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Governo do Estado do Rio de Janeiro - SEDEIS Relatório Técnico – Xerém- RJ /01/2013

Departamento de Recursos Minerais – DRM-RJ 1

O FLUXO TORRENCIAL OU CONCENTRADO OU A


CORRIDA DO CAPIVARI, EM XERÉM.

1. Introdução

Na noite do dia 02 para 03 de Janeiro, o Distrito de Xerém, em Duque de


Caxias foi afetado por uma chuva extrema; 02 mortes, centenas de casas destruídas
e prejuízos diretos a mais de 1000 pessoas foram contabilizados. No primeiro
momento, o processo destrutivo aparentou se tratar de um processo hidráulico no
Rio Capivari, sem participação efetiva de massa terrosa ou contribuição advinda de
escorregamentos nas encostas adjacentes. Esta primeira avaliação foi baseada nas
observações feitas no dia 03 nos cursos inferiores do Capivari e do Rio Saracuruna.
Na ocasião, como mostra a figura 1, o processo foi definido, em função de não ter
deslocado blocos rochosos (como aconteceu nas corridas de massa do
Megadesastre ´11 da Região Serrana), como fluxo torrencial no qual os matacões e
blocos rochosos foram apenas exumados, mas não mobilizados.
Outro fator que corroborou a hipótese de um processo destrutivo
eminentemente hidráulico é a geomorfologia da região de Xerém, correspondente à
quebra de relevo da Serra do Mar, na qual, devido à abrupta transição das escarpas
declivosas para a baixada plana, os fluxos d´água nos rios Capivari e Saracuruna
reagem às chuvas extremas através do aumento rápido das velocidades e da vazão,
principalmente por conta da forma de funil da bacia hidrográfica (figura 2). E mais
ainda: entendeu-se que o processo poderia ter sido muito mais destrutivo, caso os
troncos mais largos não tivessem paralisado nas gargantas naturais formadas por
matacões rochosos que ocupam o leito do rio ou caso a chuva extrema tivesse
ocorrido com um antecedente significativo (o mês de dezembro de 2012 registrou
apenas 137.4mm de chuva acumulada). Tivesse sido alcançado este cenário,
provavelmente os fluxos teriam encontrado os materiais dispostos junto aos pés dos
taludes naturais mais saturados e poderiam tê-los mobilizado. Uma vez muito
concentrados, os fluxos então poderiam ter evoluído para corridas de massa de
detritos, suficientes para causar um maior número de mortes.

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Figura 1: extraído de DRM, 2013. A esquerda, bacia do Capivari, trecho estrangulado pela
ocupação ribeirinha. À direita, detalhe do fluxo torrencial que atingiu um dos tributários do
Saracuruna, com danos limitados. A hipótese formulada foi a de que os processos
transportaram e depositaram sedimentos finos e detritos vegetais e que por não terem
incorporado material mais grosseiro se constituíram “apenas” num espetacular
fluxo torrencial.

Figura 2: Forma de funil da bacia do rio Capivari, que o caracteriza como receptor de todas
as linhas de fluxo superficial e de rápida reação.

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No dia 17 de Janeiro, entretanto, quando o NADE/DRM, em conjunto com o


DGDEC/SEDEC-RJ, teve a oportunidade de analisar os filmes feitos pelo VANT
(figura 3), a hipótese de fluxo torrencial se mostrou inconsistente. O vídeo mostrou
claramente que um volume indefinido de sedimentos de fato atingiu a represa da
CEDAE (figura 4), que barrava e orientava a captação d´água do Rio Capivari e a
danificou, embora sem destruí-lo como foi aventado por boatos no dia do desastre.
As informações obtidas pelo VANT reforçaram então a necessidade de um
estudo mais detalhado do processo destrutivo, não só para garantir uma avaliação
mais qualificada do risco remanescente de futuras corridas de massa, como também
para embasar as discussões sobre a necessidade de demolição da represa da
CEDAE e sobre as obras mais adequadas para a redução do risco no local.

Figura 3: Veículo Aéreo Não Tripulado (Foto: Cortesia Flight/Divulgação)

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Figura 4: Imagem do VANT junto à represa da CEDAE, no curso superior do Rio Capivari, no dia 18 (Cortesia Flight/Divulgação).

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2. Fluxo Torrencial e Concentrado ou Corrida do Capivari

Para avaliar se blocos rochosos foram mobilizados ou houve aporte de materiais


deslizados das encostas do vale do Capivari, e verificar a extensão dos danos à
represa da CEDAE, foram realizadas vistorias de campo nos dias 18 e 24 de
Janeiro, e obtidas, junto ao INEA, as fotos de helicóptero tomadas no dia 07 de
Janeiro. As fotos (figuras 5 a 13) mostram aspectos da trajetória do movimento
destrutivo até o local da represa.
Pelo menos um grande escorregamento se destaca nas cabeceiras do Rio
Capivari. Não há certeza (fotos 5 e 6) de que este movimento de massa contribuiu
para a magnitude do processo deslizado, já que a densa floresta preservada em
toda a encosta revela que é muito provável que a massa deslizada tenha paralisado
no trajeto. O fluxo hidráulico ao longo do rio, no entanto, parece ter dispensado
completamente esta contribuição extra, e, em função da sua vazão, foi suficiente
para arrancar árvores com troncos largos que ocupavam (e ocultavam) o traçado do
rio, e para remover os sedimentos finos que ocupavam as suas margens e o leito,
passando a constituir um fluxo denso e com alta velocidade (fotos 7, 8 e 9).
A principal consequência da transformação do fluxo torrencial em fluxo
concentrado foi, como observado no campo, uma fantástica exumação dos blocos
rochosos e de matacões rochosos depositados ali por corridas de massa pretéritas,
e que ocupam o leito e os taludes laterais do Capivari, alguns com mais de 10m de
diâmetro (fotos 10, 11 e 12); isto acabou por abrir uma clareira de mais de 100m
onde era mata fechada, ou seja, alargar o rio de 10 a 15 vezes da sua dimensão
normal. Diferentemente do que se pensara originalmente, contudo, como mostram
as marcas de fricção observadas nos blocos maiores, o fluxo também conseguiu
mobilizar blocos rochosos. Desta forma, o processo destrutivo teve sim sua fase de
corrida de massa. E mais ainda, ao adquirir esta característica de corrida de massa
de detritos, o agora movimento de massa terrosa seguiu não o curso meandrante do
rio, mas sim uma linha reta, ou seja, “saiu pela tangente”.

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Figura 5: Foto Cortesia INEA – 07/01/2013 kmz com fotos georeferenciadas de voo de
helicóptero. Observar apenas um escorregamento na cabeceira do Rio Capivari.

Figura 6: Foto Cortesia INEA – 07/01/2013 kmz com fotos georeferenciadas do voo de
helicóptero. Observar a diversificação do fluxo, serpenteando ao longo do canal.

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Figura 7: Foto Cortesia INEA – 07/01/2013 kmz com fotos georeferenciadas do voo de
helicóptero. Observar o caráter anastomosado do fluxo torrencial.

Figura 8: Foto Cortesia INEA – 07/01/2013 kmz com fotos georeferenciadas do voo de
helicóptero. Vista geral da clareia aberta pelo fluxo torrencial.

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Figura 9: Foto Cortesia INEA – 07/01/2013 kmz com fotos do voo de helicóptero. Observar a
última diversificação do fluxo antes de chegar à Represa da CEDAE.

Figura 10: Blocos rochosos exumados e matacões de corridas pretéritas, com marcas de
fricção e impacto, o que revela o transporte de blocos rochosos.

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Figura 11: Detalhe do ponto onde a corrida e o fluxo hiperconcentrado se separaram

Figura 12: Detalhe do talude lateral do Capivari, erodido a montante da represa. Observar as
diferentes fases de corridas de massa pretéritas (no mínimo 03). Na base os blocos
rochosos com dimensões menores, da ordem de centímetros..

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A trajetória diferenciada da frente da corrida de massa (somente entendida


após contato verbal com os funcionários da CEDAE), abandonando o controle
morfológico imposto ao rio pelas estruturas geológicas – fraturas tectônicas
subverticais, de direções NE-SW e NW-SE, acabou por dar uma forma “maluca” ao
movimento de massa coletivo, que se dividiu mais uma vez em dois a cerca de
150m da represa da CEDAE, criando uma verdadeira e nova “ilha fluvial”, pela qual,
a leste, passou a corrida de massa, e a oeste, trafegou o fluxo concentrado (figura
13).
É provável que a corrida de massa de detritos tenha seguido um novo traçado
justamente por ter encontrado esta barragem temporária representada pela “ilha
fluvial”, na qual ficou retida uma impressionante quantidade de troncos de maior
envergadura e de matacões rochosos. A situação destes, se exumados
(descobertos, expostos e lavados) ou se transportados, é duvidosa. Esta dúvida, no
entanto, não ocorre em relação aos blocos rochosos de menores dimensões. Estes,
apesar de em grande parte terem se “encaixado” dentre os maiores, contornaram a
“ilha fluvial” e se dirigiram à represa da CEDAE.
É interessante notar as marcas de fricção em diversos dos matacões,
mostrando que os mesmos foram impactados pelos blocos rochosos menores. Cabe
destacar que estas marcas são mais nítidas nas rochas mais máficas, não sendo
possível reconhecê-las nos gnaisses e nos granitos mais claros que predominam na
área.
A superposição das feições observadas no campo e a análise detalhada das
fotos gentilmente cedidas pelo INEA permitiram definir via imagem do Google
editada e via croqui de campo uma exata trajetória do processo diversificado e
complexo, por um lado o fluxo torrencial no Rio Capivari, por outro a corrida de
massa de detritos, como mostra a figura 14.

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Figura 13: Imagens de satélite da área próxima à represa da CEDAE. Na da esquerda, original, observar a densa cobertura florestal, que praticamente impede a identificação do curso do rio
Capivari. Na da direita, editada, observar não só a diversificação do fluxo torrencial, como também o volume de sedimentos retidos pela represa. Observar também a ocorrência, na encosta
oeste do vale e a jusante da represa, de um deslizamento seguido de corrida, cujo material deslizado, entretanto, não alcançou o fluxo torrencial, razão pela qual, provavelmente, o mesmo não
se transformou numa corrida de massa de detritos com maior potencial destrutivo.

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Figura 14: Esquema do fluxo torrencial/concentrado/corrida, extraído de Marcelo Motta,


Notas de Campo. Notar que a contribuição do escorregamento lateral a jusante da represa
foi insignificante quando comparada aos efeitos do fluxo hidráulico torrencial, que, no
entanto, não teve capacidade de carrear os blocos em função de sua viscosidade baixa. Os
blocos maiores acima de 1,5m² foram “exumados” ou percorreram curtas distâncias, o que
diminuiu o poder de destruição e eliminou a possibilidade de um depósito gradacional dos
sedimentos.

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Na Represa da CEDAE se encontraram as duas línguas - de fluxo


concentrado e da corrida de massa (figura 15). Parte dos blocos rochosos e dos
sedimentos se chocou contra a represa e de fato a ultrapassou após danificar a sua
crista (figura 16). Porém, a represa, que foi projetada apenas para controlar a vazão
para o abastecimento d´água, suportou muito bem esta solicitação não prevista; ela
reteve a “surgente” corrida de massa e desacelerou o fluxo concentrado, como
mostra não só o seu completo assoreamento como também a deposição logo a
jusante dos sedimentos e dos restritos blocos rochosos que a transpuseram. Esta
função de barramento estrutural, contudo, não foi suficiente para impedir a “onda” na
qual o funcionário da CEDAE perdeu a vida e a destruição de pontes da travessia
dos dutos d´água. A destruição a jusante da represa de uma ponte de pedra
arrumada construída para a travessia de veículos (figura 17) se deu então por um
fluxo torrencial (não mais corrida) que erodiu violentamente as margens do Capivari
e removeu um volume significativo de finos. A destruição, entretanto, poderia ter sido
maior se a massa deslizada no grande escorregamento na margem oeste tivesse
atingido o eixo do fluxo torrencial (figura 18).

Figura 15: Foto Cortesia INEA. Observar a situação junto à represa e a presença de uma
corrida na lateral do vale.

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Figura 16. Vistas montante da barragem e detalhe da parte danificada, com detalhes de jusante.

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Figura 17. Erosão das margens do Capivari gerando taludes de 5m de altura, removendo
um volume significativo de finos e destruindo a passagem de uma tubulação d’água que
atravessava o rio.

Figura 18: Situação imediatamente a jusante da represa.

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No curso inferior do Capivari, entre a represa da CEADE e Xerém, com 2.6km


de extensão, há dois domínios ditados pela mudança de direção do rio. Na sua
primeira parte, o fluxo torrencial seguiu a estrada de acesso à represa, deixando
como registro, troncos de árvores em cotas até 10m superiores ao nível atual do rio
(figuras 19, 20 e 21). A destruição, contudo, foi muito pequena, já que a ocupação é
rarefeita. No seu segundo trecho, o fluxo divergiu da estrada de terra e seguiu o
curso do rio (figura 22), razão pela qual a portaria da CEDAE e as casas próximas
não exibem marca de água. No seu trajeto, por outro lado, as evidências do fluxo
torrencial são marcantes, mas não há, em função da redução do gradiente do rio,
indícios de erosão e sim, somente, de lavagem dos blocos e deposição de areia
(figura 23). No início, a destruição foi até pequena, mas à medida que encontrou
casas construídas na faixa ribeirinha, a situação se modificou. Os diversos
barramentos existentes provocaram a tomada da planície de inundação pelo
material fino, que, ao invadir casas, gerou prejuízos a mais de 1000 pessoas.

Figura 19: Detalhe do fluxo torrencial 150m a jusante da represa da CEDAE. Observar a
deposição apenas de troncos de árvores sem a participação de blocos rochosos.

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Figura 20: Vista geral do fluxo torrencial e da estrada de acesso à represa, lado a
lado.

Figura 21: Vista geral do fluxo torrencial e da sua distância ao núcleo urbano.

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Figura 22: Trecho no qual o fluxo divergiu da estrada de terra seguindo o curso do rio

Figura 23: Detalhe da deposição de arei nas margens do Capivari

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3. Discussão e Conclusão

No final do ano de 2010, o NADE/DRM preparou a Carta de Risco Iminente


de Duque de Caxias. No distrito de Xerém estão 08 dos 98 setores de risco
associado a movimentos bruscos - deslizamentos rasos de solo residual em taludes
escavados com altura entre 8m e 40m -, com 37 casas em perigo, nos quais as
feições de campo são indicativas de que um processo destrutivo tem muita
probabilidade de ocorrer mesmo em condições normais de chuva. Não há, por este
motivo, na Carta de Risco do DRM, nenhuma consideração sobre o risco associado
a movimentos coletivos do tipo corrida de massa de detritos em Xerém, já que este
tipo de escorregamento exige, para a sua deflagração, uma conjugação especial de
fatores, dentre os quais se destaca a chuva extrema.
O fato do risco associado a corridas de massa não ser considerado iminente,
e, portanto, não ser apontado na Carta do DRM, não significa que não haja risco ou
que o mesmo seja desprezível, muito pelo contrário. A interpretação das imagens e
fotos aéreas, e o mapeamento de campo, deixaram bem claro, ao revelar uma
grande exposição (e extensão) de depósitos (de corridas de massa pretéritas)
prontos para serem mobilizados, que há, sim, condições predisponentes para a
geração de corridas de massa de detritos no Rio Capivari. E que, principalmente,
todo o potencial destrutivo de um processo geológico na bacia do Rio Capivari (e
também do Saracuruna) não foi efetivamente alcançado no dia 03 de Janeiro.
Se havia uma disponibilidade grande de material ao longo dos canais de
drenagem para a geração de processos mais coletivos de massa terrosa, e o fluxo
torrencial registrado, embora frequente na região, pareceu, a todos que
acompanharam a divulgação dos extensos prejuízos, de fato muito significativo e
excepcional, que fatores poderiam explicar a não mobilização dos detritos e apenas
a exumação dos matacões blocos rochosos, os quais, felizmente, foram
responsáveis pelo pequeno número de mortes?
Um destes fatores é justamente a falta de contribuição ou aporte, ao fluxo
hidráulico, de material deslizado em taludes laterais e nas cabeceiras de drenagem
do Rio Capivari, os quais praticamente não foram identificados nem nas fotos nem

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no mapeamento de campo. Sem este “empurrão” dos materiais detríticos, a


densidade do fluxo fica limitada, o que reduz a capacidade de mobilização dos
detritos de maior granulometria. Neste caso, o que ocorre é a exumação dos
matacões e blocos rochosos, que acabam diminuindo o potencial destrutivo do fluxo
hidráulico, ao reduzir o transporte de troncos de árvores.
Outro fator importante é o tipo de chuva, ou seja, a sua distribuição, razão
pela qual se diz que o potencial de ocorrência de corridas mais destrutivas não é
assim tão fácil de ser alcançado. A chuva da noite de 02/03 de Janeiro alcançou
208.0mm em 10 horas, de fato um índice muito significativo e pouco frequente (a
média mensal do mês de Janeiro, de 1961 a 1990, em Xerém, é de 420.0mm), mas,
os picos registrados ao longo dela - 38.8mm/h, às 21h30 do dia 02 -, estiveram
longe da excepcionalidade registrada em corridas de massa, por exemplo, no
Megadesastre ´11 da Serra Fluminense - 80mm a 130mm/h. Se não bastasse isso,
cabe considerar também o fato de que a chuvas antecedentes, tanto diária -
84.4mm/24hs – como de 4 dias - 109.0mm/96hs –,foram também não excepcionais.
O terceiro fator importante para a não deflagração de uma corrida de massa
destrutiva no rio Capivari foi, embora menos significativa que os anteriores, o papel
cumprido pela Represa da CEDAE. Embora não tivesse a função de “contenção”, a
represa não só não rompeu como desempenhou uma função fantástica de
dissipação de energia, muito diferente da culpa que lhe quiseram imputar após a
destruição em Xerém. Cabe destacar ainda que mesmo que houvesse uma ruptura
total, a contribuição em termos de volume d´água represado e de sedimentos por ela
retidos anteriormente seria muito pequena quando comparada à energia
eventualmente mobilizada pelo movimento coletivo de matacões e blocos rochosos
dispostos nos taludes laterais e no leito do rio.
O fato da Represa da CEDAE ter sido positiva no evento de Janeiro 13 não
pode, contudo, ser supervalorizada ou servir como argumento para impedir que a
mesma seja demolida. A questão é outra. A represa existe para garantir o
abastecimento d´água e é simplesmente secundária no que tange ao risco de
desastres em Xerém, uma vez que para impedir processos de maior complexidade e
volume, represas de concreto não são adequadas, sendo esta função melhor

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desempenhada por barragens tipo “sabo dams” ou redes de alta resistência. Se a


perspectiva é a função de abastecimento público de água, a represa pode sim ser
reconstruída para continuar acumulando água, depois de naturalmente
“desassoreada” do material da corrida e do fluxo concentrado que ela conseguiu
barrar e reter. É preciso ficar claro que ela não se tornou mais vulnerável por ter sido
impactada na sua crista e parcialmente quebrada, ela simplesmente foi transposta
pelo material terroso e não destruída. A sua situação atual não difere muito da
anterior ao desastre.
Se a represa é secundária no que tange ao risco de desastres associado à
futuras corridas de massa, o mesmo não se pode afirmar em relação à ocupação
ribeirinha tanto do Capivari como do Saracuruna. E isto acaba por ressaltar a
importância da delimitação de uma zona de exclusão na planície de inundação do
Capivari, na qual se preveja a possível influência de uma eventual corrida de massa.
Para esta delimitação o fator mais importante a considerar é, exatamente, a
extensão lateral do domínio de depósitos de corridas de massa pretéritas. Caso esta
zona de exclusão proposta não seja viável econômica e socialmente, será
necessário executar obras estruturais para a redução do risco no local. E estas
obras incluem efetivas barragens de dissipação de energia.
Por conta de todas estas variáveis é muito importante que o acidente da
noite do dia 02 e madrugada do dia 03 de Janeiro, que ocorreu sob a influência de
uma chuva extrema de verão e foi caracterizado pelos estudos do NADE/DRM como
um processo misto, parte corrida de massa, parte fluxo torrencial, seja estudado
ainda mais em detalhe no futuro, tal como aconteceu com as corridas de massa do
Megadesastre ´11 da Região Serrana. Afinal, embora o potencial de ocorrência,
como exposto, seja moderado, é preciso levar em conta o fato de que a densa
ocupação da faixa ribeirinha do Capivari amplia em muito as consequências
potenciais associadas a uma eventual corrida de massa de detritos. Isto faz com que
o risco atual seja significativo.

Niterói, 14 de Fevereiro de 2013.

Equipe do NADE/DRM Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos

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