogo quanto ao sujeito que

conhecimento consiga direcionar aprende, bem como, a sua relação

um olhar e uma escuta singular, com o mundo na qual está inseri-

com a finalidade de atuar na po- do, proporcionou que a percep-


167
tencialidade do sujeito/aprenden- ção dos envolvidos no contexto

te e não nas suas dificuldades, e família/escola oferecesse condi-

dessa forma contribuir para que ções necessárias ao aprendente

esse sujeito viva suas próprias autorizando-o encontrar seu lu-

experiências e se coloque como gar de sujeito, diferente do outro.

autor do seu conhecimento, para

1 Pedagoga/ Psicopedagoga/ Psicanalista da ABPp/Pr 445


ISSN: 2763-5724

Vol. 02 - n 05- ano 2022

Editora Acadêmica Periodicojs


Palavras chaves: psicopedago- with the world in which he is
gia, autismo, inclusão inserted, provided that the per-

ception of those involved in the


Abstract: The purpose of this family/school context offered the
text is to think about an inclusive necessary conditions to the lear-
education, through the praxis in ner, authorizing him/her to find
psychopedagogy, where the edu- his/her place as a subject, diffe-
cation professional through the rent from the other.
“space between” the subject who

learns and the object of knowle- Keywords: psychopedagogy,


dge can direct a look and a sin- autism, inclusion
gular listening, with the purpose

of to act on the potentiality of the Aspectos do diagnóstico psico-


subject/learner and not on his/ pedagógico na educação inclu-
her difficulties, and in this way siva.
contribute for this subject to live

their own experiences and place Um sujeito1, motivado


themselves as the author of their por um desejo, se mobiliza para o
knowledge, so that the “possible conhecimento, permitindo que o 168

inclusion” takes place. And, to processo de aprendizagem acon-


enrich the idea, the text presents teça em um percurso contínuo e
a clinical case where the expan- escalonado, por meio de sua vi-
sion of the look, the listening and vência e experiência de vida. En-
the reception of the psychopeda- tretanto, se nesse percurso houver
gogue regarding the subject who 1 Aquele que se constitui
na relação com o Outro através
learns, as well as his relationship
da linguagem.
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alguma interrupção ou até mes- Diante dessa possibili-
mo uma recusa, o processo esta- dade de desenvolvimento, é im-
ciona, congela ou se obstaculiza, portante reforçar que a diferença
e dessa forma o aprendizado não está atrelada ao humano, porque
se realiza. A prática e a supervi- as “nossas diferenças fazem par-
são psicopedagógicas fazem com te da nossa humanidade” (BAR-
que seja possível ao profissional BOSA, 2013, p.122). Consequen-
da psicopedagogia ampliar o temente, pensar uma educação
olhar para o aprendizado do ou- de inclusão é acolher a diferença,
tro. Essa diferença, com vista ao contrário a uma educação de inte-
acolhimento da singularidade, é gração, dedicada à premência “de
o que permite ao psicopedagogo modificar a pessoa com necessi-
pensar em uma educação volta- dades educacionais especiais,
da à diferença. Nessa busca pela de maneira que esta pudesse vir
diferença, Barbosa (2013, P.123) a se identificar, com os demais
comenta que: cidadãos, para então poder ser
Quando podemos in-
inserida, associada, a convivên-
teragir com alguém
diferente de nós, te- cia igualitária em sociedade.”
mos a oportunidade (HAMZE, Amélia). Mas como, 169
rara de desenvolver
então, incluir as diferenças entre
a nós mesmos. Digo
rara porque nós, se- os seres humanos em um proces-
res humanos, temos so de educação inclusiva? Como
a tendência de buscar
criar ambientes favoráveis às re-
nossos pares assina-
lando nossas seme- lações entre os sujeitos diante de
lhanças. uma humanidade complexa e dis-

tinta em toda sua singularidade?


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Barbosa (2013, p.128) nos auxilia voreçam as relações necessárias

nesta reflexão quando diz: entre às diferenças. Nesse sen-


Somos diversos, so- tido, é preciso atentar também,
mos humanos, temos
conforme Zenícola (2007, p.180),
uma história que nos
diferencia do outro, à possibilidade de inclusão desse
mas somos pessoas sujeito:
iguais às outras. Pos- (...) a inclusão pos-
suímos temperamen- sível é a que permite
tos diferentes, mas que o sujeito deixe
temos possibilidade sua marca, ou seja,
de conviver; temos ocupe um lugar onde
conhecimentos dife- saiba quem é e do
rentes, mas podemos que é capaz; por mais
trocá-los; temos fi- grave que a criança
sionomias diferen- ou o adolescente seja,
tes, mas podemos há sempre, ofereci-
nos identificar como das as condições ne-
pessoa. Dessa forma, cessárias, um sujeito
somos diferentes e a desenvolver, cujo
podemos aprender potencial se desco-
sem deixar nossas di- nhece e cuja paixão
ferenças de lado, mas pela vida será a for-
colocando-as a favor ça que manterá acesa 170
de nossa aprendiza- sua possibilidade de
gem. aprender e de ser”.

Um profissional de edu- Com base nisso, apren-


cação pautado em uma educação der linguagens não verbais (ges-
inclusiva pode contribuir signi- tos, sinais, imagens, etc), que
ficativamente pesquisando e de- permitam essas diferenças se
senvolvendo ferramentas que fa- comunicarem, interagirem com
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o mundo e realizarem trocas uma necessidade de um silenciar

possíveis de aprendizado, pode narcísico, como afirma Dunker

ser considerado como um instru- (2019/ Casa do Saber):


“uma boa relação de
mento eficaz. Para Dunker (2019/
escuta é aquela que
Casa do Saber), a linguagem não consegue suportar a
é um fim em si mesma, mas uma incerteza, que con-
segue produzir al-
troca de experiência que propicia
gum fragmento de
uma “experiência maior” em que angústia, e suportar
o eu e o outro são quase anulados. que nem você nem
eu temos a razão,
O processo a que ele dá o nome
(...) escutar o outro
de “experiência/linguagem” é é renunciar a tele-
um processo que visa sobretudo patia, renunciar à eu
sei o que você está
uma troca fundamental entre o
pensando e eu vou
psicopedagogo e o aprendente. colocar palavras na
Essa troca de lingua- sua boca, também é
renunciar a atitude
gem entre os sujeitos implica
de tudo bem, então se
também em ampliar a escuta ao você sabe, você fica
outro à ponto de criar um espaço com todo o saber e
eu me recolho na mi-
comum entre quem fala e quem 171
nha caverna, escutar
escuta. Desse modo, a outra fer- o outro é renunciar
ramenta pode ser nomeada como a posição de poder...
e deixar que a lin-
acolhimento do psicopedagogo,
guagem/ experiência
assemelhando-se a uma escuta esteja em primeiro
terapêutica onde é indispensá- lugar.”

vel o esvaziamento do eu, para

se colocar no lugar do outro. Há O silenciar para que


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haja a escuta é tão imprescindível tar e escutar-se”.
quanto a fala de seu interlocutor,

porque é no silêncio que se de- Levando em considera-


senvolve a capacidade atencional, ção as afirmações acima, cons-
em outras palavras, o silêncio es- tata-se que o processo de avalia-
tabelece um espaço entre aquele ção exige do psicopedagogo uma
que ouve e aquele que fala, uma escuta atencional de cada etapa
interrupção necessária para que a do processo diagnóstico. Esse
mensagem seja absorvida e tenha processo, segundo Jorge Visca
relevância para o interlocutor, (2010, p.70) “consiste na série de
caso contrário a comunicação passos pela qual se realizam o
tornaria um ruído de informa- reconhecimento, o prognóstico e
ções. Fernández (2012, p. 41) nos as indicações da aprendizagem e
aponta que: suas dificuldades”, sendo assim,
“Para aprender a nesse processo, se faz relevante
falar necessitamos
entender o contexto onde o sinto-
ser escutados, para
aprender a olhar, ne- ma de aprendizagem se apresenta
cessitamos ser olha-
envolvendo o aprendente, a esco-
dos. A capacidade
la, o trabalho e a família. 172
atencional se cons-
trói nessa continui-
dade e descontinui- Reflexões sobre um caso con-
dade, que abre um
creto
espaço entre: espaço
atencional. Está aqui
o valor do silêncio Deparo-me, durante a
que nada tem a ver
realização de um processo de
com silenciar-se,
mas muito com escu- diagnóstico psicopedagógico,
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com uma demanda que exigia do alimento até higienes corpo-
não só um olhar, mas também rais. Ele também já tinha passado
uma escuta de vida. A percepção recentemente por um neurologis-
de atitudes e linguagens, amplia- ta, obtendo um diagnóstico sem
da por esses instrumentos, origi- patologias, e também por uma
nou reflexões que me levaram a avaliação fonoaudiológica, em
realização da devolutiva à famí- andamento. Ela relatou, quando
lia. questionada sobre a aprendiza-
O caso do G. chegou ao gem, que ele ainda não lia e nem
consultório de psicopedagogia escrevia. Após toda explanação e
por solicitação de uma escola e se enquadramento sobre o processo
deu início na consulta contratual de avaliação psicopedagógica,
realizada com a mãe do apren- agendamos as sessões iniciais.
dente. Ela trouxe a seguinte quei- Com base na Epistemo-

xa: G. apresentava uma dificul- logia Convergente, meu enfoque

dade em se expressar, apesar de teórico e prático, o primeiro con-

conseguir interagir com outras tato estabelecido com G. foi para

crianças e de possuir amigos na realização da EOCA (Entrevista

escola. Na época, ele estava com Operativa Centrada na Apren- 173

06 anos e 08 meses, cursando o 2º dizagem)2. Este instrumento é o

ano regular do ensino fundamen- ponto de partida para o proces-


tal I, em turno integral. G. mo- so de investigação específico de
2 Como diz BARBOSA
rava com a mãe e o irmão mais
(2006, p. 43), a EOCA é um ins-
velho, um filho do primeiro rela- trumento dinâmico, atual, exige
conhecimento do examinador,
cionamento da mãe. Eles faziam pois é muito difícil observar con-
dutas emergentes em movimen-
tudo por ele, desde a preparação
to.
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cada sujeito, é também uma fonte co, G. não permitia a troca nem

para o levantamento de hipóte- o compartilhamento desse mate-

ses que dá rumo à investigação. rial. Sempre que alguma pergun-

Neste momento, a escuta do pro- ta lhe era dirigida, G. direcionava

fissional é fundamental, porque seu olhar a mim e respondia com

quem fala é o aprendente. A se- outra pergunta: “O que? ou hã?”,

leção de materiais – previamente retornando a sua interação com

selecionados conforme a faixa o material escolhido. Durante a

etária – dá suporte ao aprendente realização da EOCA, costumo

para colocá-lo em processo, a fim registrar a entrevista; dessa vez,

de evidenciar o que ele realmen- porém, não foi possível. As infor-

te sabe fazer, o que aprendeu e o mações acerca de G. nesse pro-

que lhe ensinaram. cesso só apareceram a partir de

Na realização da EOCA, sequências de intervenções. Ade-

G. começou a se apresentar. En- mais, foram cinquenta minutos

tretanto, foram necessárias várias de uma observação quase cons-

intervenções para que G. pudesse tante e de uma escuta necessária

iniciar sua interação comigo e para o inaudível3. Após a sessão,

com os materiais apresentados. durante o registro da EOCA, sur- 174

De início, ele, sem se manifestar giram várias perguntas (hipóte-

através de palavras, mas apenas ses) que originou o meu primeiro

através de alguns ruídos e ges- sistema de hipóteses. Neste senti-

tos excessivos, enquanto manu- do, como diz CARLBERG (2012,

seava um ou outro material que p. 51):


“...um registro não
lhe chamava a atenção. Após a
3 Inaudível: imperceptível
escolha de um material específi- aos ouvidos
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serve somente para estabelecer os instrumentos de
um momento, mas pesquisa para continuidade do
também para muitas
processo de investigação. Diante
situações que o le-
vem a compreender de cada hipótese, foram escolhi-
o sujeito pesquisado, dos alguns testes padrões para
desde os momentos
auxiliar na elaboração dos con-
de classificação de
hipóteses e de sele- ceitos e na construção da visão do
ção de instrumento sujeito como um ser em aprendi-
de pesquisa, até os
zagem. Durante a aplicação dos
momentos de super-
visão ou de apresen- testes, G. vai se mostrando cada
tação do estudo em vez mais singular, conduzindo
situações científi-
a minha escuta para um sujeito
cas.”
inteiro, complexo em sua estru-

tura e em suas ligações com o

mundo. Vale a pena ressaltar que

G. compreendia as orientações
² Como diz BARBOSA
e interagia com o material a sua
(2006, p. 43), a EOCA é um ins-
maneira. Não utilizava, porém,
trumento dinâmico, atual, exige
a linguagem verbal para respon- 175
conhecimento do examinador,
der às questões, restringindo-se,
pois é muito difícil observar con-
apenas, a frases imaginárias, sem
dutas emergentes em movimento.
ligações entre palavras, somente
³ Inaudível: imperceptí-
com ruídos, com sua maneira re-
vel aos ouvidos
petitiva de interagir com os ob-

jetos e com sua forma própria de


Após as análises do
interpretar os comandos e de ne-
registro realizado, foi possível
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gar regras. “O trabalho de su-
pervisão psicopeda-
Essas observações per-
gógica, exige muita
mitiram-me ampliar meu olhar e responsabilidade,
minha escuta para o aspecto sub- muita experiência,
e certa dose de des-
jetivo presente na sessão. Dessa
prendimento daqui-
forma, como diz BARBOSA lo que, você já sabe
(2013. p.57) passei a “compreen- com relação à ação
psicopedagógica, ao
der que quem apresenta dificul-
material de estudo e
dade (indivíduo ou grupo) sofre certa abertura quan-
e, por isso, necessita ser acolhido to aos novos dados
trazidos que chegam
para, posteriormente, ser provo-
por aquele que pede
cado a fim de superar ou mini- a supervisão. É o
mizar suas dificuldades”. Diante momento de troca,
de aprendizagem, de
disso, tornou-se explícito que era
crescimento pessoal
o momento de buscar a supervi- e profissional. PE-
são, neste caso, a psicopedagó- REIRA (2016, revis-
ta ABPp)
gica, porque, diante de um outro

olhar mais experiente e em outra


Tal como afirmou Pe-
posição neste contexto, ela seria 176
reira, na retomada do processo
ideal não só para acolher a singu-
de investigação, constatou- se,
laridade de G., mas também para
com as trocas ocorridas durante
aprimorar a escuta e o olhar na
a supervisão, uma série de novas
continuidade deste processo in-
possibilidades de recursos psico-
vestigatório. Neste sentido, cabe
pedagógicos, de atividades livres
observar as orientações de Perei-
e de material de estudo para per-
ra aos profissionais da área:
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ceber, interrogar, mediar e gerar possuía orientação espacial den-
o segundo sistema de hipóteses. tro da escola (como, por exem-
Dando sequência ao processo in- plo, em uma saída ao banheiro);
vestigativo, foi agendado o con- não tinha iniciativa para mostrar
tato com a escola do aprendente do que gostava ou não (como na
para realização da etapa de ob- hora do lanche, por exemplo);
servação no âmbito escolar. Ob- além de mencionar que ele estu-
jetivou-se, nesta etapa, observar dava em tempo integral e estava
as condutas do aprendente, neste em seu primeiro ano na escola.
contexto específico, e suas rela- Em conversa com os
ções com os colegas, professores profissionais, o professor relatou
e conteúdo pedagógico. ter percebido algumas atitudes
É importante ressaltar dependentes de G. muito pa-
que nem todas as escolas permi- recidas com o comportamento
tem este tipo de acompanhamen- de sua filha, diagnosticada com
to. No caso de G., porém, a es- Autismo. De acordo com esse
cola permitiu observá-lo em sala relato, o professor passou a ter
de aula e ter uma conversa ampla um olhar diferente e mais cui-
tanto com o professor quanto com dadoso em relação G., atribuin- 177
o pedagogo. A queixa da escola, do-lhe atividades diferenciadas
responsável pela solicitação da dos demais alunos, já que G. não
avaliação psicopedagógica, era correspondia ao mesmo nível de
em relação, sobretudo, ao com- desempenho dos demais colegas.
portamento dependente de G. em O aprendente, conforme o relato
sala de aula. Em outras ativida- ainda, dividia uma mesa com um
des a escola relatou que G. não colega, praticamente nas últimas
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fileiras da sala de aula. Tinha, ciência da possibilidade do diag-

além disso, o hábito de se loco- nóstico de autismo em seu filho,

mover por entre as pernas das ca- inicialmente, não tendo aceitado

deiras e de manter-se distante ou muito bem essas orientações.

deslocado dos colegas. Seus mo- Com base nesses rela-

vimentos eram repetitivos, sua tos, optei pelo trabalho interdis-

fala era entrecortada e sem nexo ciplinar que já faz parte do pro-

sintático. A única maneira dele cesso psicopedagógico, no qual

permanecer sentado em sala de compete compreender o sujeito

aula era com o auxílio de um pro- como um todo em movimento

fessor/ estagiário que lhe dispen- em diversos ambientes de apren-

dia atenção direta, mas somente dizagem. Tais ambientes são

por alguns dias. Seus colegas ti- constituídos por sistemas que se

nham um cuidado excessivo com conectam continuamente para

ele, ao considerarem-no “diferen- o funcionamento desse sujeito.

te” deles. Dessa forma, sempre o Nesse sentido, a escuta de outros

auxiliavam em tudo, seja na fila, profissionais no processo avalia-

seja na hora de pegar os mate- tivo é de extrema importância e

riais, ou até mesmo na hora de necessidade. Assim, após o con- 178

entrar na VAN escolar. tato com a escola, convidei uma

Ainda em conversa com profissional Psicóloga/Psicana-

os profissionais, todo o relato in- lista para atuar na avaliação de

dicava um comportamento autis- G.. Este trabalho interdisciplinar

ta em G., destacado muitas vezes visava a ampliação da minha es-

por eles. Conforme o relato da cuta para outras áreas de conhe-

pedagoga da escola, a mãe tomou cimento, tal como a psicanálise.


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Por último, a fim de fi- foi difícil: ele acordava diversas

nalizar o processo investigativo, vezes à noite, tinha pesadelos,

foi realizada a entrevista histó- era teimoso, ainda que bem-hu-

rica com a mãe e o irmão mais morado. Em relação à ludicidade,

velho de G. Durante a entrevista, ele brincava apenas com adultos,

foram obtidas as seguintes in- não contava histórias e não sa-

formações: a gravidez de G. foi bia brincar de “faz de conta”: em

desejada, mas ocorreu em um uma brincadeira com persona-

momento de crise no casamento gens, ele não se coloca no lugar

entre seus pais. Ele nasceu em do mesmo e, quando questionado

outro país, em meio a um casa- sobre o papel que representa, ele

mento desgastado e conflituoso. não se identifica com o persona-

A família volta ao Brasil quan- gem, limitando-se a responder

do G. estava com 09 meses. Aos que é o G.. Em relação à motrici-

03 anos, sua mãe e seu irmão dade e ao comportamento geral,

mais velho mudaram de estado e relatou-se que ele recebe tudo

G. ficou com o pai em um sítio, pronto, desde a comida até a rou-

por um ano. Durante esse perío- pa para vestir, além de ter medo

do, ele não frequentou a escola, do escuro e de fechar a porta do 179

permanecendo apenas na com- banheiro. Quanto à sua saúde,

panhia do pai. Passado um ano, G. é uma criança saudável, não

sua mãe retornou e o levou para havendo narrativas de doenças

uma nova moradia em um outro e acidentes sérios. Quanto ao

estado, separando-o do pai. Eles, convívio social, ele passa maior

mãe e irmão, relatam ainda na parte de seu tempo na escola. O

entrevista que a adaptação de G. contato com a mãe é noturno e


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muito superficial, tendo, porém, de G. De acordo então com a

um vínculo muito grande com Epistemologia Convergente fo-

o irmão mais velho. Para a rea- ram observados quatro aspectos

lização de atividades escolares ou dimensões que compõem o

só faz acompanhado de alguém sistema de hipóteses no decor-

e, segundo o relato ainda, sem rer da avaliação: cognitivo, fun-

iniciativa. Possui, além do mais, cional, afetivo e social. Quanto

dificuldades em cumprir regras, ao desenvolvimento cognitivo e

já que, enquanto conviveu com funcional, ele encontrava-se no

o pai, fazia tudo o que desejava. estágio pré-operatório; quanto ao

Atualmente, o contato dele com desenvolvimento afetivo e social,

o pai é por telefone e durante as sinalizava uma ausência de sim-

férias em torno de 20 a 30 dias. bolização (metáfora), alucinando

Por último, foi ressaltado que G. como forma particular de estabe-

estudou em outra escola, anterior lecer uma relação com a lingua-

a atual, mas não houve queixa da gem.

escola quanto ao comportamento Vale ressaltar ainda que

e à aprendizagem de G. o informe psicopedagógico não

Finalizado todas as foi o final do processo de G., mas 180

etapas da avaliação psicopeda- o início de um trabalho com uma

gógica (observação com G., en- criança que estava fechada na sua

trevista com a instituição esco- relação com a linguagem, mas

lar e entrevista histórica com a aberta ao laço social, onde intera-

família) foi concluído o Informe gia com o outro de um modo sin-

Psicopedagógico e apresentado gular e precisava saber qual lugar

à instituição escolar e à família ocupar. Dessa forma, enfatiza-se


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que a criação de ambientes favo- em conjunto com a instituição e

ráveis ao acolhimento é de fun- com a família, um lugar diferente

damental importância para cria- ao sujeito que aprende não mais

ção de uma educação inclusiva. como aquele ao qual o subme-

tiam.

Considerações finais Isso se confirmou no

caso apresentado onde a submis-

O processo diagnóstico são de G. a um rótulo de autismo

como uma práxis psicopedagó- não foi realizada de forma inten-

gica pode atuar como um meio cional, mas com o propósito de

de incluir as diferenças em um auxiliá-lo. Diante disso, perce-

processo de educação através do be-se que algumas instituições

acolhimento e da escuta do apren- escolares vivem em um contex-

dente. Além disso, esse processo, to político- social norteado por

quando o profissional não busca alguns discursos que excluem a

por uma compreensão imediata, singularidade do sujeito. Ade-

proporciona um saber fazer com mais é sabido que a estrutura do

a escuta para mediar o aprenden- autismo afeta a interação social,

te em seu contexto social. a comunicação e a linguagem. 181

Em relação ao acolhi- Por isso, quando houver um grau

mento do aprendente, o psicope- severo de atuação do autismo o

dagogo pode ampliar a possibili- sujeito demandará cuidados e

dade de pensar na singularidade, tratamentos específicos. Inclusi-

visto que não há um aprendente ve, no caso apresentado, a nossa

igual a outro. Assim, abre-se indagação,

uma oportunidade, para buscar


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porém recai sobre a for- perceber que o contexto em que

ma como o sujeito é submetido o aprendente está inserido deve

a uma padronização de compor- conter uma série de oportunida-

tamentos tanto para a conhecida des, permitindo-lhe encontrar o

normalidade quanto para a pato- seu próprio lugar de sujeito, di-

logização. ferente dos demais. Dito isso, é

O caso de G. corroborou possível pensar na Psicopedago-

na consideração de que o sujeito/ gia como uma área favorável às

aprendente ao entrar na clínica relações entre os sujeitos frente

psicopedagógica apresentando a uma humanidade complexa e

uma queixa de dificuldade de distinta em toda sua singulari-

aprendizagem, precisa ser aco- dade. Requisita-se então do Psi-

lhido como um sujeito único, copedagogo um encontro com

que estabelece relações com um ele mesmo, com o mundo e com

mundo sociocultural e, portanto o outro, uma vez que trabalhar

diferente em sua própria natu- com o processo de aprendizagem

reza. Para isso, o processo diag- é mergulhar em um saber fazer.

nóstico precisa seguir seu rumo Ou seja, é esvaziar-se diante do

investigativo sem estereotipar o outro e escutá-lo para se tornar 182

sujeito, considerando que os sin- um continente que acolha dife-

tomas representam uma possibi- renças e devolva ao sujeito apren-

lidade de superação e não o seu dente um lugar de saber, a fim de

engessamento. Isso evita que ele que a inclusão possível aconteça,

permaneça alienado e dependen- atuando na potencialidade do su-

te de seus medos e inseguranças. jeito e não nas suas dificuldades,

Por fim, foi possível de maneira que o sintoma não


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torne seu sinal ou seu lugar no 2012.

mundo. Só uma educação inclu-

siva é capaz de proporcionar esse DUNKER, Christian Ingo Lenz.

olhar e essa escuta. Canal Casa do Saber: https://you-

tu.be/Zo-jk4kVtE8. 2019

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