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1934
A psicologia não é uma das disciplinas, como a Economia Política, que foram
sistematicamente desenvolvidas por Marx. Não encontraremos, como é sabido,
nenhum tratado psicológico nas obras completas de Marx. Mas em seus vários
escritos, como se incidentalmente, esta mente genial dispersou uma série de
observações sobre várias questões da psicologia. Se pensarmos nestas
observações aparentemente díspares, torna-se claro que elas são um sistema de
ideias internamente coerente. Conforme seu conteúdo se desdobra, as
observações se fundem umas com as outras e se tornam um todo monolítico,
permeado pela unidade da visão de mundo de Marx que procede de seus
fundamentos.
Portanto, no campo da psicologia, Marx pode e deve agora ser tratado não
como um grande representante do passado, sujeito a estudos históricos e
comentários filológicos. Devemos nos aproximar dele como o mais
contemporâneo de nossos contemporâneos e confrontá-lo com os problemas
mais urgentes, sobre os quais o pensamento psicológico moderno se debate, a
fim de entender antes de tudo as respostas às questões centrais da psicologia
nas declarações de Marx tomadas à luz dos fundamentos gerais da metodologia
marxista-leninista, e quais as formas de desenvolvimento da psicologia por ele
delineadas.
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A verdadeira tarefa, obviamente, não pode ser tal “síntese”, mas deve ser a
“luta em duas frentes”, não aceitando tudo o que é reconhecido em cada uma
dessas concepções, mas superando aquelas premissas comuns das quais
procedem todas essas teorias mutuamente hostis e sua hostilidade umas às
outras. É necessário não combinar o conceito de consciência da psicologia
introspectiva com o conceito comportamental de atividade humana etc., mas
superar esses conceitos, transformando a compreensão tanto da consciência
quanto da atividade humana, estabelecida em conceitos psicológicos que
determinaram a crise da psicologia moderna. O erro da psicologia introspectiva
não foi o de querer fazer da consciência o objeto da pesquisa psicológica, mas da
forma como ela concebeu a consciência, a psique do homem. O erro do
behaviorismo não foi que na sua psicologia se quisesse estudar uma pessoa em
sua atividade, mas sobretudo em como ela entendia essa atividade. E a ilusão da
psicologia humanista não está no reconhecimento da mediação da consciência
por sua relação com a cultura, com a ideologia, mas em como ela interpreta essa
atitude. Portanto, o caminho para superar a crise não pode consistir em rejeitar
totalmente a consciência, procedendo de uma falsa compreensão
introspeccionista da consciência e, como o behaviorismo, tentando construir uma
psicologia sem psique, ou, procedendo de uma falsa compreensão -
comportamental - da atividade humana, tentar – como a psicologia subjetiva da
consciência - construir uma psicologia sem levar em conta a atividade humana,
ou, finalmente, tentar corrigir o erro de uma falsa compreensão da consciência
adicionando a ela outro erro - uma falsa compreensão da atividade humana, etc.
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Mas por trás da conexão fechada, portanto, que vai do sujeito ao objeto, na
atividade humana, outra dependência fundamental se revela imediatamente, que
vai do objeto ao sujeito. A objetivação ou objetificação não é a “transição para o
objeto” de um sujeito já acabado, dada independentemente da atividade, cuja
consciência é meramente projetada para fora. Na objetificação, no processo de
transição para um objeto, o próprio sujeito é formado. “É apenas pela riqueza
objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade
humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em
sua as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se
confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém-cultivados, em
parte recém-engendrados. Pois não só os cinco sentidos, mas também os assim
chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa
palavra o sentido humano, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente
pela existência do seu objeto, pela natureza humanizada” (MARX, 2004, p. 110).
E ainda: “portanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista
teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do
homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do
ser humano e natural” (MARX, 2004, p. 110).
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E isso se aplica não apenas à minha atividade prática em sentido estrito, mas
também à minha atividade teórica. Cada pensamento que formulei adquire um
significado objetivo, um sentido objetivo no uso social que adquire, dependendo
da situação objetiva em que foi formulado, e não dependendo apenas das
intenções e motivos subjetivos pelos quais procedi; os produtos da minha
atividade teórica, bem como os produtos da minha atividade prática, em seu
conteúdo objetivo, são produtos da atividade social: “a atividade social e a
fruição social de modo algum existem unicamente na forma de uma atividade
imediatamente comunitária e de uma fruição imediatamente comunitária”, isto é,
na atividade e no espírito que se expressa “imediatamente, em sociedade efetiva
com outros homens [...]. Posto que também sou cientificamente ativo etc., uma
atividade que raramente posso realizar em comunidade imediata com outros,
então sou ativo socialmente porque o sou enquanto homem”. (MARX, 2004, p.
107).
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Marx formula seu ponto de vista sobre a relação do homem com a natureza
com total clareza. “O homem”, escreve Marx, “é imediatamente ser natural”
(MARX, 2004, p. 127), “o homem é o objeto imediato da ciência natural”, “a
natureza é o objeto imediato da ciência do homem. O primeiro objeto do homem
- o homem - é natureza”. E, portanto, “A história mesma é uma parte efetiva da
história natural, do devir da natureza até ao homem” (MARX, 2004, p. 112). Um
pré-requisito essencial para uma compreensão correta desse “devir da natureza
pelo homem” é a compreensão de Marx da “suprassunção” [Aufhebung], que
difere fundamentalmente de sua interpretação hegeliana. Sobre a compreensão
hegeliana de “suprassunção”, Marx diz que ela contém “a raiz do falso
positivismo de Hegel ou de seu criticismo apenas aparente” (MARX, 2004, p.
130) – aquele positivismo, que encontrou sua expressão teórica na tese “tudo o
que é real é razoável” e levou praticamente à justificação da realidade do estado
monárquico prussiano. A “suprassunção” em Hegel é uma operação puramente
ideal: a transição da forma inferior para uma superior está ligada à concepção
dialética desta forma inferior como “não-verdadeira”, imperfeita, como inferior.
Mas depois desta “suprassunção” a forma inferior, sobre a qual a superior foi
agora construída, permanece completamente imaculada no que era. “O homem
que reconheceu levar no direito, na política etc., uma vida exteriorizada, leva
nesta vida exteriorizada, enquanto tal, sua verdadeira vida humana” (MARX,
2004, p. 130). E assim, “depois da suprassunção, por exemplo, da religião,
depois do reconhecimento da religião como um produto da autoexteriorização,
encontra-se, não obstante, confirmado na religião como religião” (MARX, 2004,
p. 130).
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mediante a relação com Paulo como seu igual que Pedro se relaciona consigo
mesmo como ser humano. Com isso, porém, também Paulo vale para ele, em
carne e osso, em sua corporeidade paulínia, como forma de manifestação do
gênero humano” (MARX, 2013, p. 129).
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Este artigo, é claro, está longe de esgotar toda a riqueza de ideias que a
psicologia pode extrair da obra de Marx. Aqui, apenas um esboço superficial é
dado da solução de várias questões-chave, contidas nas declarações de Marx,
como a questão do sujeito da psicologia (o problema da consciência em sua
relação com a atividade humana), o problema do desenvolvimento e o problema
da personalidade. Mas, a partir desse esboço superficial, parece óbvio que nas
declarações externamente dispersas de Marx sobre questões de psicologia,
temos um sistema integral de ideias; no contexto dos fundamentos gerais da
metodologia marxista-leninista, eles delineiam as linhas principais do sistema
psicológico e delineiam o caminho ao longo do qual a psicologia pode se tornar
“uma ciência real, plena de conteúdo efetivo”. A psicologia soviética agora
enfrenta uma grande tarefa: no trabalho de pesquisa concreto, perceber esta
oportunidade que se abre diante da psicologia e, perceber a unidade indissolúvel
da metodologia e do material factual que ela permeia, bem como da teoria e da
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prática, para criar uma ciência psicológica que tenha um firme ponto de vista
metodológico e uma aspiração consciente em serviço do estabelecimento de uma
sociedade socialista sem classes, que é forjada em nossa URSS pelos discípulos
de Marx e Lenin, que continuam a obra que foi o mais importante trabalho de
vida de Marx.
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Referências Bibliográficas:
ENGELS, F. A Dialética da Natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
Notas de rodapé:
(1) Os trechos em colchetes foram retirados do artigo de Rubinstein em uma segunda publicação
do texto em meados dos anos 1980, após a morte do autor. O conselho editorial da revista
Voprosy psikhologii [Questões de psicologia] explica a retirada dos trechos da seguinte forma: “O
conselho editorial considera útil publicar este artigo com algumas abreviaturas nas páginas da
revista, levando em consideração, ao mesmo tempo, que a psicologia soviética moderna
percorreu um longo caminho e obteve sucesso significativo na implementação da metodologia
marxista”. Considerando a fidelidade ao texto original de Rubinstein, os trechos aqui são
reproduzidos na íntegra – N.T. (retornar ao texto)
(2) As citações usadas no original foram extraídas por Rubinstein das obras completas de Marx e
Engels publicadas à época. Aqui, foram usadas as referidas passagens a partir das traduções de
J. Ranieri dos Manuscritos Econômico-Filosóficos (Boitempo, 2004), R. Enderle, N. Schneider e
L.C. Martorano da Ideologia Alemã (Boitempo, 2007), e R. Enderle do primeiro livro d’O Capital
(Boitempo, 2013) – N.T. (retornar ao texto)
(3) Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx enfatiza fortemente esta base natural
da capacidade: “O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural
vivo, está, por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural ativo; estas
forças existem nele como possibilidades e capacidades (MARX, 2004, p. 127). (retornar ao texto)
Inclusão: 12/04/2021
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