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Crise de 2008: o peso de um Estado Social numa

economia decadente
“Never let a good crisis go to waste”

Introdução
É inegável o peso do Estado Social na economia portuguesa. Desde 1974,
Portugal transita cada vez mais para uma economia com um peso do Estado Social
muito presente definido pela oferta do Estado em subsídios de apoio aos mais carentes e
grande proteção aos “insiders” no mercado de trabalho, tendo uma economia em
crescimento. Porém, a mesma é gravemente afetada na crise global de 2008 e neste
ensaio, pretende-se refletir o peso do Estado Social no mesmo, relacionando com a
Troika e o clima de austeridade que se deu pelo Estado às políticas de proteção social,
relacionando-o com temas aprendidos no domínio da cadeira de Economia Política.
Definição de Estado Social
Antes de analisar o caso português é importante definir Estado Social. O Estado
Social é definido como um Estado cujo objetivos se centram na asseguração da justiça
social, de modo a garantir que todos detenham participação no desenvolvimento político
e social de um país, havendo um comprometimento por parte do Estado de garantir o
equilíbrio social da sociedade, através de políticas e legislações de proteção social.
Políticas essas que detêm tanto um cariz social, como assegurar ensino público e
gratuito, e um cariz económico, como subsídios de desemprego e invalidez. O Estado
Social cobre saúde, educação e segurança social.
Estado Social em Portugal- impactos na economia
O Estado português assume-se desde cedo, um Estado de cariz Social, de
Providência, algo que se estende desde os início dos anos 70, mesmo antes da
Revolução de abril com medidas de desenvolvimento de saúde pública marcelistas.
Com o 25 de abril, a revolução social implementa em Portugal uma democracia com
fortes bases de igualdade e liberdade, cujo Estado Providência deve assegurar. A
Segurança Social ganha maior poder a partir de 1984 com a aprovação da Lei de Bases
da Segurança Social: Lei nº 25/84 de 14/08, que reformulou o seu sistema de
financiamento, dando-lhe mais espaço, tanto economicamente quanto socialmente ao ter
como objetivos a garantia da proteção de trabalhadores. Este é um ponto importante em
levar em causa, levando em consideração que Portugal se afirma como grande defensor
do mercado trabalho, com fortes presenças sindicais e muita proteção estatal dentro do
trabalho, tornando muito difícil, neste período haver despedimentos, sendo porém,
menos intervencionista na proteção dos trabalhadores com contratos temporários

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“Em vésperas da Grande Recessão, Portugal apresenta níveis comparativamente elevados de segurança no
emprego dos contratos permanentes, enquanto o segmento de temporários, cerca de 23% da força de trabalho,
dispunha de pior proteção e segurança, no emprego e desemprego (Marques e Salavisa, 2017)” 1.

O Estado Social português é fundamentalmente baseado na oferta de pensões e


subsídios aos mais necessitados, que se caracterizam como generosos, o que é
verificável no gráfico 1 que revela o dinheiro médio das pensões anuais da segurança
social, que inclui pensões de sobrevivência, invalidez e velhice, e a qual se verifica um
significante crescimento desde os o início dos anos 80. Ao implementar medidas deste
tipo, deve haver um cuidado ao não ser demasiado generosos, que coloque em causa a
vontade dos trabalhadores de integrar o mercado de trabalho. As pensões são o maior
peso. Em 2014, gasta mais em pensões do que a média europeia, 75% face a 70 % em
2008 (Branco, 2022 p.70).
Gráfico 1: Média de Pensões anuais fornecidas pela Segurança Social

Fonte: Pordata

Economia portuguesa pré-2008


Nos anos 90 Portugal teve um forte crescimento da sua economia, dada adesão à
União Europeia (1986) e internacionalização da economia, havendo um aumento do PIB
per capita que superou a média da UE na altura, o que aumentou desenfreadamente a
procura agregada e os salários reais, originando uma perda à competitividade. Nesse
período houve uma transição de uma economia mista baseada no setor transacionável,
para uma não transacionável” social de mercado” com base nos serviços e construção.
Porém pelo fim da década e início do século, este aumento exacerbado da economia
gerou uma inflação também esta exacerbada, superior à média europeia, o que agravou
a dívida pública portuguesa, principalmente em 2001 e 2002, o que segundo o relatório
do Banco de Portugal da data, levou com que “as finanças públicas tivessem um
desequilíbrio orçamental persistente de natureza estrutural”2. O setor bancário português
era demasiado frágil para lidar com os problemas surgidos, já para não referir na própria

1
Branco, Rui (2022). Proteção Social no Portugal Democrático, “Trajetórias de Reforma”, Fundação
Francisco Manuel dos Santos
2
Alves, N. F. M. (2010). A transmissão da crise financeira e económica mundial de 2008 a
Portugal (Doctoral dissertation).

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divida interna que detinha, e portanto não detinha um peso tão grande na regulação da
economia, o que significava que Portugal era fortemente dependente de credores
internacionais para o desenvolvimento interno.
A dívida pública portuguesa é um problema crónico do país, cujo défice
orçamental primário é fulcral, o que simboliza o défice do governo excluindo a taxa de
juros. Para resolver o défice orçamental, Portugal deve contrair empréstimos
internacionais, o que é possibilitado levando em conta que os títulos de governos são
confiáveis ao pagaram uma taxa de juro fixa. Porém, a dívida portuguesa agrava-se com
a crise financeira e global iniciada em 2007, a Grande Recessão, que atingiu a Zona
Euro com grande potência e que leva Portugal a uma quase bancarrota.
Grande Recessão
A crise iniciou-se nos Estados Unidos, como consequência de uma perturbação
no mercado imobiliário, na qual se deu um aumento de dívidas de crédito hipotecário de
alto risco, denominada crise do subprime, como consequência da facilidade ao crédito e
a baixa taxa de juros. A crise rapidamente se propaga devido à compra de títulos
emitidos por instituições americanas por parte de diferentes instituições financeiras ao
redor do mundo, tornando difícil conceber empréstimos e um aumento da taxa de juros,
incluindo Portugal e a Zona Euro cujo PIB diminui 4,5% em 2009 (gráfico 1 no qual se
verifica o impacto da crise no PIB dos diferentes países europeus, verificando que em
2011, Portugal chega a uma situação muito crítica, com uma taxa de crescimento
negativa muito alta), transformando uma crise nacional numa crise internacional de
dívida soberana. A crise atinge especialmente Portugal, não devido à crise imobiliária
(pelo menos não com tanta magnitude comparativamente a países como o Reino
Unido), mas sim, devido à sua dependência ao crédito norte-americano, criando uma
situação de crédito malparado, ou seja, uma situação no qual o devedor de um crédito
não o consegue pagar a quem emprestou, aumentando ainda mais o défice orçamental.
Gráfico 1: PIB real (Taxa de crescimento)

Fonte: Dados da Ameco; Ano base = 2005 retirado de Vaz, 2013 p.10

Gráfico 2: Crédito mal parado em Portugal (milhões de euros)

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Fonte: Banco de Portugal (2010) e Banco de Portugal (2016), retirado de Alves, 2010, p.26

No gráfico 2 observa-se que consoante o tempo vai passando, maior é o crédito


malparado em Portugal, o que simboliza o agravamento do défice orçamental. A
facilidade ao crédito interno para a população também resultou no desinvestimento
relativo da produção agregada, ao diminuir o desenvolvimento interno de riqueza,
tornando o país cada vez mais dependente das importações.
Para além disso, a crise atinge fortemente Portugal devido ao seu sistema
bancário frágil. O sistema financeiro nacional é “constituído por uma estrutura
composta pelos intermédios financeiros, pelos ativos e instrumentos financeiros, pelo
mercado monetário, de capital e de divisas, pelos investidores e pelas entidades
reguladoras e/ou supervisoras” (último nome, ano, página utl), sendo o Banco de
Portugal (BdP) a instituição financeira a central do sistema de financiamento português,
concebendo crédito, dentro de outras funções. O crédito facilitado foi a principal causa
do enfraquecimento do BdP (gráfico 4 em que se observa o aumento de crédito no início
da crise, que começa a descer em 2011, consequência das medidas implementadas de
controlo bancário), e durante a grande recessão, houve uma diminuição de instituições
bancárias.
Gráfico 4: Depósito e Crédito a clientes

Fonte: Dados do BdP, retirado de Alves, 2010, p.26

Como resposta à crise, Portugal tenta implementar políticas monetárias


expansionistas de cariz keynesiano de controlo à crise, tentando fomentar a procura
interna, de modo estabilizar o sistema bancário (modelo utilizado nos Estados Unidos

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durante a Grande Depressão), e a atrair credores internacionais, o que não foi bem-
sucedido. Com a falha das medidas keynesianas, é implementado o Programa de
Estabilidade e Crescimento (PEC) que começa a institucionar medidas de austeridade,
em 2010, embora não tão fortes, como no período a se seguir. A situação torna-se cada
vez mais crítica para Portugal a partir de 2010 com a “crise das dívidas soberanas” que
afeta a Zona Euro, com “défices orçamentais e balanças correntes e de capital
negativas,” que “estava enfraquecida por elevada dívida pública e privada, bolhas
imobiliárias e crises bancárias” (Branco, 2022 p.57) havendo um aumento de juros tão
grande que pode significar entrada em colapso, e por isso é necessário o auxílio externo.
Em 2011, inspirando-se no caso de “Resgate à Grécia” solicita um empréstimo conjunto
ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Central Europeu (BCE) e à
Comissão Europeia (CE). Estes aceitam-no, apoiando mercados de títulos públicos e
privados.
Gráfico 5: General government debt

Fonte: OCDE

É verificado no gráfico 2 que a dívida governamental portuguesa cresce acima


da média dos restantes países da OCDE, aumentando progressivamente ao longo da
Grande Recessão. Como referido anteriormente, bancos tendem a confiar empréstimos a
governos, pois são consideradas entidades fidedignas com capacidade os pagar, porém,
a situação portuguesa era tão grave que foram exigidas cortes nas despesas estatais,
devido aos gastos excessivos do mesmo. É por isso criado o Plano da Troika (2011), o
Memorando de Entendimento, com medidas económicas de “austeridade”, ou seja, um
empréstimo seria concebido se em troca o Estado português corrigisse “os
desequilíbrios externos e internos e aumentar o potencial de crescimento e de
emprego”3. Ao longo do período, o desemprego aumentou e o poder de compra diminui,
o que geraram diversos protestos contra a Troika.

3
Fernandes, D. R. V. (2017). As medidas de austeridade debaixo da Troika: Uma análise à cobertura
noticiosa dos Orçamentos de Estado de JN e Público. Eikon, (1).

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Troika e a políticas de austeridade
As medidas da Troika, implementadas pelo FMI foram, fundamentalmente de
liberalização da proteção laboral, permitindo despedimentos fáceis (despedimentos na
função pública, que chegaram a 20%, nas áreas de educação, segurança), aumento da
idade da reforma, estagnação de salários da função pública e cortes de pensões de 10 a
15%, com contribuições extraordinárias de solidariedade daqueles com pensões mais
altas, diminuição do valor e da duração do subsídio de desemprego (fim da
generosidade), diminuição do valor dos subsídios de reforma, limitações na atribuição
de benefícios sociais, como por exemplo no rendimento social de inserção (RSI) o qual
o Memorando visava cortar 430 milhões de euros do mesmo (Branco, 2022 p.65), e o
qual fora mais afetado, ao perder 40% dos seus benificiários de 2010 a 2014.
Já para não referir o brutal curto de despesas para o Serviço Nacional de Saúde
(SNS), que diminui a despesa per capita de 1175 euros em 2010 para 967 euros em
2014. Os salários progressivos na carreira foram congelados, foi cortado o pagamento
de horas extraordinárias, houve uma eliminação no número de camas na rede hospitalar,
havendo um aumento no setor privado pela consequência do mesmo, mas é importante
referir que as políticas de austeridade ao nível do SNS prejudicaram bastante a vida dos
cidadãos mais carentes que não tinham possibilidades de se inserir no privado.
Todas estas medidas, em vez de melhorarem a situação económica do país,
apenas trouxeram mais disparidades socioeconómicas. A Troika sai de Portugal em
2014, sem qualquer perspetiva de melhoramento da situação portuguesa. O PIB
decresceu de 2011 a 2013, com um aumento do desemprego que chegou a um recorde
histórico de 16,4%, o que acompanhou de uma diminuição significativa da força de
trabalho, como resultado de um forte surto migratório. O risco de pobreza também
aumento. Porém, os efeitos não foram todos negativos, tenho caído a desigualdade no
rendimento disponível das famílias, segundo o índice de Gini (0.34), algo que não
aconteceu noutros países de semelhante impacto da crise como a Espanha (0.35).
Foi um período de instabilidade política e com muitos protestos, que em
Portugal culminou na “Geringonça” em 2015, a qual o governo minoritário do PS sobe
ao governos de modo a acabar com as políticas de austeridade, numa coligação de
partidos de esquerda, acabando com o governo do PSD.
Peso fiscal da Segurança Social
O financiamento do Estado Social vem diretamente de impostos progressivos
num sistema de repartições, o que sempre foi um debate dentro do espaço político
português, devido ao envelhecimento populacional, a estagnação de salários que se deu
com a Grande Recessão e o aumento da idade da reforma, o que cria maior pressão
fiscal sobre os que integram a força de trabalho. Portugal gasta o mesmo que outros
países europeus na manutenção de um Estado Social que evoluiu consoante as décadas,
verificado no gráfico 6, atingindo o auge do mesmo em 2013.

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Gráfico 6: Despesa da Segurança Social em % do PIB

Fonte: Pordata

Conclusão
É inegável o peso da segurança social na economia portuguesa. A reflexão a
colocar é se vale a pena o mesmo, tendo em conta a fragilidade do sistema bancário
português como aconteceu em 2008, e a constante pressão externa para a diminuição
dos gastos estatais, levando em consideração também a importância da mesma na vida
de milhões de cidadãos na preservação de uma sociedade justa e igualitária. Assim
como aprendemos em economia, há períodos de boom e há períodos de recessão, esses
últimos que arrasam completamente economias inteiras e o qual os bancos e o Estado
detêm papeis principais no estabelecimento de ordem dentro do mercado financeiro.
Como Winston Churchill um dia disse “Never let a good crisis go to waste” e por isso,
devemos olhar para crises passadas para diagnosticar problemas correntes da nossa
sociedade, de modo a resolvê-los para que os mesmos erros não se repitam. A crise de
2008 ensina-nos como uma pequena coisa, uma crise no mercado imobiliário, consegue
desencadear tamanha pobreza e impactos sociais negativos e como medidas de
austeridade são necessárias, não para tirar direitos intrínsecos aos cidadãos, mas para
regular a economia.

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Bibliografia e Webgrafia
Estatísticas consultadas
General government - General government debt - OECD Data Consultado a 14/01/23
Portugal: Crédito malparado: empresas devedoras e montantes (%) | Pordata Consultado
a 15/01/23
Alves, N. F. M. (2010). A transmissão da crise financeira e económica mundial de
2008 a Portugal (Doctoral dissertation).
Branco, Rui (2022). Proteção Social no Portugal Democrático, “Trajetórias de
Reforma”, Fundação Francisco Manuel dos Santos
Hespanha, P., Ferreira, S., & Pacheco, V. (2014). O Estado Social, crise e reformas. A
economia política do retrocesso: crise, causas e objetivos, Observatório sobre Crises
Alternativas, 189-281.
Rocha, B. M. N. (2020). A Recente Crise de Dívida Pública na Europa: Anatomia e
Reversão.
Araújo, S. (2021). Os silêncios da austeridade e dos protestos e as exclusões abissais em
Portugal. e-cadernos CES, (35).
Vaz, E. J. L. M. (2013). O Impacto da Crise Financeira No Sector Bancário
Português (Doctoral dissertation, Universidade de Lisboa (Portugal)).
História da Segurança Social (parte I) - A Minha Pensão (aminhapensao.pt) Consultado
a 14/01/23
Os anos da troika. Portugal foi o único país a sair da crise com menos desigualdade –
Observador Consultado a 14/01/23
10. Banks, money, and the credit market – The Economy (core-econ.org) Consultado a
15/01/23

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