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As respostas de
Davis, Penck e King
Otavio Miguez Rocha Leão
Leonardo B. Brum
INTRODUÇÃO
Na história da ciência geomorfológica, é consenso que as formas da superfície terrestre evoluem e que
se modificam a partir da combinação de forças internas e externas. Em relação às forças internas, basta
imaginarmos, por exemplo, a quantidade de energia empregada em uma erupção vulcânica, como a
do monte Santa Helena (Figura 1.1), que provocou danos ambientais em uma área de 550 km², e suas
consequências na superfície terrestre.
Em outro caso, podemos relacionar as mudanças nas formas de relevo aos eventos
extremos de chuva, como as que ocasionaram uma série de movimentos de massa
na região serrana do Rio de Janeiro (Figura 1.2), também modificando a superfície
terrestre (forças externas).
Neste sentido, antes mesmo do século XIX, quando as ciências modernas e, nesse
caso, a Geomorfologia, foram sistematizadas, diversos foram os estudiosos que
especularam sobre as diferentes feições que ocorrem na paisagem da superfície
terrestre. Na Grécia Antiga, por exemplo, vários filósofos já buscavam compreender
a origem e a evolução dos vales fluviais, a permanência de água em um rio e as
feições deltaicas, devido a sua intrínseca relação com o desenvolvimento das
sociedades.
Teorias geomorfológicas
Segundo Christofoletti (1980), cada teoria proposta tenta elucidar os fatos, e com tal
finalidade, emprega uma linguagem composta de um vocabulário especifico. Muitas vezes,
o mesmo termo, em função de teorias variadas, expressa noções diferentes [...] uma
mesma teoria pode possibilitar a construção de vários modelos, que possuem uma função
lógica dentro delas, porque são elaborados dedutivamente e permitem que as mesmas
sejam testadas. Neste sentido, é importante conhecer profundamente as teorias
geomorfológicas e suas bases conceituais, que por sua vez, expressam o
conhecimento filosófico de uma época. O geomorfólogo deve adotar uma teoria,
que permitirá nortear seu trabalho e desenvolver seu modelo sobre a evolução da
paisagem.
Cabe comentar que, neste modelo, só existia um nível de base (na literatura é o que chamamos de
nível de base geral), que, para Davis, em linhas gerais, corresponde ao nível dos oceanos, no qual todas
as formas de relevo que estão acima deste nível estariam destinadas a sofrer erosão. Neste modelo, a
evolução morfológica
ocorria verticalmente, de cima para baixo (wearing-down). Acompanhando a Figura 1.6, que
representa os três estágios propostos por Davis, as fases de denudação do relevo caracterizam-se por:
entalhamento dos canais; abertura dos vales; rebaixamento e destruição dos divisores (declividades);
bem como formação de extensos fundos de vales entulhados de sedimentos, com a presença de rios
meandrantes (sinuosos).
A partir disso, um novo soerguimento daria lugar a um novo ciclo erosivo. Da fase inicial à final, o relevo
vai sendo remodelado, caracterizando sucessivos momentos evolutivos, como na vida orgânica,
passando o relevo novamente pelas fases da juventude, maturidade e senilidade.
O modelo de Davis originou algumas críticas, pois sua aplicação não foi possível em diversas paisagens
do globo terrestre.
Entre os principais questionamentos, podemos destacar:
Teoria da pedimentação/pediplanação
Ainda na Figura 1.7, caso ocorresse um forte soerguimento da crosta, ocorreria uma incisão do talvegue,
que, em razão do aumento do gradiente das vertentes, implicaria uma maior intensidade dos processos
denudacionais, gerando as vertentes convexas (1.7a).
No caso de equilíbrio entre as forças de soerguimento e denudação, a resposta seria vertentes retilíneas
(1.7b). E por fim, quando a ascensão da crosta fosse pequena, ocorreria um fraco entalhamento do
talvegue, o que propiciaria o desenvolvimento de vertentes côncavas (1.7c).
Enquanto no modelo de Davis o relevo evoluía de cima para baixo (wearing-down), no modelo de
Penck, a evolução dava-se pelo recuo paralelo das vertentes ou pelo desgaste lateral das vertentes
(wearing back), conforme observamos na ilustração (Figura 1.8):
Diferente da teoria de Davis, em que o processo evolutivo era comandado pelo nível de base geral,
para Penck as vertentes evoluem em função do nível de base local*.
*O nível de base de erosão corresponde ao mais baixo nível a que um grupo de agentes exodinâmicos
pode reduzir determinada superfície. O nível de base de erosão é, por conseguinte, o limite inferior, abaixo
do qual não pode haver mais erosão. O nível do mar, isto é, o nível zero, é o nível de base geral, o que
comanda toda a erosão das áreas continentais. Além deste nível geral, temos de considerar os níveis de
base locais. É em função desses níveis locais que se formam, por exemplo, os patamares suspensos,
também chamados de planícies de montanhas ou,
ainda, planícies locais. (GUERRA; GUERRA, 2011).
Merece destaque, ainda, que, nos dias atuais, a geomorfologia continental propõe-se a mapear áreas
de risco para ocupação territorial, utilizando para tanto metodologias inspiradas, dentre outras teorias,
nas contribuições teóricas de Gilbert e Hack. Percebe-se que, antes mesmo da difusão da Teoria Geral
dos Sistemas (século XX) na geomorfologia, Gilbert já apresentava o princípio do equilíbrio dinâmico –
noções de elementos interconectados (sistemas) e reajustes nas feições das paisagens, devido à
atuação de forças endógenas e exógenas (internas e
externas). Essa noção visionária de Gilbert em pleno século XIX faz deste autor um dos maiores teóricos
da geomorfologia.
O modelo de Hack
Ao aplicar essa concepção do equilíbrio dinâmico aos estudos nos sistemas fluviais, na relação canal-
vertente (geomorfologia fluvial), Hack desenvolveu ainda mais as ideias de Gilbert, apresentando novas
abordagens.
A teoria do equilíbrio dinâmico proposta por Hack considera o modelado terrestre como um sistema
aberto, isto é, um sistema que mantém constante troca de matéria e energia como os demais sistemas
adjacentes.
Na teoria do equilíbrio dinâmico, as formas não são estáticas. Qualquer alteração no fluxo de energia
(forças internas e externas) que chega ao sistema tende a responder por manifestações no
comportamento da matéria, gerando alterações morfológicas. Como exemplo, uma mudança
climática ou um evento tectônico produzem
alterações no fluxo da matéria, gerando um reajustamento dos componentes do sistema (CASSETI,1994).
(Figura 2.3).
Segundo Christofoletti (1980), a teoria hackiana do equilíbrio dinâmico considera uma paisagem como
resultante do comportamento balanceado entre os processos morfogenéticos e a resistência das
rochas, e também leva em consideração as influências diastrofismo atuando na região. Onde as rochas
forem mais resistentes (quartzitos, por exemplo), as declividades das vertentes serão relativamente mais
acentuadas que as verificadas em rochas
de menor resistência (folhelhos e xistos, por exemplo).
A figura 2.5 representa o modelo proposto por Hack, que prevê uma evolução acíclica do relevo, sendo
que este não necessariamente atinge o estágio de superfície aplainada. A resistência diferencial de
materiais derivada dos condicionantes litoestruturais define a morfologia dos terrenos numa análise
conjugada entre processos endógenos e exógenos.
Aplicações da teoria do equilíbrio dinâmico na geomorfologia
A energia (E) entra nos sistemas geomorfológicos, advinda de forças endógenas e exógenas. Essa
energia varia de acordo com a intensidade e frequência dos eventos internos (ex. tectonismo,
vulcanismo) e externos (ex. ação das chuvas, dos ventos, dos organismos etc.)
A resistência (R) dá-se de acordo com as características do meio, como, por exemplo, a composição
das rochas e o uso do solo. O trabalho (T) corresponde à relação entre a energia empregada no sistema
(input) e a resistência desse sistema. O trabalho é a ação, ou seja, são os processos geomorfológicos,
que, em relação ao tempo, produzem formas e feições variadas, não tendendo, por exemplo, ao
aplainamento, como proposto por Davis.
As formas elaboradas pelos processos geomorfológicos apresentam novas resistências com o passar do
tempo e, com os novos inputs de energia, vão apresentando novas respostas, gerando um reajuste
contínuo dessas relações, o que chamamos de “retroalimentação” (feedback). Figura 2.6
Concepção probabilística
Luna Bergere Leopold e Walter B. Langbein (1962) foram na década de 60 do último século, os pioneiros
em se apropriar de conceitos probabilísticos para análises geomorfológicas. Essa tendência surge em
trabalhos de geomorfologia fluvial desenvolvidos por esses autores. Estes buscaram utilizar essa
concepção na abordagem evolutiva das paisagens com um todo. Imagine, por exemplo, a evolução
da paisagem em uma área ampla (Figura 2.7 ). A partir desse exercício, fica fácil percebermos o quanto
deve ser complexa e complicada a inter-relação dos
elementos envolvidos nessa evolução. É dentro desse contexto que Leopold e Langbein vão apropriar-se
de conceitos probabilísticos. Essa teoria baseia-se na existência de inumeráveis fatores atuantes na
evolução do modelado terrestre.
As paisagens são respostas a um complexo de processos. Na esculturação das formas de relevo, essa
complexidade é descrita pelas inúmeras variáveis envolvidas, existindo entre elas interação,
interdependência e mecanismos de retroalimentação. O mecanismo de cada processo e suas
consequências pode ser perfeitamente
conhecido de maneira determinística. Mas as interações e os mecanismos de retroalimentação,
autorregulando a ajustagem das respostas, fazem com que as combinações entre tais conjuntos de
processos ocorram de maneira estocástica (aleatória). No comportamento aleatório, a repetição não
leva aos mesmos resultados, sendo o evento individual impredizível. Todavia, tais eventos apresentam
certa regularidade estatística. Na natureza,
cada caso é único pois é produto da realização histórica de um processo, que facilmente poderia ter
produzido outros resultados, a partir das mesmas variáveis, conforme as probabilidades que lhe são
relacionadas (CHRISTOFOLETTI, 1980).
A teoria probabilística fundamenta-se no conceito de entropia, advindo da termodinâmica, que é a
distribuição de respostas a entradas de energia em um sistema. O entendimento do comportamento e a
mensuração da entropia através de modelagem matemática é o objeto central dessa teoria.
Dentro dessa concepção, não seria possível prever os resultados que uma forma de relevo irá apresentar
ao longo do tempo, a não ser em termos de probabilidade. Para Leite (2011), essa abordagem
probabilística em
geomorfologia apresenta dois méritos: o primeiro refere-se à quantificação propriamente dita das
informações, já que os modelos evolutivos até então conhecidos eram teóricos, sem nenhuma base de
dados adquirida diretamente no local de ocorrência dos fenômenos; o segundo seria o uso da
ferramenta estatística na análise dos dados, possibilitando questionamentos quanto à
representatividade dos processos estudados.