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OS ESCRITOS PAULINOS

Monsenhor Celso Pedro da Silva

AS CARTAS: ORIGINAIS E CÓPIAS


São 14 as cartas que formam os escritos paulinos nos índices bíblicos e aparecem na seguinte ordem:
Romanos, 1ª. e 2ª. aos Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1ª. e 2ª. aos Tessalonicenses,
1ª. e 2ª. a Timóteo, Tito, Filemon e Hebreus.
As Cartas paulinas ou cartas autênticas: São aceitas por todos como autenticamente paulinas as
sete cartas seguintes: Romanos, 1ª. e 2ª. aos Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1ª. aos Tessalonicenses,
Filemon.
As Cartas deutero-paulinas: Discute-se a autoria paulina das cartas a 2ª. aos Tessalonicenses,
Colossenses e 2ª. a Timóteo. As opiniões são equiparadas tanto a favor como contra a autoria paulina
dessas cartas.

As Cartas não paulinas: Certamente não foram escritas por Paulo a carta aos Efésios, a 1ª. a Timóteo,
Tito e Hebreus.
Os textos originais se perderam ao longo do tempo. Restam cópias.
O Papiro 46, a mais antiga cópia dos escritos paulinos, é um conjunto de folhas de papiro em forma de
códice, isto é, livro costurado, originariamente com as 14 cartas atribuídas a Paulo. Este papiro data do ano 200
encontra- se parte na Universidade de Michigan em Ann Arbor, e parte em Dublin, na Irlanda, na coleção
Chester Beatty. O texto começa com Romanos 5,17 e continua com Hebreus, 1ª. e 2ª. aos Coríntios, Efésios,
Gálatas, Filipenses, Colossenses, e termina com 1ª. aos Tessalonicenses 5,28. Faltam páginas no início e
no fim do papiro, por isso a ausência atual da 2ª. aos Tessalonicenses, 1ª. e 2a a Timóteo, Tito e Filemon.
O Códice Sinaítico (À01), do século IV, é o único que contém todos os livros do Novo
Testamento. Foi encontrado em 1844 no Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai pelo pesquisador
Tischendorf, e presenteado ao Czar da Rússia em 1859. Os russos o venderam ao Museu Britânico em 1933.
O Códice Vaticanus (B 03), do século IV, foi encontrado na Biblioteca do Vaticano em 1481. Faltam as
cartas 1ª. e 2a a Timóteo, Tito e Filemon.
O Códice Alexandrino (A 02), do século V foi dado de presente pelo Patriarca de Alexandria, Kyrilios
Lukaris ao rei Carlos I da Inglaterra em 1627. Contém todas as cartas paulinas e encontra-se no Museu
Britânico em Londres.
O Códice reescrito de Efrém (C 04), do século V, é um palimpsesto, isto é, um pergaminho reescrito.
Continha todo o AT e o NT, mas no século XII alguém lavou cuidadosamente a tinta original e
usou o pergaminho para copiar escritos de Santo Efrém, o sírio. Hoje é possível ler as marcas
deixadas pela tinta original. Das 238 páginas do NT restam ainda 145. Contém porções de todos
os livros do NT, com exceção da 2a. aos Tessalonicenses e 2ª. de João. Encontra-se na
Biblioteca Nacional de Paris.
O Códice Claromontano (D 06) , do século V ou VI, é um texto bilingüe, com o latim na
página oposta ao grego. Suas variantes são aparentadas unicamente com os Códices Boerneriano e
Augiense. Contém somente as cartas de Paulo. Falta Hebreus. Encontra-se na Biblioteca Nacional da
França, em Paris.
O Códice Boerneriano (G 012), do século IX, foi escrito provavelmente no mosteiro de
São Gallen, na Suíça. É uma edição bilíngüe. O grego foi traduzido para o latim, escrito entre as
linhas. Encontra-se em Dresden, na Alemanha. Contém somente as Cartas de Paulo. Falta a
Carta aos Hebreus.
O Códice Augiense (F 010), do século IX, escrito provavelmente no mosteiro de Reichenau,
na ilha do mesmo nome no lago Constance, na Alemanha. É bilíngüe com a tradução latina na
página oposta ao grego. Encontra-se no Trinity College, em Camhridge, na Inglaterra. Contém somente
as Cartas de Paulo. Falta a Carta aos Hebreus.

1
Da Gruta 7 em Qumran (7q4 1,2) temos 1º. Timóteo 3,16-4,3.

CRONOLOGIA PAULINA
A datação desta cronologia é um pouco anterior à que está sendo apresentada
neste ano paulino, que supõe o nascimento de Paulo por volta do ano 8 ou 9 d.C. Nesta
cronologia Paulo teria nascido no ano 6 a.C. De qualquer forma, a seqüência dos fatos é a
mesma. É possível deixar de lado a fixação das datas e seguir a seqüência dos
acontecimentos. Note também a posição da Assembléia de Jerusalém entre a segunda e
a terceira viagem.

Formação e conversão

Data Acontecimento Cartas Atos


6 ac Nasce em Tarso, província da Cilicia Da casa de 21,39; 22,3
Israel
2Co 11,22
Da tribo de Benjamin
Circuncidado no oitavo dia
Fl 3,5
Cidadão romano Fl 3,5 16,37; 22,25-28
Fariseu Gl 1,15 23,6; 26,5
Fabricante de tendas 1Co 4,12 18,3

15 d.C Parte para a escola de Gl 1,14 22,3 (5,34)


Gamaliel em Jerusalém, 20
anos.
30/8/ abril Morte de Jesus
Martírio de Estevão Gl 1,13 7,58; 8,1
Torna-se perseguidor dos 8,3; 9,1-2;
cristãos 22,4-5; 26, 9-11
33 Conversão Gl 1,15-16 9,1-22; 22,6-16;
26,12-18
34 Arábia (reino dos nabateus Gl 1,17
no sul de Damasco)
34-37 Damasco Gl 1,17
37 Fuga de Damasco 2Co 11,32-33 9,25
37 Jerusalém (15 dias) Gl 1,18 9,26
37 Síria e Cilícia Gl 1,21 9,30 Tarso
Fundação da igreja de 11,19-24
Antioquia
Barnabé busca Saulo em
Tarso

Primeira viagem (At 13,1-14,27)

Data Acontecimento Cartas Atos


De 36 a 46 Síria: Antioquia " Selêucia At 13
Chipre " Salamina " Pafos
Panfília: Perge
2
Pissídia: Antioquia
Licaônia " Icônio " Listra " At 14
Derbe
Licaônia: Derbe " Listra "
Icônio
Psídia
Panfília: Perge " Atália
45/46 inverno Síria: Selêucia " Antioquia

Segunda viagem (At 15,36-18,22)


Data Acontecimento Cartas Atos
46 abril Antioquia 15,36-40
Síria e Cilícia 15,41
Licaônia: Derbe " Listra 16,1-3
Frigia 16,6-8
DV 16,7-40
46 setembro Galácia
a 50 abril
48 verão Mísia: Trôade 16,9-10 (1ª. nós)
Ilha de Salmotrácia 16,11
48 setembro Macedônia: Neápolis " 16,12-40
A 50 abril Filipos "Anfipolis 17,1-9
"Apolônia " Tessalônica
Beréia 17,10-14
50 abril Atenas 17,15-34
Atenas: Carta A aos 1Ts 2,13-4,2
Tessalonicenses
50 verão Acaia: Corinto Carta B aos 1Ts 1,1-2,12; 18,1-17
Tessalonicenses 4,3-5,28
50 outono Acaia: Corinto 2ª. aos 2Ts
Tessalonicenses
51 verão fim Corinto " Cencréia " Éfeso " 18,18-22
Cesaréia " Antioquia
"Jerusalém
51 outubro Assembléia de Jerusalém 15,1-35

Terceira viagem (At 18,23-23,22)

Data Acontecimento Cartas Atos


51/52 inverno Antioquia 18,23
52 abril Antioquia " Galácia
52 agosto Éfeso (Priscila e Áquila) 19,1-41
DV 11,28+19,21
52 setembro Corinto (Apolo)
52 inverno Galácia (judaizantes)
53 primavera Vale do rio Lico (Epafras)
53 maio Éfeso: Carta aos Gálatas Gl
53 verão Éfeso
Filipenses A Fl 4,10-20
Filipenses B Fl 1,1-3,1;4,2-9
Filemon e Colossenses Fm; Cl
Filipenses C Fl 3,2-4,1
3
Coríntios pré-canônica
53 outono Laodicéia e Colossas?
54 1Coríntios, antes de dois de
junho,
Pentecostes
2Corintios
54 outubro Éfeso " Macedônia " Ilíria 20,1
55/56 inverno Corinto: Carta aos Rm 20,2-3 (= DV)
Romanos
56 verão Corinto " Macedônia " 20,3; 6-12
Trôade DV 20,6-36
Assos " Mitilena " Quio " 20,13-38
Samos " Troglio " Mileto " 21,1-7
Cós " Rodes " Patara " Tiro DV 21,1-17
" Ptolemaida
57? 61 ? Cesaréia " Jerusalém 21,8-17-23,22
61 setembro Cesaréia 23,23-26,32
62 primavera Cesaréia " Chipre " Cilicia " 27,1-28,31
Panfília " Mira " Cnido DV 27,2.5.7
"Creta (Bons Portos) " DV 27,1-28,16
Cauda " Malta " Siracusa "
Régio " Putéoli " Roma
62/64 primavera Espanha ? Rm 15,24-28
64 19/1 Incêndio de Roma
28 de julho
65 primavera Roma perseguições 2Tm 4,20
64-66 Egeu " Roma " 2Timóteo
67 Roma: morte. 13º de Nero
68 julho Suicídio de Nero
69-79 Vespasiano
70 agosto Jerusalém: cessam os (Jr 52,12)
sacrifícios

DV = Diário de Viagem, de uma única viagem, escrito a bordo por um discípulo, Silas ou
Lucas, e redistribuídos por Lucas ao longo dos Atos.
Primavera [20 de março — 21 de junho]=Outono
Verão [21 de junho — 22 de setembro] = Inverno
Outono [22 de setembro — 21 de dezembro] = Primavera
Inverno [21 de dezembro — 20 de março] = Verão

O MOTIVO DAS CARTAS 1


1ª. aos Tessalonicenses. —A carta canônica, isto é, a que está no Novo Testamento é uma
composição de duas cartas.
A primeira (Carta A - lTs 2,13-4,2) foi escrita de Atenas. Paulo estava preocupado
com a situação da jovem comunidade de Tessalônica, que passava por forte perseguição.
Ele mesmo teve que sair de Tessalônica por causa das oposições movidas contra ele. Nesta
carta ele expressa seu alívio com as boas notícias trazidas por Timóteo e alegra-se com a fé e a
1
Na ordem em que foram escritas.

4
perseverança dos tessalonicenses.
Ela mostra como Paulo não é em nada indiferente â situação da comunidade. Ele se preocupa verdadeiramente
com o que está acontecendo em Tessalônica.
"Vocês são a nossa glória e a nossa alegria" (1Ts 2,19)
"Para isso (as tribulações) é que fomos destinados" (1Ts 3,3)
"Vocês devem ainda progredir" (4,1)
A segunda (Carta B = 1Ts 1,1 - 2,12; 4,3 - 5,28), foi escrita de Corinto, para onde Paulo foi logo que
saiu de Atenas. Ele ficou sabendo que os tessalonicenses tinham dificuldades em relação à vinda definitiva do
Senhor (parusia) e a situação dos que já tinham morrido. Eles esperavam que o Senhor fosse voltar naqueles dias e os
encontraria ainda vivos. E os que já tinham morrido, o que aconteceria com eles? Paulo responde que "os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro". Em seguida, os vivos serão arrebatados com eles para o encontro com o Senhor. "E
assim estaremos sempre com o Senhor" (1Ts 4,13-18). Quanto à vinda do Senhor, ela acontecerá a qualquer momento.
O importante é estar atento para não ser surpreendido, mas o importante mesmo é que desde já "na vigília ou no sono,
vivamos em união com ele" (1Ts 5,1-11).
Nesta carta, Paulo recorda a evangelização feita em Tessalônica. Lembra primeiro os sofrimentos pelos
quais os missionário tiveram que passar em Filipos. Podiam ter desistido, ter voltado para casa, mas continuaram
e foram até Tessalônica. E afirma que sua presença entre eles não foi inútil ou vazia porque o trabalho que
fizeram não foi marcado por "plane, akatharsia e dolos", isto é, erro, imoralidade e trapaça. Sem esses
defeitos, ele podia dizer que a evangelização de Tessalônica tinha sido frutuosa. "Plane" quer dizer erro de
doutrina. Eles não ensinaram qualquer coisa. Seu ensino foi sólido e com fundamento. Sabiam o que estavam
transmitindo. "Akatharsia" quer dizer abuso sexual. Eles não se serviram de sua posição no ministério para
tirar proveito sexual das pessoas com as quais entraram em contato. "Dolo", quer dizer trapaça, que eles
não trabalharam com falsa propaganda. Além disso, não foram bajuladores, não procuraram vanglória ou
dinheiro. Ao contrário, trabalharam com suas próprias mãos. Procuraram ser santos, justos e irrepreensíveis,
foram verdadeiros pai e mãe da comunidade, demonstrando carinho e afeto para com todos, exortando-os,
consolando- os e estimulando-os (2,1-12).
Podemos elencar ainda alguns elementos muito práticos da exortação paulina aos tessalonicenses
nessa Carta B (5,22-28):
1. Reconhecer o trabalho dos que presidem a comunidade e estimá-los. Viver em paz com eles.
2. Corrigir os desordeiros.
3. Consolar os fracos.
4. Animar os desanimados.
5. Ter paciência com todos.
6. Não pagar o mal com o mal.
7. Fazer o bem a todos.
8. Estar sempre alegre.
9. Rezar sem cessar.
10. Agradecer por tudo.
11. Abrir canais para a manifestação do Espírito.
12. Valorizar as profecias.
13. Experimentar tudo, mas ficar só com o que é bom.
14. Guardar-se de toda espécie de mal.
2ª.aos Tessalonicenses. — Discute-se a autenticidade paulina desta carta. Aqui a consideramos autêntica, e foi
escrita de Corinto. Os tessalonicenses continuavam sem clareza em relação à vida do Senhor. Paulo volta
diretamente ao assunto em 2Ts 2,1-12, mas também ele sem muita clareza. Bem mais incisiva é a exortação ao
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trabalho.
Convencidos de que o Senhor viria definitivamente naqueles dias, alguns tessalonicenses decidiram não
mais trabalhar. Alguns foram para a praça, cruzaram os braços e ficaram esperando. São Paulo os exorta a
trabalharem. O que se faz enquanto o Senhor não vem? Trabalha-se para a sobrevivência pessoal e da família
e trabalha-se em favor dos outros, evangelizando. O trabalho é um valor que enobrece e faz o ser humano
ser humano. É um valor a ser descoberto e apreciado. Nossa tradição cultural vai muitas vezes no sentido
contrário. "Se o trabalho é a alegria da vida, eu prefiro morrer de tristeza"; Se compro na feira, feijão, rapadura, para
que trabalhar?" Tais frases fazem parte do nosso mundo e expressam uma mentalidade. Paulo deu o exemplo e
valorizou o trabalho manual, como fará nosso Irmão Carlos. Faz parte da nossa vocação trabalhar com as mãos
e desenvolver trabalhos humildes, se é que algum trabalho é humilde.
Gálatas — Mais tarde, depois de ter passado por Jerusalém, estando em Éfeso, Paulo escreve aos gálatas,
gente boa e acolhedora, mas um pouco sem critérios.
Alguns irmãos de Antioquia, de tendência judaizante conservadora, tinham se infiltrado no meio
deles e ensinavam que era preciso observar os preceitos da Lei. Paulo não é contra os preceitos da Lei. Ele
é a favor da liberdade em Jesus Cristo. Nada pode obscurecer ou diminuir nossa liberdade. Nós a temos
pela descoberta de Cristo Jesus como valor supremo. Leis e preceitos são muletas por vezes necessárias,
são ajuda de professor enquanto não sabemos. Em seu devido lugar, os preceitos são úteis, mas não é por eles
que agimos. Nossas decisões não se tomam pelo permitido ou pelo proibido, mas pelo que é melhor e mais
conveniente. A observância dos preceitos foi superada pelo discernimento no amor. Foi para sermos
livres que o Cristo nos libertou, lemos no centro temático da carta aos gálatas. Em Gl 4,10-11, Paulo acha que
seu trabalho foi inútil se os gálatas continuarem a depender da observância de dias, meses, tempo e anos. Ele,
se refere ao calendário litúrgico de Israel, o que vale também para o nosso. Vamos utilizá-lo com muito apreço,
sem nos gloriarmos em nossas observâncias como se nossa salvação dependesse delas. Será que temos coragem
de formar cristãos livres, capazes de discernir em suas decisões, gente de convicção que sabe o que quer
e para onde vai? Nós mesmos temos coragem de ser livres? O Irmão Carlos foi alguém profundamente livre
e ao mesmo tempo respeitoso. Não se deixou prender por nenhuma estrutura, tornando todas um serviço
alegre ao Evangelho.
Filipenses — A carta canônica aos filipenses é a fusão de três cartas que Paulo escreveu a eles de Éfeso.
A primeira (Carta A = Fl 4,10-20) versa sobre questões financeiras ou de como tratar com o dinheiro. Paulo
recebia ajuda financeira dos filipenses. Nem sempre era possível, na atividade pastoral, ganhar a vida
com o trabalho das próprias mãos. Paulo se mostra muito grato pela ajuda recebida. Alguém, porém,
levantou a suspeita de que Paulo não estaria fazendo bom uso do dinheiro recebido, e isto incluía a célebre
coleta organizada em favor da Igreja de Jerusalém. Paulo mostra sua perfeita liberdade e a concepção que tem
do dinheiro na Igreja. Ele aprendeu a adaptar-se às necessidades. Sabe viver com modéstia e sabe viver
com muitos bens. Está acostumado a viver saciado e a passar fome, a ter abundância e a sofrer
necessidade. Ele não busca presentes. Donde lhe vem esta liberdade? De Cristo. "Tudo posso naquele que
me dá força". Quem colabora tem crédito em sua conta, pois Deus o ajudará em suas necessidades. O
que se oferta é um ato litúrgico. Sobe a Deus como suave perfume. O Irmão Carlos soube desfrutar da vida
na abundância e viveu sempre feliz na pobreza da Trapa, de Nazaré e do deserto.
A segunda (Carta B = Fl 1,1-3,1; 4,2-9) foi escrita quando Paulo estava preso em Éfeso. Esta
carta é um desabafo de um amigo com seus amigos. Paulo conversa com seus amigos filipenses a partir
das dificuldades que tinha com a comunidade de Éfeso. É uma carta extremamente rica, para ser lenta e
longamente meditada. Na saudação, Paulo diz qual é o conteúdo de sua oração pelos filipenses, o que é
que pede a Deus que aconteça na vida deles. Que no dia do juízo ele sejam considerados puros e
irrepreensíveis, não porque observaram preceitos e sim porque exerceram o discernimento nas
decisões que tomaram durante a vida. Tal discernimento foi adquirido pela prática da
sensibilidade fraterna, que possibilitou a expansão do dom do Amor que se encontra neles (Fl 1,9-11).
Paulo sofreu em Éfeso e teve que enfrentar rivalidades dos irmãos, mesmo estando preso. Sabia também que
podia ser morto, mas nada o abala. Para ele, "viver é Cristo e morrer é lucro". Que os filipenses não tenham
medo dos adversários, assim como Paulo em Éfeso. O importante é ter os sentimentos de Cristo Jesus. Saber
ocupar o último lugar, descer à condição de servo e ser obediente até a morte de Cruz, para depois ser
exaltado por Deus, assim como fez Jesus. Vivemos no meio de uma geração má e perversa, mas podemos,
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sendo mensageiros da Palavra de vida, brilhar como astros no mundo (Fl 1,12-2,18).
Paulo agradece pelo irmão Epafrodito, que veio auxiliá-lo em Éfeso, e recomenda que Sízigo ajude
Evódia e Sintique a se entenderem. Elas trabalharam com ele e com Clemente e seus "nomes estão no livro
da vida". Que ninguém se inquiete, que todos sejam alegres e se ocupem com o que é bom (Fl 2,19-30; 4,2-9).
Filemon e Colossenses — Ainda na prisão em Éfeso, Paulo escreve duas cartas a Colossas. Uma é aceita
por todos como autêntica, a de Filemon. A carta aos Colossenses é discutida. Pode-se dizer que entre os
biblistas, metade é a favor, metade é contra a autoria paulina da carta. Aqui nós a consideramos autêntica.
Filemon - Na prisão, Paulo conheceu Onésimo, um escravo que tinha fugido de Colossas e o batizou ainda na
prisão. Era escravo de Filemon, também convertido. Paulo pede que Filemon tenha consideração com Onésimo,
que agora é irmão na mesma fé. A carta é dirigida também à Ápia e a Arquipo, chamado por Paulo de
"companheiro de armas". Na saudação final Epafras, originário de Colossas e fundador da comunidade manda
suas lembranças assim como Marcos e Lucas, que não estão presos.
Colossenses - Esta carta foi escrita depois de Filemon. Alguma coisa parece ter mudado em relação a
Arquipo, o companheiro de armas mencionado na carta a Filemon. Paulo pede que se dê um recado a
ele: "Atende ao ministério que recebeste do Senhor, cumprindo-o bem" (Cl 4,17). Se Arquipo ainda
estivesse na comunidade, não precisaria de um recado. É possível que tenha se envolvido com o grupo que
motivou a carta. Epafras, o fundador da comunidade, relatou a Paulo alguns problemas que precisavam
de orientação firme. Na busca de um conhecimento superior, alguns cristãos começaram a adotar uma
espiritualidade com práticas judaicas. Enquanto os gálatas aceitavam práticas judaicas para a salvação, os
colossenses tinham as mesmas práticas para a aquisição do conhecimento das esferas celestes. Trabalhavam
com todas as categorias de anjos, desprezavam o que era material, como o corpo, definindo-se como espirituais.
Paulo combate com severidade essa tendência espiritualizante chamando os colossenses para a terra, para o
mundo real, para a integração no Corpo de Cristo. Aqui também, nada pode ser superior a Jesus Cristo (Cl 1,13-20)
e todos estamos na mesma Igreja que é o Corpo de Cristo. Paulo insiste na idéia de Corpo e chama a atenção
para espiritualidades estranhas, que ele qualifica de "vãs e enganosas especulações da filosofia" (Cl 2,8).
Com muita firmeza, o Apóstolo vê esta espiritualidade como "aparência de sabedoria" ou
"religiosidade afetada" e pois os que a seguem e mortificam o corpo, fazem-no para satisfação da
própria carne (Cl 2,23). Na exortação Paulo mostra que a mortificação pode ser boa dentro de um outro
espírito e recomenda a todos equilíbrio em tudo. Os portadores da carta são Onésimo, que estava voltando
para a casa de Filemon e Tíquico (Cl 4,7).
Filipenses, a terceira (Carta C Fl 3,2-4,1) é escrita depois que Paulo foi libertado e tem como objetivo
a atividade do mesmo grupo que já tinha passado pela Galácia. Paulo reage contra os que querem voltar
às observâncias judaicas como se fossem necessárias. Elas podem ser boas se colocadas em seu devido lugar,
não, porém, acima de Cristo. Nesta bela carta Paulo revela todo o conteúdo de sua conversão. Como o Irmão
Carlos não podia viver a não ser para Deus depois que "descobriu" a sua existência, assim Paulo, bem antes
de Carlos de Foucauld, percebe o absoluto de Deus em Jesus Cristo. Diante de Cristo, as coisas boas se
tornam perda, são verdadeiramente esterco. Não há nada mais excelente do que o conhecimento de Cristo
Jesus, ganhar Cristo e nele ser achado. Na prática, Paulo deixa para trás o que fica para trás e avança em
direção a Cristo. Ele ainda não o alcançou, mas sabe que já foi alcançado por ele. Como Paulo não ensina em
primeiro lugar doutrinas, mas um modo de vida, ele só pode dizer o que diz: "Sejam meus imitadores,
irmãos"!
1° aos Corintos, escrita em Éfeso, antes de 2 de junho, festa de Shavuot (Pentecostes). Há sérias divisões
na comunidade, o que leva Paulo a escrever sobre esse problema, e há perguntas feitas pelos coríntios, que ele procura
esclarecer.
Os quatro primeiros capítulos tratam das divisões que acontecem por um culto a personalidades que acaba
anulando a cruz de Cristo (cf. 1Co 1,17). Na raiz do problema está um grupo de espirituais que se acreditam superiores
aos outros. Dentro da mesma temática, ele trata de um caso de incesto (cap. 5) e de processos entre cristãos nos
tribunais civis (cap. 6). Em seguida, responde a perguntas concretas sobre o casamento e a virgindade (cap. 7),
sobre o comer carne de animais que tinham sido oferecidos a ídolos pagãos (cap 8-10), sobre a celebração da
Eucaristia e a ordem na assembléia (cap 11), sobre os dons e carismas do Espírito (cap. 12-14), sobre a ressurreição dos
mortos (cap. 15). As recomendações finais estão no capítulo 16. A carta é muito densa para ser resumida e é marcada
por uma característica, que é de todas as cartas, que vale a pena destacar. Paulo trata de uma questão concreta e ao tratá-la
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abre perspectivas que dão base a um desenvolvimento posterior em todos os níveis da teologia. Dois exemplos:
ao falar da Eucaristia e da ordem nas assembléias (cap 11), numa carta que já falou do problema das divisões,
ele diz que ouviu que há divisões (cismas) na comunidade e afirma que "é preciso que haja até mesmo cisões
(heresias) para que se tornem manifestos os que são comprovados" O alcance teológico dessa afirmação é muito
grande e dá margem a muitos desdobramentos. No inicio do mesmo capítulo, ele tece considerações sobre o véu
das mulheres e os cabelos de homens e de mulheres. Havia em torno disso alguns problemas bem definidos. No
entanto, ao argumentar com as Escrituras de forma rabínica sobre a primazia do homem em relação à mulher, ele acaba
desfazendo tudo o que disse para afirmar: Afinal de contas, "a mulher é inseparável do homem e o homem da mulher,
diante do Senhor, pois, se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce da mulher, e tudo vem de Deus" 1Co
11,11). Aqui temos também um bom material de reflexão teológica e antropológica.
2ª. aos Coríntios — Esta carta é também uma composição de duas cartas, provavelmente escritas
em Éfeso.
A primeira (Carta A 2Co 1-9) — É uma carta de reconciliação com a Igreja de Corinto, em
duas partes: a carta propriamente dita (cap. 1-7) e um pós-escrito pessoal (cap 8-9). Os coríntios
deram muita dor de cabeça a Paulo e seu relacionamento com a comunidade não foi fácil. Esta
carta celebra uma reconciliação e termina com a organização da coleta para as Igrejas da Judéia.
A segunda (Carta B 2Co 10-13) O tom destes capítulos é bem diferente do tom da
primeira parte. Contém reprimendas e uma sarcástica autodefesa. A reação de Paulo não é da de quem
foi insultado por um indivíduo ou algumas pessoas. Sua reação supõe um grupo maior e mais
organizado, como o dos "judaizantes" de Antioquia.
Aos Romanos — Carta escrita em Corinto. É a única carta que não trata de problemas
específicos de uma comunidade ou procura dar respostas a questões colocadas. Tem vários objetivos
entre os quais obter apoio da comunidade de Roma para o projeto da Espanha. Paulo deve chegar
ate os confins do mundo para anunciar o Evangelho, e os confins do seu mundo eram as Espanhas.
A carta é o resultado de sua vida missionária, de sua pregação, de suas experiências alegres e
sofridas. Jesus Cristo continua o centro de sua vida, e sua reflexão continua, como sempre, bastante
encarnada. Há na carta uma forte dimensão antropológica. Paulo sabe que todos, sem exceção
estamos debaixo do poder do Pecado e sabe também que o Pecado não pode ser mais forte do
que a graça de Jesus Cristo. Cristo nos libertou do domínio do Pecado e, no entanto, continuamos
vivendo a contradição de quem quer o que Deus quer e faz o que Deus não quer. Paulo vai
desenvolvendo seu raciocínio numa cadência ininterrupta do capítulo primeiro ao oitavo. Nos
capítulos 9-11 ele tece considerações sobre o seu povo de origem, Israel, que se tornou para ele uma
interrogação que só encontra resposta na mesma experiência de Paulo no caminho de Damasco.
Israel continua sendo o povo eleito e amado (Rm 11,30). Nós cristãos somos enxerto, que se não
for fiel poderá ser cortado com mais facilidade do que os ramos naturais (Rm 11,16-24). Um pouco
mais tarde, com novas informações de Roma trazidas por Priscila e Áquila, Paulo acrescenta os
capítulos 12-16.
2ª. a Timóteo - Das cartas pastorais, 1ª. e 2ª. a Timóteo, e Tito, a única que tem probabilidade de
ser autenticamente paulina é a 2ª. a Timóteo. Esta carta teria possibilitado a atribuição das duas
outras ao Apóstolo. Paulo devia estar preso em Roma pela segunda vez, depois da tentativa de
viagem a Espanha. Timóteo já não se encontrava em Éfeso e Paulo não estava contente com a
atuação de seu discípulo. A carta o chama a Roma e o exorta fortemente a retomar o entusiasmo
pastoral e a saber agir diante das oposições. Paulo reza por Timóteo, lembrando-se de suas lágrimas,
isto é, de suas dificuldades ministeriais, mas também de sua fé sem hipocrisia. Por isso,
exorta-o a reavivar o dom da ordenação, sem medo, com força, amor, sobriedade. Não ter vergonha de
dar testemunho de Cristo, nem ter vergonha de Paulo porque está preso. Paulo não se envergonha
porque, escreve ele: "Sei em quem coloquei a minha fé" (2Tm 1,12). - Fortifique-se! Transmita a homens fiéis o
que você aprendeu de mim para que eles ensinem a outros. Assuma sua parte de sofrimento como bom
soldado. A palavra de Deus não está algemada. Se com ele sofremos, com ele reinaremos. Evite
discussões que não servem para nada. Procure apresentar-se diante de Deus como um homem
comprovado, que não tem do que se envergonhar, que dispensa com retidão a palavra da verdade. Evite
questões que não são educativas e que só geram brigas. Um servo de Deus não deve brigar. Deve ser manso,
competente, paciente. Os opositores devem ser educados com suavidade, na esperança de que Deus lhes
dará o retorno ao bom senso. Vão aparecer muitos opositores não comprovados. Afaste-se deles. Eu mesmo
sofri muitas perseguições, mas "todos os que quiserem viver com piedade em Cristo Jesus serão perseguidos"
(2Tm 3,12). Permaneça firme no que você aprendeu. Você conhece as Escrituras que comunicam a
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sabedoria. Eu o conjuro: proclama a palavra, insiste, refuta, ameaça, exorta. "Faça o trabalho de um evangelista,
realize plenamente o seu ministério" (2Tm 4,5). Quanto a mim, chegou o tempo da minha partida "Combati
o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé" (2Tm 4,6). "O Senhor me libertará de toda obra
maligna e me levará salvo para o seu Reino celeste" (2Tm 4,18).
Depois desta carta aconteceu o que relata Clemente de Roma: "Ensinou a justiça a todo o mundo e,
depois de chegar à fronteira do pôr do sol e dar testemunho diante de reis e governantes, saiu deste mundo
e foi recebido nos lugares santos" (5,5-7).

CONCLUSÃO
Paulo é um judeu entusiasmado pelo Deus de Israel, por sua fé, por seu povo. Ele não pode
aceitar que seu povo seja enganado por um novo grupo religioso que se baseia na mentira de
uma ressurreição não acontecida. Seu ardor o leva a lutar contra os trapaceiros e a defender os
que estavam sendo desviados da tradição de seus pais. Um homem assim só podia mudar com
uma experiência muito forte. Ele a tem no caminho de Damasco. Precisa ser derrubado para se
dar conta da nova realidade que está diante dele. Ele existe, Ele está vivo, Ele é real, Deus o
revela em Paulo. A partir desse momento, resta-lhe ser lógico e viver em consonância com o que
lhe fora revelado. O mesmo entusiasmo se concentra em Jesus, o absoluto de sua vida, que ele
deve anunciar até os confins da terra. Nada o detém, nada o separa do amor de Cristo. É o
genuíno filho do Vento que sopra onde quer. É um homem livre que tudo pode naquele que lhe dá
força. O sofrimento o acompanha, sobretudo o da incompreensão por parte de irmãos cristãos,
mas ele deixa o que fica para trás e segue rumo ao alvo. Combate um bom combate, completa a
corrida e guarda a fé. E hoje, morto, continua a falar.

BIBLIOGRAFIA

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