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Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de PósGraduação em Sociologia
Que bloco é esse, eu quero saber: um estudo sobre as atuações dos blocos afro em meio à
agenda política e social de Salvador (BA)
Projeto de Mestrado em Sociologia
Gustavo Reis de Araujo
Campinas SP
2017
1
Resumo
O presente projeto pretende elaborar um histórico político e social dos blocos afro de Salvador. E
entender historicamente a construção desse modelo estéticocultural, administrativo e político,
com foco nos blocos Ilê Aiyê, Olodum e Malê Debalê. Norteados pela questão: quais os
elementos políticos, sociais e culturais que caracterizam esses blocos na atualidade, no tocante às
suas semelhanças, diferenças e modos de relacionarse política e socialmente? Assim,
analisaremos suas atuações nas arenas políticas de Salvador em seus diálogos com o poder
público. Para o desenvolvimento dessa pesquisa será feita uma análise: a) da produção
bibliográfica e audiovisual de autoria dos próprios blocos; b) obras que versam sobre os blocos
afro, no tocante às discussões sobre a relação entre os blocos afro e os órgãos do Estado, a
relação entre os blocos afro e o movimento negro, os projetos sociais realizados por esses
grupos, e as ideias de negritude e baianidade e o modo como são manifestadas em suas
produções culturais; c) dos editais de fomento à cultura lançados pelas agências ligadas ao
Estado; e d) das obras sobre a relação entre a indústria da música e as produções musicais desses
blocos. Além disso, será realizado um trabalho de campo na cidade de Salvador. O objetivo geral
deste projeto é compreender os blocos afro Ilê Aiyê, Olodum e Malê Debalê como um
prisma/centros de dinamização das relações políticas e culturais entre os órgãos do Estado e as
comunidades periféricas, soteropolitanas e predominantemente constituídas por pessoas negras.
1. Introdução
Que bloco é esse?
Eu que saber
É o mundo negro
Que viemos mostrar pra você
(Música “Que bloco é esse?”, Ilê Aiyê, 1975)1
Pelourinho, uma pequena comunidade
Que, porém, Olodum unira
Em laços de confraternidade
(Música “Faraó, divindade do Egito”, Olodum, 1987)2
1 LP “Canto Negro I”. Salvador: Bloco Ilê Aiyê, 55 min aprox. 1984.
2 LP “Egito/Madagascar”. Salvador: Bloco Olodum, 45 min aprox. 1987.
2
O que é um bloco afro de Salvador? E se, de fato, é possível precisar o que seja esse
bloco, será possível ampliar tal definição para os outros blocos que existem na capital baiana 3?
Se sim, tal afirmação tornase vulnerável ao passo que se atenta aos pormenores existentes nas
relações políticas entre esses blocos afro e o poder público, em que se inicia uma disputa por
nomenclaturas, espaços, discursos e poder, através de um caminho tênue entre a negociação e o
conflito. Nas arenas políticas ou nos bairros de origem desses blocos no que se refere às
reivindicações por melhorias ou construção de equipamentos públicos de promoção de direitos
básicos à população.
Isto posto, salientase que o objetivo geral deste projeto é compreender os blocos afro Ilê
Aiyê, Olodum e Malê Debalê como um prisma/centros de dinamização das relações políticas e
culturais entre os órgãos do Estado e as comunidades periféricas, soteropolitanas e
predominantemente constituídas por pessoas negras.
Blocos afro na cultura afrocarnavalesca soteropolitana
A inserção dos blocos afro na cultura afrocarnavalesca nasceu em 1974, por imaginação
de alguns jovens negros do bairro da Liberdade que naquele ano fundaram o Ilê Aiyê4. Esse
bloco era constituído em sua maioria pelos filhos de dona Hilda, mãe de santo do terreiro Ilê Axé
Jitolu, casa de candomblé oriunda também da Liberdade. Esses jovens desejavam, como tantos
outros, divertirse e “pular” o carnaval. Entretanto, junto a isso havia a pretensão de disseminar
um discurso antirracista e valorizar as contribuições filosóficas, científicas, culturais e sociais
africanas na constituição do povo brasileiro. Assim, no ano de 1975, esses jovens desfilaram pela
primeira vez no carnaval soteropolitano.
3 No Carnaval desse ano, 21 blocos afro desfilaram no circuito oficial e contaram com o patrocínio da
Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal de Reparação (Semur) e da Empresa Salvador
Turismo (Saltur), informações disponíveis em http://carnaval.salvador.ba.gov.br/pesquisadores-destacam-
importancia-dos-blocos-afro-dentro-e-fora-do-carnaval/, acessado em 04 de setembro de 2017.
4 O nome Ilê Aiyê vêm da língua iorubá, e significa “casa de negros”, “a terra da vida” e também “festa do
ano-novo” em referência à festa profano-religiosa realizada pelos africanos sudaneses na Bahia.
3
Alguns anos mais tarde, em abril de 1979, em outra parte da cidade, no bairro do
Pelourinho, no Centro Histórico da capital baiana, nasceu o bloco Olodum5. Os moradores locais
estavam motivados pela necessidade de criarem espaços de socialização e atividades de
recreação para os jovens e crianças, e desse modo combater parte da violência e marginalidade
que atingia a região.
Ambos os blocos tinham como epicentro de seus discursos, os tambores, a dança, a
alegria e o microfone, ditando uma “agência mais afro ao carnaval baiano, a partir da valorização
da história dos ancestrais africanos e da cultura africana presente no processo de constituição
histórica da cidade de Salvador” (Dantas; 1994, p. 27). Assim, eles transmitiam uma mensagem
por anos ofuscada nas ruas de Salvador. Podese considerar que as músicas do Ilê Aiyê e do
Olodum, cantadas por jovens negros oriundos, em sua maioria, das periferias da capital baiana,
transmitem mensagens da luta antirracista junto aos instrumentos de suas grandes orquestras
percussivas e danças afrobrasileiras, o que resulta em uma criação artística explicitamente
ligada à reivindicações políticas.
Embora as manifestações de Ilê Aiyê e Olodum tenham nascido na década de 1970, é
importante ressaltar que a nomenclatura bloco afro não nasceu nesse período e tampouco por
iniciativa desses grupos, mas sim, pelas mãos da Empresa de Turismo da Bahia, a Bahiatursa.
Daniel Martins afirma que a estratégia do governo da Bahia nasce “tanto para diferenciar os
blocos de inspiração afro dos demais que desfilaram no carnaval, quanto para, como salienta o
antropólogo Antonio Risério, domesticar preventivamente e capitalizar turisticamente sobre o
fenômeno afrocarnavalesco, como já havia sido realizado com o candomblé e a capoeira”
(Risério, 1981 apud Martins, 2016, p. 182).
Risério (1981) também ressalta o processo de intensificação da reafricanização dos
símbolos por meio de manifestações artísticas e mensagens transmitidas no carnaval
soteropolitano. Paralelamente, percebese a reação do poder público em elaborar formas de
controle e demonstração de poder6 frente a esses grupos e ao mundo negro7 que estava sendo
5 O nome Olodum também provêm do iorubá, e significa “deus dos deuses”.
6 Para uma compreensão da disputa do poder entre certos agentes e o Estado, ver Foucault (1979).
7 Sobre a ideia de mundo negro Gilroy (2001) utiliza o termo para nomear o processo criado por “negros
dispersos nas estruturas de sentimentos, produção, comunicação e memória” (p. 35), em que o
“disperso” se refere ao processo afro-diaspórico ocorrido no Reino Unido - primeiro caso tratado pelo
4
criado no carnaval soteropolitano (GILROY, 2001). É nesse momento que órgãos do Estado
ligados à produção cultural utilizam modos específicos de fomento à cultura negra, junto a
instrumentos que já haviam sido empregados com outras práticas relacionadas à cultura afro
brasileira, dentre elas, as apontadas por Risério (1981).
Outras manifestações afrocarnavalescas podem ser consideradas influências diretas na
constituição dos blocos afro. Como aponta Vieira Filho (1997) que remete ao início do século
XX, onde havia pelo menos três diferentes manifestações negras no carnaval soteropolitano: os
clubes negros uniformizados, os grupos de samba e batuques e os afoxés.
Os clubes uniformizados negros eram locais de socialização e divertimento voltado para a
população negra. Seus integrantes saíam mascarados nas ruas, entoando “marchinhas” de
carnaval. Esses grupos não recebiam críticas tão severas como seus pares negros, pois segundo
Vieira Filho (1997; p. 44), eles expressavamse, aos olhos da elite branca e da imprensa baiana,
de forma mais “civilizada”, “assim, os clubes uniformizados negros adotaram elementos desses
préstitos europeus, mas procuravam mostrar também os aspectos mais civilizados do continente
africano”. Enquanto isso, os negros que se organizavam através de outras manifestações
carnavalescas sofriam a proibição de suas festas ou eram multados devido às sucessivas leis de
cunho racista que eram criadas, o que configurava um cenário de repressão à práticas culturais
periféricas e negras por meio da violenta repressão policial (Vieira Filho, 1997).
Por outro lado, as manifestações culturais de rua da elite branca, tal como o entrudo,
passaram progressivamente a ocupar os teatros da cidade de Salvador. 8 Segundo Martins (2016),
nesses espaços, novos festejos ganharam força, como os bailes de máscaras, os quais nasceram
autor-, no Caribe, nos Estados Unidos ou no Brasil. Já Pinho (2003) entende o termo em tradução livre
do português para o iorubá que significa “Ilê Aiyê”, e se refere à construção da reafricanização na Bahia,
citada por Risério (1981), um termo a ser desvendado, entendendo esse mundo negro como disperso,
descentrado e multiplamente replicado, um “horizonte cultural da tradição que informa de modo
determinante nossa consciência” (p. 12) e também “um universo de referências, objetos, narrativas,
sujeitos e subjetividades, símbolos e performances” (p. 13-4).
8 Os “entrudos” eram bonecos gigantes feitos de madeira e tecido, que faziam parte de brincadeiras
carnavalescas portuguesas no final da Idade Média - por volta do século XV. Dividido entre entrudo
familiar e entrudo popular, o formato distinguia-se pelas brincadeiras feitas, os ingredientes utilizados e
pelas pessoas que “brincavam”. A participação do “entrudo” nas ruas soteropolitanas durou até a década
de 1880, e tal como em Portugal, o entrudo foi proibido pelo Estado devido a violência generalizada que
a manifestação promovia (Martins, 2016).
5
no fim do século XIX, e após alguns anos influenciaram a criação do bloco Cruz Vermelha em
1883. Percebese neste momento a demarcação das criações carnavalescas das populações
negras e brancas, ricas e pobres em Salvador, as quais, ao coabitarem o mesmo momento festivo,
induziam a ideia de uma coexistência pacífica e não atravessada pelo racismo entre seus
membros.
Paralelamente à criação dos blocos ligados aos bailes de máscara das elites, os clubes
negros fortaleciamse, mesmo que contrários à vontade institucional. Na percepção de Vieira
Filho (1997), eles já traziam “misturas” de elementos dos batuques e afoxés, o que faz o autor
defender as contribuições dessa manifestação na constituição mais adiante, nos anos 1920, de
seus predecessores: os afoxés, cordões, blocos de índio, e mais a frente, nos anos 1970, dos
blocos afro.
Os afoxés são grupos de percussão, muito similares aos cordões carnavalescos9, porém,
de tradição afrobrasileira, cuja organização musical se dá pela “charanga”, um tipo de orquestra
que executa o ritmo ijexá, e é composta por agogôs, xequerês e três tipos de atabaque (Rum,
Rumpi e Lé)10 (Guerreiro, 2010; p. 72). Os afoxés são a manifestação carnavalesca com maiores
influências do candomblé, e grande parte de seus componentes ocupam posições importantes em
terreiros. Além disso, a própria organização do cortejo, os toques dos instrumentos e cantos, são
orientados pelos ensinamentos religiosos. Contudo, nas ruas ao longo do carnaval, os afoxés são
considerados uma manifestação profana, pois os instrumentos tocados, as músicas cantadas e
toda a vestimenta utilizada faz uso de uma estética não orientada aos ritos “do sagrado”11.
9 Os cordões são pequenos blocos compostos por um número reduzido de pessoas. Haviam vários tipos
de cordões, quase sempre orientados por uma certa temática, às vezes relacionado à ancestralidade
africana, como exemplo, tinha-se os Africanos em Pândega, Guerreiros da África, Filhos da África e
outros. Para mais, ver Ferreira, Felipe. “O livro de ouro do carnaval brasileiro”. Ediouro, Rio de Janeiro -
RJ, 2005.
10 Na organização dos rituais do candomblé, cada atabaque possui sua importância na constituição dos
toques para os Orixás. Os atabaques são tocados no terreiro ao longo dos rituais pelo Ogãn: músico-
percussionista, somente do sexo masculino, escolhido por indicação do “sagrado”, isto é, por escolha do
orixá protetor da casa. O Rum emite o som mais grave e é responsável por “puxar” o toque do ponto de
candomblé que está sendo executado. O Rumpi é o segundo maior e responsável por “responder” ao
Rum. E o Lé é o terceiro atabaque, cuja execução é feita pelo Ogãn que está iniciando-se na
aprendizagem do instrumento e em seu ofício religioso. Cada atabaque tem obrigações a serem feitas,
pois cada um deles, de certo modo, representa um orixá.
11 O mais famoso afoxé baiano é o Filhos de Gandhy, fundado em 1949 como cordão, o grupo foi criado
por homens estivadores que trabalhavam no cais do porto de Salvador. Em 1952 foram introduzidos
ritmos afro e o cordão passou a adotar o candomblé como orientação religiosa, tornando-se um afoxé.
6
Nos anos 1960, uma outra expressão carnavalesca surgiu nas ruas de Salvador oriunda de
influências um tanto inusitadas: as imagens estereotipadas dos grupos indígenas norte
americanos criadas pelo cinema e pela televisão estadunidense. Segundo Risério (1981; p. 67),
“os pretos baianos, em plena segunda metade do século XX, foram escolher seus heróis e
modelos carnavalescos exatamente entre os eternos derrotados do imaginário hollywoodiano”.
Assim, nasceram os blocos de índio, grupos compostos apenas por homens, e conhecidos por
suas formas violentas de desfilar no carnaval, muito temida pelos foliões brancos. Segundo
Martins (2016; p. 173), tal aspecto violento retomava “características do antigo entrudo e dos
carnavais negros do final do século XIX”. Guerreiro (2010; p. 83), interpreta a metáfora do negro
vestido de índio no carnaval como
o recurso a outro grupo étnico também oprimido, porém temido, como eram os
índios do oeste norteamericano, [e] tinha o sentido de recolocar
metaforicamente a opressão vivida pelos pretos da Bahia, onde se pode ler
também a sua disposição de luta contra os brancos, vistos como opressores
(2010; p. 83)
Entre proibições, restrições e forte presença nos carnavais de Salvador ao longo do século
XX, os blocos de índio desapareceram ainda no fim dos anos 1970, regressando apenas no
carnaval de 1998 na figura do bloco Apaches do Tororó, em uma apresentação em tom de
homenagem, com a presença do percussionista Carlinhos Brown e a banda Timbalada
(Guerreiro, 2010).
Em resumo, podese dizer que os blocos afro despontam para o nascimento ainda no
século XIX e até a década de 1970 se transformam devido às inúmeras influências, tal como a
religiosa ligada ao candonmblé, a artística pela relação com os blocos de índio, dentre outros
influxos nos ritmos provindos de afoxés e clubes uniformizados negros. Esse amalgáma cultural
deu luz ao Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro de Salvador, o qual, segundo Martins (2016; p. 176),
Em 1974 o grupo fechou suas portas devido a sérios problemas administrativos e financeiros, retornando
às ruas somente em 1976 com o apoio de personalidades no carnaval baiano, dentre elas, Gilberto Gil.
Desde então, o músico desfila em todos os carnavais com o Gandhy pelas ruas de Salvador (A de Zeus
[J. Adeilson], 2012). Imortalizando, assim, a cada ano a onipresença do Filhos de Gandhy como
representante assíduo do carnaval baiano, seja no tocante às suas manifestações afro-brasileiras, como
também expressão do afoxé e do ritmo ijexá.
7
também era marcado por concepções do movimento panafricanista, do movimento negro
estadunidense e do pensamento político de figuras como Malcolm X, Martin Luther King Jr.,
Angela Davis e o movimento Black Soul. É neste sentido que os blocos afro, dada sua
constituição histórica profundamente cultural e política, podem ser compreendidos como um
prisma/centro dinamizador para reflexão das relações entre Estado e as comunidades periféricas 12
soteropolitanas negras.
Sobre os projetos educacionais e sociais dos blocos
É importante assinalar que não somente de carnavais vivem os blocos afro. Esses grupos,
por mais que sejam principalmente denominados de “afrocarnavalescos”, não estruturam seus
calendários com o foco somente nas atividades e eventos da maior festa de rua do mundo.
Organizam seu ano de trabalho também em torno de inúmeras outras atividades e projetos
sociais: desde aulas de percussão, passando por pequenas turnês com bandas mirins, chegando
até o ensino primário e secundário da educação básica. Uma característica presente em alguns
blocos afro de Salvador se refere à administração de algum equipamento de educação formal
além dos muitos de educação não formal13.
12 Aqui utiliza-se da definição do termo periferia enquanto categoria social, econômica, cultural e
geográfica, concernentes às produções que estão “à margem”, em oposição ao centro e ao hegemônico,
tomado do trabalho de D’Andrea (2013). Já Silva (2017) traz o contexto histórico de nascimento do que
podemos chamar de periferia atrelado ao desenvolvimento capitalista da sociedade industrial, em que “a
cidade se mantém enquanto espaço de consumo”, ligado à esfera econômica, “neste contexto o espaço
originário desta estruturação produtiva, onde os trabalhadores são obrigados a morar [distante do local
onde produzem a riqueza], é redefinido enquanto periferia” (2017; p. 27).
13 Sobre os conceitos de educação formal e não-formal. Trazemos as definições de Simson; Park;
Fernandes (2001) apud Afonso (1989). A qual diz que “Por educação formal, entende-se o tipo de
educação organizada com uma determinada sequência e proporcionada pelas escolas [de educação
básica] (…) Por educação não-formal, embora obedeça também uma estrutura e a uma organização
(distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade),
diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na
adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto” (p. 9).
8
Os dois blocos citados acima e o bloco afro Malê Debalê14 de Itapuã, administram escolas
que funcionam dentro das dependências de suas sedes, no caso do bloco de Itapuã, atendese ao
ensino primário de 1º a 4º série. Nos bairros do Ilê Aiyê e do Olodum a mesma criação de
escolas de educação básica se repete, o que demonstra o forte papel da comunidade organizada
política e socialmente, com o intuito de construir por si própria aquilo de deveria ser direito
assegurado pelo Estado. Sendo assim, escolas de educação formal e nãoformal, postos de saúde
e cestas básicas aos mais necessitados, prontamente tornaramse atribuições assumidas pelos
blocos com o propósito de atenuar, mesmo que insuficientemente, as desigualdades sociais e
raciais que estruturam a sociedade.
Visando combater os estigmas referentes às construções negativas que permeiam o
imaginário social acerca da população negra, ao passo que desejam reconstruir as narrativas
históricas sobre o africano e o afrobrasileiro, que esses blocos despendem tantas energias em
torno do ensino primário da educação básica. Na coletânea de artigos sobre os 40 anos do Ilê
Aiyê, Arany Santana: professora, militante do movimento negro, importante figura política
baiana e diretora do Ilê, escreve o artigo “A educação no Ilê Aiyê”, cujo conteúdo versa sobre os
motivos do nascimento da escola primária da Senzala do Barro Preto. Santana salienta que o
projeto nasceu devido a pressão e necessidade em se contar uma “outra história” acerca da África
e do povo afrobrasileiro, demanda construída junto à população jovem e negra de Salvador, e
Assim, por pressão política dos blocos afro e do movimento negro soteropolitano, frente
às instituições públicas de ensino, em 1985 “o Conselho Estadual de Educação do estado
aprovou e o governador sancionou a lei que aprovava a inserção dos ‘Estados Africanos’ nos
14 O nome Malê Debalê têm suas origens na junção de dois termos. O primeiro se refere aos africanos
muçulmanos que, em 1835, protagonizaram na Bahia, a Revolta dos Malês. E o segundo foi criado pelos
próprios fundadores do bloco nascido em 1979, e se refere a uma ideia de “positividade”, felicidade ou
qualquer tradução de caráter afirmativo.
9
currículos sendo, a Bahia, a pioneira nessa questão” (Ilê Aiyê, 2014; p. 251). Isto é, dezoito anos
antes da aprovação da Lei 10.639 de inserção do Ensino da História e Cultura AfroBrasileira e
Africana nos currículos da educação básica em âmbito nacional. E em 1987, pela mesma via da
pressão política desses grupos, agora diretamente em relação ao Estado, o governo da Bahia
criou um curso de capacitação de professores para ministrarem com melhor qualidade em sala de
aula às temáticas presentes na lei.
Isto posto, tornase importante salientar que o pioneirismo baiano no trato dessas
temáticas educacionais somente ocorreram devido à pressão do movimento social negro, seja ele
composto por organizações afrocarnavalescas, tais como os blocos afro, ou por grupos ligados
ao Movimento Negro Unificado, historicamente influenciados por um modo de se “fazer”
política mais relacionado à tradições da esquerda comunista marxistaleninista. Vêse aqui um
momento de sucesso da parceria política entre as organizações culturais negras carnavalescas e o
movimento negro “tradicional” de Salvador.
Outra grande iniciativa educacional são as escolas de percussão, as quais nascem na
década de 1990, administradas pelos blocos afro e voltadas aos estudantes das já existentes
instituições educacionais de ensino primário também geridas pelos blocos. Assim, as crianças
iam à escola primária pela manhã e pela tarde, no “contraturno”, frequentavam as aulas de
percussão.
Em 1993 nasceu, pelas mãos do mestre Neguinho do Samba, a Escola de Música Didá,
contando somente com meninas de bairros pobres, em número de cem e espalhadas entre os
cursos de percussão, cordas, teclado, bateria, canto, teatro, capoeira, dança flamenca e dança
afro. Nos anos subsequentes outros blocos afro abriram escolas que contavam com diferentes
propostas pedagógicas, podendo voltarse ou não para cursos de alfabetização. No que concerne
ao financiamento, algumas escolas recebem apoio de instituições privadas e/ou entidades
filantrópicas. Ainda que a principal marca desses projetos sociais seja o trabalho voluntário e o
investimento de dinheiro obtido a partir das apresentações artísticas dos próprios blocos.
10
2. Objetivos
a) Geral
O objetivo geral deste projeto é compreender os blocos afro Ilê Aiyê, Olodum e Malê
Debalê como uma prisma/centros de dinamização das relações políticas e culturais entre os
órgãos do Estado e as comunidades periféricas, soteropolitanas e predominantemente
constituídas por pessoas negras.
b) Específicos
i) Entender a relação desses blocos com o poder público, por exemplo, através da análise
de editais de fomento à cultura, promovidos pela prefeitura de Salvador e pelo governo do estado
da Bahia, por meio da Secretaria Municipal de Reparação (Semur), da Empresa Salvador
Turismo (Saltur) e da Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa).
ii) Investigar as relações entre os blocos afro e suas comunidades através dos projetos
sociais desenvolvidos, a exemplos daqueles apresentados na introdução. Isto significa
compreender o papel e significado estabelecidos por esses projetos, na formação de concepções
acerca da realidade social dos membros dessas comunidades.
iii) Analisar a autoprodução bilbiográfica e audiovisual dos blocos afro, tal como
apresentada/elencada na tabela do item 4.1 Materiais e Métodos.
3. Justificativa
Diante da discussão e histórico apontados na introdução deste projeto, com indicação da
bibliografia que trata da reflexão acerca dos blocos afro e da produção cultural afrobrasileira em
Salvador, a presente proposta de pesquisa se justifica: a) por investigar as relações sociais
racializadas em Salvador e o “fazer” político baiano do ponto de vista dos processos político
culturais dos blocos afro especificados e suas relações e dissensões com os órgãos do Estado; b)
por entender que tal temática é escassa na produção de trabalhos no eixo SulSudeste do país; c)
por considerar a importância da população negra soteropolitana como sujeitos históricos; d) pela
11
intrínseca relação entre a temática desta pesquisa e a trajetória intelectual do pesquisador/autor
deste projeto.
a) A primeira justificativa se inicia com um pequeno histórico da cidade de Salvador: a primeira
capital do país, tendo grande importância devido, dentre outros fatores, ao seu fluxo comercial
no período escravista. Seu porto era a principal saída para o exterior de inúmeras matérias
primas, ao passo que também funcionou como porta de entrada para quase dois milhões de
africanos escravizados no período de vigência da escravidão formal no Brasil entre os séculos
XVI e XIX15.
Percebese assim, a forte presença africana na formação social desta cidade, e somadas às
existências de grande número de brancos europeus e de indígenas. O resultado dessa amálgama
racial fruto da relação entre esses três povos é analisada na obra do sociólogo estadunidense
Donald Pierson e do antropólogo baiano Jeferson Bacelar. O pesquisador estadunidense
investigou o porto da Bahia de Todos os Santos, a fim de analisar a situação racial do Brasil a
partir dessa grande “amostra”, pois para o autor “é por ali que a acomodação racial vem
processando há séculos e com alto grau de persistência, envolvendo grande número de
indivíduos de cada uma das três raças básicas” (1971; p. 91).
Jeferson Bacelar (2001) dialoga com as hipóteses de Pierson, e tece crítica (2001; p. 103)
acerca da principal hipótese defendida por Pierson ao dizer que o autor
quando interpreta [a situação racial no Brasil] é para justificar a situação do
negro como causada pelas desvantagens educacionais ou econômicas,
decorrentes do seu atraso devido à escravidão, nunca como um fenômeno
derivado do racismo desencadeado após a Abolição
Entretanto, embora Bacelar discorde de alguns pressupostos levantados por Pierson, o autor
entende a importância e o pioneirismo da pesquisa de sociólogo estadunidense. E ambos
15 As obras do fotógrafo francês Pierre Verger (2002) e do historiador baiano Luiz Vianna Filho (2008)
trazem uma análise dos fluxos de escravizados vindos da África ao longo dos séculos do modo de
produção escravista no Brasil. Os dados mostram e nomeiam os períodos do século XVI, de Ciclo da
Guiné; do século XVII, de Ciclo de Angola; os três primeiros quartos do século XVIII, de Ciclo da Costa
de Mina; e do século XVIII até meados do século XIX, de Ciclo da Baía do Benin.
12
concordam com o fato de que Salvador foi influenciado por uma justaposição de raças, processo
marcado sua intensidade e tensões raciais.
Tal mescla, pode também ser vista pela ótica estéticacultural, como sublinha a
antropóloga baiana Goli Guerreiro (2010). A autora analisa os fundamentos sociais estruturantes
que deram origem ao “caldo” musical do sambareggae, cujo ritmo é predominante na música
dos blocos afro. E também traz uma breve historicidade dos bairros de origem de alguns desses
blocos, tais como Liberdade, Itapuã e Pelourinho (2010; pp. 1843).
São três bairros formados por diferentes processos sociais, políticos, culturais e
econômicos. Entretanto, são localidades que comungam de similaridades entre si, e destacase
por serem as casas de um bloco afro. Termo, como citado acima, dado pelo principal órgão de
turismo da Bahia. Deste modo, suscitando reflexões acerca dos interesses institucionais por
detrás da construção e veiculação da imagem turística desses blocos.
Entretanto, é interessante notar o papel dos blocos afro na crítica e denúncia da
dormência do Estado no tocante aos investimento em direitos básicos para a população dos
bairros periféricos. E por outro lado, as atribuições assumidas por esses grupos em reação a não
presença estatal, tendo esses mesmos blocos que organizarem não só o carnaval, mas também, a
escola, a cultura, o hospital, dentre outros serviços básicos para suas comunidades.
Vale ressaltar, que cada um desses blocos organizase a seu modo, tal como apontado por
Martins (2016; p. 233) no âmbito administrativo, político, em que “cada um dos blocos possuía
características de organização, efetivação e vivência que os tornava totalmente singulares,
dotandoas de uma individualidade que não se percebe quando observados à distância”. Esses
elementos auxiliam em afirmar mais fortemente que não se pode precisar uma identidade
homogênea entre os blocos afro, e tampouco generalizar a todos, a relação política que um
determinado bloco nutre com o Estado ou com suas comunidades.
b) No âmbito propriamente acadêmico justificase tal projeto de pesquisa a partir dos dados que
mostram que dentre as universidades públicas dos sete estados das regiões Sul e Sudeste, um
breve levantamento bibliográfico apresentou um número baixíssimo de trabalhos entre
13
trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, não passando de dez encontrados. 16 Tal
ausência não demonstra a falta de importância do tema, mas a falta de interesse em discutilo
naqueles que são considerados os grandes centros acadêmicos do país.
Além disso, na literatura consultada, vez ou outra, há uma crítica sobre os blocos afro
quanto a alguns posicionamentos políticos: apoiando candidatos de partidos “antipopulares” e/ou
de direita, apresentandose em trios elétricos de bandas comerciais e aprovando/apoiando certas
ações da prefeitura de Salvador17. Vistos de longe, podese dizer que esses grupos estão se
“vendendo” para o poder público, porém, é necessário outras “lentes” e familiarizadas com essas
estruturas políticas e sociais, a fim de entender os pormenores desse “fazer” 18 político baiano,
compreendendo que, embora em alguns momento, ele possa ser considerado através de
acordos/negociações com o os órgãos do Estado, em outros ele precisa ser visto pela via do
conflito. Ou seja, este projeto não pretende partir de concepções fortemente utilizadas para a
compreensão das relações políticas nas regiões sul e sudeste do país, mas estabelecer um
distanciamento crítico de tal postura “etnocêntrica”.19
16 Esse levantamento foi realizado em três etapas. Primeiramente, consultou-se o Índice Geral de
Cursos (IGC) elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), onde constam as ferramentas de avaliação
do MEC em relação a todas as instituições de ensino superior, públicas e privadas, do país. A fim de
apontar os indicadores de qualidade dessas instituições. A avaliação é feita a partir de um tripé que
considera: a) média dos Conceitos Preliminares dos Cursos (CPC) das instituições; b) média dos
conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu atribuídos pela CAPES na última
avaliação trienal disponível; e c) notas finais dos estudantes no Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes (Enade). A partir desses resultados, utilizou-se do ranking final atualizado em 06 de junho de
2017 e disponível em http://portal.inep.gov.br/web/guest/indice-geral-de-cursos-igc-. A partir dessa tabela,
consideramos as instituições ocupantes das primeiras cem posições, dentre universidades, oriundas das
regiões Sul e Sudeste do país, instituições de categoria administrativa de pessoa jurídica de direito
público, chegando-se ao número de 17 instituições, mais a Universidade de São Paulo, que por motivos
desconhecidos não constava no ranking.
17 O atual prefeito é Antonio Carlos Magalhães Neto, a terceira geração da família ACM, cujo patriarca
de nome homônimo foi político popular em toda a Bahia, reunindo grandes amigos e muitos inimigos,
devido às suas origens de família rica, branca, elitista e escravocrata. Certa vez proferiu em uma
entrevista: “Baianidade é um estado de espírito em relação à terra em que se vive e a todas as
características singulares da Bahia, que nenhuma outra terra tem, como o sincretismo religioso, a
cordialidade. O baiano é o povo mais cordial do Brasil”. Texto extraído de
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,frases-de-antonio-carlos-magalhaes,21886, acessado em 13
de julho de 2017.
18 Sobre esse “fazer” político baiano, temos como base os trabalhos de Goldman (2000) e (2001) sobre
o movimento negro de Ilhéus.
19 Sobre etnocentrismo temos os trabalhos de Cabral (1998), Meneses (2000) e Rocha (1988).
14
c) Justificase também a importância de esmiuçar os pormenores da trajetória do negro
soteropolitano enquanto sujeito histórico transformador das estruturas sociais que o cerca, dotado
de estratégias no limiar entre a negociação e o conflito, e não como agentes políticos “vendidos”
e passivos frente às negociações com o poder público.
d) E por fim, é importante também ressaltar que o proposto projeto de pesquisa se justifica por
um histórico de estudos já iniciados na graduação, haja vista a elaboração de trabalhos de
conclusão de disciplinas e da pesquisa de iniciação científica como parte da trajetória intelectual
do pesquisador.20
4. Metodologia de Pesquisa
4.1 Materiais e Métodos
Os blocos escolhidos para a pesquisa são o Ilê Aiyê, o Olodum e o Malê Debalê.
Primeiro, pois foram os blocos trabalhados ao longo da pesquisa de iniciação científica; segundo,
porque foram os blocos que se tevecontato no trabalho de campo realizado também na pesquisa
de iniciação científica; e terceiro, porque entendese esses três blocos como entidades culturais
representativas, em que o Olodum figura com capilaridade a nível global, o Ilê Aiyê a nível
nacional e o Malê Debalê a nível regional. A investigação proposta não exclui a possibilidade de
agregar outros blocos afro ao longo do desenvolvimento da pesquisa.
Foi feito um levantamento bibliográfico prévio ao longo da pesquisa de iniciação
científica, que conta com: a) obras de autoria própria dos blocos; b) obras que versam sobre os
blocos afro, no tocante às discussões sobre a relação entre os blocos afro e os órgãos do Estado, a
relação entre os blocos afro e o movimento negro, os projetos sociais realizados pelos blocos, e
as ideias de negritude e baianidade e o modo como são manifestadas nas produções desses
blocos; c) análise dos editais de fomento à cultura lançados pelas agências culturais ligadas ao
Estado; e d) obras sobre a relação entre a indústria da música e as produções musicais dos
20 Iniciação Científica entitulada Da poesia ao canto, de Salvador à Africa: a atuação dos blocos afro na
agenda política, social e religiosa de Salvador”, concluida em agosto de 2017 sob a orientação do
professor do departamento de sociologia da Unicamp Mário Augusto Medeiros da Silva.
15
blocos. Os primeiros trabalhos a serem revisitados serão as obras publicadas pelos blocos afro Ilê
Aiyê, Olodum e Malê Debalê, os quais foram adquiridas no trabalho de campo dessaa pesquisa
já realizada que são apresentados abaixo.
Produção bibliográfica dos blocos afro de Salvador
Ano de
Bloco afro Sede/Bairro Região de Salvador Materiais
Fundação
8 Cadernos de Educação
1 Livro Fotografia 40 anos do
Alto do planalto
Bloco
Ilê Aiyê 1974 Liberdade entre Cidade Alta e
1 Livro Histórico 40 anos do
Cidade Baixa
Bloco
1 DVD 40 anos do Bloco
Centro Histórico 1 Livro Tema dos Carnavais
Olodum 1979 Pelourinho
(Cidade Alta) (19792014)
1 Livro Tema Carnaval 2017
Malê Debalê 1979 Itapuã Nordeste
“Sou sertanejo, sou negro forte”
Também pretendese dar forte atenção à obra de Antonio Risério “Carnaval Ijexá”
( 1981), em que o antropólogo baiano dedicouse a entender a emergência da consciência afro na
juventude negra e periférica da cidade de Salvador, trazendo ainda uma discussão entre cultura e
política no âmbito da produção das entidades negras presentes no carnaval baiano: os afoxés e os
recémnascidos, naquele período, blocos afrobrasileiros.
Pretendese revisitar a bibliografia levantada na pesquisa de iniciação científica em uma
abordagem temática e teórica a partir dos seguintes estudos. Sobre o Ilê Aiyê e a relação entre o
bloco e o Estado, temos o trabalho de Walter Sousa Junior (2007), no tocante à construção de
identidades no interior do bloco, temos Márcia Silva (2014) e Florentino Souza (2001), e sobre a
reafricanização no carnaval soteropolitano através do Ilê, temos Geander Barbosa (2017). Sobre
o Olodum e sua trajetória temos os trabalhos de João Jorge (1993) e (1996). E no âmbito
educacional, temos o trabalho de Moisés Santana (2000). Sobre o Malê Debalê, temos o trabalho
16
do coordenador pedagógico do bloco, Carlos Santana (2009). Acerca da discussão sobre os
conceito de negritude, temos os trabalhos de Zilá Bernd (1988) e Kabenguele Munanga (1988).
Sobre a ideia de baianidade, citamos os trabalhos de Osmundo Pinho (1996), Agnes Mariano
(2009) e Antonio Risério (2004). Sobre a relação entre a indústria da música e as produções
musicais dos blocos afro, temos o trabalho de Michel Nicolau Netto (2014).
Pretendese, também, realizar um trabalho de campo na cidade de Salvador orientado por:
a) a comunicação prévia com a direção dos blocos a serem acompanhados, isto é, Ilê Aiyê,
Olodum e Malê Debalê; b) visitação das sedes dos blocos e acompanhamento das apresentações
e ensaios; c) compra dos materiais bibliográficos produzidos pelos blocos; d) visitação dos
projetos sociais administrados pelos blocos; e) entrevistas com componentes dos blocos.
Sobre as entrevistas será delimitado um método a ser adotado, junto ao roteiro de
entrevista e posterior transcrição. Na proposta, pretendese entrevistar diferentes sujeitos
construtores e participantes ativos dos blocos afro de Salvador 21. A preparação para as entrevistas
se dará com o contato de alguns de nossos possíveis entrevistados, utilizandose das orientações
sugeridas pelas sociólogas Alice Lang, Maria Campos e Zélia Demartini (2010). Nesse contato
preliminar iremos expor aos possíveis entrevistados os objetivos da pesquisa, a utilização que se
fará dela, como será realizada e que será gravada.
As autoras citadas utilizamse do método de entrevista a partir da perspectiva da história
oral e, desse modo, procuram obter as narrativas dos entrevistados a partir de seus depoimentos.
No caso referido se utilizará o depoimento oralem que se busca “obter informações e o
testemunho do entrevistado sobre sua vivência em determinadas situações ou a participação em
instituições que se quer estudar” (p. 45) .
Nessas entrevistas serão levadas em conta uma constante troca entre pesquisador e
entrevistado, em um processo dialógico (Michelat, 1982). Por conta disso, também será utilizado
21 Para tal feito, pretende-se reconhecer os componentes desses blocos a partir de duas diferentes
categorias, as quais foram criadas por Pinho (2004; p. 155) ao longo de sua pesquisa de campo com os
blocos afro: são elas produtores do discurso e interlocutores do discurso. Onde na primeira categoria se
encaixam diretores, professores, compositores e demais pessoas responsáveis pela formulação do
discurso, e na segunda estão representados os componentes mais jovens desses blocos, os quais
recebem e reformulam as narrativas produzidas.
17
preceitos da entrevista nãodiretiva, que tem por objetivo evitar certos cerceamentos, com o
intuito de expandir os horizontes dialógicos e, consequentemente, as potencialidades e a
profundidade das próprias entrevistas . Para tal feito, serão incorporadas perguntas mais livres,
que possibilitem uma forma de conduzir as entrevistas que levem em conta tanto os objetivos da
pesquisa previamente estabelecidos, quanto novas e inesperadas narrativas trazidas pelos
entrevistados.
4.2 Procedimentos e Forma de Análise dos Resultados
As leituras serão norteadas por reflexões a partir de alguns eixos, os quais foram
formulados ainda no início dos trabalhos de investigação dessa temática ao longo da pesquisa de
iniciação científica. Os eixos levantados foram: a) histórico desses blocos, desde o nascimento e
as principais aspirações para a criação dessa estética afrobaiana; b) relação entre os blocos e
suas respectivas comunidades, percebendo tal relação a partir dos projetos geridos por esses
grupos, cujas temáticas vão muito além da técnica musical, mas também, voltadas para o
desenvolvimento social e educacional da população negra da cidade e especificamente dos
bairros de origem desses blocos; c) as expressões e contribuições desses blocos na luta
antirracista na cidade de Salvador, entendose esse empenho como um projeto político pautado
diretamente na relação desses blocos com o poder público e seus órgãos de fomento à cultura; d)
a relação entre cultura e política e o modo como esses grupos estão envolvendose com a
indústria cultural hegemônica; e) as estratégias e instrumentos dos blocos afro na propagação
midiática da cultura afrobaiana.
18
4.3 Plano de Trabalho e Cronograma de Execução
2018 2019
Atividades
1º semestre 2º semestre 1º semestre 2º semestre
Realização das disciplinas X X
Publicações e participações em eventos X X X X
Levantamento bibliográfico X X X X
Análise do material bibliográfico levantado X X X X
Planejamento do trabalho de campo X X
Trabalho de campo X X
Transcrição e análise das entrevistas
X X
e outros materiais coletados
Exame de qualificação X
Redação final X
Defesa X
5. Bibliografia
● ADEILSON, J. História do afoxé Filhos de Gandhy. Revista Repertório, Salvador, n.
19, 2012, pp. 215220.
● BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de
Janeiro: Pallas Editora, 2001.
19
● BARBOSA DAS MERCÊS, Geander. De Ilê Ifé ao Ilê Aiyê: uma releitura do
carnaval soteropolitano. Araraquara: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, dissertação de mestrado, 2017.
● BERND, Zilá. A questão da negritude. São Paulo: Brasiliense, 1984.
● CABRAL, João P. “Racismo ou etnocentrismo?”. In: ARAÚJO, H. G.; SANTOS, P. M.;
SEIXAS, P. C. Nós e os outros: a exclusão em Portugal e na Europa. Sociedade
Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 1998.
● D’ANDREA, Tiarajú Pablo. A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na
Periferia de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, tese de doutorado, 2013.
● DANTAS, Marcelo. Olodum: de bloco afro a holding cultural. Salvador: Grupo
Cultural Olodum, 1994.
● FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
● GILROY, Paul. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução Cid
Knipel Moreira. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.
● GOLDMAN, Marcio. Segmentaridades e movimentos negros nas eleições de Ilhéus.
Mana, Rio de Janeiro, vol. 07, n. 02, 2001, pp. 5793.
● __________. Uma teoria etnográfica da democracia: a política do ponto de vista do
movimento negro de Ilhéus. Revista Etnográfica, vol. 04, 2000, pp. 311332.
● GUERREIRO, Goli A. de S. A trama dos tambores: a música afropop de Salvador.
São Paulo: Editora 34, 2010.
● ILÊ AIYÊ. Ilê Aiyê 40 anos: do Ilê Axé Jitolú para o mundo “ah, se não fosse o Ilê
Aiyê”. Salvador: Editora Independente, 2014.
● JOÃO JORGE. Olodum: embaixador do turismo. Análise & Dados, n. 4, vol. II,
Salvador, 1993.
● ___________. Olodum: estrada da paixão. Salvador: Grupo Cultural Olodum, 1996.
● LANG, Alice B. S. G.; CAMPOS, Maria C. S. S.; DEMARTINI, Zelia B. F. História
oral, sociologia e pesquisa: a abordagem do CERU. São Paulo: Humanitas, 2010.
● MARIANO, Agnes. A invenção da baianidade. São Paulo: Annablume, 2009.
● MARTINS, Daniel Gouveia de M. Por uma nova abordagem teórica acerca da
atuação dos blocos afro de Salvador. Campinas: Universidade Estadual de Campinas,
qualificação de doutorado, 2016.
20
● MENESES, Paulo. Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões. Síntese,
Belo Horizonte, v. 27, n. 88, 2000.
● MICHELAT, Guy. “Sobre a utilização da entrevista nãodiretiva em Sociologia”. In:
THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, investigação social e enquete operária.
São Paulo: Polis, 1982.
● MUNANGA, Kabenguele Negritude: usos e sentidos. São Paulo, Ática, 1988.
● NICOLAU NETTO, Michel. O discurso da diversidade e a world music. São Paulo:
Annablume, 2014.
● PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia. São Paulo: Editora Nacional, 1971.
● PINHO, Osmundo Santos de Araujo. Descentrando o Pelô: narrativas, territórios e
desigualdades raciais no Centro Histórico de Salvador. Campinas: Universidade
Estadual de Campinas, dissertação de mestrado, 1996.
● PINHO, Osmundo Santos de Araujo. O mundo negro: sócioantropologia da
reafricanização em Salvador. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, tese de
doutorado, 2003.
● PINHO, Patricia de Santana. Reinvenções da África na Bahia. São Paulo: Annablume
Editora, 2004.
● ROCHA, Everardo P. G. O que é etnocentrismo? São Paulo: Brasiliense, 1988.
● RISÉRIO, Antonio. Carnaval Ijexá: notas sobre afoxés e blocos do novo carnaval
afrobaiano. Salvador: Corrupio, 1981.
● ________, Antonio. Uma história da cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal Editores,
2004.
● SANTANA, Carlos Eduardo Carvalho de. Malê Debalê: lugar de negro, lugar de
aprender. África e africanidades, Rio de Janeiro, 2009.
● SANTANA, Moisés de Melo. Olodum Curricularidade em ritmo de sambareggae
carnavalizando a educação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
tese de doutorado, 2000.
● SILVA, Aquiles C. Vila Missionária: constituição e desenvolvimento da periferia na
cidade de São Paulo (1960 1990). São Paulo: Universidade Estadual de Campinas,
monografia para obtenção do título de graduado em Ciências Econômicas, 2017.
● SILVA, Márcia dos Santos. “Bloco afro Ilê Aiyê e a construção da identidade”. In:
GARCIA, A. S.; SERPA, Â.; GARCIA, A. G. P. Desigualdades sociorraciais
21
suburbanas e a direito à cidade d’Oxum: plano popular de bairro. Rio de Janeiro:
Letra Capital, 2014.
● SOUZA JR, Walter Altino de. O Ilê Aiyê e a relação com o Estado: interfaces e
ambiguidades entre poder e cultura na Bahia. Salvador: FAPESB, 2007.
● SOUZA, Florentino Silva. “O Ilê Aiyê e o discurso da construção identitária na Bahia”.
In: OLIVIERIGODET, R.; SOUZA, L. S. Identidades e representações na cultura
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● VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a
Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. Salvador: Editora Corrupio, 2002
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● VIANA FILHO, L. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão.
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● VIEIRA FILHO, Raphael R. “Folguedos negros no carnaval de Salvador (1880 – 1930)”.
In: SANSONE, L.; SANTOS, J. T. Ritmos em trânsito: sócioantropologia da música
baiana. Salvador: Dynamis, 1997.
22