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Jesus – Terapeuta e Cabalista – Parte 4

Binah-Entendimento

"O olho que vês não é olho para que o vejas: é olho porque te vê", escreve
Antônio Machado, confirmando o dito de Jesus compilado por Tomé no texto
gnóstico.

Novamente ante o espelho, a claridade somente se conhece pela claridade.


"Em tua luz veremos a luz", diz o Salmo 36,10.
A Sabedoria conduz a Binah, o silêncio à palavra, o projeto à sua realização,
de modo tal que para que nosso cérebro se autofecunde deve antes tornar-
se consciente de sua complementaridade.
Enquanto o hemisfério esquerdo possui a capacidade de processar
informação seqüencialmente, o hemisfério direito o faz de modo simultâneo,
e como o seqüencial é temporal, sucessivo, talvez seja essa a razão pela
qual o-masculino seja, do ponto de vista da lingüística hebraica, uma
extensão da memória, da lembrança.

Zajar, "macho", possui as mesmas letras que ‘zjar’, "recorda"; ao passo que
"feminino" ou ‘nekebá’ está em relação com ‘nakab’, "nomear", "assinalar",
"designar".
Aquilo que a Sabedoria "recorda" — Platão dizia que todo conhecimento não
é senão anagnórisis, quer dizer, "reconhecimento" —, o Entendimento,
Binah, o assinala, o encarna, o revive.
Nosso hemisfério esquerdo, ao qual se atribui o discurso lógico, atua num
regime de transferência em série, ao passo que o direito atua em paralelo.
Como observa Cari Sagan: "O hemisfério esquerdo vem a ser um
computador digital e o direito um ordenador analógico".

Se Binah, freqüentemente chamada "mãe", relacionada com o hemisfério


direito, tem a ver com o paralelo e analógico, então é ela que terá, por
assim dizer, a última palavra.
A atividade do hemisfério esquerdo está mais próxima do diurno, do solar,
enquanto que a do hemisfério direito o está do noturno, responde ao lunar.
Do ponto de vista da ciência neurológica, suspeita-se que o hemisfério
esquerdo do neocórtex não atua durante o estado de sonho, enquanto que
o hemisfério direito, hábil em símbolos e configurações espaciais, funciona
nesse momento sem dificuldade.

A Cabala faz derivar ‘ben’, o "filho", de Binah.


E também, agregando-lhe um lámed, ‘le-biná’, que significa "para a
compreensão", ao mesmo tempo que ‘lebaná’, "lua".
A Sabedoria nos flexiona, porém o Entendimento nos faz refletir.
O Sol nos cria, mas a Lua nos abarca.
O primeiro dinamiza nosso sangue, a segunda vivifica nossa linfa e é
senhora de nossos líquidos intersticiais.
O sangue tem a ver com o visível, com o colorível, com o solar, ao passo
que a linfa começa como capilares cegos que se reúnem em vasos linfáticos
de paredes mais delgadas e providos de numerosas válvulas.
E assim como os glóbulos brancos ou leucócitos fazem parte de nosso
sistema imunológico, de modo semelhante a linfa, os gânglios linfáticos, são
estações filtradoras de defesa contra os agentes infecciosos.
De tudo isso inferimos que o Entendimento nos permite concentrar,
canalizar a força da Sabedoria, pois é a Lua que regula, sobre a Terra, o
poder do Sol.
Seus filtros são o tempo, o ciclo, o espaço e as formas.
Binah é também ‘bniah’, uma "construção", uma morada que dará corpo
aos materiais fornecidos pela Sabedoria.
Projeções de nossos hemisférios cerebrais, nossos olhos são, para a Cabala,
como para a Alquimia chinesa, rebentos do Sol e da Lua.
A linguagem hermética faz corresponder o olho direito ao Sol, à atividade e
ao futuro; e o olho esquerdo, à passividade e ao passado.
Novamente nos vemos diante dos binômios Sabedoria/projeção,
Entendimento/profundidade.
O homem é reto e a mulher é curva, porém é sabido que o prolongamento
de um conduz ao outro.
Se os olhos são tributários do Sol e da Lua, o hipotético terceiro olho é o
fogo que nasce de sua união, a hierogamia que o Livro da Criação
denominava "sê sábio com entendimento e entende com sabedoria".

Para fazer com que "o de fora seja como o de dentro", o cabalista procede
então por freqüentes inversões especulares.
Através de leituras cruzadas, atreve-se a seguir as enervações secretas do
texto.
Outro tanto faz o terapeuta quando levanta um diagnóstico sintetizando a
dispersão das dores, somando suas emergências e manifestações.
Tratando, para curar, de restituir ao corpo sua funcionalidade unitária.
Desde seu início, a Árvore Sefirótica se ordena por pares complementares
para mostrar-nos que, embora a dualidade forme parte de um só
organismo, sua manifestação imanente constitui o campo rítmico de nossa
dança.
O orvalho deverá percorrer, seguindo o traçado do relâmpago, as trinta e
duas sendas, assistindo com sua graça de ressurreição o alto e o baixo, o
próximo e o distante; promovendo a mudança (‘metabole’, palavra grega
que indica, num contexto espiritual, "transição", "desprendimento da velha
pele e aparecimento da nova") e, muito especialmente, facilitando a
circulação energética.
Em Provérbios 3,19 se lê o que para muitos cabalistas está na origem das
três primeiras sephiroth: "Foi pela sabedoria (Hokhmah) que o Senhor criou
a Terra, foi com inteligência (Tebuná/Binah) que ele ordenou os céus. Foi
pela ciência (Daató/Daat) que se fenderam os abismos, e por ela as nuvens
destilam orvalho".

Fletindo suavemente abaixo por meio da Coroa, os dois hemisférios


cerebrais recebem esse líquido fantástico e permitem que o iniciado observe
a abismal Daat, a Ciência, undécima sephira invisível que não tardará a ser
deslocada até ocupar o lugar flutuante que lhe corresponde hoje entre o
coração e a cabeça: assistindo, como "porta", a todos os trânsitos
reveladores entre o visível e o invisível, o audível e o inaudível.
Se no princípio Daat era considerada como uma espécie de corpo caloso que
unia o "pai" à "mãe", logo será tradução exata da gnose, contraponto e pólo
do que penetra pelo cocuruto.
Atribuindo à Sabedoria a letra álef, primeira na ordem alfabética, e bet ao
Entendimento, temos o valor um para o hemisfério esquerdo e dois para o
direito.
Muitos provérbios atribuem a Binah a capacidade de comparar, que é
sempre posterior à busca da Sabedoria.
Porém, comparar supõe eleição, e nesse sentido parece que a capacidade
de distinção espacial, formal, é trabalho quase exclusivo do hemisfério
direito.
Esse hemisfério é considerado, pois, como receptor e indicador da
orientação espacial.
Os neurologistas afirmam que são seus a cor, a música e, sobretudo, o
lugar, a topografia.
Beit, a segunda letra do alfabeto, quer dizer, entre outras coisas, "casa".
Enquanto o hemisfério esquerdo exerce seu predomínio sobre a linguagem
e as matemáticas, ambas seqüenciais, de certo modo irreversíveis enquanto
manifestações demonstrativas — não posso inverter E = mc2 sem variar
todo o conceito —, o hemisfério direito é sede do impromptu poético, das
melodias e das curvas da geometria analítica.
Não deve então surpreender que nos de-paremos com o fato de que, nos
antigos oráculos délficos, era a pitonisa que recebia a inspiração e irrompia
a falar, enquanto que o hierofante ou sacerdote decifrava o que era por ela
dito.
Em que pese sua diferenciação, ambos os hemisférios, ambas as sephiroth,
se buscam mutuamente, se necessitam, devem tornar suas ações
simultâneas para que a obra do homem seja equilibrada.
Hokhmah é advertência para o olho, Binah sinal para o ouvido, mas
também para a língua.
Entre ambos os órgãos se espraia a linguagem, feita de metáforas,
analogias visuais mas também onomatopéias.
"A letra álef — diz-nos o Livro da Claridade, profetizando o futuro ritmo alfa
— é uma imagem do cérebro. Tu te dás conta dela agora? Para isso basta
abrir um pouco a boca".
Ocorre que, uma vez aberta, dela nascem as palavras e o bet as fonetiza,
as modula.
Por essa razão, a harmonia manifesta na sintaxe é obra de Entendimento,
quebra-luz vivo em que se reflete a emanação da Sabedoria.
À tensão consonântica corresponde a distensão vocálica.
O Bahir nos diz que "cada vogal é um círculo enquanto que cada consoante
é um quadrado, de tal modo que as consoantes não podem subsistir sem as
vogais, já que são estas que lhes dão vida".
Por ser Eva chamada pela Bíblia de "mãe do que é vivo", faz parte do
mesmo universo morfológico o fato de o homem ser dinâmico por fora,
porém estático por dentro, enquanto a mulher é estática por fora mas
dinâmica por dentro.
Paralelamente a esta complementaridade, acontece na tradição hebraica o
binômio tradição escrita/tradição oral.
Fogo negro — as letras impressas — e fogo branco — a página — que
obviamente as contém.
Também duas das letras do Tetragrama — yod e hei —são chamadas pelo
Zohar o "pai" e a "mãe" respectivamente.
O yod porque punge, penetra, suscita, e o hei porque articula, suaviza e
dilata.
A soma de ambas dá 15, que por sua vez é 6, a letra vav, o "filho", o
"homem".
O mesmo Tetragrama é masculino/ feminino e seu signo de igualdade está
estabelecido pelo duplo hei.
Ao ouvido chega o que o olho não alcança.
O olho sai; o ouvido entra.
Na porção vestibular do labirinto estão o ouvido interno, que se encontra no
interior do osso temporal em uma intrincada disposição denominada
labirinto ósseo.
Como um estojo, este contém, por sua vez, o labirinto membranoso, que
compreende uma porção com função auditiva — o caracol —, e uma porção
encarregada da orientação e do equilíbrio — o vestíbulo —; zona que se
compõe de duas pequenas dilatações: o utrículo e o sáculo.
Assim como ao olho corresponde o revelado, ao ouvido corresponde o
secreto.
Enquanto um processa as imagens invertendo-as no interior do cérebro,
levando o que aparece ao lado esquerdo para o lado direito e vice-versa, o
outro deixa que o som entre diretamente no hemisfério em cujo lado está
implantado.
No todo é labiríntico, interior, profundo, obscuro, sussurrante.
No lógio 83 do Evangelho de Tomé, Jesus explica: "As imagens são visíveis
para o homem, mas a luz interior está escondida na imagem da luz do Pai.
Ele se revelará, mas sua imagem está escondida por sua luz".
Hokhmah constitui, pois, a primeira chispa, o primeiro estalido, porém
Binah atravessa a perilinfa e faz vibrar a cabeça inteira nas sucessivas
ondas do Entendimento.
O meio natural do olho é a luz, o do ouvido o ar, exatamente como o do
nariz.
Por suportarmos melhor a falta de luz que de ar, alguns iniciados atribuem
ao ouvido, ou melhor dizendo, ao conjunto nariz-garganta-ouvido, um papel
mais relevante na evolução espiritual do que teria o olho, vítima, além do
mais, de muitas ilusões.
Um enigmático provérbio zen reza: "Os olhos são horizontais e o nariz
vertical; essa é a essência".
De fato, no Gênesis 2,7 é dito: "O Senhor Deus formou, pois, o homem do
barro da terra, e soprou em seu nariz o alento de vida, e o homem se
tornou um ser vivente", revelando-nos que o contato com o divino depende
mais de nossas fossas nasais que de nossas pupilas.
"Antes de concretizar-se em palavra — escreve Safrán em seu tratado sobre
a Cabala — o ‘rúaj’ ou Espírito se concretiza em ‘reáj’, Perfume".
Esta a razão pela qual o altar dos perfumes ocupava um lugar tão
destacado no Templo de Salomão.
Porém se o Sol e a Lua estavam em correspondência com nossos olhos,
também o estão com as fossas nasais, cujo alternado ritmo circadiano varia
segundo a altura do Sol e a posição da Lua.
Aprender a respirar é aprender a dilatar e iluminar a consciência, tal como a
postula o ioga.
Levando em conta que para o médico Paracelso "o ar é o meio pelo qual se
transmitem as enfermidades", prestar atenção a nosso aparelho respiratório
não é irrelevante.
Jesus sustenta que a verdadeira liberdade é irmã do indeterminado, do
invisível.
Flui com o ar, com o vento que, como diz João 3,8: "... sopra onde queres,
e ouves-lhe o ruído; mas não sabes donde vem, nem para onde vai. Assim
acontece com aquele que nasceu do Espírito".
A raiz grega ‘pnei’, "sopra", está — exatamente como o ‘rúaj’ hebraico que
além de "espírito" é "vento" — relacionada com ‘pneuma’, o anímico, ou
seja, a "alma".
Não podemos regular nossas pálpebras do mesmo modo que podemos
regular nossa respiração; de modo diferente das vias óticas e auditivas, que
passam através do tálamo, as vias olfativas conectam diretamente com o
sistema límbico do cérebro, responsável pela conduta motivada, a memória
e a emoção.
Se lembrarmos agora a relação cabalística entre o aroma e o espírito,
compreenderemos por que, de certo modo, "nascer pelo espírito" tem a ver
com os perfumes que extraímos da brisa de nossa própria respiração.
Pois o controle, a consciência que obtemos de nossa respiração determinará
em maior ou menor medida a fluidez com que ligamos a Sabedoria ao
Entendimento.
Devido a um curioso paradoxo, somos capazes de fechar os olhos e tapar
nossos ouvidos por muito tempo, mas não de privar o nariz de sua absorção
de ar.
E apesar desse condicionamento, em nosso ser aeróbico está, como diz o
Mestre, nossa liberdade.
Os dois hemisférios do cérebro, então, coordenam suas funções como "pai"
e "mãe", o lógico e o analógico.
Pelo esquerdo, a expansão, pelo direito, a profundidade, porém pela sutil
ponte do corpo caloso, a comissura de nosso sorriso interior único.
No capítulo 8,1 do Livro de Tomás está dito: "O Sol e a Lua lhes darão um
doce aroma: ao ar, ao espírito, à terra e à água. Porque se o Sol não brilha
sobre eles, estes corpos se consumirão e morrerão como a cizânia ou a
erva".
Esse Sol é Hokhmah, a Sabedoria, que semeia na luz, Binah, a semente do
entendimento.
Ambos unidos, manifesta-se o que a Cabala chama ‘majshabá’, o
"pensamento".
Rebento tanto do olho quanto do ouvido e a respeito do qual o Livro da
Claridade nos explica: "Está escrito no Eclesiastes 1,8: 'Nunca se sacia o
olho de ver nem o ouvido de ouvir', o que significa que tanto o olho como o
ouvido extraem sua força da majshabá ou Pensamento Divino".
Este não suporta nenhuma visão e, por isso - continua o Bahir —, é
ilimitado.
Entre os cabalistas provençais do grupo Yúun, no século XII, falava-se com
freqüência de um "pensamento puro", um "pensamento original" que seria o
que é a luz branca para o espectro cromático.
Conhecemos o valor gemátrico, numérico deste majshabá (mem = 40 + jet
= 8 + shin = 300 + bet =2 + hei = 5 = 355 = 13), cifra que é a de ahabá,
"amor", tanto como a de Bereshit, "no princípio".
Por isso se diz que o princípio é um princípio de amor que se manifesta
através do pensamento, e que este é produto, por sua vez, da união da
Sabedoria com o Entendimento.
O Zohar, ao falar da lateralidade, atribui "a profecia" ao lado masculino
(cérebro esquerdo e, portanto, lado direito), enquanto que os sonhos
pertencem ao mundo feminino (cérebro direito, lado esquerdo), espaço que
antes chamamos zona do profundo.
Esse pensamento primigênio, na realidade, é uma estrutura vazia, um
ponto inefável que tece e destece imagens e fonemas assim como um só
ponto urde, na tela televisiva, com uma rápida varrida, a trama do que
percebemos.
A palavra majshabá pode também ser lida como be-simjá, "na alegria",
"com felicidade".
Cinco letras que, como os cinco sentidos, devolvem a percepção porém
envolvem a realidade.
Nosso cérebro — como uma noz sob sua dura casca — consta de cinco
segnentos desenvolvidos a partir das cinco vesículas cerebrais do embrião:
a) bulbo raquidiano; b) metencéfalo; c) mesencéfalo; d) diencéfalo; e e)
telencéfalo, segmentos que, unissonamente, articulam o ver, degustar,
ouvir, tocar e respirar.
Se explorarmos um pouco mais a palavra hebraica majshabá, também
encontraremos nela bejamishá, que quer dizer, exatamente, "através de
cinco", apontando assim, de novo, para os sentidos, cada um dos quais
está, por outro lado, em correspondência com os elementos clássicos: o
fogo ilumina o olho; a água anima a língua; o ar serve ao nariz e ao ouvido,
e a terra ou o concreto servem ao tato.
A maneira holística de operar de nosso cérebro resulta da combinação
simultânea e constante dessas cinco partes cerebrais em sua manifestação,
quer dizer, em nossas mãos, que ocupam a maior parte da topografia do
neocórtex.
Localizado na periferia, entre os elementos, e no centro quintessencial,
desenvolto e envolto ao mesmo tempo, o Filho do Homem — cuja função
messiânica é incentivar a alegria — aparece como um "ungido", um
meshíaj.

Comparando a palavra "alegria", simjá, com "messias", vemos que


enquanto a primeira tem um hei, a segunda tem um yod, letras que para o
Zohar são "mãe" e "pai" do vav.
O ungido, no poder oleoso da oliva, árvore da paz, revela o Pai (yod).
Revelação que se percebe através dos cinco sentidos que advertem que o
humano, pela palavra, é veículo do divino.
A comparação de nosso cérebro com os ordenadores é falsa, porque estes
não amam, nem sofrem, nem em conseqüência redimem sua próxima
estrutura.
"Os ordenadores processam a informação — escrevem Pribram e Ramírez —
a um ritmo rápido e em série, e, portanto, são analíticos: um acontecimento
leva a outro. Pelo contrário, o cérebro, mesmo sendo um processador muito
mais lento, faz isso através de milhões de canais em paralelo; é holístico.
Relaciona muitos fatos simultaneamente".
Não será a isso que alude o vocábulo hebraico "mente", ‘séjel’, quando
permite a leitura ‘shel’, "do", ‘col’, "todo"?
Um todo que é sempre maior que a soma de suas partes, posto que o
pensamento não tem princípio nem fim.
A especificação que Pribram e Ramírez fazem dos "canais em paralelo" não
é aleatória: "paralelo", em hebraico, se diz ‘kehbel’, palavra que possui
exatamente as mesmas letras que Cabala, esta arte de pensar e agir em
que Jesus de Nazaré foi mestre.
Cabala: "tradição", "recibo".
E de que tradição se trata senão da mesma que anima nosso corpo, cujo
órgão central, o coração, ‘leb’ [lev], resume os "32 canais" da sabedoria
bíblica?
Inclusive nosso cérebro, essa noz secreta, tem seu ponto de apoio cósmico
nas pulsações cardíacas.
Tomada bioelétrica sem a qual o ordenador mental não é mais que uma
memória fria e inativa.
Na periferia do sistema cerebrospinal ou central estão os nervos raquianos e
os cranianos ou encefálicos: os 32 pares que se enervam na coluna
vertebral, coluna que o Bahir se atreve a comparar a uma árvore: "A
palmeira simboliza a coluna vertebral do homem, seu pilar essencial" e seu
fruto mais esplêndido é, supostamente, o coração.
Por sua vez, eco da medula espinhal, nosso grande simpático ganglionar
tem dois canais de 23 gânglios situados de ambos os lados da medula
espinhal que permitem e alimentam as funções da respiração, circulação,
secreções e em geral todas as pertencentes à vida de nutrição.
Não nos lembra esta última cifra os 23 pares de cromossomos?
Se a genética nos codifica desde o coração das células, o coração, por sua
vez, pela inversão e reversão de suas palpitações nos torna conscientes de
nossa situação entre as asas do verbo.
Inversões, reflexos e polaridades que estão em relação de reciprocidade.
Tais são as posturas, de dança do metabolismo que todo curador outra
coisa não faz senão restabelecer quando está defasado.
Porém a complementaridade polar de nosso cérebro não é unicamente
estrutural, um mero dado arquitetônico, morfológico.
Também existe e palpita em suas reações químicas.
A atividade neural se mede por seu potencial de ação: o lado interior de
uma membrana (do neurônio) passa de uma carga negativa a uma carga
positiva, ocorrendo o contrário com o exterior, fenômeno denominado
despolarização.
Em seguida, e como conseqüência desta última, produz-se uma
repolarização, isto é, volta-se a um valor de potencial ligeiramente inferior
ao repouso até que, por fim, se alcança dito potencial.
Essa mágica operação se produz em razão dos ânions orgânicos negativos e
cátions de K+ (Potássio), que dão carga negativa ao interior, enquanto que
no exterior há cátions Na+ (Sódio), os quais conferem carga positiva a essa
zona.
Desse modo, poderíamos assimilar o ardente potássio à Sabedoria, por
exemplo, e ao branco sódio, o Entendimento.
A separação entre o exterior e o interior, assim como a separação entre o
primeiro e o último, o côncavo e o convexo, é ilusória: ambos os aspectos
se alternam na mesma realidade.
A condução de cada impulso nervoso, e por isso de nossa relação
informática com o meio circundante, depende desse jogo, desse
intercâmbio de dons, dessa permuta entre o positivo e o negativo, entre o
macro e o micro.
"Se alguém quer ser o primeiro — diz o Nazareno em Marcos 9,35 — seja o
último de todos e o servo de todos. E tomando um menino, colocou-o no
meio deles; abraçou-o e disse-lhes: 'Todo o que recebe a um destes
meninos em meu nome, a mim é que recebe; e todo o que recebe a mim,
não me recebe a mim, mas aquele que me enviou".
Nesse versículo, Jesus assinala a reversibilidade dos atos humanos e sua
mútua interdependência, aludindo para isso a uma velha lei hermética de
cunho egípcio: nós, seres humanos, somos lágrimas de Rá, o Sol.
Portanto, o segredo está no olho, janela da alma.
É somente através de nossas emoções — do pranto amargo e também doce
— que somos fiéis à nossa linhagem.
As crianças, pensa Jesus, têm essa facilidade, uma oscilatória e viva
tendência às lágrimas e ao sorriso, ao saudável, ao espontâneo.
No Evangelho de Tomé podemos ler: "Se tiras o que está dentro de ti, o que
não tiras te destruirá".
Existe melhor doutrina metabólica do que esta?
O menino, como a menina de seus olhos, está vazio — em geral — de
preconceitos.
É elástico, flexível, polimorfo.
Alguns cabalistas e mestres como o rabi Dov Ber sustentam que das
crianças temos que aprender três coisas.
Primeiro: estão contentes sem motivo especial; segundo: não estão ociosas
nem por um instante, e terceiro: quando necessitam de algo, exigem-no
com vigor.
Este último aspecto nos indica quanta enfermidade há na procrastinação, na
esperança vã.
A saúde, sempre, é aqui e agora.
Uma conquista cotidiana.
Mas também uma alegria e um contínuo interesse nas belezas do mundo,
nos tesouros da natureza.
Du Portal, em sua obra sobre as cores simbólicas, afirma que o vermelho é
amor e vontade; o azul, entendimento e inteligência; e o verde, ato vivo.
Unindo Hokhmah e Binah, o discípulo busca o verde, o rebento, a brotação
do vivo.
A palavra hebraica para verde é ‘iarok’, cuja gematria dá (yod = 10 + reish
= 200 + kof = 100 = 310), a mesma cifra de ‘iesh’, a "Substância", o "Ser",
a "Realidade".
Bastará lembrar que um dos nomes messiânicos é ‘tzémaj’, o "rebento",
"broto", mas também "crescer", "desenvolver-se" para justificar o
precedente.
Em Zacarias 6,12, está dito: "Eis o homem cujo nome é broto, o qual
brotará de suas raízes, e edificará o templo do Criador".
Porém, para que esse renovo se transmita a nós, devemos — tal como diz o
Evangelho de Tomé — participar de seu sagrado oxigênio, boca a boca:
"Quem beber de minha boca se tornará como eu. E eu serei o que ele é. E
as coisas ocultas lhe serão reveladas".
Além disso, por aliteração cabalística, "renovo" pode ler-se como ‘jametz’,
que quer dizer "levedura".
E é assim que voltamos ao reino dos céus, que, segundo Mateus 13,33, "é
semelhante ao fermento"!
Reino que ajuda a crescer, se é que não é ele mesmo o crescimento.
Toda casca, visível, é uma certeza imóvel, enquanto que, por baixo,
invisível, suave e poderosa, a seiva espera a coincidência da luz interna
com a externa para mover-se ascendendo através da pequena folha.
Trabalho parecido devem realizar os iniciados: converter fótons em
alimentos, energia lumínica em matéria viva.
Uma tarefa sem fim, como é sem fim a dor que deve ser mitigada, a saúde
que deve ser devolvida, o apetite que deve renascer, o sonho restabelecer-
se, o bem-estar que se deve recuperar, a alegria que deve ser
compartilhada e as mãos que devem agradecer o que outras mãos nelas
acariciam.

Continua

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