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DISCIPLINA: EXEGESE DO NOVO TESTAMENTO: EVANGELHO DE JOÃO E CARTAS JOANINAS

CODICRED: 91146-04
ANO/PERÍODO: 2023/I
PROFESSOR: Luciano Motti

Aula 11/12 – 09/16.05

O SINAL DE LÁZARO - Jo 11,1-54

1. Notas sobre o texto


1. Lázaro Λάζαρος era nome comum ao tempo do NT, e é forma abreviada de Eleazar;
seu significado é ‘Deus ajuda’; Lázaro não aparece na tradição sinótica.
Betânia, ‘casa da aflição’ ou ‘lugar do testemunho/resposta’, próxima de Jerusalém, é
lugar onde Jesus se hospeda (Mc 11,11; 14,3).
Maria e Marta são documentadas apenas em Lc 10,38 nos sinóticos; lá, o episódio
está no curso da viagem de Jesus a Jerusalém, não propriamente nas imediações (interessante:
logo após a parábola do samaritano, que narra de um homem que descia de Jerusalém para
Jericó, num local adiante de Betânia segundo Jo).
2. aquela que ungira o Senhor com bálsamo é um parêntese provavelmente acrescido por
um redator; o episódio ainda não foi narrado (c 12).
3. aquele que amas ὃν φιλεῖς esta descrição, com o uso do verbo philéō ‘amar’ é a base
da hipótese da identificação de Lázaro com o discípulo amado (agapáō: 12,23; 19,26;
21,7.20; philéō: 20,2)
4. e assim se manifestará a glória do Filho de Deus ἵνα δοξασθῇ ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ: a
conjunção ἵνα tem função consecutiva (a glória de Deus sempre se manifesta no Filho); a
glória do Filho é a do Pai (1,14) e se torna visível na sua ação; a manifestação coloca este
episódio em relação com 2,11 (primeiro sinal) e com a morte de Jesus 12,23.
[de Deus] é omitido em papiros antigos importantes; junto com 5,25 são os únicos
lugares de Jo em que Jesus a expressão ‘Filho de Deus’ diretamente falando de si mesmo;
por ela (por essa) refere presumivelmente à enfermidade; a frase permite ligar com ‘a
glória’ de Deus.
7. só depois ἔπειτα μετὰ (adv. + prep) ‘então depois’, depois de dois dias Jesus age; pode
estabelecer uma conexão com o segundo milagre realizado em Caná, que Jesus realizou
estando dois dias na Samaria (4,40.43); pode apontar para a ressurreição do próprio Jesus, que
se dá no terceiro dia.
discípulos μαθηταῖς ocorre neste episódio sem o possessivo (seus, teus, meus), usual
em Jo; neste episódio, as 4 ocorrências se dão sem possessivo vv 7.8.12.54, indicando um
círculo maior de discípulos, colocando neste grupo também os irmãos Lázaro, Marta e Maria;
com possessivo, veja-se 2,2.11.12.17.22; 3,22; 4,2.8.27; 6,3.8.12.16.22.60.61.66; 7,3; 8,1...
10. lhe falta a luz / a luz não está nele τὸ φῶς οὐκ ἔστιν ἐν αὐτῷ: a construção permite um
sentido de luz interior; para os judeus, a luz reside no olho (Mt 6,22-23).
11. despertá-lo ἐξυπνίσω αὐτόν não há testemunho do uso da expressão com o sentido de
‘acordar da morte’.
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12. se está dormindo... é novo exemplo de mal-entendido na comunicação; os discípulos


falam apenas em sono; se salvará indica o restabelecimento da enfermidade, após um sono
tranquilo; embora o verbo seja dúbio, podendo indicar sentido espiritual (σωθήσεται).
16. condiscípulos συμμαθηταῖς é único caso na bíblia; indica companheiros,
condiscípulos.
para morrermos com ele pode conter ironia, pois todos os discípulos ‘morrem com
Cristo’ (Rm 6,8)
17. quatro dias: particular que torna clara a condição de Lázaro, de morto que não retorna
mais à vida; havia uma opinião de que a alma permanecia junto ao cadáver por 3 dias.
19. muitos judeus... para consolar indica a presença numerosa que vai testemunhar o
milagre; o costume de luto e lamento que segue o sepultamento, durante trinta dias; o
sepultamento deveria ocorrer no dia da morte, e a solidariedade e lamentos se dava depois.
23. ressuscitará ἀναστήσεται para ressurreição (vv 23-25) é usada também em 5,29 e
6,39-45; para referir a ressurreição de Jesus apenas em 20,9; nos evangelhos, o verbo comum
para indicar a ressurreição é egeirein no passivo.
25-26. trata de vida física ou espiritual (da fé), e a morte é física ou espiritual (pecado)?
em mim está para ‘crer’, mas também para ‘viver’.
33. comoveu-se interiormente e ficou conturbado ἐνεβριμήσατο τῷ πνεύματι καὶ ἐτάραξεν
ἑαυτὸν; o verbo embrimasthai (ἐνεβριμήσατο aoristo médio) ocorre também no v 38, tem um
sentido de cólera e indignação (Mc 14,5); reação de Jesus diante da enfermidade (Mc 1,43; Mt
9,30); o segundo termo ἐτάραξεν, normalmente intransitivo, indica profunda agitação; as duas
expressões unidas apontam para uma emoção: ‘estar fortemente comovido’ (ver Jo 13,21).
34. vem e vê! é a mesma expressão usada em 1,39 por Jesus; cria um forte contraste: lá
para a fonte da vida e da luz, aqui para a morada das trevas e da morte.
37. que abriu os olhos do cego aponta para um grupo ‘de judeus’ que reconheceu o
milagre do c 9.
39. a irmã do morto soa estranho a identificação de Marta a esta altura do episódio.
cheira mal: a unção com óleos perfumados, da prática funerária, não significa
embalsamação, e por isso, a decomposição acontece com mau cheiro.
40. Não te disse refere ao conjunto da ação de Jesus imediatamente precedente, e suas
palavras, não propriamente algo que tenha dito a Marta
42. digo εἶπον (aoristo) é traduzido como presente; indica uma ação que ocorre ao
momento
43. gritou ἐκραύγασεν é pouco frequente (Jo é quem mais usa); nos cc 18-19 indica o
grito da multidão para a sua condenação (contraste!); em 12,13 é o grito da multidão que
aclama Jesus
44. pés e mãos enfaixados... sudário não devem gerar perplexidade; Lázaro sai com pés e
mãos atados: o relato é milagroso; sair com as vestes fúnebres pode indicar a nova futura
morte; comparar com as vestes do sepultamento de Jesus
47. chefes dos sacerdotes e fariseus: fariseus não têm autoridade para convocar o sinédrio,
que era formado por sacerdotes, anciãos e escribas (boa parte dos escribas provinham do
grupo dos fariseus; ver Mc 14,43.53);
49. sumo sacerdote naquele ano não precisa ser lido como indicação do mandato de
Caifás ‘durante um ano’, mas indicando que naquele preciso ano da morte de Jesus ele era
sumo sacerdote; de fato, foi sumo sacerdote de 18 a 36

2. Estrutura do relato
“Ele partiu de novo para o outro lado do Jordão, para o lugar onde João havia
anteriormente batizado, e aí permaneceu” (10,40-42);
3

“Jesus... retirou-se para a região próxima do deserto, para a cidade chamada Efraim, e aí
permaneceu com seus discípulos” (11,54);
Sinal literário que atesta a unidade de 11,1-54. A cena que narra a reunião do sinédrio é
parte da unidade literária, e seu ponto culminante (45-54): à atividade salvadora de Jesus se
contrapõem os cálculos destruidores dos seus adversários.
Possibilidade de macro estrutura (1): 7,1–11,54 os acontecimentos em Jerusalém;
11,55–19,42 a terceira festa de Páscoa em Jerusalém.
Possibilidade 2: cc 11–12 como unidade; morte e vida são o tema condutor, com as
reações diante da morte de Jesus; 12,37-42 fazem a conclusão com uma extensão reflexão do
evangelista.
11,1 abre uma cena nova com personagens absolutamente novos no inteiro relato
evangélico; embora não tenham desempenhado papel relevante até aqui, certamente são
importantes na vida de Jesus. Isto reforça o trabalho do escritor que selecionou episódios da
vida de Jesus para compor o seu evangelho, dentre uma abundância de histórias que poderiam
ser contadas.
A família apresentada no episódio, que retornará em 12,1-11, é um tanto particular: um
irmão com duas irmãs, sem outros familiares, sem pais, esposa ou esposos, sem filhos... O
quanto terá acontecido junto a essa família? Seguramente Jesus os amava vv 3.5.11; e parece
que a amizade se estende aos discípulos v 11.
Os lugares são apresentados com precisão: o outro lado do Jordão, onde João havia
batizado 10,40; Betânia, cerca de quinze estádios de Jerusalém v 18 (cerca de 3 km); e
Efraim. O tempo do desenvolvimento do episódio aparece claro, sem precisão de quando
acontece na vida de Jesus; entre a festa da Dedicação, inverno 10,22 e a festa da Páscoa,
primavera 11,55.
O clima em torno de Jesus é de tensão crescente, com ameaça de violência e morte
sempre mais intensas 10,31.39. Jesus mesmo já declarou que dá sua vida para retomá-la
10,17; e que dará vida eterna àqueles que acreditam em sua palavra 8,51. Para o leitor: é
verdade tudo o que Jesus disse? Ele pode demonstrá-lo? O que farão seus inimigos?

11,1-6 A mensagem das irmãs e o retardar de Jesus


11,7-16 Os discípulos tentam persuadir Jesus
11,17-27 Diálogo de Jesus com Marta
11,28-37 Diálogo de Jesus com Maria
11,38-44 Diálogos diante do túmulo (ressurreição de Lázaro)
11,45-53 Reunião do Sinédrio (Jesus é condenado)
11,54 Jesus se retira para Efraim

3. Exegese
Episódios de ressurreição nos sinóticos: Lc 7,11-16 (o filho da viúva de Naim); filha de Jairo
(Mc 5,22-43); conferir Mt 11,5. Ainda, episódios que podem ecoar em Jo: episódio de Marta
e Maria (Lc 10,38-42); parábola do rico e Lázaro (Lc 16,19-31, veja-se 16,31).
Em Jo, a ressurreição de Lázaro se liga diretamente à decisão do sinédrio pela sua morte. Se
os sinóticos apresentam o conjunto da atividade de Jesus, com os seus milagres, como a causa
da decisão de eliminar Jesus, Jo apresenta neste sinal de Lázaro a síntese global dos milagres.
Jesus dá a vida a Lázaro, ainda não é a vida do alto, o que faz a transição para o livro da
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glória; fecha o livro dos sinais e prepara o próximo momento do evangelho. A ressurreição de
Lázaro oferece uma transição ideal. Ainda, a alusão de que o supremo milagre de dar a vida
ao homem leve à morte de Jesus, apresenta-se como grande paradoxo, digno de sintetizar o
ministério de Jesus.
Assim, o último sinal de Jesus traz uma intenção pedagógica e teológica que se sobressai ao
aspecto histórico. O que explica a ausência do episódio nos sinóticos.
A relação do episódio de Lázaro com a cura do cego (c 9) pode ser indicativo do plano do
evangelista (veja-se o v 37). A cura do cego era uma dramatização do tema de Jesus como
luz; a ressurreição de Lázaro é dramatização do tema de Jesus como vida (v 25). Estes dois
temas se misturavam no prólogo na descrição da relação da Palavra com os homens (1,4);
assim como a Palavra dava a vida e a luz aos homens na criação, agora Jesus, a palavra
encarnada, dá a luz e a vida no seu ministério.

11,1-6 A mensagem das irmãs e o retardar de Jesus


A relação de Jesus com os três irmãos sugere profunda intimidade; o fato de os sinóticos
atestarem a passagem de Jesus por esta casa de Betânia, é um testemunho que reforça a
hipótese. O amor por Lázaro também carrega o simbolismo do amor de Jesus por todos os
seus discípulos (veja-se 3Jo 15, que usa a mesma expressão de 11,11 para os cristãos.
A importância simbólica do milagre de Lázaro é colocada em evidência desde o início do
relato (v 4). ‘É para a glória de Deus’ traz a ambiguidade que aponta para a morte de Jesus,
decidida ao final do episódio; esta é momento da sua glorificação (12,23-24; 17,1).
O v 5 cria um contraste intrigante. Jesus não vai ao encontro de Lázaro porque o ama (?), pois
ele será de maior ajuda a Lázaro quando este estiver morto.
O recado das irmãs a Jesus não contém um pedido explícito de ajuda, como também em 2,3. E
Jesus não se deixa comover; suas obras têm sua hora.

11,7-16 Os discípulos tentam persuadir Jesus


A discussão acerca do retardo para partir e sobre a ida a Judeia vai em duas direções. 1º os vv
7-10 e 16 se preocupam com usa ida à morte, sem fazer aceno a ajudar Lázaro; a função
destes vv é se ligar ao narrado precedentemente, especialmente às ameaças de lapidação
(10,31); o tema da luz do vv 9-10 se liga com 9,4 e 8,12 com a aversão de caminhar nas
trevas. 2º os vv 11-15, mesmo contendo o tema da ida a Jerusalém, introduzem a
possibilidade de ajudar Lázaro. Os discípulos não compreendem o jogo de palavras de Jesus,
sobre o sono/morte e o acordar/ressuscitar (11-13); esta incompreensão leva Jesus a explicar
(14) e a explicitar mais uma vez a intenção teológica do que acontece (15); a explicação é a
mesma do v 4, porém lá destacava a relação do milagre com a manifestação da glória de
Deus, e aqui no v 15 ressalta a relação do milagre com os discípulos (fé). O último sinal de
Jesus tem muito em comum com o primeiro: o que Jesus fez em Caná revelou sua glória e os
discípulos creram nele (2,11). Os dois aspectos, fé e glória, se unem em 11,40: a fé em Jesus
fará Marta ver a glória de Deus.

11,17-27 Diálogo de Jesus com Marta


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Duplicação: Marta sai para saudar Jesus (17) e Maria sai para saudar Jesus (29); com
saudações iguais (21.32). Comparar os dois momentos 20-27 e 28-33. Há certo paralelo com
o retrato feito por Lc 10,38-42. Em Jo Marta se precipita ao encontro de Jesus enquanto Maria
permanece sentada em casa; quando Maria ouve que o Mestre está aí, apressa em sair e se
lança aos seus pés.
O episódio de Marta mostra que ela acredita em Jesus, mas de forma inadequada. Se no v 27
emprega expressões de teor elevado, no v 39 mostra que ainda não crê no poder de Jesus de
dar a vida. Considera Jesus como interlocutor que Deus ouve (22), mas não compreende que
ele é a vida mesmo (25).
Sua expressão ‘sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá’ (22) traz certa semelhança
com a declaração e Maria aos servos em 2,5 ‘Façam tudo o que ele lhes disser’; em ambas
parece que há esperança na imediata ação de Jesus sobre a situação. Porém, não há sinal de
que Marta acredite que Jesus trará seu irmão à vida (veja-se o v 39).
A resposta de Jesus (23) não é compreendida por Marta. Sua genérica compreensão da
ressurreição no último dia é inadequada para a ocasião, para a escatologia realizada de Jo,
pois a vitória da vida que vence a morte é uma realidade presente em Jesus (25-26). “Eu sou a
ressurreição” diz da realização presente daquilo que ela espera para o último dia; quem
acredita nele, ainda que desça ao túmulo, terá a vida eterna. “Eu sou a vida”, cada um que
recebe a vida mediante a fé em Jesus jamais morrerá de morte espiritual, pois esta vida é vida
eterna. Ressurreição e vida (eu sou) descrevem o que Jesus é em relação aos homens, o que
ele oferece aos homens.
A profissão de fé de Marta (27) traz uma série de títulos cristológicos. Porém, não é seguro
que Marta tenha compreendido que Jesus pode dar a vida a Lázaro agora. Jesus não recusa o
tratamento, os títulos, mas, pelo seu gesto, mostra a verdade mais profunda que está por detrás
dos títulos; em 20,31 Jo deixará explicito: ‘para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,
e para que, crendo, tenhais vida em seu nome’.

11,28-37 Diálogo de Jesus com Maria


Os vv 28-33 praticamente duplicam a cena anterior. A saudação de Maria a Jesus traz pouca
progressão narrativa. A diferença é que ela se prostra aos pés de Jesus, uma marca dessa
personagem (ver 12,3 e Lc 10,39).
A emoção que Jesus experimenta (v 33) traz algumas dificuldades de tradução e interpretação
(também o v 38). Pode ter um conteúdo de indignação, diante da dificuldade de crer de Maria
e Marta, e diante da incredulidade dos judeus. Também, em conformidade com os sinóticos, a
cólera é uma reação de Jesus que se encontra diante do reino da morte e dos seus efeitos na
vida das pessoas (Mc1,43; Mt 9,30); o verbo τάραξειν é usado em 14,1.27 para descrever a
reação dos discípulos diante da morte iminente de Jesus; e em 13,21 descreve a reação de
Jesus diante da traição de Judas.
A dor de Jesus prepara a sua ação subsequente. Os vv 36.37 recordam temas importantes do
episódio: o amor de Jesus por Lázaro, sua predileção por ele (amor pelo cristão/seguidor?), e a
justaposição de Jesus como luz e como vida.

11,38-44 Diálogos diante do túmulo (ressurreição de Lázaro)


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A cena apresenta a culminância do episódio de Lázaro, o último sinal que Jesus realiza antes
de ingressar no livro da Glória, último momento do seu ministério.
O v 40 une o tema da fé (já apresentado em 25-26) ao tema da glória, que ouvíramos no v 4.
A referência à glória fornece uma inclusão no interior do capítulo e uma inclusão com o
primeiro sinal (2,11). Este tema faz a transição com a próxima etapa do evangelho e da
missão de Jesus.
Os vv 41-42 trazem uma oração de Jesus. Olha para o alto, gesto típico do orante que se
coloca em prece; sua primeira palavra é ‘Pai’, usual na oração de Jesus (Mc 14,36; Lc 11,2); a
locução se abre com uma ação de graças, própria da tradição judaica. Mas, por que Jesus ora
nesse momento?
Sua oração é ‘por causa da multidão, para que creiam’, logo é para expor a tese teológica do
evangelista (!); aparentemente, reza para a plateia, para suscitar nesta a fé na sua pessoa e na
sua missão divina. E de fato Jesus não pede nada ao Pai.
A oração de Jesus é o próprio ‘realizar a vontade do Pai’; assim, a vida de Jesus é uma
constante oração, um contínuo ‘seja feita a tua vontade’, pois Jesus não faz nada por si mesmo
(5,19). Seu alimento é fazer a vontade do Pai (4,34). Este comportamento orante está presente
nos vv 41-42. “Eu sabia que sempre me ouves”: há uma suprema confiança no Pai pois ele
sempre faz o que agrada ao Pai; sabe que qualquer coisa que peça estará de acordo com a
vontade do Pai e que, por isso, é atendido (cf. 1Jo 3,21-22; 5,14). Esta mesma confiança Jesus
vai exigir de seus discípulos 14,12-13; 15,16; 16,23.26.
A alegria de Jesus é por causa da fé que o milagre vai suscitar naqueles que testemunham o
acontecimento. Porque a sua oração é atendida, a multidão verá uma obra milagrosa, que é
oba do Pai. Através da ação de Jesus, que é ação do Pai, reconhecerão o Pai e receberão eles
mesmos a vida. Se a multidão não ouve suas palavra, vê seu gesto orante (olha para o alto) e
reconhece a fonte do seu poder.
Depois de ter preparado a multidão para o significado do sinal, Jesus chama Lázaro para fora
do túmulo. A narração é breve e não se fixa em descrever o milagroso:
Tendo dito isso, gritou em alta voz:
Lázaro, vem para fora!
O morto saiu, com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário.
Jesus lhes disse:
Desatai-o e deixai-o ir.
O prodigioso não é o mais importante. O crucial é que Jesus deu a vida (física) como sinal do
seu poder de dar a vida eterna sobre esta terra e como promessa que no último dia ele
ressuscitará os mortos.
Notar os ecos de 5,28-29:
Vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão sua voz e sairão; os que
tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida.
Lázaro está no sepulcro (11,38); Jesus grita em alta voz (43); ‘Eu sou a ressurreição e a vida’
(25).
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11,45-53 Reunião do Sinédrio (Jesus é condenado)


A reunião do sinédrio narrada nos vv 45-53 apresentam algumas dificuldades de interpretação
e de sua colocação na vida de Jesus. trata-se de uma reunião prévia àquela que vai decidir a
condenação de Jesus no processo que leva a sua condenação. E é um ponto de divergência
com os sinóticos.
A introdução à cena liga a reunião do sinédrio com o sinal de Lázaro, o que cria um paradoxo
dramático: o dom da vida feito por Jesus vai levar a sua morte. O milagre de Lázaro, como
tantos gestos e ensinamentos de Jesus, cria uma divisão entre as pessoas que julgam a si
mesmas através da reação diante de Jesus. Tantos acreditam e Jesus, e isto causa perturbação
séria nas autoridades de Jerusalém.
A declaração do sumo sacerdote (v 50) ocupa lugar central no episódio “é de vosso interesse
que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda” e funciona como uma profecia
involuntária acerca da força salvífica da morte de Jesus. Caifas estava ansioso por livrar-se de
Jesus e evitar qualquer indisposição ou agressão dos romanos por causa dele; e acertou na sua
declaração, mas a salvação que Jesus propicia é de outra ordem, e não exatamente livrando
dos romanos; e Jesus vai morrer não no lugar de Israel, mas em favor de Israel.
O v 52 alarga o alcance da profecia e do efeito da morte de Jesus. é em benefício de todos os
povos. O que deve causar um efeito singular nos ouvintes das comunidades de Jo, em boa
parte pagãos convertidos. Além disso, o v 52 traz elementos eclesiais, referindo a ‘reunião dos
filhos dispersos’ que lhes tornará uma realidade única; o verdadeiro Israel é este povo que se
forma e é poupado pela morte de Jesus.
O contexto traz referências à destruição do Templo, do ‘lugar santo’ (v 48). Recordamos a
declaração de Jesus sobre a destruição deste templo e sua reedificação no seu corpo (2,19-21).
Integram-se aqui diversos conteúdos da tradição profética: a reunião dos povos no Povo de
Deus, reunião que se dará em Jerusalém (Is 2,3; 60,6; Zc 14,16); a morte de Jesus que marca a
abertura da salvação aos povos; a edificação do novo povo como seu corpo.

11,54 Jesus se retira para Efraim


É um v obscuro que não encontra correspondência nos sinóticos para esta retirada de Jesus em
Efraim. Tem função de transição na narrativa de Jo, e faz inclusão com outra ‘retirada de
Jesus’ em 10,39-40.

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