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CODICRED: 91146-04
ANO/PERÍODO: 2023/I
PROFESSOR: Luciano Motti
2. Estrutura do relato
“Ele partiu de novo para o outro lado do Jordão, para o lugar onde João havia
anteriormente batizado, e aí permaneceu” (10,40-42);
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“Jesus... retirou-se para a região próxima do deserto, para a cidade chamada Efraim, e aí
permaneceu com seus discípulos” (11,54);
Sinal literário que atesta a unidade de 11,1-54. A cena que narra a reunião do sinédrio é
parte da unidade literária, e seu ponto culminante (45-54): à atividade salvadora de Jesus se
contrapõem os cálculos destruidores dos seus adversários.
Possibilidade de macro estrutura (1): 7,1–11,54 os acontecimentos em Jerusalém;
11,55–19,42 a terceira festa de Páscoa em Jerusalém.
Possibilidade 2: cc 11–12 como unidade; morte e vida são o tema condutor, com as
reações diante da morte de Jesus; 12,37-42 fazem a conclusão com uma extensão reflexão do
evangelista.
11,1 abre uma cena nova com personagens absolutamente novos no inteiro relato
evangélico; embora não tenham desempenhado papel relevante até aqui, certamente são
importantes na vida de Jesus. Isto reforça o trabalho do escritor que selecionou episódios da
vida de Jesus para compor o seu evangelho, dentre uma abundância de histórias que poderiam
ser contadas.
A família apresentada no episódio, que retornará em 12,1-11, é um tanto particular: um
irmão com duas irmãs, sem outros familiares, sem pais, esposa ou esposos, sem filhos... O
quanto terá acontecido junto a essa família? Seguramente Jesus os amava vv 3.5.11; e parece
que a amizade se estende aos discípulos v 11.
Os lugares são apresentados com precisão: o outro lado do Jordão, onde João havia
batizado 10,40; Betânia, cerca de quinze estádios de Jerusalém v 18 (cerca de 3 km); e
Efraim. O tempo do desenvolvimento do episódio aparece claro, sem precisão de quando
acontece na vida de Jesus; entre a festa da Dedicação, inverno 10,22 e a festa da Páscoa,
primavera 11,55.
O clima em torno de Jesus é de tensão crescente, com ameaça de violência e morte
sempre mais intensas 10,31.39. Jesus mesmo já declarou que dá sua vida para retomá-la
10,17; e que dará vida eterna àqueles que acreditam em sua palavra 8,51. Para o leitor: é
verdade tudo o que Jesus disse? Ele pode demonstrá-lo? O que farão seus inimigos?
3. Exegese
Episódios de ressurreição nos sinóticos: Lc 7,11-16 (o filho da viúva de Naim); filha de Jairo
(Mc 5,22-43); conferir Mt 11,5. Ainda, episódios que podem ecoar em Jo: episódio de Marta
e Maria (Lc 10,38-42); parábola do rico e Lázaro (Lc 16,19-31, veja-se 16,31).
Em Jo, a ressurreição de Lázaro se liga diretamente à decisão do sinédrio pela sua morte. Se
os sinóticos apresentam o conjunto da atividade de Jesus, com os seus milagres, como a causa
da decisão de eliminar Jesus, Jo apresenta neste sinal de Lázaro a síntese global dos milagres.
Jesus dá a vida a Lázaro, ainda não é a vida do alto, o que faz a transição para o livro da
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glória; fecha o livro dos sinais e prepara o próximo momento do evangelho. A ressurreição de
Lázaro oferece uma transição ideal. Ainda, a alusão de que o supremo milagre de dar a vida
ao homem leve à morte de Jesus, apresenta-se como grande paradoxo, digno de sintetizar o
ministério de Jesus.
Assim, o último sinal de Jesus traz uma intenção pedagógica e teológica que se sobressai ao
aspecto histórico. O que explica a ausência do episódio nos sinóticos.
A relação do episódio de Lázaro com a cura do cego (c 9) pode ser indicativo do plano do
evangelista (veja-se o v 37). A cura do cego era uma dramatização do tema de Jesus como
luz; a ressurreição de Lázaro é dramatização do tema de Jesus como vida (v 25). Estes dois
temas se misturavam no prólogo na descrição da relação da Palavra com os homens (1,4);
assim como a Palavra dava a vida e a luz aos homens na criação, agora Jesus, a palavra
encarnada, dá a luz e a vida no seu ministério.
Duplicação: Marta sai para saudar Jesus (17) e Maria sai para saudar Jesus (29); com
saudações iguais (21.32). Comparar os dois momentos 20-27 e 28-33. Há certo paralelo com
o retrato feito por Lc 10,38-42. Em Jo Marta se precipita ao encontro de Jesus enquanto Maria
permanece sentada em casa; quando Maria ouve que o Mestre está aí, apressa em sair e se
lança aos seus pés.
O episódio de Marta mostra que ela acredita em Jesus, mas de forma inadequada. Se no v 27
emprega expressões de teor elevado, no v 39 mostra que ainda não crê no poder de Jesus de
dar a vida. Considera Jesus como interlocutor que Deus ouve (22), mas não compreende que
ele é a vida mesmo (25).
Sua expressão ‘sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá’ (22) traz certa semelhança
com a declaração e Maria aos servos em 2,5 ‘Façam tudo o que ele lhes disser’; em ambas
parece que há esperança na imediata ação de Jesus sobre a situação. Porém, não há sinal de
que Marta acredite que Jesus trará seu irmão à vida (veja-se o v 39).
A resposta de Jesus (23) não é compreendida por Marta. Sua genérica compreensão da
ressurreição no último dia é inadequada para a ocasião, para a escatologia realizada de Jo,
pois a vitória da vida que vence a morte é uma realidade presente em Jesus (25-26). “Eu sou a
ressurreição” diz da realização presente daquilo que ela espera para o último dia; quem
acredita nele, ainda que desça ao túmulo, terá a vida eterna. “Eu sou a vida”, cada um que
recebe a vida mediante a fé em Jesus jamais morrerá de morte espiritual, pois esta vida é vida
eterna. Ressurreição e vida (eu sou) descrevem o que Jesus é em relação aos homens, o que
ele oferece aos homens.
A profissão de fé de Marta (27) traz uma série de títulos cristológicos. Porém, não é seguro
que Marta tenha compreendido que Jesus pode dar a vida a Lázaro agora. Jesus não recusa o
tratamento, os títulos, mas, pelo seu gesto, mostra a verdade mais profunda que está por detrás
dos títulos; em 20,31 Jo deixará explicito: ‘para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,
e para que, crendo, tenhais vida em seu nome’.
A cena apresenta a culminância do episódio de Lázaro, o último sinal que Jesus realiza antes
de ingressar no livro da Glória, último momento do seu ministério.
O v 40 une o tema da fé (já apresentado em 25-26) ao tema da glória, que ouvíramos no v 4.
A referência à glória fornece uma inclusão no interior do capítulo e uma inclusão com o
primeiro sinal (2,11). Este tema faz a transição com a próxima etapa do evangelho e da
missão de Jesus.
Os vv 41-42 trazem uma oração de Jesus. Olha para o alto, gesto típico do orante que se
coloca em prece; sua primeira palavra é ‘Pai’, usual na oração de Jesus (Mc 14,36; Lc 11,2); a
locução se abre com uma ação de graças, própria da tradição judaica. Mas, por que Jesus ora
nesse momento?
Sua oração é ‘por causa da multidão, para que creiam’, logo é para expor a tese teológica do
evangelista (!); aparentemente, reza para a plateia, para suscitar nesta a fé na sua pessoa e na
sua missão divina. E de fato Jesus não pede nada ao Pai.
A oração de Jesus é o próprio ‘realizar a vontade do Pai’; assim, a vida de Jesus é uma
constante oração, um contínuo ‘seja feita a tua vontade’, pois Jesus não faz nada por si mesmo
(5,19). Seu alimento é fazer a vontade do Pai (4,34). Este comportamento orante está presente
nos vv 41-42. “Eu sabia que sempre me ouves”: há uma suprema confiança no Pai pois ele
sempre faz o que agrada ao Pai; sabe que qualquer coisa que peça estará de acordo com a
vontade do Pai e que, por isso, é atendido (cf. 1Jo 3,21-22; 5,14). Esta mesma confiança Jesus
vai exigir de seus discípulos 14,12-13; 15,16; 16,23.26.
A alegria de Jesus é por causa da fé que o milagre vai suscitar naqueles que testemunham o
acontecimento. Porque a sua oração é atendida, a multidão verá uma obra milagrosa, que é
oba do Pai. Através da ação de Jesus, que é ação do Pai, reconhecerão o Pai e receberão eles
mesmos a vida. Se a multidão não ouve suas palavra, vê seu gesto orante (olha para o alto) e
reconhece a fonte do seu poder.
Depois de ter preparado a multidão para o significado do sinal, Jesus chama Lázaro para fora
do túmulo. A narração é breve e não se fixa em descrever o milagroso:
Tendo dito isso, gritou em alta voz:
Lázaro, vem para fora!
O morto saiu, com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário.
Jesus lhes disse:
Desatai-o e deixai-o ir.
O prodigioso não é o mais importante. O crucial é que Jesus deu a vida (física) como sinal do
seu poder de dar a vida eterna sobre esta terra e como promessa que no último dia ele
ressuscitará os mortos.
Notar os ecos de 5,28-29:
Vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão sua voz e sairão; os que
tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida.
Lázaro está no sepulcro (11,38); Jesus grita em alta voz (43); ‘Eu sou a ressurreição e a vida’
(25).
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