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1
Enfermeiro. Mestrando e bolsista Capes-Fundação Araucária do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná, Brasil. le.scholze@hotmail.com
2
Enfermeiro. Professor assistente no curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Doutorando
no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo, Brasil. lfzanatta@
uenp.edu.br
3
Enfermeiro e psicólogo. Doutor em Enfermagem. Professor-adjunto na Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). São Paulo, Brasil. jrsbretas@gmail.com
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE IJUÍ EDITORA UNIJUÍ v. 15 n. 29 JUL./DEZ. 2015 p. 63-68
64 Alessandro Rolim Scholze – Luiz Fabiano Zanatta – José Roberto da Silva Brêtas
A população rural brasileira caracteriza-se por bidas alcoólicas e que 76,3 milhões fazem uso de
uma diversidade de raças, etnias, povos, religiões, álcool (World Health Organization, 2011; Santos
culturas, sistemas de produções e padrões tecnoló- et al., 2014).
gicos, segmentos sociais e econômicos, de ecossis-
É premente a necessidade, entretanto, de avan-
temas e de uma rica biodiversidade, entretanto não çarmos sobre a juventude rural, principalmente re-
há como negar evidências das desigualdades em ferente ao consumo de álcool. Sabe-se que existem
saúde impostas a estas populações (Brasil, 2013a). no mundo dois bilhões de pessoas que consomem
É neste contexto, muitas vezes marcado por bebidas alcoólicas, e que, destes, 10% são conside-
desigualdades e iniquidades em saúde, que encon- rados etilistas (World Health Organization, 2011).
tramos a juventude rural (Paulo; Santos, 2011). Interroga-se, no entanto: O que sabemos sobre o
consumo de álcool entre a juventude rural? e; Quais
Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Políticas Públicas sobre a temática direcionam aten-
Pesquisa e Estatística, 2011), a juventude rural no
ção para esta população?
Brasil, com faixa etária entre 15 e 29 anos, repre-
senta 5.490.997 pessoas. Buscando responder aos questionamentos, obje-
tiva-se, mediante este estudo, identificar se existem
Diante da grande ocupação demográfica, porém, Políticas Públicas e levantamentos epidemiológicos
estes jovens historicamente vem sendo excluídos que têm contemplado a problemática sobre o con-
dos estudos domiciliares por amostragem. Este ato sumo de álcool entre a juventude rural.
pode estar associado às dificuldades logísticas e fi-
nanceiras para se atingir esta população (Observa-
tório Brasileiro de Informações sobre Drogas, 2013;
Carlini; Noto; Sanchez, 2010). METODOLOGIA
Ao analisar os levantamentos referentes ao con-
sumo de álcool no Brasil, nota-se a existência de Trata-se de uma Revisão Integrativa da Litera-
uma lacuna de informações entre a população do tura (RIL), que se caracteriza por um método que
campo. Assim, ao observar o I Levantamento Na- visa a possibilitar uma maior abrangência sobre
cional sobre os padrões de consumo de álcool na determinados assuntos, sendo possível identificar
população brasileira, tendo como objetivo realizar lacunas existentes no cenário científico e contribuir
um panorama nacional sobre os padrões de consu- para a realização de novos estudos (Souza; Silva;
mo de bebidas alcoólicas, identificou-se que aproxi- Carvalho, 2010).
madamente 52% dos brasileiros com idade superior Para a realização da RIL foram utilizadas seis
a 18 anos podem ser classificados como bebedores. fases: 1ª fase – elaboração da pergunta norteadora;
Praticamente metade dos bebedores (27%) faz uso 2ª fase – busca ou amostragem na literatura; 3ª fase
na classe ocasional ou raro e a outra metade (25%) – coleta de dados; 4ª fase – análise critica dos estu-
faz uso de pelo menos uma vez por semana (Laran- dos incluídos; 5ª fase – discussão dos resultados; 6ª
jeira et al., 2007). Constata-se uma invisibilidade de fase – apresentação da revisão integrativa.
informações sobre a população do campo que atin- Adotou-se como questão norteadora para esta
ge apenas a população do meio urbano brasileiro. RIL: Quais Políticas Públicas e levantamentos epi-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) men- demiológicos têm contemplado a problemática so-
ciona que o consumo de álcool é considerado um bre o consumo de álcool entre a juventude rural?
grave problema de Saúde Publica atualmente, atin- A busca por literaturas (Souza; Silva; Carvalho,
gindo os diferentes países, sejam estes desenvolvi- 2010) foi desenvolvida em dois momentos duran-
dos ou subdesenvolvidos, ocupando a terceira po- te os meses de julho a dezembro de 2013. Para o
sição entre os principais fatores de risco referente à primeiro – a coleta de dados – foi feito um levan-
saúde. Estima-se que existam cerca de dois bilhões tamento bibliográfico das Políticas Públicas e dos
de pessoas em todo o mundo que consomem be- estudos de levantamentos epidemiológicos conti-
dos em site dos órgãos oficiais, como Ministério modo descritiva e analítica, sem fatores de com-
da Saúde, Secretaria Nacional de Políticas sobre paração, em que, a problematização será norteada
Drogas (Senad) e Centro Brasileiro de Informações pela Política Nacional sobre Drogas (Brasil, 2003).
sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).
Lilasc; 93 no BDENF e 62 no Scielo). O descritor O Plano Nacional de Saúde (Brasil, 2005) apre-
“saúde da população rural” apresentou 1.489 artigos sentou como Diretrizes e Metas Nacionais a in-
(1.398 no Lilacs; 75 no BDENF e 16 no Scielo). trodução de política de saúde para a população do
campo. Como meta para o período de 2004 a 2007
Depois de aplicados os critérios de inclusão era previsto: “Implantar a política de prevenção e
sobre os 77.842 artigos, foram excluídos 77.788, controle do consumo de álcool e outras drogas em
restando apenas 54 artigos para que neles fosse re- 50% dos municípios de residência da população do
alizada a leitura dos resumos. A leitura dos resumos campo”.
dos artigos proporcionou a eliminação de mais 50
Conforme evidenciado nesta pesquisa, entretan-
trabalhos, pois foi observado que os mesmos não
to, não foram verificadas nas legislações e políticas
contemplavam a questão norteadora de pesquisa e
públicas no Brasil programas e ações específicas
os critérios que garantiriam sua inclusão. Desta for-
que atinjam e trabalhem formas de redução de da-
ma, apenas quatro artigos foram selecionados para
nos com a juventude rural e populações do campo.
leitura na íntegra de seu conteúdo.
Constatou-se que as especificidades históricas,
Dos quatro artigos lidos e analisados exausti- culturais e sociais da juventude rural brasileira não
vamente pelos pesquisadores, nenhum foi incluído têm sido reconhecidas, e, principalmente, divul-
para ser analisado neste estudo, pois não abordavam gadas para a comunidade acadêmica por meio de
especificamente a juventude rural e seu padrão de produção científica. Observou-se, também, que a
consumo sobre álcool. Senad, órgão responsável por coordenar e integrar
as ações do governo relativas à redução de danos
Observou-se entre as três bases de dados, diante
e referente à demanda das drogas (Brasil, 2003b),
do uso dos quatro descritores aplicados na busca de não possui um efetivo diagnóstico situacional so-
literaturas, a ausência de publicações nos últimos 12 bre o cenário equivalente ao consumo de drogas e
anos que abordassem objetivamente a problemática tampouco de seus impactos nos diversos domínios
sobre o consumo de álcool entre a juventude rural. da vida desta população.
A Política Nacional sobre Drogas, no entanto,
apresenta como diretriz:
DISCUSSÃO 1.2.6 Fundamentar as campanhas e programas de
prevenção em pesquisas e levantamentos sobre o
uso de drogas e suas consequências, de acordo
Evidenciou-se que a juventude rural não tem com a população-alvo, respeitadas as caracterís-
sido contemplada com políticas públicas de abran- ticas regionais e as peculiaridades dos diversos
gência nacional, levantamentos epidemiológicos ou segmentos populacionais, especialmente nos as-
pesquisas científicas que investigam a problemática pectos de gênero e cultura (Brasil, 2013b).
sobre o consumo de álcool entre esta população.
Os dados desta RIL, ao constatarem ausência de
Ficou evidente a existência de uma única juventude:
informações sobre consumo de drogas e uso de ál-
a urbana.
cool entre a juventude rural nos sites do Ministério
Quando encontradas publicações envolvendo a da Saúde e Senad, demonstram uma completa rup-
população rural, estas centram na visão epidemioló- tura entre a diretriz, o que evidencia um paradoxo:
gica sobre doenças endêmicas, estados nutricionais propõe equidade, mas não a efetiva.
e condições clínicas (Wünsch, 2012), enfatizando- O paradoxo se traduz, na constatação, que os
-se que estes estudos se referem ao comportamento órgãos oficiais não detêm informações sobre drogas
populacional nas comunidades rurais, tendo como referentes a esta população, como se previa na di-
população pesquisada adultos e o ambiente onde retriz para fundamentar as campanhas e programas
vivem, considerando que pouco se sabe sobre sua de prevenção de acordo com população-alvo. Esta
juventude. constatação demonstra que, a juventude rural não
tem sido alvo das ações ministeriais sobre o consu- No Plano Operativo, porém, não se verifica a
mo de drogas e promoção da saúde, uma vez que previsão de recursos que visem a intervenções e
não possuem dados que embase ou direcione suas ações previstas para a população do campo que
intervenções. contemplariam a juventude rural dentro da Secad.
A ausência de pesquisas sobre a o consumo de Assim, esta lacuna científica pode estar atribuída
álcool pela juventude rural, constatada no Cebrid, e a obstáculos encontrados para o financiamento, ato
também verificada na RIL, por meio dos bancos de este que dificulta o acesso e o interesse dos pes-
dados Scielo, Lilacs e BDENF, apontam para outra quisadores em razão dos altos custos gerados por
ruptura com a Política Nacional sobre Drogas, pois,
pesquisas deste porte.
no tópico “Estudos, Pesquisas e Avaliações”, traz
como diretrizes: Identificou-se que, além da ausência de Políticas
Públicas para o combate de drogas, ocorre também
5.2.2 Incentivar e fomentar a realização de pes-
quisas básicas, epidemiológicas, qualitativas e a falta de levantamentos epidemiológicos sobre a
inovações tecnológicas sobre os determinantes e temática, e não há uma previsão orçamentária que
condicionantes de riscos e danos, o conhecimento garantiria a modificação desta realidade.
sobre as drogas, a extensão do consumo e sua
evolução, a prevenção do uso indevido, repressão,
tratamento, redução de danos, reabilitação, rein-
serção social e ocupacional, desenvolvidas por
organizações governamentais e não-governamen-
tais, disseminando amplamente seus resultados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.2.3 Assegurar, por meio de pesquisas, a iden-
tificação de princípios norteadores de programas Na introdução deste artigo foram lançadas duas
preventivos (Brasil, 2003). questões que direcionavam a problematização do
estudo: “O que sabemos sobre o consumo de álcool
Incluí-se a esta problematização o “I Levanta- entre a juventude rural?” e “Quais Políticas Públi-
mento Nacional sobre os padrões de consumo de
cas sobre a temática direcionam atenção para esta
álcool na população brasileira” (Laranjeira et al.,
população?” Responde-se agora a estas questões de
2007), formulado com o objetivo de oferecer um
acordo com as notificações desta RIL.
panorama nacional sobre os padrões de consumo de
bebidas alcoólicas do brasileiro. Mesmo, entretanto, Sobre a primeira questão que interrogava “o que
trazendo em seu título o termo “população brasilei- sabemos sobre o consumo de álcool entre a juventu-
ra”, o que nos leva a compreender, que esta inves- de rural”, é possível afirmarmos, que nada sabemos.
tigação abrangeria todos os cidadãos do território Quanto à segunda questão, que interrogava “Quais
nacional, o que ocorre é uma completa exclusão da Políticas Públicas sobre a temática direcionam aten-
população rural. ção para esta população”, podemos concluir que
Destaca-se que para o cumprimento destas ações também não existem, pois todas as políticas, mesmo
há recursos financeiros previstos (2012-2015) nos com pressupostos de reconhecerem “a especifici-
programas e ações da Secretaria-Executiva (SE), dades populacionais”, têm direcionado suas ações
Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), Secretaria de somente às populações urbanas e sua juventude.
Vigilância à Saúde (SVS), Secretaria de Ciência e É possível que avanços aconteçam, em virtude da
Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), Secre- iniciativa do “Plano Operativo da Política Nacional
taria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP), de Saúde Integral das populações do Campo e da
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação Floresta – 2012/2015”.
na Saúde (SGTES), Secretaria Especial de Saúde
Indígena (Sesai) e órgãos vinculados ao Ministério Entende-se que é necessário e premente o inves-
da Saúde: Agência Nacional de Vigilância Sanitária timento em estratégias eficientes que possibilitem
(Anvisa), Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e o levantamento e a disseminação de informações
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) (Brasil, 2013a). sobre o consumo de álcool e outras drogas entre a
juventude rural, para que possam fundamentar cam- sobre Drogas Psicotrópicas; Unifesp – Universida-
panhas e programas de prevenção que reconheçam de Federal de São Paulo; Senad – Secretaria Na-
as particularidades desta população. cional de Políticas sobre Drogas. Brasília: Senad,
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Este cenário é de grande preocupação, posto que
é de extrema importância o conhecimento das práti- CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES
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