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Universidade 

Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós­Graduação em Sociologia

Que bloco é esse, eu quero saber: um estudo sobre as atuações dos blocos afro em meio à
agenda política e social de Salvador (BA)

Projeto de Mestrado em Sociologia

Gustavo Reis de Araujo

Campinas ­ SP
2017

1
Resumo
O presente projeto pretende elaborar um histórico político e social dos blocos afro de Salvador. E
entender historicamente a construção desse modelo estético­cultural, administrativo e político,
com   foco   nos   blocos   Ilê   Aiyê,   Olodum   e   Malê   Debalê.  Norteados   pela   questão:   quais   os
elementos políticos, sociais e culturais que caracterizam esses blocos na atualidade, no tocante às
suas   semelhanças,   diferenças   e   modos   de   relacionar­se   política   e   socialmente?   Assim,
analisaremos   suas   atuações   nas   arenas   políticas   de   Salvador   em   seus   diálogos   com   o   poder
público.   Para   o   desenvolvimento   dessa   pesquisa   será   feita   uma   análise:   a)   da   produção
bibliográfica e audio­visual de autoria dos próprios blocos; b) obras que versam sobre os blocos
afro, no tocante às discussões sobre a relação entre os blocos afro e os  órgãos do Estado, a
relação   entre   os   blocos   afro   e   o   movimento   negro,   os   projetos   sociais   realizados   por   esses
grupos,   e   as   ideias   de   negritude   e   baianidade   e   o   modo   como   são   manifestadas   em   suas
produções   culturais;   c)   dos   editais   de   fomento   à   cultura   lançados   pelas   agências   ligadas   ao
Estado; e d) das obras sobre a relação entre a indústria da música e as produções musicais desses
blocos. Além disso, será realizado um trabalho de campo na cidade de Salvador. O objetivo geral
deste   projeto   é   compreender   os   blocos   afro   Ilê   Aiyê,   Olodum   e   Malê   Debalê   como   um
prisma/centros de dinamização das relações políticas e culturais entre os órgãos do Estado e as
comunidades periféricas, soteropolitanas e predominantemente constituídas por pessoas negras. 

1. Introdução
Que bloco é esse?
Eu que saber
É o mundo negro
Que viemos mostrar pra você

(Música “Que bloco é esse?”, Ilê Aiyê, 1975)1
Pelourinho, uma pequena comunidade
Que, porém, Olodum unira
Em laços de confraternidade

(Música “Faraó, divindade do Egito”, Olodum, 1987)2

1 LP “Canto Negro I”. Salvador: Bloco Ilê Aiyê, 55 min aprox. 1984.
2 LP “Egito/Madagascar”. Salvador: Bloco Olodum, 45 min aprox. 1987.

2
O que é um bloco afro de Salvador? E se, de fato, é possível precisar o que seja esse
bloco, será possível ampliar tal definição para os outros blocos que existem na capital baiana 3?
Se sim, tal afirmação torna­se vulnerável ao passo que se atenta aos pormenores existentes nas
relações políticas entre esses blocos afro e o poder público, em que se inicia uma disputa por
nomenclaturas, espaços, discursos e poder, através de um caminho tênue entre a negociação e o
conflito.   Nas   arenas   políticas   ou   nos   bairros   de   origem   desses   blocos   no   que   se   refere   às
reivindicações por melhorias ou construção de equipamentos públicos de promoção de direitos
básicos à população. 
Isto posto, salienta­se que o objetivo geral deste projeto é compreender os blocos afro Ilê
Aiyê, Olodum e Malê Debalê como um prisma/centros de dinamização das relações políticas e
culturais   entre   os   órgãos   do   Estado   e   as   comunidades   periféricas,   soteropolitanas   e
predominantemente constituídas por pessoas negras.

Blocos afro na cultura afro­carnavalesca soteropolitana

A inserção dos blocos afro na cultura afro­carnavalesca nasceu em 1974, por imaginação
de alguns jovens negros do bairro da Liberdade que naquele ano fundaram o Ilê Aiyê4. Esse
bloco era constituído em sua maioria pelos filhos de dona Hilda, mãe de santo do terreiro Ilê Axé
Jitolu, casa de candomblé oriunda também da Liberdade. Esses jovens desejavam, como tantos
outros, divertir­se e “pular” o carnaval. Entretanto, junto a isso havia a pretensão de disseminar
um discurso antirracista e valorizar as contribuições filosóficas, científicas, culturais e sociais
africanas na constituição do povo brasileiro. Assim, no ano de 1975, esses jovens desfilaram pela
primeira vez no carnaval soteropolitano. 

3 No Carnaval desse ano, 21 blocos afro desfilaram no circuito oficial e contaram com o patrocínio da
Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal de Reparação (Semur) e da Empresa Salvador
Turismo (Saltur), informações disponíveis em http://carnaval.salvador.ba.gov.br/pesquisadores-destacam-
importancia-dos-blocos-afro-dentro-e-fora-do-carnaval/, acessado em 04 de setembro de 2017.
4 O nome Ilê Aiyê vêm da língua iorubá, e significa “casa de negros”, “a terra da vida” e também “festa do
ano-novo” em referência à festa profano-religiosa realizada pelos africanos sudaneses na Bahia.

3
Alguns   anos   mais   tarde,   em   abril   de   1979,   em   outra   parte   da   cidade,   no   bairro   do
Pelourinho, no Centro Histórico da capital baiana, nasceu o bloco Olodum5. Os moradores locais
estavam   motivados   pela   necessidade   de   criarem   espaços   de   socialização   e   atividades   de
recreação para os jovens e crianças, e desse modo combater parte da violência e marginalidade
que atingia a região.
Ambos   os   blocos   tinham  como   epicentro  de  seus   discursos,  os  tambores,  a  dança,  a
alegria e o microfone, ditando uma “agência mais afro ao carnaval baiano, a partir da valorização
da história dos ancestrais africanos e da cultura africana presente no processo de constituição
histórica da cidade de Salvador” (Dantas; 1994, p. 27). Assim, eles transmitiam uma mensagem
por anos ofuscada nas ruas de Salvador. Pode­se considerar que as músicas do Ilê Aiyê e do
Olodum, cantadas por jovens negros oriundos, em sua maioria, das periferias da capital baiana,
transmitem mensagens  da luta antirracista junto aos instrumentos de suas grandes orquestras
percussivas   e   danças   afro­brasileiras,   o   que   resulta   em   uma   criação   artística   explicitamente
ligada à reivindicações políticas.
Embora as manifestações de Ilê Aiyê e Olodum tenham nascido na década de 1970, é
importante ressaltar que a nomenclatura  bloco afro  não nasceu nesse período e tampouco por
iniciativa desses grupos, mas sim, pelas mãos da Empresa de Turismo da Bahia, a Bahiatursa.
Daniel Martins afirma que a estratégia do governo da Bahia nasce “tanto para diferenciar os
blocos de inspiração afro dos demais que desfilaram no carnaval, quanto para, como salienta o
antropólogo Antonio Risério, domesticar preventivamente e capitalizar turisticamente sobre o
fenômeno   afro­carnavalesco,   como   já   havia   sido   realizado   com   o   candomblé   e   a   capoeira”
(Risério, 1981 apud Martins, 2016, p. 182). 
Risério   (1981)   também   ressalta   o   processo   de   intensificação   da   reafricanização   dos
símbolos   por   meio   de   manifestações   artísticas   e   mensagens   transmitidas   no   carnaval
soteropolitano.   Paralelamente,   percebe­se   a   reação   do   poder   público   em   elaborar   formas   de
controle e demonstração de poder6  frente a esses grupos e ao  mundo negro7  que estava sendo
5 O nome Olodum também provêm do iorubá, e significa “deus dos deuses”.
6 Para uma compreensão da disputa do poder entre certos agentes e o Estado, ver Foucault (1979).
7 Sobre a ideia de mundo negro Gilroy (2001) utiliza o termo para nomear o processo criado por “negros
dispersos nas estruturas de sentimentos, produção, comunicação e memória” (p. 35), em que o
“disperso” se refere ao processo afro-diaspórico ocorrido no Reino Unido - primeiro caso tratado pelo

4
criado no carnaval soteropolitano (GILROY, 2001).  É nesse momento que  órgãos do Estado
ligados   à   produção   cultural   utilizam   modos   específicos   de   fomento   à   cultura   negra,   junto   a
instrumentos que já haviam sido empregados com outras práticas relacionadas à cultura afro­
brasileira, dentre elas, as apontadas por Risério (1981). 
Outras manifestações afro­carnavalescas podem ser consideradas influências diretas na
constituição dos blocos afro. Como aponta Vieira Filho (1997) que remete ao início do século
XX, onde havia pelo menos três diferentes manifestações negras no carnaval soteropolitano: os
clubes negros uniformizados, os grupos de samba e batuques e os afoxés.
Os clubes uniformizados negros eram locais de socialização e divertimento voltado para a
população   negra.   Seus   integrantes   saíam   mascarados   nas   ruas,   entoando   “marchinhas”   de
carnaval. Esses grupos não recebiam críticas tão severas como seus pares negros, pois segundo
Vieira Filho (1997; p. 44), eles expressavam­se, aos olhos da elite branca e da imprensa baiana,
de forma mais “civilizada”, “assim, os clubes uniformizados negros adotaram elementos desses
préstitos europeus, mas procuravam mostrar também os aspectos mais civilizados do continente
africano”.   Enquanto   isso,   os   negros   que   se   organizavam   através   de   outras   manifestações
carnavalescas sofriam a proibição de suas festas ou eram multados devido às sucessivas leis de
cunho racista que eram criadas, o que configurava um cenário de repressão à práticas culturais
periféricas e negras por meio da violenta repressão policial (Vieira Filho, 1997).
Por outro lado, as manifestações culturais de rua da elite branca, tal como o  entrudo,
passaram progressivamente a ocupar os teatros da cidade de Salvador. 8 Segundo Martins (2016),
nesses espaços, novos festejos ganharam força, como os bailes de máscaras, os quais nasceram

autor-, no Caribe, nos Estados Unidos ou no Brasil. Já Pinho (2003) entende o termo em tradução livre
do português para o iorubá que significa “Ilê Aiyê”, e se refere à construção da reafricanização na Bahia,
citada por Risério (1981), um termo a ser desvendado, entendendo esse mundo negro como disperso,
descentrado e multiplamente replicado, um “horizonte cultural da tradição que informa de modo
determinante nossa consciência” (p. 12) e também “um universo de referências, objetos, narrativas,
sujeitos e subjetividades, símbolos e performances” (p. 13-4).
8 Os “entrudos” eram bonecos gigantes feitos de madeira e tecido, que faziam parte de brincadeiras
carnavalescas portuguesas no final da Idade Média - por volta do século XV. Dividido entre entrudo
familiar e entrudo popular, o formato distinguia-se pelas brincadeiras feitas, os ingredientes utilizados e
pelas pessoas que “brincavam”. A participação do “entrudo” nas ruas soteropolitanas durou até a década
de 1880, e tal como em Portugal, o entrudo foi proibido pelo Estado devido a violência generalizada que
a manifestação promovia (Martins, 2016).

5
no fim do século XIX, e após alguns anos influenciaram a criação do bloco Cruz Vermelha em
1883.   Percebe­se   neste   momento     a   demarcação   das   criações   carnavalescas   das   populações
negras e brancas, ricas e pobres em Salvador, as quais, ao coabitarem o mesmo momento festivo,
induziam   a   ideia   de   uma   coexistência   pacífica   e   não   atravessada   pelo   racismo   entre   seus
membros.
Paralelamente à criação dos blocos ligados aos bailes de máscara das elites, os clubes
negros fortaleciam­se, mesmo que contrários à vontade institucional. Na percepção de Vieira
Filho (1997), eles já traziam “misturas” de elementos dos batuques e afoxés, o que faz o autor
defender as contribuições dessa manifestação na constituição mais adiante, nos anos 1920, de
seus predecessores: os afoxés, cordões, blocos de índio, e mais a frente, nos anos 1970, dos
blocos afro. 
Os  afoxés são grupos de percussão, muito similares aos cordões carnavalescos9, porém,
de tradição afro­brasileira, cuja organização musical se dá pela “charanga”, um tipo de orquestra
que executa o ritmo ijexá, e é composta por agogôs, xequerês e três tipos de atabaque (Rum,
Rumpi e Lé)10 (Guerreiro, 2010; p. 72). Os afoxés são a manifestação carnavalesca com maiores
influências do candomblé, e grande parte de seus componentes ocupam posições importantes em
terreiros. Além disso, a própria organização do cortejo, os toques dos instrumentos e cantos, são
orientados pelos ensinamentos religiosos. Contudo, nas ruas ao longo do carnaval, os afoxés são
considerados uma manifestação profana, pois os instrumentos tocados, as músicas cantadas e
toda a vestimenta utilizada faz uso de uma estética não orientada aos ritos “do sagrado”11.
9 Os cordões são pequenos blocos compostos por um número reduzido de pessoas. Haviam vários tipos
de cordões, quase sempre orientados por uma certa temática, às vezes relacionado à ancestralidade
africana, como exemplo, tinha-se os Africanos em Pândega, Guerreiros da África, Filhos da África e
outros. Para mais, ver Ferreira, Felipe. “O livro de ouro do carnaval brasileiro”. Ediouro, Rio de Janeiro -
RJ, 2005.
10 Na organização dos rituais do candomblé, cada atabaque possui sua importância na constituição dos
toques para os Orixás. Os atabaques são tocados no terreiro ao longo dos rituais pelo Ogãn: músico-
percussionista, somente do sexo masculino, escolhido por indicação do “sagrado”, isto é, por escolha do
orixá protetor da casa. O Rum emite o som mais grave e é responsável por “puxar” o toque do ponto de
candomblé que está sendo executado. O Rumpi é o segundo maior e responsável por “responder” ao
Rum. E o Lé é o terceiro atabaque, cuja execução é feita pelo Ogãn que está iniciando-se na
aprendizagem do instrumento e em seu ofício religioso. Cada atabaque tem obrigações a serem feitas,
pois cada um deles, de certo modo, representa um orixá.
11 O mais famoso afoxé baiano é o Filhos de Gandhy, fundado em 1949 como cordão, o grupo foi criado
por homens estivadores que trabalhavam no cais do porto de Salvador. Em 1952 foram introduzidos
ritmos afro e o cordão passou a adotar o candomblé como orientação religiosa, tornando-se um afoxé.

6
Nos anos 1960, uma outra expressão carnavalesca surgiu nas ruas de Salvador oriunda de
influências   um   tanto   inusitadas:   as   imagens   estereotipadas   dos   grupos   indígenas   norte­
americanos criadas pelo cinema e pela televisão estadunidense. Segundo Risério (1981; p. 67),
“os   pretos   baianos,   em   plena   segunda   metade   do   século   XX,   foram   escolher   seus   heróis   e
modelos carnavalescos exatamente entre os eternos derrotados do imaginário hollywoodiano”.
Assim, nasceram os  blocos de índio, grupos compostos apenas por homens, e conhecidos por
suas   formas   violentas   de   desfilar   no  carnaval,   muito   temida   pelos   foliões   brancos.  Segundo
Martins (2016; p. 173), tal aspecto violento retomava “características do antigo entrudo e dos
carnavais negros do final do século XIX”. Guerreiro (2010; p. 83), interpreta a metáfora do negro
vestido de índio no carnaval como

o recurso a outro grupo étnico também oprimido, porém temido, como eram os
índios   do   oeste   norte­americano,   [e]   tinha   o   sentido   de   recolocar
metaforicamente   a   opressão   vivida   pelos   pretos   da   Bahia,   onde   se   pode   ler
também   a   sua   disposição   de   luta   contra   os   brancos,   vistos   como   opressores
(2010; p. 83)
 
Entre proibições, restrições e forte presença nos carnavais de Salvador ao longo do século
XX, os  blocos  de  índio desapareceram ainda no fim  dos  anos  1970, regressando apenas  no
carnaval  de  1998 na  figura  do  bloco  Apaches  do  Tororó, em  uma  apresentação  em  tom  de
homenagem,   com   a   presença   do   percussionista   Carlinhos   Brown   e   a   banda   Timbalada
(Guerreiro, 2010).
Em resumo, pode­se dizer que os blocos afro despontam para o nascimento ainda no
século XIX e até a década de 1970 se transformam devido às inúmeras influências, tal como a
religiosa ligada ao candonmblé, a artística pela relação com os blocos de índio, dentre outros
influxos nos ritmos provindos de afoxés e clubes uniformizados negros.  Esse amalgáma cultural
deu luz ao Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro de Salvador, o qual, segundo Martins (2016; p. 176),

Em 1974 o grupo fechou suas portas devido a sérios problemas administrativos e financeiros, retornando
às ruas somente em 1976 com o apoio de personalidades no carnaval baiano, dentre elas, Gilberto Gil.
Desde então, o músico desfila em todos os carnavais com o Gandhy pelas ruas de Salvador (A de Zeus
[J. Adeilson], 2012). Imortalizando, assim, a cada ano a onipresença do Filhos de Gandhy como
representante assíduo do carnaval baiano, seja no tocante às suas manifestações afro-brasileiras, como
também expressão do afoxé e do ritmo ijexá.

7
também   era   marcado   por   concepções   do   movimento   pan­africanista,   do   movimento   negro
estadunidense e do pensamento político de figuras como Malcolm X, Martin Luther King Jr.,
Angela   Davis   e   o   movimento   Black   Soul.   É   neste   sentido   que   os   blocos   afro,   dada   sua
constituição histórica profundamente cultural e política, podem ser compreendidos como um
prisma/centro dinamizador para reflexão das relações entre Estado e as comunidades periféricas 12
soteropolitanas negras. 

Sobre os projetos educacionais e sociais dos blocos

É importante assinalar que não somente de carnavais vivem os blocos afro. Esses grupos,
por mais que sejam principalmente denominados de “afro­carnavalescos”, não estruturam seus
calendários  com  o  foco somente  nas  atividades  e  eventos   da  maior  festa  de  rua  do mundo.
Organizam   seu   ano   de   trabalho   também   em   torno   de   inúmeras   outras   atividades   e   projetos
sociais: desde aulas de percussão, passando por pequenas turnês com bandas mirins, chegando
até o ensino primário e secundário da educação básica. Uma característica presente em alguns
blocos afro de Salvador se refere à administração de algum equipamento de educação formal ­
além dos muitos de educação não formal13. 

12 Aqui utiliza-se da definição do termo periferia enquanto categoria social, econômica, cultural e
geográfica, concernentes às produções que estão “à margem”, em oposição ao centro e ao hegemônico,
tomado do trabalho de D’Andrea (2013). Já Silva (2017) traz o contexto histórico de nascimento do que
podemos chamar de periferia atrelado ao desenvolvimento capitalista da sociedade industrial, em que “a
cidade se mantém enquanto espaço de consumo”, ligado à esfera econômica, “neste contexto o espaço
originário desta estruturação produtiva, onde os trabalhadores são obrigados a morar [distante do local
onde produzem a riqueza], é redefinido enquanto periferia” (2017; p. 27).
13 Sobre os conceitos de educação formal e não-formal. Trazemos as definições de Simson; Park;
Fernandes (2001) apud Afonso (1989). A qual diz que “Por educação formal, entende-se o tipo de
educação organizada com uma determinada sequência e proporcionada pelas escolas [de educação
básica] (…) Por educação não-formal, embora obedeça também uma estrutura e a uma organização
(distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade),
diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na
adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto” (p. 9).

8
Os dois blocos citados acima e o bloco afro Malê Debalê14 de Itapuã, administram escolas
que funcionam dentro das dependências de suas sedes, no caso do bloco de Itapuã, atende­se ao
ensino primário de 1º a 4º série. Nos bairros do Ilê Aiyê e do Olodum a mesma criação de
escolas de educação básica se repete, o que demonstra o forte papel da comunidade organizada
política e socialmente, com o intuito de construir por si própria aquilo de deveria ser direito
assegurado pelo Estado. Sendo assim, escolas de educação formal e não­formal, postos de saúde
e cestas básicas  aos  mais necessitados, prontamente tornaram­se atribuições assumidas pelos
blocos com o propósito de atenuar, mesmo que insuficientemente, as desigualdades sociais e
raciais que estruturam a sociedade.
Visando   combater   os   estigmas   referentes   às   construções   negativas   que   permeiam   o
imaginário social acerca da população negra, ao passo que desejam reconstruir as narrativas
históricas sobre o africano e o afro­brasileiro, que esses blocos despendem tantas energias em
torno do ensino primário da educação básica. Na coletânea de artigos sobre os 40 anos do Ilê
Aiyê,   Arany   Santana:   professora,   militante   do   movimento   negro,   importante   figura   política
baiana e diretora do Ilê, escreve o artigo “A educação no Ilê Aiyê”, cujo conteúdo versa sobre os
motivos do nascimento da escola primária da Senzala do Barro Preto. Santana salienta que o
projeto nasceu devido a pressão e necessidade em se contar uma “outra história” acerca da África
e do povo afro­brasileiro, demanda construída junto à população jovem e negra de Salvador, e

tudo   isso   encorajou   o   Ilê   Aiyê,   o   MNU   [Movimento   Negro   Unificado],   os


terreiros de candomblé a solicitarem da UFBA [Universidade Federal da Bahia],
o governo do estado, a UNEB [Universidade Estadual da Bahia], a inserção da
temática africana e afro­brasileira nos currículos das escolas públicas e privadas
dos 1º e 2º graus (Ilê Aiyê, 2014; p. 250)

Assim, por pressão política dos blocos afro e do movimento negro soteropolitano, frente
às   instituições   públicas   de   ensino,   em   1985   “o   Conselho   Estadual   de   Educação   do   estado
aprovou e o governador sancionou a lei que aprovava a inserção dos ‘Estados Africanos’ nos

14 O nome Malê Debalê têm suas origens na junção de dois termos. O primeiro se refere aos africanos
muçulmanos que, em 1835, protagonizaram na Bahia, a Revolta dos Malês. E o segundo foi criado pelos
próprios fundadores do bloco nascido em 1979, e se refere a uma ideia de “positividade”, felicidade ou
qualquer tradução de caráter afirmativo.

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currículos sendo, a Bahia, a pioneira nessa questão” (Ilê Aiyê, 2014; p. 251). Isto é, dezoito anos
antes da aprovação da Lei 10.639 de inserção do Ensino da História e Cultura Afro­Brasileira e
Africana nos currículos da educação básica em âmbito nacional. E em 1987, pela mesma via da
pressão política desses grupos, agora diretamente em relação ao Estado, o governo da Bahia
criou um curso de capacitação de professores para ministrarem com melhor qualidade em sala de
aula às temáticas presentes na lei. 
Isto   posto,   torna­se   importante   salientar   que   o   pioneirismo   baiano   no   trato   dessas
temáticas educacionais somente ocorreram devido à pressão do movimento social negro, seja ele
composto por organizações afro­carnavalescas, tais como os blocos afro, ou por grupos ligados
ao   Movimento   Negro   Unificado,   historicamente   influenciados   por   um   modo   de   se   “fazer”
política mais relacionado à tradições da esquerda comunista marxista­leninista. Vê­se aqui um
momento de sucesso da parceria política entre as organizações culturais negras carnavalescas e o
movimento negro “tradicional” de Salvador.
Outra  grande iniciativa educacional são as  escolas  de percussão, as  quais  nascem  na
década de  1990, administradas  pelos  blocos  afro  e voltadas  aos  estudantes  das  já  existentes
instituições educacionais de ensino primário também geridas pelos blocos. Assim, as crianças
iam à escola primária pela manhã e pela tarde, no “contra­turno”, frequentavam as aulas de
percussão.
Em 1993 nasceu, pelas mãos do mestre Neguinho do Samba, a Escola de Música Didá,
contando somente com meninas de bairros pobres, em número de cem e espalhadas entre os
cursos de percussão, cordas, teclado, bateria, canto, teatro, capoeira, dança flamenca e dança
afro. Nos anos subsequentes outros blocos afro abriram escolas que contavam com diferentes
propostas pedagógicas, podendo voltar­se ou não para cursos de alfabetização. No que concerne
ao   financiamento,   algumas   escolas   recebem   apoio   de   instituições   privadas   e/ou   entidades
filantrópicas. Ainda que a principal marca desses projetos sociais seja o trabalho voluntário e o
investimento de dinheiro obtido a partir das apresentações artísticas dos próprios blocos. 

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2. Objetivos
a) Geral
O objetivo geral deste projeto é compreender os blocos afro Ilê Aiyê, Olodum e Malê
Debalê   como   uma   prisma/centros   de  dinamização   das   relações   políticas   e   culturais   entre   os
órgãos   do   Estado   e   as   comunidades   periféricas,   soteropolitanas   e   predominantemente
constituídas por pessoas negras. 

b) Específicos
i) Entender a relação desses blocos com o poder público, por exemplo, através da análise
de editais de fomento à cultura, promovidos pela prefeitura de Salvador e pelo governo do estado
da   Bahia,   por   meio   da   Secretaria   Municipal   de   Reparação   (Semur),   da   Empresa   Salvador
Turismo (Saltur) e da Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa).
ii) Investigar as relações entre os blocos afro e suas comunidades através dos projetos
sociais   desenvolvidos,   a   exemplos   daqueles   apresentados   na   introdução.   Isto   significa
compreender o papel e significado estabelecidos por esses projetos, na formação de concepções
acerca da realidade social dos membros dessas comunidades.
iii)   Analisar   a   auto­produção   bilbiográfica   e   audio­visual   dos   blocos   afro,   tal   como
apresentada/elencada na tabela do item 4.1 Materiais e Métodos.

3. Justificativa

Diante da discussão e histórico apontados na introdução deste projeto, com indicação da
bibliografia que trata da reflexão acerca dos blocos afro e da produção cultural afro­brasileira em
Salvador,   a   presente   proposta   de   pesquisa   se   justifica:   a)   por   investigar   as   relações   sociais
racializadas em Salvador e o “fazer” político baiano do ponto de vista dos processos político­
culturais dos blocos afro especificados e suas relações e dissensões com os órgãos do Estado; b)
por entender que tal temática é escassa na produção de trabalhos no eixo Sul­Sudeste do país; c)
por considerar a importância da população negra soteropolitana como sujeitos históricos; d) pela

11
intrínseca relação entre a temática desta pesquisa e a trajetória intelectual do pesquisador/autor
deste projeto. 
a) A primeira justificativa se inicia com um pequeno histórico da cidade de Salvador: a primeira
capital do país, tendo grande importância devido, dentre outros fatores, ao seu fluxo comercial
no   período   escravista.   Seu   porto   era   a   principal   saída   para   o   exterior   de   inúmeras   matérias
primas, ao passo que também funcionou como porta de entrada para quase dois  milhões  de
africanos escravizados no período de vigência da escravidão formal no Brasil entre os séculos
XVI e XIX15. 
Percebe­se assim, a forte presença africana na formação social desta cidade, e somadas às
existências de grande número de brancos europeus e de indígenas. O resultado dessa amálgama
racial fruto da relação entre esses três povos é analisada na obra do sociólogo estadunidense
Donald   Pierson   e   do   antropólogo   baiano   Jeferson   Bacelar.   O   pesquisador   estadunidense
investigou o porto da Bahia de Todos os Santos, a fim de analisar a situação racial do Brasil a
partir   dessa   grande   “amostra”,   pois   para   o   autor   “é   por   ali   que   a   acomodação   racial   vem
processando   há   séculos   e   com   alto   grau   de   persistência,   envolvendo   grande   número   de
indivíduos de cada uma das três raças básicas” (1971; p. 91).
Jeferson Bacelar (2001) dialoga com as hipóteses de Pierson, e tece crítica (2001; p. 103)
acerca da principal hipótese defendida por Pierson ao dizer que o autor 

quando interpreta [a situação racial no Brasil]  é para justificar a situação do
negro   como   causada   pelas   desvantagens   educacionais   ou   econômicas,
decorrentes   do   seu   atraso   devido   à   escravidão,   nunca   como   um   fenômeno
derivado do racismo desencadeado após a Abolição
  

Entretanto,  embora   Bacelar  discorde   de  alguns  pressupostos   levantados   por  Pierson,  o  autor
entende   a   importância   e   o   pioneirismo   da   pesquisa   de   sociólogo   estadunidense.   E   ambos

15 As obras do fotógrafo francês Pierre Verger (2002) e do historiador baiano Luiz Vianna Filho (2008)
trazem uma análise dos fluxos de escravizados vindos da África ao longo dos séculos do modo de
produção escravista no Brasil. Os dados mostram e nomeiam os períodos do século XVI, de Ciclo da
Guiné; do século XVII, de Ciclo de Angola; os três primeiros quartos do século XVIII, de Ciclo da Costa
de Mina; e do século XVIII até meados do século XIX, de Ciclo da Baía do Benin.

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concordam com o fato de que Salvador foi influenciado por uma justaposição de raças, processo
marcado sua intensidade e tensões raciais.   
Tal   mescla,   pode   também   ser   vista   pela   ótica   estética­cultural,   como   sublinha   a
antropóloga baiana Goli Guerreiro (2010). A autora analisa os fundamentos sociais estruturantes
que deram origem ao “caldo” musical do samba­reggae, cujo ritmo é predominante na música
dos blocos afro. E também traz uma breve historicidade dos bairros de origem de alguns desses
blocos, tais como Liberdade, Itapuã e Pelourinho (2010; pp. 18­43).
São   três   bairros   formados   por   diferentes   processos   sociais,   políticos,   culturais   e
econômicos. Entretanto, são localidades que comungam de similaridades entre si, e destaca­se
por serem as casas de um bloco afro. Termo, como citado acima, dado pelo principal órgão de
turismo   da   Bahia.   Deste   modo,   suscitando   reflexões   acerca   dos   interesses   institucionais   por
detrás da construção e veiculação da imagem turística desses blocos. 
Entretanto,   é   interessante   notar   o   papel   dos   blocos   afro   na   crítica   e   denúncia   da
dormência  do Estado no tocante  aos  investimento em direitos  básicos  para  a população  dos
bairros periféricos. E por outro lado, as atribuições assumidas por esses grupos em reação a não­
presença estatal, tendo esses mesmos blocos que organizarem não só o carnaval, mas também, a
escola, a cultura, o hospital, dentre outros serviços básicos para suas comunidades.
Vale ressaltar, que cada um desses blocos organiza­se a seu modo, tal como apontado por
Martins (2016; p. 233) no âmbito administrativo, político, em que “cada um dos blocos possuía
características   de   organização,   efetivação   e   vivência   que   os   tornava   totalmente   singulares,
dotando­as de uma individualidade que não se percebe quando observados à distância”. Esses
elementos   auxiliam   em   afirmar   mais   fortemente   que   não   se   pode   precisar   uma   identidade
homogênea entre os  blocos  afro, e  tampouco  generalizar  a todos, a relação  política que  um
determinado bloco nutre com o Estado ou com suas comunidades.
b) No âmbito propriamente acadêmico justifica­se tal projeto de pesquisa a partir dos dados que
mostram que dentre as universidades públicas dos sete estados das regiões Sul e Sudeste, um
breve   levantamento   bibliográfico   apresentou   um   número   baixíssimo   de   trabalhos   ­   entre

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trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, não passando de dez encontrados. 16  Tal
ausência não demonstra a falta de importância do tema, mas a falta de interesse em discuti­lo
naqueles que são considerados os grandes centros acadêmicos do país. 
Além disso, na literatura consultada, vez ou outra, há uma crítica sobre os blocos afro
quanto a alguns posicionamentos políticos: apoiando candidatos de partidos “antipopulares” e/ou
de direita, apresentando­se em trios elétricos de bandas comerciais e aprovando/apoiando certas
ações   da  prefeitura  de   Salvador17.  Vistos   de  longe,   pode­se  dizer   que  esses   grupos  estão   se
“vendendo” para o poder público, porém, é necessário outras “lentes” e familiarizadas com essas
estruturas políticas e sociais, a fim de entender os pormenores desse “fazer” 18  político baiano,
compreendendo   que,   embora   em   alguns   momento,   ele   possa   ser   considerado   através   de
acordos/negociações com o os órgãos do Estado, em outros ele precisa ser visto pela via do
conflito. Ou seja, este projeto não pretende partir de concepções fortemente utilizadas para a
compreensão   das   relações   políticas   nas   regiões   sul   e   sudeste   do   país,   mas   estabelecer   um
distanciamento crítico de tal postura “etnocêntrica”.19 

16 Esse levantamento foi realizado em três etapas. Primeiramente, consultou-se o Índice Geral de
Cursos (IGC) elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), onde constam as ferramentas de avaliação
do MEC em relação a todas as instituições de ensino superior, públicas e privadas, do país. A fim de
apontar os indicadores de qualidade dessas instituições. A avaliação é feita a partir de um tripé que
considera: a) média dos Conceitos Preliminares dos Cursos (CPC) das instituições; b) média dos
conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu atribuídos pela CAPES na última
avaliação trienal disponível; e c) notas finais dos estudantes no Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes (Enade). A partir desses resultados, utilizou-se do ranking final atualizado em 06 de junho de
2017 e disponível em http://portal.inep.gov.br/web/guest/indice-geral-de-cursos-igc-. A partir dessa tabela,
consideramos as instituições ocupantes das primeiras cem posições, dentre universidades, oriundas das
regiões Sul e Sudeste do país, instituições de categoria administrativa de pessoa jurídica de direito
público, chegando-se ao número de 17 instituições, mais a Universidade de São Paulo, que por motivos
desconhecidos não constava no ranking.
17 O atual prefeito é Antonio Carlos Magalhães Neto, a terceira geração da família ACM, cujo patriarca
de nome homônimo foi político popular em toda a Bahia, reunindo grandes amigos e muitos inimigos,
devido às suas origens de família rica, branca, elitista e escravocrata. Certa vez proferiu em uma
entrevista: “Baianidade é um estado de espírito em relação à terra em que se vive e a todas as
características singulares da Bahia, que nenhuma outra terra tem, como o sincretismo religioso, a
cordialidade. O baiano é o povo mais cordial do Brasil”. Texto extraído de
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,frases-de-antonio-carlos-magalhaes,21886, acessado em 13
de julho de 2017.
18 Sobre esse “fazer” político baiano, temos como base os trabalhos de Goldman (2000) e (2001) sobre
o movimento negro de Ilhéus.
19 Sobre etnocentrismo temos os trabalhos de Cabral (1998), Meneses (2000) e Rocha (1988).

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c)  Justifica­se   também   a   importância   de   esmiuçar   os   pormenores   da   trajetória   do   negro
soteropolitano enquanto sujeito histórico transformador das estruturas sociais que o cerca, dotado
de estratégias no limiar entre a negociação e o conflito, e não como agentes políticos “vendidos”
e passivos frente às negociações com o poder público. 
d) E por fim, é importante também  ressaltar que o proposto projeto de pesquisa se justifica por
um   histórico   de   estudos   já   iniciados   na   graduação,   haja   vista   a   elaboração   de   trabalhos   de
conclusão de disciplinas e da pesquisa de iniciação científica como parte da trajetória intelectual
do pesquisador.20

4. Metodologia de Pesquisa
4.1 Materiais e Métodos

Os   blocos   escolhidos   para   a   pesquisa   são   o   Ilê   Aiyê,   o   Olodum   e   o   Malê   Debalê.
Primeiro, pois foram os blocos trabalhados ao longo da pesquisa de iniciação científica; segundo,
porque foram os blocos que se tevecontato no trabalho de campo realizado também na pesquisa
de iniciação científica; e terceiro, porque entende­se esses três blocos como entidades culturais
representativas, em que o Olodum figura com capilaridade a nível global, o Ilê Aiyê a nível
nacional e o Malê Debalê a nível regional. A investigação proposta não exclui a possibilidade de
agregar outros blocos afro ao longo do desenvolvimento da pesquisa. 
Foi   feito   um   levantamento   bibliográfico   prévio   ao   longo   da   pesquisa   de   iniciação
científica, que conta com: a) obras de autoria própria dos blocos; b) obras que versam sobre os
blocos afro, no tocante às discussões sobre a relação entre os blocos afro e os órgãos do Estado, a
relação entre os blocos afro e o movimento negro,  os projetos sociais realizados pelos blocos, e
as  ideias  de negritude e  baianidade e  o modo como  são manifestadas  nas  produções  desses
blocos; c) análise dos editais de fomento à cultura lançados pelas agências culturais ligadas ao
Estado; e d) obras  sobre a relação entre a indústria da música e as  produções  musicais  dos

20 Iniciação Científica entitulada Da poesia ao canto, de Salvador à Africa: a atuação dos blocos afro na
agenda política, social e religiosa de Salvador”, concluida em agosto de 2017 sob a orientação do
professor do departamento de sociologia da Unicamp Mário Augusto Medeiros da Silva.

15
blocos. Os primeiros trabalhos a serem revisitados serão as obras publicadas pelos blocos afro Ilê
Aiyê, Olodum e Malê Debalê, os quais foram adquiridas no trabalho de campo dessaa pesquisa
já realizada que são apresentados abaixo.

Produção bibliográfica dos blocos afro de Salvador

Ano de
Bloco afro Sede/Bairro Região de Salvador Materiais 
Fundação

8 Cadernos de Educação
1 Livro Fotografia 40 anos do
Alto do planalto
Bloco
Ilê Aiyê 1974 Liberdade entre Cidade Alta e
1 Livro Histórico 40 anos do
Cidade Baixa
Bloco
1 DVD 40 anos do Bloco

Centro Histórico 1 Livro Tema dos Carnavais
Olodum 1979 Pelourinho
(Cidade Alta) (1979­2014)

1 Livro Tema Carnaval 2017
Malê Debalê 1979 Itapuã Nordeste
“Sou sertanejo, sou negro forte”

Também   pretende­se   dar   forte   atenção   à   obra   de   Antonio   Risério   “Carnaval   Ijexá”
( 1981), em que o antropólogo baiano dedicou­se a entender a emergência da consciência afro na
juventude negra e periférica da cidade de Salvador, trazendo ainda uma discussão entre cultura e
política no âmbito da produção das entidades negras presentes no carnaval baiano: os afoxés e os
recém­nascidos, naquele período, blocos afro­brasileiros. 
Pretende­se revisitar a bibliografia levantada na pesquisa de iniciação científica em uma
abordagem temática e teórica a partir dos seguintes estudos. Sobre o Ilê Aiyê e a relação entre o
bloco e o Estado, temos o trabalho de Walter Sousa Junior (2007), no tocante à construção de
identidades no interior do bloco, temos Márcia Silva (2014) e Florentino Souza (2001), e sobre a
reafricanização no carnaval soteropolitano através do Ilê, temos Geander Barbosa (2017). Sobre
o   Olodum   e   sua   trajetória   temos   os   trabalhos   de   João   Jorge   (1993)   e   (1996).   E   no   âmbito
educacional, temos o trabalho de Moisés Santana (2000). Sobre o Malê Debalê, temos o trabalho

16
do   coordenador   pedagógico   do  bloco,   Carlos   Santana   (2009).   Acerca   da   discussão   sobre  os
conceito de negritude, temos os trabalhos de Zilá Bernd (1988) e Kabenguele Munanga (1988).
Sobre a ideia de  baianidade,  citamos os trabalhos de Osmundo Pinho (1996), Agnes Mariano
(2009) e Antonio Risério (2004). Sobre a relação entre a indústria da música e as produções
musicais dos blocos afro, temos o trabalho de Michel Nicolau Netto (2014). 
Pretende­se, também, realizar um trabalho de campo na cidade de Salvador orientado por:
a) a comunicação prévia com a direção dos blocos a serem acompanhados, isto  é, Ilê Aiyê,
Olodum e Malê Debalê; b) visitação das sedes dos blocos e acompanhamento das apresentações
e   ensaios;   c)   compra   dos   materiais   bibliográficos   produzidos   pelos   blocos;   d)   visitação   dos
projetos sociais administrados pelos blocos; e) entrevistas com componentes dos blocos. 
Sobre   as   entrevistas   será   delimitado   um   método   a   ser   adotado,   junto   ao   roteiro   de
entrevista   e   posterior   transcrição.   Na   proposta,   pretende­se   entrevistar   diferentes   sujeitos
construtores e participantes ativos dos blocos afro de Salvador 21. A preparação para as entrevistas
se dará com o contato de alguns de nossos possíveis entrevistados, utilizando­se das orientações
sugeridas pelas sociólogas Alice Lang, Maria Campos e Zélia Demartini (2010). Nesse contato
preliminar iremos expor aos possíveis entrevistados os objetivos da pesquisa, a utilização que se
fará dela, como será realizada e que será gravada. 
As autoras citadas utilizam­se do método de entrevista a partir da perspectiva da história
oral e, desse modo, procuram obter as narrativas dos entrevistados a partir de seus depoimentos.
No   caso   referido   se   utilizará   o  depoimento   oralem   que   se   busca   “obter   informações   e   o
testemunho do entrevistado sobre sua vivência em determinadas situações ou a participação em
instituições que se quer estudar” (p. 45) .    
Nessas   entrevistas   serão   levadas   em   conta   uma   constante   troca   entre   pesquisador   e
entrevistado, em um processo dialógico (Michelat, 1982). Por conta disso, também será utilizado

21 Para tal feito, pretende-se reconhecer os componentes desses blocos a partir de duas diferentes
categorias, as quais foram criadas por Pinho (2004; p. 155) ao longo de sua pesquisa de campo com os
blocos afro: são elas produtores do discurso e interlocutores do discurso. Onde na primeira categoria se
encaixam diretores, professores, compositores e demais pessoas responsáveis pela formulação do
discurso, e na segunda estão representados os componentes mais jovens desses blocos, os quais
recebem e reformulam as narrativas produzidas.

17
preceitos  da entrevista não­diretiva, que tem por objetivo evitar certos  cerceamentos, com o
intuito   de   expandir   os   horizontes   dialógicos   e,   consequentemente,   as   potencialidades   e   a
profundidade das próprias entrevistas . Para tal feito, serão incorporadas perguntas mais livres,
que possibilitem uma forma de conduzir as entrevistas que levem em conta tanto os objetivos da
pesquisa   previamente   estabelecidos,   quanto   novas   e   inesperadas   narrativas   trazidas   pelos
entrevistados.

4.2 Procedimentos e Forma de Análise dos Resultados

As   leituras   serão   norteadas   por   reflexões   a   partir   de   alguns   eixos,   os   quais   foram
formulados ainda no início dos trabalhos de investigação dessa temática ao longo da pesquisa de
iniciação científica. Os eixos levantados foram: a) histórico desses blocos, desde o nascimento e
as principais aspirações para a criação dessa estética afro­baiana; b) relação entre os blocos e
suas respectivas comunidades, percebendo tal relação a partir dos projetos geridos por esses
grupos,   cujas   temáticas   vão   muito   além   da   técnica   musical,   mas   também,   voltadas   para   o
desenvolvimento   social   e   educacional   da   população   negra   da   cidade   e   especificamente   dos
bairros   de   origem   desses   blocos;   c)   as   expressões   e   contribuições   desses   blocos   na   luta
antirracista na cidade de Salvador, entendo­se esse empenho como um projeto político pautado
diretamente na relação desses blocos com o poder público e seus órgãos de fomento à cultura; d)
a   relação   entre   cultura   e   política   e   o   modo   como   esses   grupos   estão   envolvendo­se   com   a
indústria cultural hegemônica; e) as estratégias e instrumentos dos blocos afro na propagação
midiática da cultura afro­baiana.

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4.3 Plano de Trabalho e Cronograma de Execução
     

2018 2019
Atividades
1º semestre 2º semestre 1º semestre 2º semestre

Realização das disciplinas X X

Publicações e participações em eventos X X X X

Levantamento bibliográfico X X X X

Análise do material bibliográfico levantado X X X X

Planejamento do trabalho de campo X X

Trabalho de campo X X

Transcrição e análise das entrevistas 
X X
e outros materiais coletados

Exame de qualificação X

Redação final X

Defesa X

5. Bibliografia

● ADEILSON, J. História do afoxé Filhos de Gandhy. Revista Repertório, Salvador, n.
19, 2012, pp. 215­220.
● BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de
Janeiro: Pallas Editora, 2001.

19
● BARBOSA   DAS   MERCÊS,   Geander.  De   Ilê   Ifé   ao   Ilê   Aiyê:   uma   releitura   do
carnaval soteropolitano. Araraquara: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
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● BERND, Zilá. A questão da negritude. São Paulo: Brasiliense, 1984.
● CABRAL, João P. “Racismo ou etnocentrismo?”. In: ARAÚJO, H. G.; SANTOS, P. M.;
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● D’ANDREA, Tiarajú Pablo. A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na
Periferia de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, tese de doutorado, 2013.
● DANTAS,   Marcelo.  Olodum:   de   bloco   afro   a   holding   cultural.  Salvador:   Grupo
Cultural Olodum, 1994.
● FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
● GILROY, Paul.  O atlântico negro: modernidade e dupla consciência.  Tradução Cid
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● GOLDMAN, Marcio.  Segmentaridades e movimentos negros nas eleições de Ilhéus.
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● __________. Uma teoria etnográfica da democracia: a política do ponto de vista do
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● JOÃO   JORGE.  Olodum:   embaixador   do   turismo.  Análise   &   Dados,   n.   4,   vol.   II,
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● ___________. Olodum: estrada da paixão. Salvador: Grupo Cultural Olodum, 1996.
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oral, sociologia e pesquisa: a abordagem do CERU. São Paulo: Humanitas, 2010.
● MARIANO, Agnes. A invenção da baianidade. São Paulo: Annablume, 2009.
● MARTINS,   Daniel   Gouveia   de   M.  Por   uma   nova   abordagem   teórica   acerca   da
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qualificação de doutorado, 2016.

20
● MENESES, Paulo. Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões. Síntese,
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● MICHELAT,  Guy.  “Sobre  a utilização  da  entrevista  não­diretiva  em  Sociologia”.  In:
THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, investigação social e enquete operária.
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● NICOLAU NETTO, Michel.  O discurso da diversidade e a  world music.  São Paulo:
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● PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia. São Paulo: Editora Nacional, 1971.
● PINHO, Osmundo Santos de Araujo.  Descentrando o Pelô: narrativas, territórios e
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Estadual de Campinas, dissertação de mestrado, 1996.
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reafricanização em Salvador. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, tese de
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● PINHO, Patricia de Santana. Reinvenções da África na Bahia. São Paulo: Annablume
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● ROCHA, Everardo P. G. O que é etnocentrismo? São Paulo: Brasiliense, 1988.
● RISÉRIO, Antonio.  Carnaval Ijexá: notas sobre afoxés e blocos do novo carnaval
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● ________, Antonio. Uma história da cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal Editores,
2004.
● SANTANA,   Carlos   Eduardo   Carvalho   de.  Malê   Debalê:   lugar   de   negro,   lugar   de
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carnavalizando a educação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
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● SOUZA   JR, Walter  Altino  de.  O  Ilê Aiyê  e  a relação  com  o Estado: interfaces  e
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● VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a
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[1987].
● VIANA   FILHO,   L.  O   negro   na   Bahia:   um   ensaio   clássico   sobre   a   escravidão.
Salvador: EDUFBA, 2008.
● VIEIRA FILHO, Raphael R. “Folguedos negros no carnaval de Salvador (1880 – 1930)”.
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