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No dia 23 de maio, o companheiro Sérgio Granja lançou no portal Contrapoder o artigo Centralismo
democrático ou burocrático?, em que utiliza uma série de argumentos contra o centralismo
democrático como método de trabalho de uma organização política. A empreitada, nada inédita, já foi
feita por diversos teóricos da luta social, tanto à esquerda quanto à direita, e o companheiro Granja
não apresenta nenhum argumento novo. No entanto, velhos argumentos também merecem novas
respostas, ainda mais considerando o momento histórico de nossa conjuntura e o nível de confusão
ideológica do proletariado brasileiro nessas primeiras décadas do século XXI.
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Como parte da indispensável luta teórica que é típica da luta de classes, nossa contribuição será aqui
feita em dois momentos. No primeiro, buscarei analisar com detalhes as confusões apresentadas pelo
companheiro Granja. No segundo momento, demonstrar, de forma muito breve, como o marxismo
aborda essas mesmas questões e como apresenta soluções – políticas e organizativas – para os
problemas colocados honestamente pelo companheiro Granja. O objetivo final é demonstrar, no
melhor espírito dialético, o vínculo indissociável entre forma e conteúdo das organizações políticas, o
que necessariamente nos leva a constatar a atualidade do leninismo por meio da atualidade da
Revolução Socialista para o Brasil.
O artigo, infelizmente, ficou longo. O exame minucioso do texto do companheiro Granja levou a isso.
Entendemos que atrapalha uma divulgação mais ampla, mas, ao mesmo tempo, esclarece mais
profundamente os problemas.
Em primeiro lugar, está a ideia da pertinência ou não do centralismo democrático (ainda por analisar,
uma vez que entendemos diferente do companheiro Granja) para o marxismo. Ele diz:
Se é verdade que o centralismo democrático como método de trabalho foi colocado nessa
terminologia tipicamente por Lênin – e mesmo tardiamente, uma vez que, em princípio, em obras
como Que fazer? 2[1], Lênin enfocava mais o centralismo do que qualquer outra questão –, já em
Marx e Engels temos essa concepção de “um trabalho único” do Partido. A ver, por exemplo, a
Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas 3, em que os alemães dizem:
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Lênin colocou o problema em termos relativamente simples. Quando o partido precisa tomar uma
decisão, deve reunir seus membros, promover um debate livre, amplo, profundo, que permita o exame
exaustivo da questão, para, finalmente, como coroamento do processo de discussão, colocar em
votação as diversas posições em disputa. Esse é o momento da democracia. Uma vez consolidada uma
maioria, a minoria a ela deve subordinar-se. Esse é o momento do centralismo. Daí a fórmula leninista
do centralismo democrático.
Também aqui é preciso fazer algumas correções. É apenas em 19064 que Lênin passa a usar o termo e,
mesmo assim, com cautela. Ainda em 1906, ele se opõe à regulamentação menchevique do
centralismo democrático, formulada da seguinte maneira:
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O líder bolchevique vê “vários pontos estranhos” nessa formulação. Para ele, “[o] princípio do
centralismo democrático e da autonomia das organizações partidárias locais implica uma liberdade
universal e plena de crítica, desde que isso não perturbe a unidade de uma ação definida; exclui todas
as críticas que perturbem ou dificultem a unidade de uma ação decidida pelo Partido”6. Ora, vemos
que é bastante diferente a formulação apresentada pelo companheiro Granja daquela apresentada pelo
camarada Lênin. Este, como se vê, não tenta cassar a palavra ou a opinião de nenhum militante, como
aquele dá a entender.
Sigamos para uma análise mais aprofundada, em que, corretamente, mesmo “torcendo” um pouco o
significado do centralismo democrático, o companheiro Granja busca entender a organização não a
partir de um ideal pré-definido, mas sim a partir da funcionalidade histórico-prática da forma leninista
de partido:
O princípio é cristalino. Mas que partido era esse? Ele foi pensado como
instrumento para a realização de qual tarefa política? Sem me alongar, acho
que posso dizer que esse era um partido para a insurreição. E foi e�caz no
que se propunha. Era um partido talhado para a luta política nas condições
históricas do que Gramsci chamou de “Oriente”, nas quais o Estado era tudo
e a “sociedade civil” gelatinosa, o que permitia que a luta política fosse
conduzida como uma “guerra de movimento”. Lá, o Estado era
fundamentalmente um aparelho repressivo. A tomada do poder burocrático-
militar de Estado colocava-se como o objetivo central. O requisito era a
presteza de agrupar forças no momento e no ponto decisivos. Em
contrapartida, dizia Gramsci, no “Ocidente” só a “guerra de posição” é viável.
Porque aí o Estado é “sociedade política + sociedade civil”, é “coerção +
consentimento”. Tem-se uma formação social solidamente articulada pela
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Bom, no trecho acima é onde podemos ver o que eu entendo ser o cerne da confusão do companheiro
Granja. Em primeiro lugar, esquece que o próprio Gramsci não excluía a chamada “guerra de
movimento” nas sociedades “ocidentais”, mas trazia para primeiro plano a “guerra de posição”. É
compreensível que muitas das reflexões de Gramsci gerem dúvidas e tendam a ser mal interpretadas –
essas leituras enviesadas de Gramsci, que buscam afastá-lo do leninismo e aproximá-lo do reformismo
deram origem, por exemplo, ao eurocomunismo, no Partido Comunista Italiano. Por isso, precisamos
compreender, na totalidade da reflexão gramsciana, a relação que ele opera entre “guerra de posição”
e “guerra de movimento”. O sardo dizia:
Mas também:
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E:
As citações são longas, mas indispensáveis para compreender que, para Gramsci, a “guerra de
posição” e a “guerra de movimento” não são funções absolutizadas, mas momentos da luta pela
hegemonia e pela disputa do poder. É preciso aqui dar crédito e enunciar que o camarada Gabriel
Landi, em seu artigo Gramsci contra o “marxismo cultural”7, é o formulador que nos apresentou essa
discussão e nunca seria demais indicar a leitura de seu texto.
Assim, compreendendo melhor Gramsci, podemos ver que, mesmo reconhecendo a guerra de posição
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como predominante nas sociedades “ocidentais”, ele não descarta as formas de “guerra de
como
movimento”, mas indica o quanto a existência de uma sociedade civil organizada e presente,
forma de gestão do consentimento por parte das classes dominantes, é uma realidade. No entanto, aqui
vem o salto do companheiro Granja:
Aqui temos uma coleção de confusões. Em primeiro lugar, é preciso observar que também o
leninismo aponta para a construção de partidos que façam “o trabalho de convencimento em toda a
extensão da sociedade” e cujos “quadros intermediários” tenham “a capacidade de argumentação, a
perseverança para persuadir e a tolerância com a diferença”. Qualquer um que tenha lido obras do
Lênin percebe que esse é o ponto central de sua teoria da organização: como construir instrumentos
que façam o trabalho de conectar-se às massas, de trabalhar ativamente sua consciência em cada
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momento de luta. No entanto, aqui aparece a primeira divergência profunda do companheiro Granja
o
com Lênin, subjacente à diferença entre um partido “de massas” e um partido “de vanguarda”:
problema da consciência.
Para Lênin, buscando combater as tendências espontaneístas e reformistas da virada do século XIX
para o XX, e se utilizando da teoria revolucionária de Marx e Engels para isso, há uma questão da
consciência de classe que impacta na forma organizativa. Essa questão diz respeito a assim chamada
“consciência vinda de fora”. Se compreendemos a materialidade como substrato último das condições
subjetivas dos seres humanos, podemos igualmente observar que há um tipo de consciência de classe
que surge de uma forma “espontânea” na classe trabalhadora, que é a consciência de seu lugar no
sistema capitalista, ou seja, seu lugar de vendedor da força de trabalho. A esse tipo de consciência,
podemos observar uma certa correspondência de formas de luta (como a greve por melhores salários)
e de formas organizativas (como os sindicatos). No entanto, é apenas a elevação desses conhecimentos
e experiências, apreendidos espontaneamente, que pode fazer surgir no seio do proletariado uma
consciência revolucionária. Com/por meio dela, setores da classe trabalhadora podem se utilizar de
um arcabouço metodológico e conceitual para compreender não apenas seu lugar no modo de
produção capitalista, mas seu lugar potencial como classe dirigente da revolução social.
É importante notar o quanto essas duas coisas, apesar de intimamente conectadas, são diversas:
enquanto a primeira é uma consciência de classe em si, a segunda é uma consciência de classe para si;
enquanto aquela não permite ir a classe trabalhadora para além das reivindicações possíveis dentro da
ordem burguesa, esta permite a construção de uma alternativa teórica e política distinta, isto é, o
socialismo.
Aqui é que se coloca o problema das massas e da vanguarda. Para Lênin, cujo objetivo primordial era
desenvolver a consciência de classe da forma em si para a forma para si, ou seja, da consciência de
classe espontânea à consciência de classe revolucionária, era preciso constatar que, fora dos períodos
de crise revolucionária aguda, a experiência cotidiana das massas no capitalismo força o processo de
consciência à adesão ao nível máximo da consciência para si. Não podemos, então, supor que serão as
massas as condutoras da transformação da sua própria consciência. No entanto, podemos constatar
que justamente um destacamento da classe trabalhadora, por diversos motivos pessoais e coletivos,
alcança, em qualquer tempo histórico, essa consciência para si, justamente pela mediação com a
teoria revolucionária marxista.
Nesse sentido, o partido de vanguarda aparece como necessidade histórica, como operador político
imprescindível para que haja o desenvolvimento contínuo da consciência para si, para que sofra menos
recuos no processo de consciência do que as massas. Um partido de massas, assim, só poderá
contribuir para as próprias massas a partir do nível de consciência sintetizado por elas, sem a
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mediação necessária da teoria revolucionária e com as pressões ideológicas das massas; um partido de
vanguarda, por sua vez, pode contribuir na educação política das massas, por meio de quadros
intermediários, dotados do convencimento, da persuasão, da tolerância.
Se, na questão anterior, já havia uma profunda divergência entre Lênin e o companheiro Granja, a
conclusão é nosso segundo salto lógico no escuro. O companheiro Granja opõe, assim, o suposto
funcionamento desses dois tipos de partido: no partido de tipo leninista, com centralismo democrático,
“[a] unidade […] se faz pela subordinação imposta administrativamente pela maioria à minoria”,
enquanto no partido de massas, ela se faz “pelo consenso tecido em torno das questões capitais para o
desenvolvimento da luta política”. Ora, vejamos se é assim.
Mas também sua visão sobre os partidos de massas nos parece um pouco idealizada. Ora, se formos
pensar em um partido de massas atual, do Brasil, o nome mais significativo é o do Partido dos
Trabalhadores. É preciso perguntar, portanto, como seriam as decisões se houvesse (e há) pelo menos
um militante revolucionário no PT, que julgasse absurda (apenas para citar um tema atual) a coligação
do PT com Geraldo Alckmin nas eleições de 2022. Já aí não há, portanto, “consenso tecido em torno
das questões capitais para o desenvolvimento da luta política”. Muito bem. O que acontece, então, no
PT, se não há consenso (e não há, nessa questão particular)? Continua-se debatendo ad infinitum, até
um consenso que, se o militante revolucionário do PT mantiver sua dignidade e posição, nunca
chegará? Parece improvável. Parece, como é o caso, que (a despeito de inúmeros companheiros
valiosíssimos dentro do PT) os processos são definidos em reuniões do Diretório Nacional, alijadas da
imensa base de militantes partidários, ou seja, das massas.
Assim, a questão posta pelo companheiro Granja é um caso clássico do “dois pesos, duas medidas”. O
partido de tipo leninista é medido em seu momento de divergência política interna; o de massas, em
seu momento de convergência política interna. Ora, é possível imaginar que, também nos momentos
de consenso político interno, os partidos leninistas não precisem subordinar a minoria à maioria –
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afinal, a posição é consensual. Por sua vez, nos momentos de dissenso político é que os partidos de
um
massa mostram a fragilidade de sua democracia interna, uma vez que as massas, apresentando
nível de consciência médio inferior à necessária consciência revolucionária, tenderão a trazer suas
próprias confusões para o seio do partido operário, atrasando ainda mais o processo de construção de
uma linha política e de uma intervenção sólidas junto ao conjunto da classe trabalhadora. Se o
companheiro Granja não vê problema em que o partido de massas tenha uma síntese política (uma
forma de consciência) rebaixada, ou, ainda pior, em achá-la importante para as condições de luta nas
sociedades ocidentais, não é o nosso caso.
Apresentamos nosso caso totalmente voltado para o “ponto de vista da eficácia, da organização
servindo à política”, ainda que, no caso do partido leninista, à política revolucionária, que exige um
trabalho de consciência diverso. O companheiro Granja, no entanto, apresenta que “a questão pode e
deve ser analisada sob diversas angulações”. A citação é questionável. Uma organização política deve
ser analisada do ponto de vista de sua funcionalidade prática. Mas vejamos quais são as angulações
filosóficas (sem qualquer desprezo pela filosofia) que o companheiro propõe:
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É verdade que, se um partido degenera para um burocratismo (o que não apenas acontece, mas é
marca infeliz da história do movimento operário), esse espaço do dissenso se fecha – mas aí é
justamente a falta de centralismo democrático que está operando, não o centralismo democrático. O
companheiro Granja provocativamente fala em “centralismo burocrático”. Não negaremos a
existência dessa forma de ação (a abordaremos seguir), mas não nos parece proveitoso medir uma
determinada prática pelo que ela não é.
Em terceiro lugar, figurando quase como uma digressão, vemos talvez a maior infelicidade do
parágrafo. Enquanto os dois pontos anteriores expressam divergências políticas, teóricas e
organizativas, a equiparação, por meio da citação de Barthes, entre os comunistas e os fascistas –
aqueles, defensores da democracia proletária e da emancipação do proletariado; estes, capachos do
capitalismo monopolista – é absolutamente descabida. Sai da divergência teórica, entra no espantalho.
É importante pontuar, mas é uma posição, sinceramente, que não deve ser debatida a sério. Aproxima-
se da famigerada “teoria da ferradura” dos liberais, que postula a extrema-esquerda como irmã gêmea
da extrema-direita.
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O companheiro Granja está quase completamente correto. Exceto a primeira, todas as frases
apresentam um processo real, o da degradação político-organizativa ocorrida em boa parte dos PCs.
Mas é importante observar que o centralismo democrático não “tendeu” para o centralismo
burocrático. A burocratização como fenômeno dos partidos operários ocorreu também nos partidos de
massa! O que dizer de um SPD alemão, que hoje é praticamente um partido de centro-direita? O que
dizer do PS português, que foi líder da Revolução dos Cravos e hoje é líder do neoliberalismo em
Portugal? A burocratização como fenômeno é justamente um dos recuos possíveis na consciência de
classe do proletariado, justamente porque repõe formas da consciência em si, da consciência da classe
trabalhadora como partícipe da sociedade capitalista, nos instrumentos da consciência para si.
Acertam, em nossa avaliação, aqueles que veem a burocratização do PCUS, nos anos 1930, com o
recuo da revolução socialista mundial, ainda que se possam debater as condições objetivas de
imprimir avanços a ela naquele momento. Mas o fato é que, mesmo sendo de difícil manutenção –
porque permeado das contradições que mesmo os militantes revolucionários têm –, o centralismo
democrático é a forma mais avançada de discussão, deliberação e ação de um partido que se pretenda
construir como dirigente e vanguarda da classe trabalhadora.
Nas condições de dura clandestinidade, impostas aos lutadores contra a ditadura, a unidade de ação
era imprescindível. A menor divergência colocava em risco a coesão do grupo clandestino submetido
à pressão aterrorizante do aparelho repressivo do Estado. Nessa situação asfixiante, compreende-se
que o centralismo fosse exercido de forma burocrática, autoritária, com o mínimo de discussão e o
máximo de disciplina. A organização assumia feições militares. E não podia ser diferente. Nas
condições da democracia política, entretanto, a ninguém pode ser imposto sequer o silêncio, quanto
mais a obrigação de defender aquilo que repudia, seja em nome do que for.
Ora, aqui voltamos a ter contradições no texto. Em primeiro lugar porque, mesmo nas condições mais
adversas da autocracia czarista, Lênin polemizou duramente com os companheiros de Partido e
advogou pela necessidade de fazer as discussões às claras – acusando, inclusive, de “marxistas legais”
os intelectuais que produziam um reducionismo no marxismo para que suas obras fossem publicadas
de maneira aberta. Para ele, a férrea unidade de ação na prática não poderia, jamais, ser motivo de
calarem-se os dissensos.
E, no entanto, em várias medidas, o quadro apresentado pelo companheiro Granja segue atual! Se (e
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isso é verdade) vivemos numa sociedade de tipo “ocidental”, em que a permeabilidade da sociedade
civil é parte constitutiva do “Estado ampliado”, o que demanda a predominância de uma “guerra de
posição”, é igualmente importante garantir que a unidade de ação seja férrea, uma vez que a “pressão
aterrorizante” do Estado continua a operar, ainda que mascarada sob a face “democrática” de
instrumentos na sociedade civil. Tomando ainda o caso do Brasil, não seria importante uma
“imprescindível” “unidade de ação” para combater, com “o máximo de disciplina”, uma produtora
como a Brasil Paralelo, recheada de conteúdo reacionário e alimentada com dinheiro empresarial?
Não seria o esforço de diversos militantes, incansáveis na produção de conteúdo absolutamente firme
e comprometido com a teoria marxista, em uma produtora audiovisual revolucionária, um empecilho à
extrema-direita? Não conseguimos ver em que medida as “condições de democracia política”
diminuem a necessidade de um combate encarniçado, duro, prolongado, firme, disciplinado contra a
burguesia – ainda que sob formas permitidas na democracia.
Novamente, entendemos que há uma confusão bem expressa aqui. Acima de tudo, porque também os
partidos de tipo leninista têm como tarefa produzir “consenso em torno de suas ideias”, mas não “na
sociedade”, e sim no proletariado. Afinal, em todas as revoluções bem-sucedidas no mundo, as massas
aderiram à linha política dos partidos não pela força, mas sim pelas ideias.
É surpreendente, também, o companheiro achar que num partido leninista não há “persuasão”, ou
ainda que é possível chegar a consensos internos dentro dos partidos democráticos de massa – e, ainda
pior, que esse é o método para chegar à “unidade de pensamento”! Oras, mas não eram os partidos
leninistas os autoritários? Como se quer chegar a uma “unidade de pensamento”? Companheiro
Granja logo nos explica:
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Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde
bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar
verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças,
estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém,
nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande
palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para ir aonde nos
aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles
que para lá se dirigem! [1]
Aqui é, portanto, onde vemos a diferença importante entre o camarada Lênin e o companheiro Granja.
Para Lênin, a teoria revolucionária é também um “permanente reprocessamento”, uma “síntese
dialética”, mas que expressa, na luta teórica, as posições objetivas de diversas classes sociais em
disputa na sociedade, queiram os seus representantes ou não. O desafio, para Lênin, é construir um
partido que não se contente com “uma teia consensual inclusiva em torno das questões centrais para o
desenvolvimento da luta política”, mas uma determinada “unidade na diversidade” que tenha como
princípio a posição do proletariado, ou seja, que corresponda às suas tarefas objetivas na luta pela
revolução. O desafio não é o de constituir amplos partidos, com todos os trabalhadores, que se
confundem em sua ação com os parlamentares radicais e com os sindicatos; isso é um processo que é
possível por meio da consciência espontânea. A necessidade, contudo, é de outra ordem: é a de
constituir um operador político que aja como vanguarda das lutas políticas, econômicas e teóricas do
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proletariado. O objetivo não é harmonizar as tendências teóricas nocivas dentro da classe trabalhadora
– é combatê-las duramente, no plano da discussão teórica.
Que não se queira, pois, resolver divergências políticas quer pelo princípio leninista da subordinação
da minoria à maioria (o que obriga a dizer), quer pela imposição do silêncio misericordioso de
inspiração papal (o que proíbe de dizer). Muito menos quando se trata de questões que mobilizam
convicções de foro íntimo (religiosas ou não).
Ao fim, o companheiro Granja apresenta de novo alguns argumentos fracos, porque cheiram a
espantalho. Nenhum partido leninista resolve “divergências políticas” pelo princípio leninista (e é
preciso dizer: democrático) da subordinação da minoria à maioria – resolve as questões práticas por
esse princípio. Nenhum partido leninista usa de “imposição do silêncio misericordioso de inspiração
papal”, mas organiza a polêmica.
Em resumo, podemos dizer que há inúmeras imprecisões históricas e um certo olhar sobre o leninismo
de quem talvez tenha pulado por sobre alguns textos centrais no debate sobre o centralismo
democrático.
Mas apenas fazer a análise do texto do companheiro Granja é, ainda, insuficiente. Se escrevemos esse
texto, é para reafirmar algo que apresentamos como “dado” na análise do companheiro Granja, mas
que, infelizmente, temos que entender que é uma divergência dele com a teoria marxista-leninista: a
estratégia revolucionária.
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Assim, é algo absolutamente necessário que entendamos o caráter plenamente burguês da formação
social brasileira, especialmente se considerada no século XXI. A predominância das relações
capitalistas de produção, do assalariamento, das formas republicanas (de tipo capitalista dependente),
em suma, toda a organização da estrutura e da superestrutura no Brasil nos permitem (ou, melhor
ainda, exigem) compreender que o caráter do processo emancipatório da classe trabalhadora em nosso
país não pode ser outro senão um caráter socialista, ou seja, propriamente proletário, no sentido de um
conjunto de medidas políticas e econômicas que sejam expressão dos interesses objetivos do
proletariado.
É verdade que passamos, nesse cenário, por uma fase de recrudescimento das condições econômicas,
políticas e teóricas dentro da nossa classe. O impacto da hegemonia do reformismo no seio do
movimento dos trabalhadores é intenso, do ponto de vista teórico, e o impacto da ofensiva burguesa
sobre direitos sociais, trabalhistas e democráticos também o é, do ponto de vista econômico e político.
Assim, tampouco é óbvio afirmar o caráter do processo de transformação social brasileiro como
“socialista”. Sobre esse aspecto, não me detenho mais porque creio que as principais formulações-guia
dessa análise já foram feitas pelo camarada Edmilson Costa, em seu artigo O Brasil está maduro para
o socialismo 8.
No entanto, ainda é preciso defender a atualidade não apenas do socialismo, mas também da
Revolução Socialista como estratégia para a atual quadra histórica de desenvolvimento das lutas da
classe trabalhadora no rumo do poder. Isso significa não apenas disputar a “democracia política”, mas,
compreendendo seu limite estrutural (determinado por seu conteúdo de classe burguês), apontar que a
reorganização da sociedade deve ocorrer com base em outra forma de poder independente e autônomo
do proletariado, o Poder Popular. As Resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB expõem isso da
melhor forma possível, ainda que cobrem que nos desculpemos ao leitor pela longa citação:
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Sobre essa síntese estratégica, a da Revolução Socialista, também adoraria que os leitores tivessem
contato com o artigo escrito por mim e pelo camarada Jones Manoel, Um passo atrás para dar dois
mais atrás ainda: a “reversão neocolonial” e a estratégia democrática de Plínio Sampaio Jr.9[7].
Assim, conseguimos constatar a atualidade do leninismo e da teoria revolucionária marxista (em que
pese toda a teoria reformista baseada em Marx) como fundamentos indispensáveis para a disputa de
consciência no seio da classe trabalhadora hoje. Só uma classe trabalhadora que possa construir, a
partir de si mesma, um núcleo revolucionário, uma vanguarda, que atue incansavelmente na formação
e educação teórico-política e no direcionamento tático-político terá condições de constituir-se como
classe independente e imbuída, subjetivamente, de seus interesses objetivos, organizando-se assim
para a luta revolucionária que virá.
O centralismo democrático, nesse sentido, nada mais é do que a forma mais acabada, superior, de luta
interna e resolução prática para o funcionamento de uma organização política que possa dirigir, contra
todo o aparato da burguesia, mesmo em seu período democrático, uma luta ferrenha contra ela. É por
meio do centralismo democrático que as divergências teóricas não paralisam o partido e garantem sua
democracia – tudo ao mesmo tempo. Ele é nada mais do que um método de trabalho fundado na
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necessidade de garantir condições para a luta contra as formas de consciência atrasadas que possam
pôr a perder o papel dirigente do partido.
Negar a possibilidade de qualquer organização da classe trabalhadora, seja qual for seu método de
organização, degenerar para expressar os interesses objetivos de outras classes – como foi a mudança
dos bolcheviques até fins dos anos 1930 para os mesmos bolcheviques após os anos 1930; como foi a
degeneração do SPD alemão de ter Marx e Engels como colaboradores a ter Friedrich Ebert como
algoz de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht – seria desonestidade intelectual e falsidade histórica.
As formas políticas podem, em diversos momentos, entrar em contradição com seus conteúdos
originais de classe, e, aí, essas contradições continuam a operar até que haja mudanças qualitativas no
seio dessas organizações políticas.
Referências
1. Gabriel Lazzari é bancário e formado em Letras pela USP. Membro do Comitê Central do Partido
Comunista Brasileiro e Secretário Político Nacional da União da Juventude Comunista. Coorganizador
da coletânea “O Centralismo Democrático de Lênin”, lançada pelo LavraPalavra Editorial em 2020.
2. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/fazer.pdf
3. https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/03/mensagem-liga.htm
4. https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1906/rucong/viii.htm#v10pp65-376
5. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1906/05/20.htm
�. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1906/05/20.htm
7. https://lavrapalavra.com/2015/11/09/gramsci-contra-o-marxismo-cultural/
�. https://lavrapalavra.com/2016/05/24/o-brasil-esta-maduro-para-o-socialismo/
9. https://blogdaboitempo.com.br/2021/05/17/um-passo-atras-para-dar-dois-mais-atras-ainda-
a-reversao-neocolonial-e-a-estrategia-democratica-de-plinio-sampaio-jr/
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