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GESTÃO DE

CONTEÚDOS EM
CANAIS SOCIAIS
O storytelling
como estratégia
de marketing
Luciana Manfroi

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Definir storytelling.


> Analisar a associação entre storytelling e marketing.
> Discutir exemplos de marcas que usam o storytelling.

Introdução
A julgar pelos desenhos nas cavernas de pinturas rupestres, os seres humanos
contam histórias desde antes de começarem a falar, quando os caçadores-coletores
primitivos se comunicavam por meio de gestos ou de forma pictórica. Nos tempos
modernos, as narrativas se tornaram uma importante estratégia de comunicação
de marketing envolvendo as marcas, sobretudo pelo seu poder de conectar as
pessoas em nível emocional. Com isso, as marcas se apropriam de narrativas de
gêneros ficcionais para se envolver em histórias que despertem emoções e um
sentido para o consumidor que supere o consumo da mercadoria ou do serviço.
Neste capítulo, vamos definir os conceitos que envolvem o storytelling. Além
disso, vamos analisar as estratégias de marketing baseadas nas narrativas e
exemplificar casos de sucesso no uso da narrativa da marca para cumprir de
forma assertiva os objetivos de comunicação.
2 O storytelling como estratégia de marketing

O que é storytelling?
Todos somos contadores de histórias desde pequenos. Você se lembra das
suas histórias favoritas? Todas as crianças inventam mundos paralelos, pois
adoram histórias. Se não estão vivenciando as tramas, estão criando alguma.
Mas até adultos são assim. Você continua a sonhar acordado? Planeja o futuro?
Pensa em viver em outro lugar? Como é esse lugar? Você é feliz? Gosta do que
faz? Independentemente da idade, estamos constantemente vivendo histórias,
sejam as passadas, em que nossa memória busca eventos nas lembranças,
sejam as futuras, em que estamos vivendo planos que criamos para um
cenário prospectivo. Isso atesta que nossos cérebros estão conectados para
se envolver em narrativas, que, por consequência, tornam-se estratégicas
quando usadas com propósito e uma direção clara.
Mas, afinal, no que consiste uma história? Essencialmente, uma história
conta como e por que a vida muda. Começa com uma situação em que a
vida está relativamente em equilíbrio e, então, há um evento que acaba
com esse equilíbrio. Você consegue um novo emprego, o seu chefe morre de
ataque cardíaco ou um grande cliente ameaça ir embora. A história continua
descrevendo como, em um esforço para restaurar o equilíbrio, as expecta-
tivas subjetivas do protagonista se chocam com uma realidade objetiva não
cooperativa. Um bom contador de histórias descreve como é lidar com essas
forças opostas, convocando o protagonista a cavar mais fundo, trabalhar
com recursos escassos, tomar decisões difíceis, agir apesar dos riscos e,
finalmente, descobrir a verdade. Todos os grandes contadores de histórias
desde o início dos tempos lidaram com esse conflito fundamental entre a
expectativa subjetiva e a realidade cruel. Grosso modo, trata-se da jornada
do herói, sobre a qual discutiremos mais adiante (FRYER, 2003).
De fato, as histórias organizam coerentemente eventos aleatórios e criam
experiências, tornando-se uma maneira de entender e compartilhar a nossa
compreensão do mundo. Sem histórias, teríamos uma vida programada em
tarefas lineares e não se fundamentaria a experiência de viver.
Você já deve ter se emocionado ao escutar alguém contando uma história
sobre alguma circunstância: um encontro surpresa, uma viagem inesquecível,
uma vitória impressionante em um jogo, um início ou uma ruptura de uma
relação, entre outras tantas. Da mesma forma, você já deve ter percebido que
as pessoas contam as suas histórias de maneiras diferentes. Há, portanto,
boas histórias e histórias nem tão convincentes. Por que será que algumas
pessoas nos fazem “viajar” junto nas suas narrativas, enquanto outras não
nos prendem tanto? Será que é o evento em si que desperta mais curiosidade
e emoção ou será a maneira de contar?
O storytelling como estratégia de marketing 3

Segundo o neuroeconomista Paul Zak (2013), quando ouvimos uma


história convincente, orientada por um narrador e contendo uma trama
dramática, o cérebro libera oxitocina, um neuroquímico que afeta as
atitudes, os comportamentos e as decisões. Com a liberação dessa subs-
tância, estamos mais predispostos a tomar decisões, pois ficamos mais
sensíveis às narrativas. Nas palavras do autor, “As conversas — sobretudo
as ricas em teor social — constroem confiança, o que tem o efeito de
uma massagem verbal, de um tratamento especial na aura e ainda libera
oxitocina. Além disso, elas também fornecem informações fundamentais
que influenciam a vida do grupo” (ZAK, 2012, p. 96). Ou seja, a ficção tem
reflexo na nossa inteligência emocional e melhora as nossas habilida-
des sociais. As pesquisas do laboratório da Dinâmica da Linguagem, na
França, chegaram à conclusão de que o cérebro é empático por natureza
(GABRIEL; KISO, 2020). Ou seja, quando uma pessoa lê um romance, ela
se coloca no lugar dos personagens, o que resulta na ativação de certas
regiões que são ativadas como se ela estivesse fazendo o mesmo que o
personagem da história.

Segundo Zak (2012), a oxitocina é a responsável pela empatia e pelo


transporte narrativo. Quando o cérebro sintetiza a oxitocina, as
pessoas ficam mais confiáveis, generosas, caridosas e compassivas. O que
se sabe é que a oxitocina nos torna mais sensíveis às pistas sociais ao nosso
redor. Em muitas situações, as dicas nos motivam a nos engajarmos para ajudar
os outros, especialmente se a outra pessoa parece precisar da nossa ajuda.

Uma questão importante a ser introduzida aqui é que as pessoas não


contestam histórias que têm uma narração ficcional ou que se apropriam
da ficção para narrar casos. Dessa forma, deve-se cuidar para converter as
informações que se quer passar e restringi-las apenas ao necessário para que
elas não dominem a mensagem mais importante, porque o cérebro é seletivo e
informações em demasia tiram o foco do que se quer realmente contar. Ainda,
as informações podem abrir o campo para o questionamento. Se esse não é
o objetivo da história, não se deve exagerar em tê-las como suporte. A real
necessidade de informações é como um subsídio para agregar credibilidade
à história. Dessa forma, prima-se pelo valor universal do storytelling, que
consegue trabalhar com conceitos significativos para os mais variados povos
e culturas globais. Ou seja, rechear a narrativa com informações pode tirar
o caráter universal da história.
4 O storytelling como estratégia de marketing

Com a sua abordagem emocional e universal, o storytelling entra no plane-


jamento estratégico e no marketing de conteúdo da comunicação das marcas,
utilizando temas em que a marca e os seus produtos/serviços participam da
história que é construída para que o público se sinta no papel principal quando
se envolve nas tramas. Há, com isso, uma inversão no papel do marketing:
antes, o papel do marketing era ir atrás dos consumidores; agora, são os
consumidores que encontram as empresas e os produtos de que necessitam
(SCHIAVINI; MARANGONI, 2019).
O termo storytelling une as palavras inglesas story (história) e telling
(contar), de modo que pode ser traduzido como “a arte de contar histórias”.
Mas o que será que é preciso para contar histórias de marcas que tenham
resultados assertivos junto ao público? É o que veremos na seção a seguir.

Relação entre storytelling e marketing


Estamos vivendo uma era em que as histórias têm influência sem precedentes
na vida humana, e as empresas mais atentas vêm tirando máximo proveito
disso. Na base do capital do entretenimento, é imprescindível que as marcas
se conectem com as pessoas, instigando o seu lado emocional com formatos
disponíveis em diversas plataformas e a coparticipação em produtos artísticos,
como filmes, séries, games, audiobooks, entre outros.
A importância do storytelling para as marcas está representada nas
respostas a uma pesquisa realizada sobre o marketing de conteúdo para
as empresas. Perguntados sobre em que tipos de vídeos os responsáveis
pelo marketing de empresas estão investindo, os entrevistados revela-
ram que vídeos promocionais e de storytelling de marca são os tipos de
vídeos com maior investimento criados por profissionais de marketing
(HUBSPOT, c2021).
O planejamento de marketing de conteúdo com investimento em
storytelling segue a tendência do que se denomina escuta social, em que
o objetivo da empresa é estar em ambientes de comunidade das marcas
visando a identificar os desejos e as necessidades do público-alvo e, com
base neles, criar histórias com as quais ele se identificaria. Portanto, so-
mente sabendo o que as pessoas querem é que se terá uma campanha
assertiva de storytelling.
O storytelling como estratégia de marketing 5

A escuta social, ou social listening, advém da presença das marcas


em ambientes digitas nos quais o seu público se encontra. Com isso,
por meio de monitoramento, elas podem analisar e responder às menções que
as pessoas realizam nas comunidades. Os benefícios são diversos, como a coleta
de insights para tomadas de decisão, a análise de métricas de sentimento em
tempo real, o gerenciamento de crises, o acompanhamento de concorrentes e
a descoberta de novos leads.

A grande pergunta aqui é como planejar uma campanha assertiva de


storytelling. Que história contar e como para despertar o interesse do con-
sumidor e persuadi-lo?
De acordo com Fryer (2003), o contador de histórias descobre uma história
fazendo certas perguntas-chave. Em primeiro lugar, o que meu protagonista
deseja para restaurar o equilíbrio na sua vida? O desejo é a pedra fundamental
de uma história. O desejo não é uma lista de compras, mas uma necessidade
básica que, se satisfeita, colocaria a história de volta nos trilhos. Em seguida,
o que está impedindo o meu protagonista de realizar o seu desejo? Forças
internas? Dúvida? Medo? Confusão? Conflitos pessoais com amigos, família,
amantes? Conflitos sociais que surgem nas várias instituições da sociedade?
Conflitos físicos? Forças da natureza? Doenças letais? Falta de tempo? O
maldito automóvel que não pega?
Os antagonistas vêm de pessoas, sociedade, tempo, espaço e objetos, de
qualquer combinação dessas forças ao mesmo tempo (FRYER, 2003). Então,
como meu protagonista decidiria agir para realizar o seu desejo diante dessas
forças antagônicas? É na resposta a essa pergunta que os contadores de
histórias descobrem a verdade dos seus personagens, porque o coração de
um ser humano é revelado nas escolhas que ele faz sob pressão. Por fim, o
contador de histórias se afasta dos eventos que criou e pergunta: “Eu acredito
nisso? Não é exagerado nem subestimado? É verossímil?”.
Tudo é história, tudo tem vida e narrativa: pessoas, animais, objetos,
locais, instituições e o que mais se pode inventar para imprimir experiências.
Uma história envolvente garante à marca alguns atributos que são lembrados
pelo público, clientes ou clientes em potencial, e um deles é a autenticidade.
Para construir essa lembrança na mente das pessoas, é necessário que a
marca pense nelas, que valorize as suas emoções, que mostre caminhos que
facilitem as descobertas que podem melhorar a sua vida.
6 O storytelling como estratégia de marketing

Para isso, o marketing se apropria da linguagem ficcional, a de contar


histórias. E uma das técnicas que utiliza é a da jornada do herói, do mitólogo
Joseph Campbell. A jornada do herói muito utilizada em filmes e comerciais
de marca para trazer a ficção como um convite para participar de uma expe-
riência transformadora. Um dos problemas recorrentes quando as marcas se
apropriam dessa estrutura é a de deslocar o herói, ou seja, quando imprimem
a elas mesmas o papel e acabam por comunicar distorcidamente a narrativa.
Assim, para efeitos de assertividade, as marcas devem colocar o seu público
como o herói, pois é ele quem vai sentir e vibrar com as ações. Se produzem
peças de comunicação pensando nas dores e alegrias das pessoas, com
certeza terão sucesso. Este é o maior desafio do storytelling: colocar-se no
lugar do público.
Vejamos, a seguir, mais sobre a jornada do herói e como o marketing
constrói as suas narrativas a partir de uma linguagem e das tramas que se
parecem com as que você assiste em séries, filmes, livros de ficção, games, etc.

A jornada do herói adaptada como storytelling para


o marketing
Filmes clássicos como O senhor dos anéis, Homem-aranha, Harry Potter,
Matrix, Rei leão e Guerra nas estrelas utilizaram o storytelling com base na
jornada do herói. Da mesma forma, os comerciais da Coca-Cola (Thank your
christmas hero), da Heineken (Champions league), da Nike (Choose go), entre
tantos outros, aproveitaram os estágios da jornada do herói para traçar as
suas tramas e emocionar o público.
De acordo com o antropólogo Joseph Campbell (1995), a jornada do herói,
por vezes denominada monomito, é um conceito de etapas cíclicas presente
na mitologia. Como conceito que envolve as narrativas, o termo aparece pela
primeira vez em 1949, no seu livro intitulado The hero with a thousand faces
(“O herói de mil faces”).
Vogler (2015) desenvolveu os conceitos de Campbell utilizando exemplos
provindos da literatura e do cinema clássico e contemporâneo. Com isso,
anunciou mudanças ao demonstrar o monomito de forma prática nas mais
diversas mídias, resumindo a jornada nos 12 passos ilustrados na Figura 1.
O storytelling como estratégia de marketing 7

Figura 1. Os passos da jornada do herói.


Fonte: Adaptada de Vogler (2015).

Apesar da delimitação de todas as etapas da jornada do herói, não é


regra que a narrativa cumpra com todos os estágios. Veja, a seguir, a sete
etapas clássicas que as marcas seguem ao adotar a jornada do herói para a
comunicação de marketing.

1. Introdução. Para iniciar a jornada do herói, é necessário introduzir a


narrativa que será apresentada em etapas. Ou seja, é preciso contar
como a história está no início, quem é o personagem e em qual contexto
se encontra. Aqui, é importante caracterizar o personagem, mostrando
as suas qualidades físicas e emocionais, visando a uma conexão em-
pática imediata com o público. Se o público não se identificar com o
personagem, não haverá conexão: não vai acompanhar a história, e
esta não terá garantido os resultados de assertividade.
8 O storytelling como estratégia de marketing

2. O conflito. Após a apresentação da personagem e do seu contexto, é


necessário que se apresente um conflito, ou seja, uma situação que não
está agradável, que está prejudicando a sua rotina. Para desenvolver o
conflito, é necessário abordar dificuldades pelas quais o público passa.
Por exemplo: pessoas sedentárias estão em conflito, pois veem que a
falta de exercícios está prejudicando a sua saúde; pessoas que estão
necessitando de empréstimo procuram por bancos que não tenham
juros altos; pessoas que querem viajar procuram por locais mais em
conta para se hospedar. Esses são os conflitos, em que as pessoas
têm que vencer “obstáculos” ou etapas para atingir um objetivo. Isso
lhe parece familiar?
3. A recusa do chamado. Nessa etapa, para que a narrativa tenha mais
emoção, o personagem está em dúvida e quase desistindo de solucionar
o conflito. Não compra o tênis para se exercitar, desiste do sonho de
montar financiar a casa própria, larga de mão o sonho de viajar, etc.
A dica é fazer uma lista de questões que podem impedi-lo de seguir a
trama porque algo ou alguém está atrapalhando. Aliás, esse “alguém”
poderá ser a própria pessoa e os seus medos.
4. A ajuda necessária. Aqui, aparece uma possível solução para o conflito
que impedia a história de seguir o melhor rumo: alguém ou algo acon-
tece para salvar a personagem do conflito e da recusa ao chamado.
Nessa etapa, é importante que enfatizar a solução que a marca oferece,
ou seja, é o momento de mostrar a sua importância para o público.
Ela, assim, soluciona o problema: tem o tênis que lhe fará saltar do
sofá para realizar as atividades físicas, oferece um empréstimo com
juros baixos para você realizar o sonho de adquirir uma casa própria,
encontrou um hotel que cabe no seu bolso, etc.
5. A superação. Nosso herói está se superando com a ajuda necessária
e porque resolveu aceitar o chamado da etapa anterior. Aqui, pode-se
indicar diversas maneiras para a resolução do conflito, como mostrar
todas as possibilidades que ele tem ao usar o tênis que o tirará do sofá,
ao comprar a sua casa ou ao escolher o hotel. Pode-se mostrar que não
é tão fácil, mas que ele está certo de que é a melhor escolha que fez.
6. A grande virada. Esta etapa é a mais convincente para o público, pois
mostra que o personagem passou por conflitos e resolveu a questão,
aparecendo satisfeito, vitorioso e feliz. Apesar de todas as dificuldades,
ele encontrou o melhor caminho para o seu problema. Como em um
filme, aqui o público já está emocionado e faz parte das conquistas,
da felicidade e do sucesso do herói. Ele se sente o personagem.
O storytelling como estratégia de marketing 9

7. Conclusão da trama. A conclusão da jornada é a apresentação da satis-


fação do personagem. Ele está feliz porque venceu o conflito, porque
resolveu continuar e não desistiu e porque fez a escolha certa. O tênis
certo, o melhor custo-benefício da casa própria, o hotel dos sonhos.
Esse é o final feliz e mostra a nova vida da personagem.

Veja que as etapas estão reguladas pela continuidade das ações e dos
conflitos entre elas. O marketing se apropria dessas etapas pela sequência
contexto > ações > conflito > resultados. A assertividade da campanha de-
penderá da capacidade de criar histórias envolventes pelos profissionais de
marketing que não apenas chamem a atenção dos clientes ou clientes em
potencial, mas que estimulem a criação de conteúdo pelos usuários.
De fato, a difusão das redes sociais digitais fomentou ainda mais o cenário
fragmentado e complexo da comunicação, pois, nesses contextos, as pessoas
conversam e trocam conteúdo entre si, não mais apenas com as empresas,
gerando um novo tipo de conteúdo: o conteúdo gerado pelo usuário, que se
tornou um dos mais importantes tipos de mídias no cenário de marketing
(GABRIEL; KISO, 2020). Vamos falar mais sobre esse contexto a seguir.

Conteúdo gerado pelo usuário é quando as pessoas criam esponta-


neamente conteúdo e as marcas dele se apropriam como forma de
comunicação. Por vezes, as marcas lançam conteúdo e o público participa da
continuidade da produção do conteúdo da marca, acrescentando mais infor-
mações. Pode-se aplicar essa estratégia sobretudo nas redes sociais, em que
as pessoas estão mais predispostas à participação.

A era digital e a economia da atenção


A propaganda teve o seu auge com as mídias de massa. No entanto, com a
proliferação de produtos, marcas e mídias durante as últimas décadas, o
excesso de propaganda tem dispersado a atenção do público, gerando perda
de eficiência. Ou seja, a riqueza de informação cria a pobreza de atenção
(GABRIEL; KISO, 2020).
Com o surgimento das redes sociais digitais e dos blogs, na segunda fase
da web, a web 2.0, iniciou-se o processo de mudança de poder. Os usuários se
tornaram o centro de tudo, e as marcas começam a ceder para acompanhar,
de perto, quais eram os desejos do seu público. Em meio ao protagonismo das
pessoas nas redes sociais, ou ambientes de mídias digitais, surgiu o mobile
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e, com ele, o aumento do número de plataformas digitais e um complexo


ambiente de informações. É nesse ambiente que as marcas, hoje, disputam
atenção com diversas outras informações.
Nesse sentido, a economia da atenção alerta para um problema dema-
siadamente grande, com o qual você com certeza já se deparou: muita in-
formação gera uma perda de atenção, e essa alta gama de informação está
sendo produzida agora, por todas as pessoas e marcas, nas mídias digitais.
Portanto, a pergunta que não quer calar é: como se destacar em tal cenário?
A melhor maneira de persuadir as pessoas é unindo uma ideia a uma
emoção, e a melhor forma de fazer isso é contando uma história convincente.
Em uma história, você não apenas insere muitas informações ao contar, mas
também desperta as emoções e a energia do seu ouvinte. Porém, persuadir
com uma história é difícil. Qualquer pessoa inteligente pode sentar e fazer
listas. É preciso racionalidade, mas pouca criatividade, para projetar um
argumento usando a retórica convencional. Porém, são necessárias uma
visão vívida e habilidades de narrativa para apresentar uma ideia que reúna
poder emocional suficiente para ser memorável. Se você conseguir controlar
a imaginação e os princípios de uma história bem contada, as pessoas se
levantarão em meio a aplausos estrondosos, em vez de bocejar e ignorá-lo.
Ou seja, uma história, para convencer, precisa entreter, antes de mais nada
(FRYER, 2003).
Entretenimento, porém, não é sinônimo de venda. Portanto, para se dife-
renciarem, as marcas precisam passar da fase de autopromoção, ao divulgar
os atributos dos seus produtos ou serviços, e criar conteúdo para o público.
Segundo Jenkins, Green e Ford (2014), as empresas devam escutar o público
e aprender com ele, se quiserem desfrutar de um sucesso de longo prazo.
Foi-se o tempo em que, para se destacarem, tinham que investir somente
em publicidade. Aliás, há muita diferença entre publicidade e outras formas
de comunicação de marketing. A publicidade é intrusiva, porque precisa
vender algo, enquanto o marketing de conteúdo com o storytelling é a área
que agrega entretenimento e histórias.
Com o crescimento do volume informacional e publicitário, a interrupção
como estratégia de veiculação tem sido cada vez menos eficiente. Assim,
uma das formas mais impactantes e efetivas de se fazer propaganda hoje é
transformá-la em entretenimento e vice-versa (GABRIEL; KISO, 2020). Portanto,
aqui se descortina um ponto essencial para a comunicação de marketing hoje:
O storytelling como estratégia de marketing 11

as marcas devem contar histórias com contexto certo e envolver as pessoas


nas suas narrativas, com consistência e autenticidade. Dessa forma, serão
julgadas pelo seu valor ao entregar entretenimento.
Para que as histórias sejam assertivas, os responsáveis pelo marketing
de conteúdo da empresa precisam saber contá-las. Diferentemente de cam-
panhas promocionais, que têm um tempo curto de existência, ou seja, até
durar a promoção, o marketing de conteúdo trabalha com profundidade de
conhecimento e de lembrança da marca. Por um lado, necessita-se de estru-
tura do contexto e de personagem e de tempo para que o público reconheça
a mensagem e a identifique com a marca. O cuidado que se deve ter ao se
realizar uma campanha com estratégia de storytelling é que ela deve ser
compreendida com a narrativa. Se isso não se fundamentar, bota-se tudo
a perder.
Você já deve ter assistido a um comercial com uma narrativa envolvente
que lhe prendeu a atenção do início ao fim, mas que, ao final, não fez sentido,
de modo que você não conseguiu identificar do que se tratava, o que vendia,
etc. Essa é uma campanha que não gera valor e, o pior, deixa margem até
para se pensar em outras marcas. Assim, perde-se dinheiro, tempo e talento
que poderiam ser investidos em mensagens claras e, portanto, convincentes.
Essas não confundem e vão guiando o público em cada etapa da narrativa.
Nas palavras de Sinek (2018, p. 32):

Há um motivo pelo qual a maioria dos materiais de marketing não funcionam [...]
O marketing deles é muito complicado. O cérebro não sabe como processar as
informações. Quanto mais simples e previsível for a comunicação, mais fácil será
para o cérebro digerir. A história ajuda porque é um mecanismo de criação de
sentido. Essencialmente, as fórmulas da história colocam tudo em ordem para que
o cérebro não precise trabalhar para entender o que está acontecendo.

O que acontece é que, por vezes, as marcas exigem tanto do público que
acreditam que ele compreenderá um roteiro que, talvez, seja feito sem o emba-
samento do que realmente é o storytelling. Assim, o cérebro é sobrecarregado
com informações, contextos, tramas e dados que só existem na cabeça de
quem os criou (ou nem nela). O cérebro é atraído para a clareza e descarta a
confusão, e isso sempre deve ser respeitado nas campanhas de marketing.
Como vimos, algumas marcas utilizam o storytelling com sucesso, tor-
nando-se memoráveis. Na seção a seguir, vamos dar exemplos de marcas
que fizeram história com as suas narrativas.
12 O storytelling como estratégia de marketing

Marketing com storytelling: casos de sucesso


Marcas que utilizam o storytelling de forma eficiente para contar histórias
ficam na memória do consumidor. Com o marketing de conteúdo a prosperar
na web, os casos de sucesso em storytelling aumentam a cada dia.
A narrativa em marketing não se limita a filmes: as histórias podem ser
contadas em imagens, verbalmente ou por escrito. E podem ser contadas
em todos os canais: de mídia social a outdoors. As histórias podem ajudar
os profissionais de marketing a persuadir o público em um mercado que é,
essencialmente, distrativo, criando publicidade que toma vida própria e ecoa
pelas diferentes mídias e pelo tempo.
As maiores marcas do mundo entendem o poder da narrativa no marketing.
A seguir, veremos alguns casos de marcas que acertaram precisamente nas
suas companhas com storytelling.

Disney: onde a mágica acontece

Acesse o YouTube e assista ao vídeo “Disneyland® Paris: The little duck”.

A Disney, é claro, sabe bem como contar histórias, e esse anúncio da Disneyland
Paris revela as habilidades da marca. Trata-se da história comovente de um
patinho que encontra uma revista em quadrinhos do Pato Donald e fica obcecado
pelo seu novo herói. Porém, o mau tempo está se aproximando, e o patinho
e a sua família precisam levantar voo, deixando para trás seu querido gibi.
A família passa por uma noite fria e úmida antes do reaparecimento do
sol, e depois chega inesperadamente à Disneyland Paris, onde o patinho é
saudado por ninguém menos que o Pato Donald.

Budweiser: amor de filhote

Acesse o YouTube e assista ao vídeo “Budweiser: Super Bowl XLVIII puppy love”.

Um clássico e bem-sucedido caso de storytelling foi o de uma campanha da


Budweiser para o Super Bowl em 2014. Intitulado “Puppy Love”, o vídeo conta
a história de um cãozinho em um centro de adoção que faz amizade com um
cavalo, até que um dia o cão é levado para a sua nova casa. No comercial, o
filhote foge várias vezes de um abrigo para cães para visitar o seu amigo e
acaba sempre sendo devolvido, até que um dia é o cavalo que decide ir atrás
do amigo para impedir que ele seja devolvido mais uma vez.
O storytelling como estratégia de marketing 13

Folha de São Paulo: Hitler

Acesse o YouTube e assista ao vídeo “Hitler (clássicos Folha de S. Paulo)”.

Era 1987 e as famílias estavam devidamente acomodadas nos seus sofás para
assistirem à programação diária. De repente, surgem alguns pontos pretos na
tela branca e um locutor de fundo: “Este homem pegou uma nação destruída,
recuperou a sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo...”. Na medida
em que mais pontos pretos apareciam na tela branca, mais frases de louvor
eram enunciadas sobre o tal homem. Quando os pontos pretos aparecem na
íntegra, a face de um homem se revela: era Hitler.
Nos últimos segundos do comercial, aparece a logomarca da Folha de São
Paulo e a voz pronuncia o slogan: “Folha de São Paulo: o jornal que mais se
compra e o que nunca se vende”. Com esse final, a narrativa quebra o para-
digma de um herói e coloca o personagem como anti-herói, concluindo-se
que, dentro do storytelling, a marca tem um compromisso com a verdade.
Essa estrutura segue o padrão da jornada do herói e converte o público por
meio da narrativa do suspense, clássica em produtos ficcionais.

A agência da Folha na época, a W/GGK São Paulo, ganhou inúmeros


prêmios de propaganda em 1988 com esse comercial, inclusive o
Leão de Ouro no Festival de Cannes, o mais importante de todos. É um dos dois
únicos comerciais brasileiros e ibero-americanos na lista dos 100 melhores de
todos os tempos, publicada em 2000 por Berneci Kanner (COMERCIAL..., 2013).

O Boticário: a linda ex

Acesse o YouTube e assista ao vídeo “Acredite na beleza: a linda ex”.

A marca de cosméticos O Boticário preparou uma campanha de storytelling


que teve grande repercussão. O comercial “A linda ex” trabalha com a questão
do divórcio como tema e escolheu três casais que estavam prestes a assinar
a separação. O comercial coletou depoimentos dos casais, que falaram sobre
as causas que os levaram a tomar a decisão do divórcio: acomodação, perda
do desejo e rotina foram citados por todos os casais.
14 O storytelling como estratégia de marketing

No comercial, a marca faz uma proposta às mulheres: maquiagem, cabelo,


roupa especial, tudo para deixá-las ainda mais bonitas para assinar os papéis
do divórcio. A reação dos ex-maridos, que esperavam se deparar com as mu-
lheres tristes e acabadas, é surpreendente. Eles ficam espantados, admirados
e até sem graça diante das mulheres bonitas e seguras.
Com resultados de grande repercussão nas mídias sociais, alta adesão
do público, algumas críticas e muitos elogios, a marca acertou em cheio na
utilização do storytelling, porque conseguiu abordar um tema que reflete a
vida real e transforma o sentido de um momento costumeiramente difícil.
A partir dos exemplos que vimos nesta seção, podemos concluir que o con-
flito realmente faz parte do storytelling, porque transforma os personagens e
gera conexão com o público. Como todos passamos por conflitos, uma marca
que mostra os seus está mais próxima de ser considerada humanizada, de
ganhar a confiança e até o carinho do público. Sem conflito, não há mudança
de atitude, não há emoção e não há movimento. Desde que as narrativas
tenham coerência, que sejam transparentes e autênticas, o seu poder de
influência nas pessoas pode ser enorme e transformador.

Referências
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 1995.
COMERCIAL Hitler é um dos 100 melhores comerciais de todos os tempos. Acontecendo
aqui, 2013. Disponível em: https://acontecendoaqui.com.br/propaganda/comercial-
-hitler-e-um-dos-100-melhores-comerciais-de-todos-os-tempos. Acesso em: 25 ago.
2021.
FRYER, B. Storytelling that moves people. Harvard Business Review, 2003. Disponível
em: https://hbr.org/2003/06/storytelling-that-moves-people. Acesso em: 25 ago. 2021.
GABRIEL, M.; KISO, R. Marketing na era digital: conceitos, plataformas e estratégias.
2. ed. São Paulo: Novatec, 2020.
HUBSPOT. Not another state of marketing report 2021. c2021. Disponível em: https://
www.hubspot.com/state-of-marketing. Acesso em: 25 ago. 2021.
JENKINS, H.; GREEN, J.; FORD, S. Cultura da conexão: criando valor e significado por
meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
SCHIAVINI, J. M.; MARANGONI, E. Marketing digital e sustentável. Porto Alegre: Sagah, 2019.
SINEK, S. Comece pelo porquê. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. São Paulo: Aleph, 2015.
ZAK, P. A molécula da moralidade: as surpreendentes descobertas sobre a substância
que desperta o melhor em nós. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
ZAK, P. J. How stories change the brain. Greater Good Science Center, 2013. Disponível
em: https://greatergood.berkeley.edu/article/item/how_stories_change_brain. Acesso
em: 25 ago. 2021.
O storytelling como estratégia de marketing 15

Leituras recomendadas
ACREDITE na beleza: a linda ex. In: O BOTICÁRIO. 1 vídeo (2 min). 2015. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5KSY1XSx_RA. Acesso em: 25 ago. 2021.
BUDWEISER Clydesdale puppy love super bowl 2014 commercial. In: CLEVVER NEWS. 1
vídeo (2 min). 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dlNO2trC-mk.
Acesso em: 25 ago. 2021.
COCA-COLA Brasil | 6224 Obrigados. In: COCA-COLA. 1 vídeo (5 min). 2016. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=K0Y9d65ZxKI. Acesso em: 25 ago. 2021.
COMERCIAIS que marcaram época! In: GRANDES NOMES DA PROPAGANDA. 1 Vídeo (1
min). 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BNZ_EUkVo8I. Acesso
em: 25 ago. 2021.
DISNEYLAND® Paris — the little duck. In: DISNEYLAND PARIS. 1 vídeo (1 min). 2018. Dispo-
nível em: https://www.youtube.com/watch?v=G4qMqbL9ACo. Acesso em: 25 ago. 2021.
DOVE retratos da real beleza. In: DOVE BRASIL. 1 vídeo (6 min). 2013. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Il0nz0LHbcM. Acesso em: 25 ago. 2021.
SMITH, J. Lead with a story: a guide to crafting business narratives that captivate,
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VIANA, L. O uso do storytelling no radiojornalismo narrativo: um debate inicial sobre pod-
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em: https://www.revistas.usp.br/Rumores/article/download/167321/162080/421281.
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