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Educação e Multiculturalismo

Prof. Dr. Celso Gomes


1ª Edição
Gestão da Educação a Distância
Cidade Universitária - Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br
0800 283 5665

Todos os direitos desta edição fi-


cam reservados ao Unis - MG.

É proibida a duplicação ou repro-


dução deste volume (ou parte do
mesmo), sob qualquer meio, sem
autorização expressa da instituição.
Autoria

Prof. Dr.
Celso Augusto dos Santos Gomes

É doutor em educação, pesquisando a (re)significação docente de formadores de musica-


lizadores na convergência de ambientes virtuais e físicos. É mestre em Tecnologias da Inteligência
e Design Digital sob a área de concentração de “Processos Cognitivos e Ambientes Digitais” onde
focalizou a linha de pesquisa “Aprendizagem e Semiótica Cognitiva”. No mestrado contou com
bolsa CAPES/PROSUP, onde pesquisou por recursos tecnológicos, ubíquos e pervasivos em pro-
cessos cooperativos de ensino e aprendizagem. Também tem as seguintes pós-graduações (lato
sensu): Docência em Educação a Distância, Psicopedagogia Institucional, Designer Instrucional para
a EaD virtual e Tecnologia e EaD. Tem licenciatura e Bacharelado em Música com habilitação em
Instrumento (Guitarra Jazz). Atualmente é Coordenador do Curso de Licenciatura em Música e
professor em disciplinas em graduações e pós-graduações no Unis-MG. Tem experiência na área
das tecnologias aplicadas à educação superior, à gestão de conhecimentos corporativos, à educação
a distância e musical. Atuou como membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino
e Pesquisa do Sul de Minas - CEP/FEPESMIG.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8784835682994528


GOMES, Celso Augusto dos Santos. Guia de Estudo - Educação e Multiculturalismo.
Varginha: GEaD-UNIS/MG, 2017.

130 p.

1. Inclusão. 2. Educação emancipadora. 3. Educação quilombola. 4. Educação


indígena. 5. Educação especial.

Unis EaD
Cidade Universitária – Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
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Saudações!
Convido você, com a leitura deste guia de estudos, para algumas reflexões no sentido de se
abordar a construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos do conhe-
cimento frente ao contexto educacional em nossa atualidade. Lembrando que quando me refiro
aqui ao contexto educacional estou focando, dentre outros fatores, a capacidade dessa práxis para
a formação científica e cultural por meio do ensinar/aprender e que visa, sobretudo, a inclusão, ou
seja, a socialização e construção de conhecimentos em diálogo constante entre diferentes visões de
mundo.
Abordaremos neste texto algumas modalidades educativas para tais reflexões,
destacando portanto a Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educa-
ção do Campo, Educação Profissional e Tecnológica, Educação Escolar Indígena,
Educação a Distância e Educação Escolar Quilombola.
Mas voltando à capacidade da educação no que ser refere a inclusão, Padilha e Oliveira
(2013) nos mostram que a inclusão tem muitas faces e assim, pode ser abordada de pontos de Vista
variados, uma vez que o movimento em prol da inclusão social implica a instituição de mecanismos
que alteram modos de relação social entre segmentos distintos da sociedade.

Quando declararmos que a inclusão apresenta várias faces, nos apoiamos nas
variedades de contextos os sujeitos nela envolvidos assim como as possibilida-
des de abordá-la.

Padilha e Oliveira (2013) nos mostra que na área educacional, no geral, a inclusão tem se
referido a movimentos instituídos no âmbito do ordenamento legal, da organização escolar e das
práticas educativas, de modo que possibilite a inserção e a permanência de grupos historicamente
excluídos do espaço escolar, seja por aspectos sociais, econômicos e culturais, seja por peculiari-
dades no desenvolvimento. Portanto, neste material vamos tratar de alguns aspectos conceituais e
históricos das populações negra e indígenas e das pessoas frequentemente excluídas por questões
de deficiências (físicas ou mentais) ou ainda por implicações sociais e econômicas no Brasil. Assim,
objetivamos refletir sobre as omissões deixadas pela historiografia e pelo campo da educação que
apenas focou a história desses grupos de forma pontual e estereotipada. Portanto, nosso estudo
aqui visa compreender tais ausências e os motivos que geralmente dificultam o real conhecimento
da história do Brasil e de outras regiões do mundo tendo em vista outros ponto de vista. As re-
flexões sobre tais omissões se mostram também fundamentais para docentes empenhados com o
processo de ensino e aprendizagem que contemple o direito às diferenças e consequentemente
evite e repudie a discriminação seja racial, física, econômica e social. Em suma que possamos, com
as reflexões aqui desenvolvidas, buscar sempre por uma educação em que a palavra-chave seja a
inclusão!
Abraços, boas leituras e ótimas reflexões! Prof. Dr. Celso Gomes
Ementa
Construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos
do conhecimento inerentes à sólida formação científica e cultural do ensinar/aprender,
à socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante
entre diferentes visões de mundo nas diversas modalidades educativas (Educação de
Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação
do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação a Distância e Educação Escolar Qui-
lombola).

Orientações
Ver no Plano de Estudos da disciplina no AVA.

Palavras-chave
Inclusão. Educação emancipadora. Educação quilombola. Educação indígena. Educa-
ção especial.
Unidade I 11
1. Introdução da unidade 11
1.1. Refletindo Apreliminarmente Sobre o Multiculturalismo e a Educação 11
Unidade II 16
2. Introdução da unidade 16
2.1. Os Povos Indígenas no Brasil 16
Unidade III 25
3. Introdução da Unidade 25
3.1. As Marcas e a Presença dos Negros na História Brasileira 25
Unidade IV 39
4. Introdução 39
4.1. Histórico breve da Educação no Campo 39
4.2. Diferenciando a Educação do Campo da Educação Rural 42
Unidade V 48
5.1. Pluralidade Cultural no Currículo Escolar 48
5.2. O Multiculturalismos e a Perspectiva Intercultural 52
Unidade VI 56
6.1. A Inclusão dos Sujeitos com Necessidades Especiais na Escola e Sociedade 56
6.2. Deficiência Mental 59
6.3. Deficiência Auditiva 66
6.4. Deficiência Visual 70
6.5. Deficiência Física 72
6.6. Inclusão Escolar 75
Unidade VII 87
7.1. Educação Para Aqueles Que Não Tiveram Acesso Ou Continuidade De Estudos No Ensino
Fundamental E Médio Na Idade Própria 87
Unidade VIII 99
8.1. Implantação E Evolução Da Educação Profissional No Brasil 99
Unidade IX 107
Unidade X 111
10.1. Educação A Distância 112
10.2. Educação a Distância como Possibilidade de Democratização do Ensino Superior 114
10.3. Análise Crítica Da EaD Como Possibilidade De Democratização Da Educação 118
I
Unidade I -
O Multiculturalismo
e a Educação

Objetivos da Unidade
Objetivo geral

- Interpretar conceitos introdutórios sobre o multiculturalis-


mo em nosso país e as implicações dessa diversidade no que tange
a atuação da escola

Obejtivos específicos

- Valorizar aspectos históricos referentes às abordagens go-


vernamentais frente ao multiculturalismo e suas implicações cultu-
ral, social, política e econômica no Brasil.
- Analisar preliminarmente a abordagem da escola no que se
refere a inclusão da diversidade multicultural de nosso país.
Unidade I
1. Introdução da unidade

Vamos agora trabalhar algumas reflexões sobre como a educação nas últimas décadas no
Brasil tem se colocado frente ao multiculturalismo. Entretanto, antes disso é importante salientar que
aqui, neste guia de estudos, trabalharemos com conceitos tais como negro, raça, etnia, “embran-
quecimento”, entre outros e que visam o significar de construções sociais históricas e contingentes
que são fundamentais para refletirmos sobre as relações raciais e a educação. Assim, é importante
compreendermos que tais termos aqui não têm qualquer embasamento em aspectos biológicos.
Para adentrarmos na temática das relações raciais no Brasil, vamos nos apoiar em alguns
termos que Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) destacam e que se mostram fundamentais para o
entendimento frente ao que vamos refletir neste guia de estudos. Essas autoras mostram que o
Parecer do Conselho Nacional da Educação nº 003/2004 (BRASIL, 20110) aponta uma definição do
que seja a educação das relações étnico-raciais:
A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de co-
nhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade
étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a to-
dos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia
brasileira (BRASIL, 20110). Assim, veremos nesta unidade que educar para as relações étnico-raciais
trata, como mostra Silva (2007) de ensinos e de aprendizagens, em suma, é abordar identidades de
conhecimentos que se situam em contextos de culturas, de choques e trocas entre jeitos de ser e
viver, de relações de poder.
1.1. Refletindo Apreliminarmente Sobre o Multiculturalismo e a Educação

Inicialmente vamos mostrar, baseados em Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011), alguns termos
que tratam especificamente do campo teórico da educação das relações étnico-raciais e são funda-
mentais para compreender e educar para as relações étnico-raciais. São eles:
a) Afrodescendente e Afro-brasileiro — chamamos de afro-brasileiro ou afrodescendente
aqueles(as) que possuem características culturais e/ou fenotípicas de ascendência africana.
b) Diáspora — o termo diáspora tem sua popularidade associada à experiência judaica e se
relaciona com a ideia de dispersão, saída e/ou fuga. A diáspora africana ou negra está relacionada ao
processo de retirada de negros do continente africano com o objetivo de escraviza-los. Atualmente,
diáspora tem sido tomada também como uma categoria social associada a uma comunidade trans-
nacional (como imigrantes, expatriados etc.).
c) Estereótipo — o termo refere-se a uma generalização sobre uma representação simbólica
compartilhada ou não coletivamente. De acordo com Bardin (1977), trata-se da:
(...) representação de um objeto (coisas, pessoas, ideias) mais ou menos desligada da sua realidade
objetiva, partilhada pelos membros de um grupo social com uma certa estabilidade. Corresponde
a uma medida de economia na Percepção da realidade, visto que uma composição semântica
pré-existente, geralmente muito concreta e imagética, organizada em redor de alguns elementos
11
simbólicos simples, substitui ou orienta imediatamente a informação objetiva ou a percepção
real. Estrutura cognitiva e não inata (submetida à influência do meio cultural, da experiência
pessoal, de instâncias e de influências privilegiadas como as comunicações de massa), o este-
reótipo, no entanto, mergulha as suas raízes no afetivo e no emoci onal, porque está ligado
ao preconceito por ele racionalizado, justificado ou engendrado (BARDIN, 1977, p. 51-52).
d) Etnia — o termo refere-se a um conjunto de elementos pertencentes a um grupo ou povo.
Um grupo étnico compartilha uma experiência, uma solidariedade, uma religião, uma cultura não
associada, necessariamente, a uma ligação biológica. O termo “grupo étnico” é relacionado a uma
concepção política que permite a valorização de aspectos ligados ao grupo de pertença (CRUZ,
RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
e) Negro ou preto — ser “negro” ou “preto” não se limita a características físicas; é “negro” quem
assim se define. O termo tem sido utilizado para caracterizar as pessoas com fenótipos de ascen-
dência africana (pele escura, cabelo crespo etc.) que ganham um significado social e foi ressignificado
de forma positiva, ressaltando a positividade do pertencimento à negritude (CRUZ, RODRIGUES e
BARBOSA, 2011).
f) Preconceito — é uma ação relacionada à preconcepção que temos de uma pessoa, de um grupo
ou de uma sociedade (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
g) Discriminação — processo que resulta da qualificação de seres ou coisas e que implica em uma
separação e/ou segregação pelas suas marcas de diferenciação. Para discriminar é preciso um pa-
râmetro de orientação que permita a exclusão dos que não se enquadrem nesse padrão (CRUZ,
RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
h) Raça — a ideia inicial de raça foi construída a partir de associações às características biológicas e
genéticas que outrora foram sustentação e justificativa para escravizar pessoas, por exemplo. No en-
tanto, o termo “raça” foi reformulado por movimentos sociais negros, em vários locais, associando-o
às características positivas. Entretanto, ainda que tenha sido ressignificado, sabemos que esse termo
é utilizado nas relações sociais brasileiras para informar de que maneira aspectos físicos (textura de
cabelo, cor da pele, tipo de nariz) ainda São utilizados para classificar e hierarquizar pessoas, ou seja,
podem determinar os lugares sociais que elas ocuparão. No campo teórico, “raça” é utilizado como
uma construção social (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
i) Racismo — é um fenômeno caracterizado pela crença nas diferenças biológicas entre os seres
humanos. Por meio do racismo as pessoas sofrem os preconceitos, discriminações e são vítimas dos
efeitos dos estereótipos negativos. As relações sociais brasileiras são marcadas pela presença e pelos
efeitos do racismo (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
Bom, mas vamos às nossas reflexões iniciais. Para tal gostaria de colocar algumas questões:

O que temos aprendido sobre as matrizes africanas em nossa sociedade? O que


sabemos sobre a influência da África e a sua história frente à constituição social do
Brasil? Sobre os autores(as) negros(as) da literatura na língua portuguesa?

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Boas perguntas que nos fazem pensar e nos farão constituir conhecimentos importantes aqui
nesta disciplina. Além disso, podemos ampliar ainda mais nossas reflexões sobre o multiculturalismo
focando agora na cultura indígena.
É fato que todos aprendemos desde o início de nossa vivência escolar sobre as populações
indígenas e negras. O “dia do índio” e as comemorações que fazíamos com a utilização de penas
para enfeitar cocares, desenhos de ocas nos mostraram como os indígenas viviam dos recursos ve-
getais, caçavam e pescavam. Entretanto, gostaria de perguntar a você agora:

Se os indígenas estavam aqui antes dos portugueses chegarem aqui, por que, os
livros didáticos informavam que o Brasil foi descoberto pelos portugueses? Será
que é realmente adequado concebermos que houve realmente um “descobri-
mento”?
Compreendendo as reflexões que você está desenvolvendo ao responder todas essas per-
guntas e outras que você mesmo deve estar compondo em decorrências dessas reflexões é mister
contemplarmos em nossas reflexões aqui que, após quatro anos de tramitação e de negociações, foi
em 2003 que tivemos a aprovação de uma importante Lei: é a de nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003
(BRASIL, 2011a). Essa lei, portanto, se mostra como uma resposta a uma demanda do movimento
negro e que altera o artigo 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 2011b), que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDB.

Em 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação o Parecer CNE/


CP nº 003/2004 (BRASIL, 2011c), que regulamenta as alterações da LDB, ins-
tituindo as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. E depois, em
março de 2008, a Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 (BRASIL, 2011d),
altera novamente o artigo 26-A da LDB e inclui no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena”.

Com essas alterações, a LDB estabelece que: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena” (BRASIL, 2011b). Tais alterações, consequentemente, implicam o
estudo de aspectos da cultura e história que caracterizam a constituição do Brasil e de sua popula-
ção, como por exemplo:

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Agora que você conhece esses pontos de nossa legislação gostaria de levantar mais algu-
mas reflexões:

Estamos, como todos esses conteúdos incluídos na educação, aptos a ressigni-


ficar de forma ampla a história do nosso país? Podemos valorar, de forma con-
textualizada com nossa realidade, as contribuições desses grupos para nossa
constituição cultural, social, política e econômica?

Com as respostas que você deve estar construindo em seus pensamentos, certamente há
uma inerente reaprendizagem sobre como esses conteúdos são e podem ser abordados no dia a
dia da escola na atualidade. Para potencializarmos tais reaprendizagens vamos a seguir refletir sobre
a presença das populações negra e indígenas no Brasil.

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II
Unidade II -
Os Índios no Brasil

Objetivos da Unidade
Objetivo geral

- Compreender e distinguir a diversidade indígena no Brasil

Obejtivos específicos

- Conjugar a evolução histórica dos índios no Brasil até os dias


atuais
- Examinar as características culturais dos principais povos in-
dígenas e suas presenças em nosso país
Unidade II
2. Introdução da unidade
Estimam-se que quando Pedro Alvares Cabral aportou pela primeira vez no Brasil, os indí-
genas eram em 4 milhões de pessoas segundo Luciano (2006). Tendo em vista os dados de 2001
do IBGE, depois de todo esse tempo, nos dias atuais estima-se que essa população é de apenas
700 mil habitantes em todo o país.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) trabalham
com dados ainda muito inferiores: pouco mais de 300 mil índios. Essa diferença ocorre em função
do uso de diferentes métodos utilizados para a obtenção de dados.

Há de se considerar que nos dados da Funai e da Funasa não temos incluído o


grande número de indígenas que atualmente vivem nas cidades ou em terras
indígenas ainda não demarcadas ou reconhecidas, mas que nem por isso deixam
de ser índios.

Portanto, a Funai e a Funasa trabalham apenas com populações indígenas reconhecidas e


registradas por elas, geralmente as populações que habitam aldeias localizadas em terras indígenas
já reconhecidas oficialmente. Ainda segundo Luciano (2006) há de considerarmos que o IBGE, ao
utilizar o método de autoidentificação, traz dados mais próximos da realidade.
Então, vamos à nossas reflexões sobre os índios no Brasil.

2.1. Os Povos Indígenas no Brasil

Inicialmente para nossas reflexões aqui precisaremos considerar que, segundo definições
das Nações Unidas em 1986, as comunidades, os povos e as nações indígenas são caracterizados
segundo o seguinte esquema:

Segundo Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011), a unidade em torno da identificação índio não
indica necessariamente que todos os indígenas sejam iguais tampouco semelhantes. Isso significa,
portanto, que esses sujeitos:

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(...) compartilham alguns interesses, como os direitos coletivos, a experiência e resistência diante da
colonização e a luta pela autonomia sociocultural de seus povos diante da sociedade global. Cada
povo indígena constitui-se como uma sociedade única, na medida em que se organiza a partir de
uma cosmologia singular, que baseia e fundamenta toda a vida social, cultural, econômica e religiosa
do grupo (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 13).

Nesse sentido podemos concluir que a principal característica comum dos indígenas é a
diversidade, pois vemos que os povos, culturas, línguas, civilizações, religiões, economias se mostram
na multiplicidade expressas nas diversas maneiras de viverem coletiva e individualmente.
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) destacam que o nosso quase total desconhecimento so-
bre os diferentes grupos e etnias indígenas que vivem no Brasil tem como resultado em uma visão
genérica e estereotipada a respeito do índio. Assim, ao vermos um índio vestido com calça jeans,
falando português, utilizando gravadores e vídeos e morando em casas de alvenaria, somos frequen-
temente induzidos a entendermos esses como descendentes de índios e não propriamente índios.
Em contraposição a esse erro ao reconhecermos os índios no Brasil vale ressaltar que:
(...) a população indígena brasileira é composta hoje por cerca de 460 mil indígenas distribuídos em
225 povos distintos. Os grupos étnicos indígenas diferem muito entre si em variados aspectos: for-
mas de organização, língua, visão de mundo, modo de produção e organização, cultura etc. Existem
grupos indígenas ainda desconhecidos, que optaram, por diferentes razões, pelo isolamento territo-
rial e distanciamento dos não indígenas (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 14).
Não obstante a isso ainda existe uma estimativa de que hajam 46 evidências de “índios iso-
lados” no território brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas pela Funai (LUCIANO, 2006).
Portanto, Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que essa terminologia é usada pela Funai para
designar aqueles com os quais ela não estabeleceu nenhum contato, pois:
Em geral, não se sabe ao certo quem são, onde estão, quantos são e que línguas falam. Algumas
poucas informações reunidas baseiam-se em vestígios e evidências pontuais ou em relatos de pes-
soas. A pouca literatura sobre esses povos traz, por vezes, fotos de tapiris, flechas e outros objetos
encontrados nas áreas, fornecidos por sertanistas ou por pesquisadores e missionários que atuam
nas regiões próximas (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 14).
Ainda as autoras supracitados mostram que o conceito “índios isolados” pode nos induzir a
pensar que esses grupos nunca estabeleceram qualquer tipo de contato com outros grupos, sejam
índios ou não índios. E assim, essas autoras mostram que não se trata disso, pois:
Muitas vezes esses grupos já tiveram, no passado, algum tipo de contato com outros índios ou mes-
mo com a sociedade não indígena, e se refugiaram em lugares mais distantes e inóspitos exatamente
para fugir das tragédias trazidas pela contiguidade que por algum tempo experimentaram (CRUZ,
RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 14).
Luciano (2006) mostra que essa pode ser a razão pela qual eles também não querem man-
ter a aproximação com outros povos indígenas, porque os concebem como possíveis intermediários
ou mesmo instrumentos de dominação e escravização pelos brancos colonizadores, como foi ao
longo da história da colonização, já que muitos povos indígenas foram usados para pacificar, domes-
ticar, dominar e escravizar outros povos indígenas.

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Exemplo desses índios isolados pode ser deduzido tendo em vista o caso de
histórias contadas pelos Baniwa, que habitam o rio Içana, na região do Alto Rio
Negro, sobre vestígios que afirmam encontrar constantemente nas cabeceiras
dos rios Cubate, Pirayawara e nos afluentes do rio Ayari. Segundo relatos de
indígenas da região, pode-se observar vestígios que indicariam que os supostos
grupos, apesar de manusearem o fogo, não utilizam armas brancas nem armas
de fogo (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011).

As autoras supracitados ainda nos mostram que existem ainda comunidades indígenas em
outras regiões, como no sul e sudeste brasileiros, pois há a Reserva Indígena Guarani do Rio Silveira
na divisa de Bertioga e São Vicente, litoral de São Paulo, que desfaz o paradigma de que os indígenas
habitam apenas a região norte do Brasil. Nesse sentido, vale destacar que desde 1987, a Funai conta
com uma unidade destinada a cuidar dos estudos sobre a localização e a proteção desses povos in-
dígenas: o Departamento de Índios Isolados. Ainda Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que
atualmente, quatro grupos continuam a ser reconhecidos pela Funai como “isolados”, recebendo
assistência diferenciada por parte do órgão. São eles: Kanoê, Akuntsu, Os Zo’é e os Korubo.
Tendo em vista tudo o que já discutimos aqui, gostaria de lançar mais uma pergunta: Está
ainda em nosso imaginário social sobre os índios a concepção marcada pelo desconhecimento e
por preconceitos advindos e influenciados pela visão de estudiosos, viajantes portugueses e outros
europeus?
Vale lembrar que que esses estudiosos, viajantes portugueses e outros europeus que por
aqui se instalaram, acabaram difundindo percepções e julgamentos quanto às características, aos
comportamentos, às capacidades e à natureza biológica e espiritual dos nossos indígenas, pois:
“Alguns religiosos não acreditavam que os nativos compartilhassem uma natureza humana, pois, se-
gundo eles, os indígenas pareciam animais selvagens e por isso deveriam ser escravizados” (CRUZ,
RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 15). Ainda baseados nas autoras supracitados vale destacar
que:
Dessa visão limitada e discriminatória, que pautou a relação entre índios e brancos no Brasil desde
1500, resultou uma série de ambiguidades e contradições ainda hoje presentes no imaginário da
sociedade brasileira. Esta, permeada pela visão evolucionista da história e das culturas, continua
considerando os povos indígenas como culturas em estágios inferiores, cuja única perspectiva é a
integração e a assimilação à cultura global (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 15).

Luciano (2006) nos mostra três perspectivas sociais mais comuns que caracterizam nosso
imaginário social:

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A primeira se refere à antiga visão romântica sobre os índios, presente desde a chegada dos
primeiros europeus ao Brasil. Essa visão idealiza o índio ligado à natureza, protetor das florestas, ingê-
nuo, pouco capaz ou incapaz de compreender o mundo branco com suas regras e valores. O índio
viveria numa sociedade contrária à sociedade moderna - tal visão, criada por cronistas, romancistas
e intelectuais, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral, perdura até os dias de hoje.
A segunda perspectiva é mantida pela concepção do índio cruel, bárbaro, canibal, animal,
selvagem, preguiçoso, traiçoeiro e tantos outros adjetivos e denominações negativos. Essa visão
também surgiu desde a chegada dos portugueses, principalmente por meio dos segmentos econô-
micos, que queriam ver os índios totalmente extintos para se apossarem de suas terras para fins
econômicos. As denominações e os adjetivos eram para justificar suas práticas de massacre como
autodefesa e defesa dos interesses da Coroa. Ainda hoje essa visão continua sendo sustentada por
grupos econômicos que têm interesse pelas terras indígenas e pelos recursos naturais nelas existen-
tes.
A terceira perspectiva é suportada por uma visão mais cidadã, que passou a ter maior am-
plitude nos últimos 20 anos, o que coincide com o mais recente processo de redemocratização do
país iniciado na década de 1980, cujo marco foi a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Essa visão concebe os índios como sujeitos de direitos e, portanto, de cidadania. E não se trata de
cidadania comum, única e genérica, mas daquela que se baseia em direitos específicos, resultando
em uma cidadania diferenciada, ou melhor, plural.
Em suma podemos reiterar, como vimos até aqui, que os povos indígenas conformam uma
enorme diversidade sociocultural e étnica e que foram vítimas de uma drástica diminuição por meio
de uma história de violência inerente à colonização.

Em 1500, cerca de 1.500 povos indígenas falavam mais de 1.000 línguas no Bra-
sil. Essas línguas eram divididas em três troncos: Tupi, Macro-Jê e Aruak. Apesar
desses três troncos linguísticos ainda tínhamos algumas línguas que não se en-
quadravam em nenhum desses. Na atualidade Rodrigues (2005) nos mostra que
cerca de 180 línguas indígenas são faladas no Brasil, sendo a mais falada (cerca
de 30 mil indígenas), em uma população nas proximidades do Alto Rio Solimões,
é a Tikuna.

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Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) nos mostra que cada povo indígena possui um modo
próprio de constituir suas relações sociais, econômicas e políticas, sejam as internas ao povo quanto
as estabelecidas com outros povos, com os quais mantém relações, pois:
(...) em geral, a base da organização social de um povo indígena é a família extensa, entendida como
uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de uma matriarca por meio de relações
de parentesco, afinidade política ou econômica. São denominadas famílias extensas por aglutinarem
um número de pessoas muito maior que uma família tradicional europeia (CRUZ, RODRIGUES E
BARBOSA, 2011, p. 23).

Luciano (2006) nos mostra que uma extensa família indígena comumente reúne
a família do patriarca ou da matriarca, as famílias dos filhos, dos genros, das noras,
dos cunhados e outras famílias afins que se afiliam à grande família por interesses
específicos.

Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) ainda destacam que Os tipos e as condições em que as
relações acontecem juntamente com o meio natural e sobrenatural também influenciam a qualidade
de vida, pois os:
Povos que vivem em terras mais extensas e abundantes em recursos naturais têm a possibilidade de
uma vida mais rica, baseada em valores como a solidariedade, a reciprocidade e a generosidade, ao
passo que os povos que ocupam terras reduzidas, com recursos naturais escassos, vivem conflitos
internos maiores, o que dificulta muitas vezes as práticas tradicionais de reciprocidade e o espírito
comunitário e coletivo. Ressalta-se que a compreensão sobre o mundo natural e sobrenatural é
baseada nos conhecimentos tradicionais. Isso significa dizer que a vida social — os ritos (como o
casamento, por exemplo) e a cura de doenças com a utilização de plantas e minerais — estão sob a
orientação desses conhecimentos (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 23).

A autoras acima citadas mostram que de forma oposta aos objetivos das práticas e políticas,
ora mais ora menos explícitas de aniquilamento cultural e/ou físico, historicamente estabelecidas
aos grupos indígenas no Brasil, os povos indígenas estão em fase de um significativo crescimento
demográfico, já que:
É importante lembrar que o projeto europeu, em nada pacifico, de extermínio e ocupação das terras
indígenas apresenta linhas de continuidade que colocam em permanente risco e discussão a efeti-
vação do direito a demarcação de terras concedidas aos grupos indígenas. Há ainda a situação dos
índios urbanos que só muito recentemente começam & ser incluídos nas pautas de discussões e de
interesse do movimento indígena e indigenista. Na educação, a atuação política tem se pautado na
diferenciação de educação indígena e educação escolar indígena. Essas diferenças apresentam mu-
danças metodológicas e políticas de se compreender a função da educação. Nas escolas indígenas,
há opção por se ensinar a língua matriz da comunidade na qual ela está inserida e o português, como
segunda língua (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 23).

20
Com essas reflexões e o entendimento da multiplicidade dos povos indígenas do
Brasil, vale relembrar que cada povo indígena no Brasil que têm características
específicas, tais como: tradições, formas de disposição social, valores simbólicos,
conhecimentos e processos de construção de saberes e fazeres com uma própria
maneira de transmissão cultural para as suas futuras gerações.

Nesse sentido, gostaria de levantar mais uma pergunta para podermos refletir:

Com toda essa multiplicidade como é que os povos indígenas se deparam com
a escola? Será que eles se apropriam da instituição escola, atribuindo a essa uma
identidade e função peculiares?

Essas são boas perguntas para podemos nortear nossas reflexões e para ampliar ainda mais vamos
continuar a nos apoiar em Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) quando mostram que:
A educação escolar oferecida aos povos indígenas, inicialmente, está intrinsecamente relacionada ao
projeto de catequese missionária brasileira. A implantação das primeiras escolas nas comunidades
indígenas no Brasil é contemporânea a consolidação do empreendimento colonial. A dominação
política dos povos nativos, a invasão de suas terras, a destruição de suas riquezas e a extinção de suas
culturas têm sido, desde o século XVI, o resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos
de controle político a algum tipo de atividade escolar civilizatória. A educação indígena no Brasil
Colônia foi promovida por missionários, principalmente jesuítas, por delegação explícita da Coroa
Portuguesa, e instituída por instrumentos oficiais, como as Cartas Régias e os Regimentos (CRUZ,
RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 24).

Essas autoras ainda destacam que a educação escolar oferecida aos indígenas desde a chegada dos
portugueses no Brasil sempre teve como norte a integração do índio à sociedade nacional, sem res-
peito às diferenças culturais e linguísticas. Era uma proposta de ensino pautada nos valores da cultura
dos homens brancos para os índios. Isso quer dizer que a escola servia como um aparato para o
branco ensinar os índios a serem e viverem como brancos.

O fato de a escola servir como um aparato para o branco ensinar os índios a


serem e viverem como brancos não seria um dos pontos que implicaram em
uma imensa perda e invasão das culturas dos índios que tiveram contatos com
os homens branco?

21
Dessa forma, a escola pode se tornar um instrumento de luta, de fortalecimento
das culturas e das identidades indígenas. Portanto, vejamos alguns instrumentos
importantes que orientam a ação atual:
- Decreto nº 26, de 4 de fevereiro de 1991 (BRASIL, 2011e), que transfere da Fu-
nai para o Ministério da Educação (MEC) a responsabilidade de coordenação das
ações de educação escolar indígena e aos estados e municípios a sua execução.
- As “Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena” publicadas
pelo MEC em 1994 (BRASIL, 2011f).
- A Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRAS|L 2011b).
- Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL,
201tg)): capítulo sobre Educação Escolar Indígena.
- Resolução CES nº 3, de 5 de outubro de 1999, do Conselho Nacional de Edu-
cação (BRASIL, 2011h).
- Criação, em 2004, da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI),
vinculada ao MEC, composta por dez representantes de organizações de profes-
sores indígenas, quatro representantes de organizações indígenas regionais e a
representação indígena no Conselho Nacional de Educação.
- Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulga a Convenção nº 169
da OIT (BRASIL, 2011i).

Um dos desdobramentos desses novos instrumentos jurídicos ocorreu na


esfera administrativa e corresponde à criação de núcleos, secretarias e con-
selhos estaduais e municipais de educação escolar indígena em várias regiões
do país.

Nesse sentido, Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) afirmam que se os instrumentos a disposi-
ção são inegavelmente mais adequados que se viu anteriormente, eles mereceriam ainda o aprimo-
ramento nas garantias de controle e na participação efetiva dos sujeitos indígenas no planejamento,
na execução e na gestão dos novos programas de educação indígena em escolas.
Como destaca Luciano (2006) se faz importante analisar os dados do Censo Escolar Indíge-
na de 2005, que foram divulgados pelo MEC em fevereiro de 2006 e que denotam que atualmente
existem 2.324 escolas indígenas de Ensino Fundamental e Médio, as quais atendem a 164 mil estu-
dantes indígenas. Entretanto, apenas 72 dessas escolas têm o Ensino Médio.

22
Mas uma informação importante é que segundo estimativa da Funai apresentada
no Seminário Nacional sobre Ensino, a grande maioria das escolas divulgadas não
trabalham com os princípios da educação escolar indígena específica e diferen-
ciada e dos 164 mil estudantes indígenas que frequentam o Ensino Fundamental
e Médio, 63,8% cursam as séries iniciais do Ensino Fundamental e apenas 2,9%
chegam ao Ensino Médio.

Segundo Luciano (2006) a Funai estima que, segundo o Seminário Nacional sobre Ensino Su-
perior Indígena realizado em Brasília no ano de 2005, atualmente mais de 2.000 estudantes indígenas
já ingressaram no Ensino Superior. Esse mesmo pesquisador mostra que o Ensino Fundamental foi
o que mais se desenvolveu, pois observou-se por um aumento de estudantes de 40% entre os anos
de 2002 e 2005. Nesse sentido, apesar do número reduzido de escolas e estudantes indígenas no
Ensino Médio, também entre os anos de 2002 e 2005 percebemos pelo crescimento de 300% no
número de escolas de Ensino Médio, ou seja, de 18 para 72 escolas (LUCIANO, 2006).
Apesar da preocupação da população indígena em construir suas próprias escolas, Cruz,
Rodrigues e Barbosa (2011) destacam que para que sirvam como um espaço de reafirmação das
identidades e de construção permanente de autonomia de seu povo, a cada nível de ensino ob-
serva-se pela redução do número de instituições escolares indígenas, o que leva esses estudantes a
frequentarem instituições regulares de ensino. Nesse sentido, podemos compreender que há uma
ruptura muito grande, pois, de modo geral, esses espaços desconsideram a cultura e os valores in-
dígenas e para contemplar as especificidades desse povo, os sistemas de ensino regular precisariam
rever alguns pontos como a formação inicial e continuada de professores(as), o currículo, os mate-
riais didáticos, assim como determina a Lei nº 11.645/2008 (BRASIL, 2011d).
Entretanto, embora se reconheçam avanços quantitativos da oferta de ensino escolar, Cruz,
Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que:
(...) estes não têm sido acompanhados, segundo o autor, pela qualidade e pela especificidade que
as comunidades e os povos indígenas desejam, seja no que concerne a infraestrutura e ao material
didático, seja quanto ao assessoramento e ao apoio técnico e pedagógico específicos para a formu-
lação e a implementação de processos político-pedagógicos por eles requeridos e garantidos pela
Constituição Federal e por outras leis regulamentares do país (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA,
2011, p. 24).
Luciano, (2006) chama a atenção para que, em grande medida, o crescimento da oferta,
em primeiro instância, está ligado à tendência permanente e crescente dos povos indígenas, cada
vez mais organizados e articulados, e à obrigatoriedade estabelecida pelas leis implementadas nos
últimos anos para todo o Brasil, como é o caso da universalização da educação básica.
23
III Unidade III -
Os Índios no Brasil

Objetivos da Unidade
Objetivo geral
Examinar as marcas e a presença dos negros na história brasileira
até os dias atuais e o papel da educação para a mobilidade social
dessa população;

Objetivos específicos
Explicar a evolução histórica dos negros na história brasileira.
Compor conceitos sobre a educação como elemento de mobili-
zação e como o principal instrumento de mobilidade social para a
população negra.
Unidade III
3. Introdução da Unidade

Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que a história dos negros no Brasil é frequente-
mente compreendida por relações de dominação e subordinação devido ao nosso passado escravis-
ta. Esses autoras afirmam que há de se esquecer dessa época e é verdade também que a história de
africanos(as) no Brasil começa com o sequestro de milhares de negros(as) na condição de escravos.
Gilroy (2001) mostra que o período que conhecemos como modernidade tem sido redimensiona-
do pela associação com o período da escravidão negra nas Américas, pois:
A ideia de modernidade associada aos pressupostos da razão ocidental tem sua trajetória
atrelada a escravização de milhares de africanos(as). Parte desse processo foi amplamente construí-
do como ciência produzida nas academias ocidentais e divulgada como ação necessária para a busca
do progresso (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 16).
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) destacam que essa “ciência” debruçou-se em decifrar e
classificar os grupos humanos com o objetivo de explicar as invasões, as destruições em massa, os
genocídios em vários períodos históricos, bem como a escravização negra e indígena nas Américas.
Assim, refletiremos nesta unidade sobre essas áreas de conhecimentos que também se utilizaram
largamente do conceito de raça baseado em aspectos biológicos, marcando as características físicas
específicas das populações por raças.

3.1. As Marcas e a Presença dos Negros na História Brasileira

Luciano (2006) destaca que o imaginário social sobre os povos indígenas tem influência so-
bre a interpretação das populações negras no Brasil.
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) nos mostram que espaços que remontam ao nosso passa-
do escravista são os chamados quilombos brasileiros e são conhecidos como territórios construídos
por negros e negras escravizados que fugiam das fazendas e se organizavam em comunidades dentro
do regime escravista. Destaca-se que:

(...) os negros trazidos ao Brasil na condição de escravos, carregam seus conhecimentos


relativos à medicina, nutrição, agricultura, construção e mineração. Os espaços de qui-
lombos constituíram-se também como lugar de resistência ao regime escravista e de uma
nova ordem social, econômica e cultural. Além de negros(as) que saiam do regime, os
quilombos também abrigavam aqueles que não faziam parte da ordem social dos séculos
XVII ao XIX. Os quilombos tornaram-se espaços de produções sociais que se constituíam
de maneira diferente - a divisão das tarefas, o espaço como sagrado, Essa visão nos ajuda a
compreender de que maneira os negros se apropriavam desses lugares e produziam novas
culturas, recriando o sagrado das culturas africanas trazidas forçadamente pelos povos da
África (CRUZ, RODRIGUES E BARBOSA, 2011, p. 24).

25
Os quilombos configuraram-se em sítios geográficos em áreas urbanas e
rurais espalhados por grande parte do Brasil. Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011)
ainda mostram que o conceito contemporâneo de quilombo relaciona-se com
as comunidades negras rurais ligadas por laços de parentesco; em sua maioria,
vivem de uma economia de subsistência, recriando as tradições africanas de reli-
giosidade, história, língua e identidades.
As mulheres, nesse contexto social desempenharam um papel singular
na luta das comunidades quilombolas, participaram ativamente nas lutas das re-
voltas regenciais no Maranhão, em 1838, dentre elas a Balaiada. Na história dos
quilombos, podemos destacar os seguintes:

Povos Kalungas: viviam na região da Chapada dos Veadeiros, norte do estado


de Goiás.

Quilombo de Palmares: situado na Serra da Barriga, entre Alagoas e Pernam-


buco, onde se travou uma das maiores lutas de nossa história que, após vários
embates, culminou com a queda de Palmares.

No ano de 2003, por meio da Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2011a), o dia 20


de novembro (dia da morte de Zumbi, maior líder do levante de resistência dos
Palmares) foi incluído no calendário escolar como Dia Nacional da Consciência
Negra.

Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) denotam que geralmente as leituras feitas por intelectuais
sobre a presença dos negros no período escravagista brasileiro são indicadas pela visão idílica de
uma escravização mais “branda” dos portugueses. Além disso, essas autoras mostram que a mis-
cigenação fora uma prática bem aceita entre os grupos, pois essas acepções, embora tenham sido
deslindadas por pesquisas no campo da história, da sociologia e da antropologia como falaciosas,
mantêm ainda resquícios em algumas interpretações teóricas no que toca a dinâmica das relações
étnico-raciais brasileiras (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
Ainda essas autoras nos mostram que, na atualidade, o conceito de raça não tem qualquer
fundamento biológico, tal como concebemos aqui neste material desde o seu início. Assim, quando
utilizamos esse termo, precisamos, tal como faz a população negra, de o ressignificar. Uma ressignifi-

26
cação que contempla uma função política e ideológica, por compreender que é pela raça que negros
e negras são vistos no mundo social, ou seja, o uso do conceito de raça reveste-se de uma escolha
política.
A identificação racial tem uma materialidade no campo social, já que como destaca Gomes
(2005):
(...) aprendemos a ver uma cor, um traço físico, que nos informa uma história, uma simbo-
logia, de modo que aprendemos a ver negros e brancos como diferentes na forma como
somos educados e socializados a ponto de estas diferenças serem introjetadas em nossa
forma de ser e ver o outro, na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas (2005,
p. 49).

Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) afirmam que os relatos de que os índios eram ingênuos,
ou seja, tinham salvação, e que, portanto, deveriam ser educados, colonizados, e de que os negros
não tinham alma e, portanto, só poderiam contribuir como escravos foram legitimadas pelas corren-
tes ”científicas” da época, e ao lado de instituições como a Igreja Católica legitimaram a dinâmica da
escravidão no Brasil.

Após tais afirmações, gostaria de perguntar neste momento de nossa


leitura aqui: O conhecimento produzidos por certas áreas de saberes, mesmo
embasadas em conhecimentos científicos (ainda que equivocados) justificam as
práticas da escravização no passado?

Ainda Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que, na independência política brasileira
em 1822, o Brasil escolheu dar continuidade ao regime escravista, abolindo formalmente a popula-
ção na condição de escrava somente em 1888. Assim, esse fato é importante, pois:

(...) a independência política dita os rumos dessa nova nação: um país que se quer livre,
mas que mantém o regime escravista. Ao longo de nossa história, as populações negras
no Brasil organizaram-se em busca de desenvolvimento social. Desde o período escravo-
crata, destacam-se as organizações negras que lutavam contra o sistema estabelecido: as
irmandades religiosas, as comunidades quilombolas e, contemporaneamente, as organiza-
ções do movimento negro que são exemplos dessas organizações (CRUZ, RODRIGUES
e BARBOSA, 2011, p. 17).

A população negra superava quantitativamente a população branca, no final


do século XIX. Com tal fato, o governo brasileiro de então, com receio desse
crescimento, incentivou e financiou a vinda de imigrantes de origem europeia e
branca, visando ao embranquecimento da população em poucos séculos. Houve,
portanto, um financiamento da imigração de europeus para o Brasil, incluindo a
doação de terras e supervalorização de suas culturas para se fixarem definitiva-
mente em nosso país.
27
Então, há de se compreender que o termo embranquecimento diz respeito às políticas
adotadas pelo Estado brasileiro para aumentar o número de brancos e consequentemente reprimir
o aumento da população negra. Nesse sentido, podemos compreender que como destacam Cruz,
Rodrigues e Barbosa (2011):
A ideologia que sustenta o “embranquecimento” é por demais extensa, cabendo
aqui salientar a particularidade do racismo brasileiro ao tomar essas medidas como ação de
Estado e ao incorporar as simbologias que regiam o universo cromático associado ao de-
senvolvimento intelectual de negros a brancos. Os negros comporiam a base da pirâmide,
como os menos desenvolvidos, e os brancos ocupariam o topo, de modo que os mestiços
ficavam no intermédio. Porém, o que marca a especificidade brasileira é a interpretação de
que a mestiçagem não degeneraria o branco, mas sim purificaria o negro (p.18).

Nesse sentido, Hofbauer (2003) destaca que as ações de imigração de pessoas oriundas da
Europa nessa época se mostravam marcadas pelas ideologias do racismo científico e pela concepção
de que o progresso e a modernização somente seriam plenamente atingidos com o embranqueci-
mento da nação.
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram-nos que a passagem do século XIX para o XX
é, portanto, marcada por um projeto de institucionalização das noções que orientavam as ciências
da época. Os intelectuais brasileiros viam nessas correntes científicas a salvação do suposto fracasso
ao qual estaria relegada a população brasileira, pela presença de uma população miscigenada. Tais
ideias fomentaram as ações conhecidas como embranquecimento da população brasileira.
Dávlla (2006) destaca, portanto, que a educação foi um dos caminhos pelos quais essas
noções ganharam respaldo e a escola foi palco de experimento dessas teorias, já que o crescimento
de europeus imigrando para o Brasil e a contínua miscigenação deixou os eugenistas brasileiros con-
fiantes de que o país estaria embranquecendo com sucesso e em pouco tempo.

Charles Darwin, com a publicação de “A origem das Espécies”, em 1859,


desenvolveu o termo evolução e a ideia do sucesso dos mais “aptos e fortes”.
Francis Galton (1865), sobrinho e discípulo de Darwin, adaptou a teoria à aná-
lise com seres humanos e criou o termo “eugenia”, que significa “bem nasci-
do”, segundo a qual a seleção natural poderia ser aplicada à humanidade. Esse
pensamento, focado na linearidade e no progresso dos povos e das nações,
conquistou amplo espaço em diversas áreas de conhecimento e foi adaptado à
educação: pela escolarização, os mais aptos iriam alcançar o sucesso e se adaptar
à sociedade, sem as mazelas que acometiam os grupos classificados como subde-
senvolvidos, dentre eles os negros e índios (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA,
2011).

28
Ainda as autoras supracitadas mostram que com o fim da imigração europeia massiva na dé-
cada de 1910, a preocupação com a miscigenação e o futuro racial do Brasil reapareceu juntamente
com os limites e as consequências das soluções racialistas nos Estados Unidos e, posteriormente, na
Alemanha. Havia, portanto, no Brasil, uma forte tensão em decorrência de uma busca pela identida-
de nacional com a preocupação de que o brasileiro pudesse ter as características de povos “dege-
nerados”.
O antropólogo Gilberto Freyre (2005), nesse sentido, publicou em 1933 o texto “Casa
Grande e Senzala” e que atende a essa preocupação, pois ela subverte a imagem negativa da mistura
“racial”. Esse texto transforma a presença dos negros no Brasil em atributo da construção nacional,
o que implica o fato da: miscigenação tornar-se um dos pontos centrais da identidade nacional do
Brasil. Assim, Freyre retoma a temática racial, operando a passagem do conceito de raça na esfera
biológica para a cultural. Sua obra torna-se símbolo da busca por uma identidade nacional, por tra-
zer e desenvolver a ideia de democracia racial. Nesse sentido, a leitura freyriana nessa obra recria
a origem histórica da miscigenação para afirmar que tal fato teria diminuído a distância entre a casa
grande e a senzala, contrariando a aristocratização resultante da monocultura latifundiária e escravo-
crata (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011).
Segundo Munanga (1999), Freyre argumentava que a sociedade brasileira estava liberta do
racismo que assolava o resto do mundo, a partir da noção de que o sistema escravagista e as rela-
ções raciais tinham sido mais brandos e portanto era benévolo no Brasil, em comparação a outros
países como os Estados Unidos, estabelecendo uma nova ideologia nacional. Cruz, Rodrigues e Bar-
bosa (2011) mostram que Freyre caracterizou a vasta família patriarcal dos latifúndios escravagistas
dos séculos XVI e XVII como um caldeirão de mistura inter-racial que harmonizou diferenças, diluiu
conflitos e possibilitou uma assimilação extraordinária.

com essa concepção, podemos compreender o entendimento de que


um novo povo brasileiro estava sendo constituído e que a mistura de raças pro-
duziu uma unidade de opostos entre os estoques raciais, incluindo os senhores
brancos e os escravos negros.

Nesse sentido, Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que o chamado mito da demo-
cracia racial, baseado em uma dupla mestiçagem, biológica e cultural, entre as três raças originárias
(negro, índio, branco), teve, e tem, uma penetração muito profunda na sociedade brasileira. Portan-
to, ao destacar a concepção de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas
sociais e grupos étnicos e assim permitir às elites dominantes dissimular as desigualdades, impede-se
que os membros das comunidades não brancas tivessem consciência dos sutis mecanismos de ex-
clusão da qual são vítimas na sociedade (MUNANGA, 1999).
Ainda nos apoiando em Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011), vale destacar que essa ideologia
da democracia racial encobre os conflitos raciais, pois: “permite a todos se reconhecerem como bra-
29
sileiros. Freyre, ao deixar de tratar das relações assimétricas de poder entre senhores e escravos das
quais surgiram os primeiros mestiços, concretizou na ideologia da democracia racial o nacionalismo
necessário à modernização e à formação do Estado Nacional” (p. 19).
De acordo com Hanchard (2001) apud Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011), desde a publica-
ção original de Freyre até meados ou final da década de 1970, a democracia racial fixou-se na ciência
social e nas visões legais das relações raciais no Brasil. Isso, portanto, gerou a incapacidade de muitos
cidadãos brasileiros de identificar quaisquer problemas raciais, pois foi durante o governo militar que
o conceito de democracia racial se solidificou, já que:

Os governos militares, além de promovê-la como dogma e elemento fundamental na


construção da identidade nacional a época, reprimiram qualquer sinal de organização do
movimento negro, exilando alguns de seus ativistas, como o caso de Abdias do Nascimen-
to em 1968 (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p. 19).

Com as palavras das autoras acima citadas podemos entender, portanto,


que a concepção de democracia racial carrega consigo a negação absoluta da
diferença racial ou étnica, ou seja, concebe uma avaliação negativa de qualquer
diferença e sugere, no limite, um ideal implícito de homogeneização cultural.
A partir da década de 1950, a crença da existência de uma democracia
racial no Brasil começou a ser rebatida por pesquisadores brasileiros. A repu-
tação internacional de o país ter equacionado de forma harmoniosa a questão
racial suscitou o interesse da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) em realizar estudos para compreender a especifi-
cidade e os resultados da democracia racial (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA,
2011).

Florestan Fernandes, um dos principais pesquisadores do projeto Unesco


no Brasil, levantou conclusões que derrubaram a ideia da existência de uma de-
mocracia racial no Brasil. Esse importante pesquisador concluiu que o preconcei-
to, resquício da herança escravocrata racial no Brasil, era muito difundido. E que
nos mostra que a desagregação do regime servil engendrou a ausência de políti-
cas de integração dos ex-escravos às novas naturezas de trabalho, condicionando
as pessoas negras em uma posição marginalizada no aspecto social, econômico,
político e cultural. Em suma, acabou por atrapalhar o estabelecer dessas pessoas
como plenos cidadãos.
Bastos (1991) nos indica que as conclusões levantadas por Florestan Fer-
nandes sugeriram que o preconceito racial atuava como um componente de

30
manutenção da ordem no Brasil. Nesse sentido, evidenciaram a natureza marginalizada
dos negros, a ausência de uma proletarização gradativa e ao despreparo dessas pessoas
para a nova ordem econômica.
Hanchard (2001) mostra, contudo, que na década de 1970 tivemos no Brasil,
produzida principalmente por estudiosos que investigavam as desigualdades raciais a
partir de dados censitários e estudos quantitativos, uma terceira geração da bibliografia
sobre as relações raciais. Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) mostram que essa tendên-
cia mais recente representou uma nova tentativa de desvelar o mito da democracia
racial.
Esse intento foi engendrado principalmente por autores como Nelson do Valle
Silva e Carlos Hasenbalg, os quais evidenciaram que a desigualdade social proporciona-
va um elemento racial.

diferente de Fernandes, Hasenbalg (1979) concluiu que preconceito e discri-


minação sofreram alterações após a abolição da escravidão, ou seja, adquiriram,
na estrutura social capitalista de então, novas funções e significados. Esse autor
ainda considerou que manifestações racistas do grupo racial dominante foram e
são relacionadas a bens simbólicos pertencentes a apenas os brancos no que diz
respeito à competição com os negros na realidade profissional, o que ocasionou
em uma desqualificação dos negros.
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) destacam que as contestações a esse
paradigma dominante acentuam-se com a atuação do movimento negro a partir
da década de 1970, pois foi quando este adotou:

(...) uma estratégia mais politizada de denúncia aberta à discriminação


racial e ao racismo na sociedade brasileira. A atuação do movimento
negro registrou a concordância entre intelectuais negros de que a
raça se constituía em um conceito organizador das relações sociais no
Brasil, obstaculizando o avanço socioeconômico da população negra,
a qual se encontrava sob péssimas condições de vida. A luta do movi-
mento negro contemporâneo, ao identificar na integração subalterna
da população afrodescendente o principal indicador da persistência
da discriminação racial e do racismo, tem enfatizado que a preser-
vação de sua identidade étnica e a construção de uma sociedade
plurirracial e pluricultural, na qual pretos e pardos possam, como
negros, 11 solidarizar-se sem ver suas conquistas drenadas pela es-
trutura na qual o racismo se reproduz, passam necessariamente pela
desfolclorização da cultura e pelo reconhecimento do legado africano
31
para construção do Brasil. É por esse âmbito que se pautam a insistência
e a persistência das diferentes gerações de militantes negros sobre o papel
fundamental da educação (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p. 21).

Uma série de trabalhos científicos calcados em pesquisas estatísticas do IBGE foi


realizada no final dos anos 1970. Nesse contexto e segundo Carlos Hasenbalg (1979),
a população negra brasileira se mostrou economicamente desprivilegiada pelo determi-
nante cor, o que demonstra uma forte presença de desigualdades em nosso país. Nesse
sentido Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) destacam que:

A situação da população negra é evidenciada por dados estatísticos, a qual


os movimentos sociais negros denunciavam há muito tempo. No que diz
respeito à educação, as consequências da discriminação e do preconceito
são enormes, não faltam estatísticas que comprovam que a escola produz o
racismo e que este incide de forma diferenciada em crianças negras e bran-
cas, meninos e meninas. De toda maneira, embora não faltem dados, exis-
tem ainda poucas análises sérias que tomem como pressuposto a influência
da escola e de seus sistemas nos resultados desiguais de negros e brancos,
mesmo em situações iguais de escolarização e acesso à escola, e mesmo
poucas pesquisas que busquem os rastros de tais números em nossa história
e nos movimentos de negros e brancos (p. 21).

Na atualidade da educação no Brasil os educadores têm formação no que diz


respeito às questões étnico-raciais, nos conteúdos referentes à educação indígena
e afro-brasileira?

Não obstante a essa questão, há de se considerar que o Ministério da Educação, por meio da
Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), tem desenvolvido ações
para garantir a educação das comunidades quilombolas. Temos por volta de 50.000 alunos matricu-
lados em 364 escolas em áreas remanescentes de quilombos, com 62% na região nordeste. As co-
munidades quilombolas se esforçam até a atualidade para serem consideradas donas de suas terras
e garantirem, pela educação e pela formação de professores, que os saberes e fazeres desenvolvidos
por essas comunidades sejam trabalhados em salas de aula (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA,
2011).
Ainda as autoras acima citadas mostram que após 120 anos de abolição que pode ser con-
siderada como algo incompleto, ou seja, em nossa atualidade, os dados mostram que a população
negra continua alijada desse processo, não sentando nos bancos escolares, ganhando menos em
32
relação às pessoas brancas e sendo ainda vítimas de um racismo estrutural que impede o acesso
econômico e social, pois:

(...) vemos um aumento significativo da parcela da população negra, o que indica que mais
pessoas passaram a se autodeclarar pretos e pardos. Paralelo a isso, as políticas públicas
para a população negra, 0 maior número de negros(as) na mídia e as políticas na educação
têm alterado a posição das pessoas negras em relação à autoidentificação. Nesse sentido
também tem aumentado o debate sobre nossas relações étnico-raciais, mostrando que
não somos uma democracia racial como se pensa ainda o social coletivo (CRUZ, RODRI-
GUES e BARBOSA, 2011 p. 22).

Pinto (1993) mostra que no final da década de 1970, o destaque na questão educacional
dada pelo movimento negro estava focada na denúncia do ideal de branqueamentos implícito nos
livros didáticos e nas escolas. Esse autor ainda mostra que além disso, também estava na omissão
dos conteúdos escolares, no enfoque que a história dá ao negro, ao seu modo de ser e às suas
habilidades, na tendência em enfatizar a sua docilidade, esquecendo-se de todo o movimento de
resistência e omissão dos interesses subjacentes à Abolição.
Podemos também destacar a resistência à discriminação racial expressa na limitação do aces-
so à educação e permanência na escola, sobretudo aos negros, pois:

(...) uma vez que a proporção de negros é maior nos índices de analfabetismo, de exclusão
e de repetência escolar. A escola é apontada como ambiente indiferente aos problemas
enfrentados pela criança negra e à sua particularidade cultural ao transmitir acriticamente
conteúdos que folclorizam a produção cultural da população negra, valorizando uma ho-
mogeneidade construída a partir de um mito (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p.
28).
As autoras acima citadas ainda chama a atenção que a partir da acima descrita, o movimento
negro passou a exigir do sistema educacional formal o reconhecimento e a valorização da história
dos descendentes de africanos e o respeito à diversidade, identificando na educação a possibilidade
de se construir uma identidade negra positiva.

Essa questão é retomada e discutida em encontros, congressos e simpósios organizados,


promovidos ou apoiados pelo movimento negro e que têm a questão educacional como
tema gerador. São exemplos: Encontro Nacional de Militantes Negros, Uberaba, 1984;
Seminário O Negro e a Educação, realizado em dezembro de 1986 e organizado pela
Fundação Carlos Chagas e pelo Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comu-
nidade Negra-SP; Seminário Educação e Discriminação de Negros, Belo Horizonte, 1987;
Encontros Estaduais e Regionais das Entidades Negras, realizados em diversos Estados, no
final da década de 1980, culminando com o 1º Encontro Nacional das Entidades Negras,
realizado em São Paulo, em 1991 (CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p. 28).

Essas atoras, por meio de uma leitura analítica parcial dos anais e de trabalhos realizados a
partir desses encontros, concluíram que é possível agrupar seus conteúdos em três aspectos que são

33
comuns nos eventos:

Batista (1988) mostra que a centralidade da educação como elemento de mobilização é


reafirmada a partir da concepção de que a educação é compreendida como a base sobre a qual se
estrutura a forma de pensar e agir de um povo; é o que expressa a fala do militante João Batista, no
VI” Encontro dos Negros do Norte e Nordeste:

A educação não está relacionada apenas à mobilidade social, não é só história, é todo
um processo de formação do individuo. Romper com um padrão educacional branco e
europeu é a possibilidade de reeducar para o conhecimento de nossa história, de nossa

34
realidade cultural (BATISTA, 1988, p. 12).

Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) nos mostram que o segundo aspecto, a denúncia e o
diagnóstico da situação educacional dos negros, apoia-se principalmente no número crescente de
trabalhos desenvolvidos por pesquisadores, que evidenciam a existência de desigualdades educacio-
nais observadas entre os segmentos raciais.

Os resultados concretos apresentados nessas pesquisas são elementos que se acrescentam
à denúncia perene do movimento negro sobre a questão; denúncia que compreende as
disparidades apresentadas pelos indicadores educacionais, ou seja, a estrutura excludente
da escola, a discriminação racial enfrentada pelos alunos na sua dimensão simbólica e a
desconsideração por sua identidade racial expressa na folclorização da produção cultural
negra, na omissão da história da população negra, no conteúdo racista dos livros didáticos
e de literatura infantil e na ausência e despreparo dos professores, que se configura no
desconhecimento dessa realidade e na ratificação de estereótipos (CRUZ, RODRIGUES e
BARBOSA, 2011 p. 29).

Esse conjunto de críticas e constatações é que fundamenta, segundo as autoras acima citadas,
a necessidade de formulação de uma política educacional que reconheça e não tente simplesmente
assimilar o diferente, pois segundo Lopes (1987), isso dificulta a constituição de uma identidade ne-
gra numa sociedade que nega sua existência e diz que para o negro existir ele tem de ser branco.

O terceiro aspecto característico desses momentos de discussão é a apresentação de pro-
postas, de práticas alternativas, que muitas vezes se originam de experiências educacionais
no âmbito das organizações negras. São experiências que visam resgatar a história e as
manifestações culturais da raça negra, propostas alternativas de ensino e de conscientização
da comunidade escolar sobre a produção e reprodução do preconceito racial. (CRUZ,
RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p. 30).

Exemplos

São exemplos disso: Projeto Zumbi dos Palmares, Estação Primeira de Mangueira e Esco-
la de Samba, no Rio de Janeiro; Escola Aberta do Calabar, Pedagogia lnterétnica, Afoxés llê Ayê,
Araketu, Olodum, na Bahia, além das organizações não governamentais e núcleos universitários que
fomentaram experiências desenvolvidas com secretarias de educação e escolas.
Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) nos mostra que a partir da discussão e análise dos re-
sultados dessas experiências, ainda isoladas, o movimento negro começou a demandar do sistema
educacional uma atenção especial que se plasma nas propostas de obrigatoriedade do ensino de
História da África e História do Negro no Brasil nas escolas, com a garantia de que esse tema seja
considerado e discutido nos cursos de formação de professores, assim como na elaboração de no-

35
vos materiais didáticos — questões discutidas no VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, no
Recife (1987).

Enfatizou-se também a necessidade de aumentar o acesso dos negros em todos os níveis


educacionais, e de criar, sob a forma de bolsas, condições de permanência das crianças e
dos jovens negros no sistema de ensino. Da denúncia da escola como instituição reprodu-
tora do racismo à concretização de propostas e reconhecimento da produção cultural ne-
gra, o movimento ressalta que repensar a educação passa, necessariamente, por repensar
o papel que a raça ocupa na construção da sociedade brasileira e que a educação só pode
criar pontos de identificação para a criança negra com a recuperação da história do negro
(CRUZ, RODRIGUES e BARBOSA, 2011 p. 30).

Essa preocupação da defesa de uma identidade étnico-racial encontra-se


na maneira de considerar as personalidades e os acontecimentos históricos:

Não obstante a essas datas, Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) denotam que;

(...) a partir da década de 1980 a ação do movimento negro


tornou-se mais propositiva ao exigir do Estado, nos vários níveis
administrativos, resoluções concretas para a situação da popula-
ção negra. No caso da Constituição Federal de 1988, pudemos
perceber algumas conquistas importantes como a criminalização
do racismo, que se deu inclusive pela possibilidade de participação
do movimento negro na Assembleia Nacional Constituinte e pelo
importante papel desempenhado por deputados interlocutores e
representantes desse movimento, e o direito das comunidades qui-
lombolas a terem seus territórios reconhecidos e assegurados. O
final da década de 1990 e os anos 2000 marcam uma reorientação
política relacionada à educação das relações étnico-raciais, com as
Políticas de Ação Afirmativa e a promulgação da Lei 10.639/2003
(p. 30).

36
Caldados nessas autoras, podemos concluir que, a escola tem papel im-
portante como espaço social para construção de identidades, de relações entre
diferentes operações de construção ideológicas e estereotipadas, e se mostra
como espaço privilegiado para mudanças em torno de uma educação que res-
peite a diversidade, não só étnico-racial, mas sobretudo frente às diferenças so-
ciais/econômicas inerentes à realidade Brasileira (CRUZ, RODRIGUES e BAR-
BOSA, 2011).

37
IV Unidade IV -
Educação do Campo

Objetivos da Unidade
Objetivo geral
Compreender e distinguir os conceitos de Educação Rural e Educação
do Campo

Objetivos específicos
Conjugar a evolução histórica da educação desenvolvida no meio rural
até os dias atuais
Examinar as características e especificidades da Educação do Campo
na atulaidade
Unidade IV
4. Introdução

As políticas públicas para a educação no Brasil historicamente aborda o problema para a


educação das pessoas que vivem no meio rural tendo em vista apenas o aspecto da localização ge-
ográfica das escolas e da baixa densidade populacional nas regiões rurais. Um aspecto que implicava
fundamentalmente na característica de se percorrer grandes distâncias entre casa e escola pelos
sujeitos envolvidos no processo educacional e o atendimento de um número reduzido de alunos.
Tais fatores se mostram com consequências diretas nos custos para o custeamento do chamado
Educação Rural.
Nessa perspectiva é que vamos refletir sobre alguns importantes aspectos dessa modalidade
de educação na atualidade de nosso país.

4.1. Histórico breve da Educação no Campo

Para nos situarmos frente à histórica da Educação no Campo no Brasil precisamos compre-
ender que inicialmente essa se desenvolveu sob o modelo escravocrata utilizado por Portugal para
colonizar o Brasil. Mais tarde, esse modelo foi assumido pelos próprios brasileiros para a colonização
do interior do país. Essa colonização se calcou principalmente na ferina exploração pelos donos das
propriedades rurais, uma colonização que se caracterizava no negligenciar sistemático de direitos
trabalhistas e sociais. Vale destacar que esse negligenciar, portanto, acabou por provocar em um
profundo preconceito às pessoas que vivem e trabalham no meio rural e, consequentemente, impli-
cou em uma grande dívida social.
Por outro lado há de se considerar que Henriques et al (2007) nos mostra sobre a suposi-
ção de que o conhecimento “universal”, pois esse se apresenta:

(...) produzido pelo mundo dito civilizado deveria ser estendido – ou imposto - a todos, de
acordo com a “capacidade” de cada um, serviu para escamotear o direito a uma educação
contextualizada, promotora do acesso à cidadania e aos bens econômicos e sociais, que
respeitasse os modos de viver, pensar e produzir dos diferentes povos do campo. Ao invés
disso, se ofereceu, a uma pequena parcela da população rural, uma educação instrumental,
reduzida ao atendimento de necessidades educacionais elementares e ao treinamento de
mão-de-obra (p. 10).

Em 1932 tivemos o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que


almejava um diagnóstico e trazia sugestões para políticas públicas de educação
no sentido de se preconizar a escola democrática, que pudesse promover as
mesmas oportunidades para todos. Um manifesto que almejava pela igualdade
de demandas do meio rural e da cidade.

39
É importante destacar que a separação entre a educação das elites e a das classes populares
não apenas persistiu como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulgadas a
partir de 1942. E essas Leis preconizavam ao objetivo do ensino secundário e normal a missão de
formar as elites condutoras do pais e o do ensino profissional seria oferecer formação adequada
aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que necessitam
ingressar precocemente na força de trabalho.
Henriques et al (2007) ainda mostra que:

(...) na década de 60, a fim de atender aos interesses da elite brasileira, então preocupada
com o crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros urbanos, a
educação rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do fluxo migratório
do campo para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, em
seu art. 105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e enti-
dades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem
ao meio e o estimulo de vocações profissionais (p. 11).

Os autores supracitados também mostram que o mesmo enfoque instrumentalista e de


organização social se mostrou presente na formação de técnicos para as atividades no campo. Na
década de 1960 com a implantação do ensino técnico agropecuário por meio do modelo Escola-
Fazenda observamos que os currículos foram organizados com uma ênfase de educação tecnicista e
que se mostrava contextualizada com o então processo de industrialização do Brasil.
Ribeiro (1993) destaca que neste mesmo período, ocorreu um vigoroso movimento de
educação popular, pois esse foi protagonizado por educadores ligados a universidades, movimentos
religiosos ou partidos políticos de orientação de esquerda. Seu propósito era fomentar a participa-
ção política das camadas populares, inclusive as do campo, e criar alternativas pedagógicas identifica-
das com a cultura e com as necessidades nacionais, em oposição à importação de ideias pedagógicas
alheias à realidade brasileira (RIBEIRO, 1993, p. 171)
Henriques et al (2007) também mostra que em 1964, com o governo militar, as organiza-
ções que tinham como foco a mobilização política da sociedade civil – entre elas o Centro Popular
de Cultura (CPC), criado no ano de 1960 em Recife-PE; os Centros de Cultura Popular (CCP),
criados pela União Nacional dos estudantes em 1961 e o Movimento Eclesial de Base (MEB), órgão
da Confederação Geral dos Bispos do Brasil – sofreram um pesado processo de coerção política e
policial. Uma repressão que resultou na desarticulação e na suspensão de muitas dessas iniciativas,
pois:
Ao mesmo tempo em que reprimiu os movimentos de educação popular, o go- verno
militar, diante da elevada taxa de analfabetismo que o país registrava, buscando atingir
resultados imediatamente mensuráveis, instituiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização –
Mobral, o qual se caracterizou como uma campanha de alfabetização em massa, sem com-
promisso com a escolarização e desvinculada da escola (HENRIQUES et al, 2007, p. 11).

40
Esses mesmos autores mostram que no processo de resistência à ditadura militar, e mais es-
pecificamente em meados da década de 80, as organizações da sociedade civil vinculadas à educação
popular levantaram a educação do campo com um das bandeiras estratégicas para a redemocratiza-
ção do país. Assim, esperava-se constituir uma educação contextualizada com os aspectos culturais,
os direitos sociais e as necessidades específicas do cotidiano das pessoas que viviam no meio rural.
Henriques et al (2007) mostra que:

Nesse ambiente político, aliando mobilização e experimentação pedagógica, passam a atuar


juntos sindicatos de trabalhadores rurais, organizações comunitárias do campo, educadores
ligados à resistência à ditadura militar, partidos políticos de esquerda, sindicatos e associa-
ções de profissionais da educação, setores da igreja católica identificados com a teologia
da libertação e as organizações ligadas à reforma agrária, entre outras. O objetivo era o
estabelecimento de um sistema público de ensino para o campo, baseado no paradigma
pedagógico da educação como elemento de pertencimento cultural (p. 11).

Vale destacar nesse contexto as ações educacionais promovidas pelos


seguintes movimentos e instituições:

Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)


Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
Movimento Eclesial de Base (MEB)

Outras iniciativas populares de organização da educação para o campo são destacadas por Henri-
ques et al (2007):

Escolas Famílias Agrícolas (EFAs)


Casas Familiares Rurais (CFRs)
Centros Fami- liares de Formação por Alternância (CEFAs)

Henriques et al (2007) mostram que essas instituições foram, contudo, espelhadas em mo-
delos franceses e instituídas em nosso país depois de 1969 no Estado do Espírito Santo. Instituições
que combinavam o ensino técnico com os saberes do dia a dia da comunidade rural de forma crítica.

A proposta pedagógica, denominada Pedagogia da Alternância, é operacionalizada a partir


da divisão sistemática do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente
familiar. Esse modelo tem sido estudado e elogiado por grandes educadores brasileiros e
é apontado pelos movimentos sociais como uma das alternativas promissoras para uma

41
Educação do Campo com qualidade (HENRIQUES et al, 2007, p. 12).

Ainda os autores acima citados mostram que foi a partir desse contexto de mobilização so-
cial, a Constituição de 1988 que se consolidou o compromisso do Estado e da sociedade brasileira
em desenvolver a educação para todos, buscando pelo direito ao respeito e a uma educação que
contemplasse as especificidades culturais e regionais. Em complemento, a atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96) estabelece uma base comum a todas as regiões do
país, a ser complementada pelos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino e determina a
adequação da educação e do calendário escolar às peculiaridades da vida rural e de cada região.
Henriques et al (2007) mostra que:

Em 1998, foi criada a “Articulação Nacional por uma Educação do Campo”, entidade supra
-organizacional que passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos
povos do campo em nível nacional. Dentre as conquistas alcançadas por essa Articulação
estão a realização de duas Conferências Nacionais por uma Educação Básica do Campo -
em 1998 e 2004, a instituição pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em 2002; e a instituição do
Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), em 2003 (p. 12).

Para finalizarmos nosso breve histórico não há de deixar de mencionar, em 2004 a criação
pelo Ministério da Educação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Uma secretaria que é vinculada à Coordenação Geral de Educação do Campo e que tem o objetivo
de atender a demanda educacional do campo a partir do reconhecimento de suas necessidades e
singularidades.

4.2. Diferenciando a Educação do Campo da Educação Rural

Em nosso país a Educação do Campo é frequentemente entendida como Educação Rural


ou uma educação direcionada aos sujeitos que vivem o meio rural, algo que entendemos como um
equivoco conceitual.

A Educação do Campo, no entanto, será aqui nesta unidade de nosso guia de estudos en-
tendida como uma ação praticada pela coletividade tendo em vista uma organização social e política
e que objetiva um processo de ensino e aprendizagem em que os aprendentes sejam sempre com-
preendidos de forma contextualizada ao meio em que vivem. Assim, vale destacar que não estamos
nos referindo aqui ao conceito de Educação Rural, ou seja, quando falamos aqui em educação do
campo não estamos nos mencionando a ação educacional que acontece apenas no espaço rural,
pois isso implica no risco da educação ser restringida a um processo educacional descontextualizado
da realidade cotidiana dos sujeitos que habitam o meio rural.

42
A Educação Rural, portanto, aqui é entendida como uma educação que, apesar
de acontecer no meio rural, acaba por ter uma abordagem urbanocêntrica, ou
seja, que não se contextualiza às especificidades e necessidades inerentes aos
sujeitos que vivem no meio rural.

Como vimos até aqui nesta unidade a Educação Rural precisa ser entendida como território
onde ocorreram e nasceram movimentos e lutas sociais que visavam, dentre outras coisas, o reco-
nhecimento do espaço, da terra, do trabalho produtivo, das melhorias e desenvolvimento para o
campo. Lutas que visavam, consequentemente, em mudanças frente à educação ofertada para as
pessoas que vivem no meio rural e que resultaram na necessidade da constituição do conceito que
aqui mostramos e que se denomina por Educação do Campo.
Nesse contexto, há de se destacar o papel do professor de forma contextualizada principal-
mente com o conceito de Educação do Campo, pois essa profissão docente precisa ser discutida e
entendida.
Considera-se no contexto da docência o processo de formação, a rela-
ção teoria-prática e o cotidiano escolar, que se relacionam na atuação docente,
sobretudo nas escolas do campo. Sabe-se que o processo de formação prioriza
o conteúdo teórico e é na realidade escolar que a prática do professor se faz.

No cotidiano escolar do campo, o docente trabalha em uma realidade distinta da escola da


cidade inserida na realidade urbana. Nesse sentido, o professor que atua na escola do campo precisa
desenvolver uma práxis que se calca no currículo que deve se ater às necessidades do alunado e
da comunidade na qual a escola está inserida. Portanto, o fazer docente não pode ser, na escola do
campo, calcado no contexto urbanocêntrico e requer que o professor faça planejamentos e adap-
tações constantes para atender às especificidades dos seus alunos.
Não obstante o professor, para atuar nas escolas do campo, precisa ser multifacetado, já que,
geralmente, trabalha sozinho e assume outros afazeres na manutenção da escola, da merenda, além
do deslocamento por caminhos com acesso difícil e da atenção à comunidade local.
Diante do contexto educacional rural e das necessidades que de lá emergem se inscreve o
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – Procampo,
que é uma iniciativa governamental com a intenção de apoiar a implantação de curso superior de
com formação específica para a docência na Educação do Campo nas escolas rurais, que tem como
premissa um olhar diferenciado para o processo educacional para o campo. Nesse contexto vale
destacar a formulação do Plano Nacional de Formação dos Profissionais da Educação do Campo e

43
que, segundo Henriques et al (2007) se mostra como:

(...) uma demanda histórica dos professores das escolas do campo e uma das prioridades
definidas pelo Grupo Permanente de Trabalho da Educação do Campo (GPT)15. Por essa
razão, está sendo construída pela CGEC/Secad/MEC uma política nacional de formação,
que contempla um sistema nacional articulado e integrado, de formação inicial e continu-
ada de profissionais de Educação do Campo, buscando possibilitar o atendimento efetivo
dessas demandas e a diversidade de sujeitos e contextos presentes nas escolas do campo.
A estratégia de implementação deve estabelecer um processo institucional que aproxime
instituições de ensino, pesquisa e extensão, em especial as Universidades, das redes de
ensino do campo e de suas reais necessidades (p. 12).

Os objetivos gerais deste programa são: Estabelecer uma política na-


cional de formação permanente e específica dos profissionais da Educação do
Campo que possibilite o atendimento efetivo das demandas e necessidades dos
alunos, educadores, redes de ensino e comunidades do campo. Já os objetivos
específicos são:

44
Henriques et al (2007) destaca que se justifica tal ação tendo em vista que:

(...) a educação escolar constitui um direito social e cabe ao Estado garantir as condições e
os recursos para a sua efetivação. Isto pressupõe, entre outras condições, realizar no cam-
po a inclusão de milhares de crianças, jovens e adultos na formação básica em condições
igualitárias de acesso e permanência, rompendo com formas seletivas de privilégio ainda
vigentes na educação escolar (p.35).

Dados divulgados pelo INEP monstram uma disparidade no grau de for-


mação dos professores da zona rural em relação aos da zona urbana. De acordo
com o Censo Escolar de 2005, no ensino fundamental de 1a a 4a série, apenas
21,6% dos professores das escolas rurais têm formação superior, enquanto nas
escolas urbanas esse contingente representa 56,4% dos docentes. O que é mais
preocupante, no entanto, é a existência de 6.913 funções docentes sendo exer-
cidas por professores que têm apenas o ensino fundamental e que, portanto,
não dispõem da habilitação mínima para o desempenho de suas atividades. A
maioria desses professores leigos atua nas Regiões Nordeste e Norte.

Henriques et al (2007) mostra, por outro lado, que um aspecto positivo a ser destacado se
refere à queda da proporção de professores leigos atuando nas séries iniciais do ensino fundamental
na área rural, essa caiu no período de 2002 a 2005 de 8,3% para 3,4%. Esses autores mostram que:

O nível de formação dos docentes que atuam no ensino médio também demonstra a desi-
gualdade entre a educação básica oferecida à população da zona rural e a da zona urbana.
De acordo com o mesmo Censo, apesar de uma rede física bastante reduzida, com 14.822
docentes, que atuam em apenas 1.377 estabelecimentos, 11,3% têm escolaridade de nível
médio. Na zona urbana, esse índice é de apenas 4,2%. Observe-se que, de acordo com
a legislação em vigor, esses professores não estão habilitados para atuar no ensino médio
(p. 35).

Vale saber que 354.316 professores atuando na Educação Básica em


escolas localizadas na zona rural, eles representam 15% dos profissionais em
exercício no país e são, em média, os que possuem menor grau de qualificação
e também os que recebem os menores salários.

Henriques et al (2007) mostra que a Educação do Campo conta hoje com respaldo legal
para exigir um tratamento diferenciado e específico, pois:
O art. 28 da LDB (Lei no 9.394/96) estabelece o direito da população rural a um sistema de
ensino adequado às suas peculiaridades regionais e de vida. Com isso, a política de atendi-
mento escolar não deve mais se satisfazer com a mera adaptação, o processo escolar deve
se adequar e reconhecer a diversidade sócio-cultural e o direito à igualdade e à diferença.

45
A Resolução CNE/CEB no 01/0216, art. 12, § único, recomenda que os sistemas de ensino
desenvolvam políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos os professores
leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes. Recomenda, ainda,
em seu artigo 13, que sejam observados o respeito à diversidade e o protagonismo de
estudantes, educadores e comunidades do campo, bem como desenvolvidas propostas pe-
dagógicas que valorizem a diversidade cultural, os processos de transformação do campo,
a gestão democrática, o acesso aos avanços científicos e tecnológicos e os princípios éticos
que norteiam a convivência solidária (p.36).

Nesse contexto os autores acima citados mostram também que a formulação de uma polí-
tica nacional de formação específica para a Educação do Campo é aspecto central na consolidação
de uma abordagem concebida a partir do campo e para o campo, que tende ao romper com a
visão urbanocêntrica desenvolvida para resolver os problemas da cidade, ou mesmo no intuito de
urbanizar o campo.

Essa proposta de formação implica, segundo Henriques et al (2007) nos


provoca a sempre pensar a Educação do Campo por meio de uma reestrutura-
ção das escolas para que estas participem de um novo projeto social de campo,
economicamente justo e ecologicamente sustentável. Uma escola que, segundo
esses autores, implemente e consolide, como local privilegiado de sistematiza-
ção do conhecimento, um espaço de discussão onde se debatam os fundamen-
tos de uma nova ordem social, que se contextualize com a sustentabilidade am-
biental, agrícola, agrária, econômica, social, política e cultural, além de abarcar a
equidade de gênero, étnico-racial, intergeracional e a diversidade de orientação
sexual. Enfim, uma escola que se oriente, para além do cumprimento ao direito
de acesso universal à educação, mas sobretudo para a legitimação de processos
didáticos, localmente significados.

46
V
Unidade V -
O Multiculturalismo
e suas Abordagens para
o Contexto Escolar

Objetivos da Unidade
Objetivo geral
Discutir o multiculturalismo e as abordagens reais e possível que a es-
cola tem praticado frente a essa diversidade.

Objetivos específicos
Valorar diferentes abordagens sobre o multiculturalismo e suas impli-
cações no campo do ensino e aprendizagem formal escolar
Unidade V
Segundo Moreira e Candau (2013), as relações entre educação e cultura(s) nos conduzem a
refletir e nos posicionar diante das temas colocadas na atualidade pelo multiculturalismo no âmbito
planetário e de cada uma das realidades nacionais e locais em que vivemos, já que as “configurações
desta problemática são distintas conforme o contexto em que nos situemos e suscitam muitas dis-
cussões e polêmicas no momento atual. Defensores e críticos confrontam suas posições apaixona-
damente” (p. 17).
No Brasil a questão multicultural apresenta uma configuração própria lembrando que a
América Latina é um continente construído com uma base multicultural muito forte, como vimos
nos itens anteriores deste guia de estudos. Assim, as relações interétnicas têm sido uma constante
ao longo de toda sua história. E como vimos anteriormente, uma história dolorosa e trágica princi-
palmente para os povos indígenas e afrodescendentes.
A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do " outro" ou por sua
escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade. Os proces-
sos de negação do "outro" também se dão no plano das representações e no imaginário
social. Neste sentido, o debate multicultural na América Latina nos coloca diante da nossa
própria formação histórica, da pergunta sobre como nos construímos socioculturalmente,
o que negamos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na cultura hege-
mônica. A problemática multicultural nos coloca de modo privilegiado diante dos sujeitos
históricos que foram massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas
identidades e lutando por seus direitos de cidadania plena na nossa sociedade, enfrentan-
do relações de poder assimétricas, de subordinação e exclusão (MOREIRA e CANDAU,
2013, p. 17).
Os autores acima citados ainda destacam, no plano nacional, a proposta educacional que
emana do Ministério de Educação: os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1997. Esses
parâmetros suscitaram grandes controvérsias no que diz respeito à sua concepção, processo de
construção e estruturação interna e além disso, incorporou entre os temas transversais o da plurali-
dade cultural. Uma opção que, como veremos nesta unidade, não foi pacífica, pois foi fruto de muitas
controvérsias em que a pressão dos movimentos sociais se fez intensamente presente.

5.1. Pluralidade Cultural no Currículo Escolar

Para iniciarmos nossas reflexões nesta unidade, veremos uma introdução da temática da
pluralidade cultural no currículo escolar:

É sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua composição populacional, o


Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do país consigo mesmo é comum prevalecerem
vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais.
Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da
discriminação racial/étnica. O país evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por
"mitos" que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em
outra hipótese, promotor de uma suposta "democracia racial" (PARÂMETROS CURRICU-

48
LARES NACIONAIS, vol. 10: 22).

Moreira e Candau (2013) destacam que uma das características fundamentais das questões
multiculturais é exatamente o fato de estarem atravessadas pelo acadêmico e o social, a produção
de conhecimentos, a militância e as políticas públicas. Os autores acima citados mostram também
que:
Convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no
âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos, dos
movimentos sociais, especialmente os referidos às questões étnicas e, entre eles, de modo
particularmente significativo entre nós, os referidos às identidades negras, que constituem
o locus de produção do multiculturalismo. Sua penetração na universidade se deu num
segundo momento e, até hoje, atrevo-me a afirmar, sua presença é frágil e objeto de mui-
tas discussões, talvez exatamente por seu caráter profundamente marcado pela intrínseca
relação com a dinâmica dos movimentos sociais. Por outro lado, as questões relativas ao
multiculturalismo só recentemente têm sido incluídas nos cursos de formação inicial de
educadores/ as e, assim mesmo, de modo esporádico e pouco sistemático, ao sabor de
iniciativas pessoais de alguns professores/ as. Quanto à formação continuada, por iniciativas
oficiais e de várias organizações não governamentais, algumas vezes em parceria entre
organismos públicos e ONGs, várias experiências têm sido promovidas no sentido de
favorecer a incorporação da perspectiva multicultural na educação básica. Também a pes-
quisa sobre esta temática vem adquirindo pouco a pouco maior visibilidade e abrangendo
diversas dimensões (MOREIRA e CANDAU, 2013, p. 19).

Outra dificuldade para se penetrar na problemática do multiculturalismo está referida à polis-


semia do termo. Certamente inúmeras e diversificadas são as concepções e vertentes multiculturais.

Moreira e Candau (2013) mostram tal polissemia por meio do destaque de


expressões como multiculturalismo conservador, liberal, celebratório, crítico,
emancipador, revolucionário podem ser encontradas na produção sobre o tema
e se multiplicam continuamente.

Mas explicando a concepção que privilegiamos aqui ao tratarmos as questões


suscitadas na atualidade pelo multiculturalismo vale, portanto, distinguir duas
abordagens fundamentais como observamos no esquema a seguir:

49
A abordagem descritiva concebe o multiculturalismo uma característica das sociedades atu-
ais, pois entende que vivemos em sociedades multiculturais e assim, as configurações multiculturais
dependem de cada contexto histórico, político e sociocultural do tempo em questão. Moreira e
Candau (2013) destacam que:

O multiculturalismo na sociedade brasileira, como já foi descrição e a compreensão da


construção da configuração multicultural de cada contexto específico. A perspectiva pro-
positiva entende o multiculturalismo não simplesmente como um dado da realidade, mas
como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um
projeto político-cultural, de um modo de se trabalhar as relações culturais numa determina-
da sociedade, de conceber políticas públicas na perspectiva da radicalização da democracia,
assim como de construir estratégias pedagógicas nesta perspectiva (p. 20).

Na perspectiva propositiva é necessário distinguir diferentes concepções que podem inspirar


esta construção. Muitos são os autores que têm oferecido indicações nesta linha e elencado um
grande número de tipos de abordagens multiculturais. Aqui, baseados em Moreira e Candau (2013)
vamos trabalhar três abordagens e que estão na base das diversas propostas: o multiculturalismo
assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou monoculturalísmo plural e o multiculturalismo
interativo, também denominado interculturalidade. Os autores acima citados destacam portanto
que a abordagem assimilacionista se baseia na afirmação de que vivemos numa sociedade multicultu-
ral, no sentido descritivo. Nessa sociedade, portanto, não há igualdade de oportunidades para todos/
as, mas sim grupos, como os indígenas, negros, homossexuais, pessoas oriundas de determinadas
regiões, homossexuais, pessoas oriundas de determinadas regiões geográficas do próprio país ou de
outros países e de classes populares, e/ou com baixos níveis de escolarização, com deficiência, que
50
não têm o mesmo acesso a determinados serviços, bens, direitos fundamentais que outros grupos
sociais, em geral, de classe média ou alta, brancos, considerados "normais" e com elevados níveis de
escolarização.
Uma política assimilacionista sob a perspectiva prescritiva vai, contudo, favorecer que todos/
as se integrem à sociedade que compõe a cultura hegemônica. No entanto, vale destacar que:

(...) não se mexe na matriz da sociedade, procura-se integrar os grupos marginalizados


e discriminados aos valores, mentalidades, conhecimentos socialmente valorizados pela
cultura hegemônica. No caso da educação, promove-se uma política de universalização
da escolarização, todos/ as são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se
coloque em questão o caráter monocultural e homogeneizador presente na sua dinâmica,
tanto no que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes
atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados, etc. Simplesmente
os que não tinham acesso a esses bens e a essas instituições são neles incluídos tal como
se configuram. Estratégias de caráter compensatório são implementadas para efetivar estas
políticas (MOREIRA e CANDAU, 2013, p. 21).

Essa posição se apoia no pilar da "cultura comum", a cultura hegemônica, e, em nome dela,
deslegitima dialetos, saberes, línguas, crenças, valores "diferentes", inerentes aos grupos subordina-
dos, que são considerados, explícita ou implicitamente, inferiores

Segundo McLaren (1997, p. 115), um pré-requisito para juntar-se à turma é


desnudar-se, desracializar-se e despir-se de sua própria cultura.

Uma segunda concepção pode ser denominada de multiculturalismo diferencialista ou, se-
gundo Amartya Sen (2006), monocultura plural. Esta abordagem parte do pressuposto de que
quando se realça a assimilação na verdade acabamos por negar a diferença ou por silenciá-la. Uma
concepção que, segundo Moreira e Candau (2013), propõe então:
(...) colocar a ênfase no reconhecimento das diferenças. Para garantir a expressão das di-
ferentes identidades culturais presentes num determinado contexto afirma ser necessário
garantir espaços próprios e específicos em que estas se possam expressar com liberdade,
coletivamente. Somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas
matrizes culturais de base. Algumas das posições nesta linha terminam por ter uma vi-
são estática e essencialista da formação das identidades culturais. São então enfatizados
o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, é privilegiada a formação
de comunidades culturais homogêneas com suas próprias organizações - bairros, escolas,
igrejas, clubes, associações, etc. Na prática, em muitas sociedades atuais terminou-se por
favorecer a criação de verdadeiros apartheid socioculturais. Estas duas posições são as mais
presentes nas sociedades atuais. Algumas vezes convivem de maneira tensa e conflitiva. São
elas que em geral são focalizadas nas polêmicas sobre a problemática multicultural (p. 22).

51
A seguir veremos a terceira perspectiva, que segundo os autores acima citados propõe um
multiculturalismo aberto e interativo, que enfatiza a interculturalidade por compreende-la mais apro-
priada para a construção de sociedades democráticas, pluralistas e inclusivas. Uma perspectiva que
articula políticas de igualdade com políticas de identidade.

5.2. O Multiculturalismos e a Perspectiva Intercultural

Algumas particularidades caracterizam a perspectiva intercultural, assim vale mencionar aqui


a promoção deliberada da inter-relação entre diferentes grupos culturais presentes em urna deter-
minada sociedade. Neste sentido, Moreira e Candau (2013) denotam que esta posição se situa em
oposição com todas as visões diferencialistas que proporcionam processos radicais de afirmação
de específicas identidades culturais, assim como com as perspectivas assimilacionistas que evitam
o valorizar a ênfase da riqueza presente nas diferenças culturais e contudo rompe com uma visão
essencialista das culturas e das identidades culturais. Em outras palavras, concebe as culturas em
contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução, já que cada cultura tem suas raízes
que por suas vezes são históricas e dinâmicas não fixando os sujeitos em um rígido padrão cultural.
Ainda Moreira e Candau (2013) mostram por uma terceira característica e que está constitu-
ída pela afirmação de que nas sociedades em que se vivenciam os processos de hibridização cultural
esses se mostram, portanto, intensos e mobilizadores no sentido da constituição de identidades
abertas que, em construção permanente, supõe que as culturas não são realmente "puras" mas sim
hibridizadas.
A hibridização cultural é um elemento importante para se levar em consideração na dinâmi-
ca dos diferentes grupos socioculturais já que:

A consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais constitui ou-
tra característica desta perspectiva. As relações culturais não são relações idílicas, não são
relações românticas, elas estão construídas na história e, portanto, estão atravessadas por
questões de poder, por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito e
discriminação de determinados grupos (MOREIRA e CANDAU, 2013, p. 23).

Uma última característica que se mostra importante para nossos estudos aqui
se refere ao fato de não desvincular as questões da diferença e da desigualdade
presentes hoje de modo particularmente conflitivo e que como mostram os
autores supracitados se situam tanto no plano mundial quanto em cada socie-
dade. Uma relação que, complexa e que admite diferentes configurações em
cada realidade, não se reduz nem num polo nem noutro.

52
A perspectiva intercultural que Moreira e Candau (2013) defendem e que também conside-
ramos como mais adequada aqui é a que almeja uma educação para o reconhecimento do “outro".
Uma educação voltada para o diálogo de diferentes grupos culturais e sociais. Uma educação voltada
para a negociação cultural, que encara os conflitos oriundos da assimetria de poder existentes entre
os diferentes grupos socioculturais em nossas sociedades e, contudo, é capaz de favorecer a cons-
trução de um projeto comum e que contemple as diferenças compreendidas de forma dialética.

Assim, vale ressaltar que como mostra Walsh (2001) a interculturalidade é:


-Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendiza-
gem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e
igualdade.
-Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e
práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido en-
tre elas na sua diferença.
-Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, eco-
nômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são
mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.
-Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que par-
te de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de
responsabilidade e solidariedade.
-Uma meta a alcançar.

Para Walsh (2001), apesar de vários países latino-americanos terem introduzido a perspec-
tiva intercultural nas reformas educativas, "não há um entendimento comum sobre as implicações
pedagógicas da interculturalidade, nem até que ponto nelas se articulam as dimensões cognitiva,
procedimental e atitudinal; ou o próprio, o dos outros e o social" (p. 12).
O conceito de interculturalidade é central à (re)construção de um pensamento crítico-ou-
tro - um pensamento crítico de/a partir de outro modo -, precisamente por três razões
principais: primeiro porque está vivido e pensado desde a experiência vivida da coloniali-
dade segundo, porque reflete um pensamento não baseado nos legados eurocêntricos ou
da Modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim uma volta à
geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro no norte global (WAL-
SH, 2005, p. 25).

53
Esta perspectiva da interculturalidade segundo Moreira e Candau (2013) cons-
titui uma tarefa complexa e desafiante, que apenas está dando seus primeiros
passos entre nós, já que não temos muitos autores/as com iniciativas nesta dire-
ção, pois em geral, quando se promove o diálogo intercultural se assume uma
abordagem de orientação liberal e se focaliza, com frequência, as interações
entre distintos grupos socioculturais de um modo superficial, reduzido à visibi-
lização de algumas expressões culturais destes grupos, sem encarar a temática
das relações de poder que se mostram inerentes às relações interculturais, nem
as matrizes profundas, mentalidades, imaginários, crenças, configuradoras de sua
especificidade (MOREIRA e CANDAU, 2013).

54
VI Unidade VI -
Educação
Especial

Objetivos da Unidade
Objetivo geral
Interpretar aspectos relacionados às características inerentes aos su-
jeitos especiais e como a escola tem trabalhado a inclusão nesta pers-
pectiva.

Objetivos específicos
Conjugar os tipos de deficiência e suas características para que seja
possível uma reflexão sobre a inclusão de sujeitos portadores dessas
no contexto escolar
Compor conhecimentos para reflexões frente à inclusão escolar e o
papel da escola na inserção de sujeitos com deficiências na sociedade
Unidade VI

Tessaro (2005) nos mostra que ainda hoje, início do século XXI, ser uma pessoa diferente/
deficiente, ou seja, que se afasta dos padrões tidoscomo normais, tanto no âmbito social como no
cultural, implica em dor, sofrimento e isolamento. Tal pessoa é considerada apenas como incapaz,
percebida, como aponta Guhur (1994), como alguém que não é nem proprietário, nem trabalha-
dor, nem comprador, produtor e vendedor, mas sim como um indivíduo que apenas consome.
Entretanto e ainda segundo a autora acima citada, a posição que o deficiente ocupa nas relações de
produção e na sociedade atual como um todo é apenas a de consumidor.
Já Khater (2000) acrescenta que o deficiente continua vivenciando o estigma da incompe-
tência, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho. Sobre esse e outros aspectos,
vamos a reflexões sobre a educação especial.

6.1. A Inclusão dos Sujeitos com Necessidades Especiais na Escola e Sociedade

Para iniciarmos nossas reflexões sugerimos aqui algumas obras que mostram
que o esforço para reverter este quadro é grande e vem crescendo, apesar de
muito lentamente, e enfrentando muitas barreiras:

KHATER, R. M. M. Competência social: treino de discriminação de dinheiro em


deficientes mentais. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católi-
ca de Campinas, 1995.
KHATER, R. M. M. Habilidades sociais, profissionalização e deficiência mental:
avaliação de um programa. Tese de Doutorado da Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Campinas, 2000.
AGUIAR, O. X. Perspectivas das APAES paulistas quanto à sexualidade de sua
clientela. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Cam-
pinas, 1992.
PFEIFER, E. A. Deficiente auditivo: competência social e inclusão no mercado
de trabalho. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, 1998.
ALOISI, H. M. O empregado com deficiência segundo conceito da empregador
da pequena, média e grande empresa da cidade de Campinas. Tese de Douto-
rado da Universidade Estadual de Campinas, 1999.

56
Pfeifer (1998), em sua pesquisa sobre a competência social e inclusão do deficiente auditivo
no mercado de trabalho, concluiu que os deficientes auditivos precisam ser formados com mais
qualidade e preparados para que a inclusão no mercado de trabalho possa acontecer com mais
êxito, pois seu preparo profissional tem se apresentado insuficiente quanto à duração, qualidade
e abrangência. A autora também averiguou que os empregadores, em geral, não têm informações
satisfatórias sobre a deficiência e o deficiente, o que atrapalha o diálogo e o processo de abertura
de campo profissional para as pessoas com deficiência. Já na pesquisa de Aloisi (1999) podemos ob-
servar que o conceito do empregador sobre o empregado com deficiência tem ainda uma extensa
jornada a ser cruzada para que essas condições sejam superadas.
Tessaro (2005) destaca que os empregadores esperam um empregado com perfil muito
distante daquele que os agentes reabilitadores desenvolvem em seus assistidos. Essa autora sugere
que projetos futuros devem ser organizados de forma que possam levar à melhoria da capacitação
dos agentes reabilitadores e de suas práticas na área, como também incentivar o envolvimento do
empregador na profissionalização das pessoas deficientes. Podemos, portanto compreender que,
como a autora supracitada mostra:

(...) o preconceito, a ignorância e a discriminação ainda são muito fortes em relação aos
indivíduos excepcionais. É evidente a dificuldade das pessoas consideradas “normais”, ou
melhor, daquelas que não possuem deficiências, em aceitar, conviver e interagir com pes-
soas portadoras de alguma deficiência. Todos conhecem apenas os lin1ites, mas muito
pouco sabem sobre as possibilidades e as potencialidades de um indivíduo excepcional
(TESSARO, 2005, p. 26).

Vejamos por exemplo a fala de uma pessoa portadora de paralisia cerebral


segundo Tessaro (2005):

"O preconceito maior é a ignorância."


"As pessoas não conhecem nada sobre a deficiência."
"Não sabem lidar com o deficiente porque não conhecem nada."
“Eu tenho paralisia cerebral, mas não sou deficiente mental."

Como mostra a autora acima citada, provavelmente essas frases sejam as de muitas outras
pessoas que lutam pelo direito de realmente serem aceitas como seres humanos, com direitos e
deveres iguais aos de qualquer outro cidadão; de um indivíduo que pede, que clama pela sua real
inclusão/inserção social.
Sinason (1993) contribui para essa reflexão alertando sobre quão difícil é ser uma pessoa
deficiente, seja ela criança ou adulto. Para fortalecer esse alerta, a autora relata a fala de uma jovem
com síndrome de Down: “Eu fico triste quando ouço dizer na televisão ou no rádio que há testes
para impedir que as pessoas como eu nasçam. As pessoas pensam que eu não entendo porque sou

57
portadora de deficiência mental. Mas eu entendo” (SINASON, 1993, p. 30).
Bueno (1993) em sua pesquisa, também demonstra o quanto é sofrido ser diferente ao destacar que
a pessoa com deficiência além do estigma e do preconceito em relação à sua diferença específica:

(...) sofre pelo fato de se constituir em cidadão de terceira classe: os de primeira são
aqueles a quem se garante os direitos fundamentais de cidadania, isto é, aos membros dos
estratos sociais superiores; os de segunda são os membros das classes subaltemas, tutela-
dos e assistidos por uma elite dirigente que impede, por todos os meios, a sua ascensão à
cidadania plena; e os terceiros que, além de fazer parte desta mesma camada, ainda têm
mais uma marca negativa, a da excepcionalidade (p. 139).

Como se observa, são muitas as dificuldades encontradas por uma pessoa portadora de de-
ficiência no decorrer de sua vida. Toma-se explícito, então, que muitas conquistas ainda devem ser
feitas no campo da excepcionalidade. Não basta apenas os papéis e os documentos registrarem as
leis, ou então a boa-vontade. É preciso a concretização, a qual só acontece pela ação, pela mudança
de comportamento em relação aos problemas aqui referidos.
É importante também, nesse momento, trazer para consideração algumas conquistas já rea-
lizadas na área da excepcionalidade, como o atendimento educacional/pedagógico às pessoas por-
tadoras de deficiência, e as discussões e preocupações em tomo do processo de inclusão/inserção
social da pessoa defciente, as quais, no Brasil, tiveram início no século XX, mais especificamente a
partir dos anos 80.
Pfeifer (1998) mostra que no ano de 1981 constitui-se em um marco histórico para os defi-
cientes de todo o mundo, pois a Organização das Nações Unidas (ONU) o proclamou como o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes, tendo como lema "Participação Plena e Igualdade". Naquele
ano, importantes conceitos foram delineados, os quais conquistaram reconheci mento internacional.
Entre esses conceitos estão o de vida independente, o de igualdade (de poder exercer os direitos
e liberdades garantidos a todos os cidadãos) e o de capacidade, que representa a garantia de terem
as mesmas oportunidades da população em geral.

Como mostra Tessaro (2005), o ano de 1994 também abrange um marco his-
tórico, pois foi nesse ano que a Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção (Unesco) realizou em Salamanca, na Espanha, a Conferência Mundial sobre
Educação para Todos. Nessa conferência, foi sugerida a inclusão de crianças
portadoras de deficiência em escolas regulares, pois foi a partir dessa data, mui-
tas discussões e questionamentos têm surgido em tomo desse assunto.

58
Tessaro (2005) destaca que no rótulo escolar atípico podem ser inseridos estudantes que
são diferentes por características positivamente avaliadas pela sociedade (genialidade, criatividade,
talentos especiais); mas em face dos objetivos da pesquisa dessa autora acima citada podemos
observar que são enfocados apenas aqueles portadores de alguma limitação que os diferencia do
comum dos alunos.

A ONU informa que 15 milhões de pessoas no Brasil são portadoras de defici-


ência, o que corresponde a aproximadamente 10% da população. Há uma es-
timativa de que 8 milhões dessas pessoas são portadoras de deficiência mental
e as demais subdividem-se em deficientes visuais, auditivos, físicos e de múltipla
deficiência (WERNECK, 1997).

Segundo Tessaro (2005), essas pessoas - que constituem um número altamente significativo
- merecem ser tratadas com respeito e dignidade, e devem usufruir de direitos e cumprir deveres
como qualquer outro cidadão. Sua condição física, intelectual ou emocional não pode ser entendida
como empecilho ao seu desenvolvimento pessoal e profissional, pois:
São vários os tipos de deficiência, cada uma com suas características e especificidades. Neste
estudo serão enfocados os seguintes: a deficiência mental, que se refere ao indivíduo possuidor de
um baixo potencial intelectual; a deficiência visual, que está vinculada a uma baixa acuidade visual,
isto e', uma visão subnormal; a deficiência auditiva. relacionada com uma perda auditiva acentuada;
e a deficiência física, referente a indivíduos que apresentam dificuldades motoras e/ou Ortopédicas
(TESSARO, 2005, p. 28).
Para melhor podermos compreender tais tipos nos basearemos em Tessaro (2005) e abor-
daremos algumas importantes informações básicas sobre essas deficiências.

6.2. Deficiência Mental

A definição de deficiência mental mais difundida e aceita é a da Associação Americana de


Deficiência Mental, de 1992, que representa um avanço conceitual, pois segundo D’Antino (1997):
Deficiência mental corresponde a um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média,
coexistindo com outras limitações relativas a duas ou mais das seguintes áreas de habilidades adap-
tativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, participação familiar e comunitária, autonomia,
saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho, manifestando-se antes dos dezoito
anos de idade (p. 97).
Telford e Sawrey (1988) ressaltam que, para a Associação Americana de Deficiência Mental,
uma pessoa pode ser qualificada mentalmente retardada somente se apresentar funcionamento
intelectual subnormal, surgido durante o período de desenvolvimento, associado a prejuízo do com-
portamento adaptativo.

59
Telford e Sawrey (1988) destacam a necessidade de considerar que as pessoas não po-
dem ser rotuladas como deficientes mentais pelo fato apenas de mostrarem um comportamento
adaptativo prejudicado, pois podemos observar vários outros fatores que podem conduzir a um
desenvolvimento maturacional lento, como por exemplo um processo escolar sem qualidade ou um
ajustamento social e ocupacional inadequado
Quanto à classificação das pessoas deficientes mentais, Amiralian (1986) ressalta a importân-
cia de incluir vários fatores, quais sejam, o nível de desempenho atingido (medido por meio de testes
de inteligência), as possibilidades educacionais e a adequação social.
De acordo com Ballone (2003), o DSM IV, muito cautelosamente, recomenda que o retardo
mental não seja diagnosticado em um indivíduo com um QI inferior a 70, se não existirem déficits
ou prejuízos significativos no funcionamento adaptativo.

A classificação de retardo mental apresentada pela Organização Mundial da


Saúde (OMS), segundo Ballone (2003), é a seguinte:

60
Ainda Ballone (2003) observa que é comum usar, como referência para avaliar o grau de
deficiência, mais os prejuízos no funcionamento adaptativo que a medida do QI. Compreende-se
isto pelo fato de o funcionamento adaptativo ser a maneira como a pessoa enfrenta, efetivamente,
as exigências comuns da vida e o grau em que experimenta uma independência pessoal compatível
com sua faixa etária, bem como o grau de bagagem sociocultural do contexto comunitário no qual
se insere.
Lembra também o autor acima citado que o funcionamento adaptativo do indivíduo é in-
fluenciável por muitos fatores, como podemos observar na seguinte figura:

61
Ballone (2003) afirma ainda que, frequentemente, os problemas na adaptação se atenuam
mais com esforços terapêuticos do que com o QI cognitivo e diante disso, a classificação atual
da deficiência mental recomenda que seja levado em consideração o grau de comprometimento
funcional, em detrimento à classificação em retardo leve, moderado, severo ou profundo. Assim,
o importante é saber em que área a pessoa com deficiência mental necessita de apoio. Estes são
critérios qualitativos (adaptativos) de avaliação, que consideram muito mais a pessoa (sob o ponto
de vista das oportunidades e autonomias) do que seu escore (QI) (BALLONE, 2003).
Ballone (2003) apresenta a seguinte classificação, baseada na capacidade funcional e adapta-
tiva dos deficientes mentais:

Outra definição de retardo/deficiência mental é a que se encontra na CID-IO, a qual com-


preende o retardo mental como:

(...) uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, a qual e'


especialmente caracterizada por comprometimento de habilidades manifestadas durante o
período de desenvolvimento, as quais contribuem para o nível de inteligência, isto é, apti-
dões cognitivas, de linguagem, motoras e sociais (CID-IO, 1993, p. 221).

Tessaro (2005) mostra também a seguinte classificação:

Retardo mental leve: QI na faixa de 50 a 69. Pessoas que possuem esse grau de deficiência mental
adquirem linguagem com algum atraso, mas a maioria atinge a capacidade de fazer uso da fala na
vida cotidiana.

62
A maioria das pessoas que apresentam o retardo mental leve também conse-
guem ser independente em autocuidados (comer, levar-se, vestir-se, controle
dos esfíncteres etc.) e em habilidades práticas e domésticas. As principais difi-
culdades estão relacionadas com o trabalho escolar acadêmico e muitos têm
problemas específicos de leitura e escrita. A maioria é potencialmente capaz de
trabalhos que exigem habilidades práticas, ao invés de acadêmicas.

Retardo mental moderado: QI na faixa de 35 a 49. São pessoas lentas no desenvolvimento da com-
preensão e uso da linguagem. Apresentam também dificuldades com os cuidados pessoais e algumas
delas necessitam de supervisão por toda a vida.

Geralmente as pessoas com retardo mental moderado apresentarem muito


pouco progresso na área acadêmica, algumas dessas pessoas atingem as habi-
lidades básicas para leitura, escrita e cálculo. Quando adultos, são capazes de
executar trabalhos práticos simples, se as tarefas forem bem estruturadas e
supervisionadas. Dificilmente conseguirão urna vida totalmente independente
quando atingirem a fase adulta.

Retardo mental grave: estimativa de QI na faixa de 20 a 34. A maioria das pessoas que possuem
esse grau de deficiência, apresentam um sério comprometimento motor e outros déficits associa-
dos, indicando a presença de lesão clinicamente significativa ou ainda desenvolvimento inadequado
do sistema nervoso central.
Retardo mental profundo: QI abaixo de 20. As pessoas portadoras desse grau de deficiência são
gravemente limitadas em sua capacidade de compreender ou agir de acordo com pedidos ou instru-
ções. Conseguem apenas formas muito rudimentares de comunicação não verbal e, em sua maioria,
são imóveis.

As pessoas que apresentam o retardo mental profundo praticamente não con-


seguem cuidar de suas próprias necessidades básicas, precisando constante-
mente de auxílio e supervisão.

Segundo Kaplan e Sadock (1998) há uma terceira classificação de retardo mental é a definida
no Manual de Psiquiatria Clínica:

63
Em relação às causas, Telford e Sawrey (1988) enfatizam que a deficiência mental não é uma
doença ou síndrome de causa específica, pois existem mais de cem causas. Esses autores mostram
que pode ser devida:

-a fatores genéticos (aberrações em um único gene, poligênicas ou cromos-


somiais);
-a déficits orgânicos de origem ambiental (infecções, trauma físico, doenças
ou distúrbios na gestação etc.); ou
-às condições sociais e psicossociais da vida do indivíduo.

Por outro lado, Kirk e Gallagher (1996) destacam que a Associação Americana de Deficiên-
cia Mental identifica nove principais causas da deficiência mental:

- infecção e intoxicação;
- trauma ou agente físico;
- metabolismo ou nutrição;
- doença cerebral grave;
- influência pré-natal desconhecida;
- anormalidades cromossômicas;
- distúrbios de gestação;
- distúrbios psiquiátricos; e

64
- influências ambientais.

Outro aspecto relevante, referido pelos autores acima citados, é que as pessoas portadoras
de deficiência mental normalmente exibem problemas específicos nas características sociais e tam-
bém pessoais. Tais problemas podem ser decorrentes da reações das pessoas, à sua condição e à
sua história de fracasso em atingir o nível de desempenho que um dia foi esperado destas pessoas.
Esses autores mostram que algumas características pessoais e sociais apresentadas pelos indivíduos
com deficiência, possivelmente se mostram resultantes das experiências com seu meio ambiente:

1. Os indivíduos deficientes mentais sentem mais o fracasso do que as crian-


ças normais e, consequentemente, desenvolvem maiores expectativas ge-
neralizadas ao fracasso. A predisposição para esperar o fracasso tende a
fazer com que as crianças deficientes mentais evitem situações em que o
fracasso é provável.
2. As crianças deficientes mentais entram em situações novas com desem-
penho geralmente debilitado, até mesmo abaixo de sua habilidade mental.
3. As crianças deficientes mentais tendem menos do que as normais a au-
mentar seu rendimento após um pequeno fracasso (KAUFFMAN e PAYNE,
1975, p. 138).

Kaplan e Sadock (1998) mostram que é muito comum que a pessoa deficiente mental de-
monstre uma baixa auto-estima, e que seu pensamento seja frequentemente concreto e egocêntri-
co, pois em média 60% dessas pessoas mostram um transtorno mental paralelo.
Tessaro (2005) destaca que as limitações maiores na deficiência mental não estão relacio-
nadas com a deficiência em si, mas sim com: “a credibilidade e as oportunidades que são oferecidas
às pessoas portadoras de deficiência mental. É notável quão limitado é o mundo dessas pessoas,
quanto elas são segregadas, ou seja, privadas de interação social” (p. 34).
Silva (1988) denota que uma pessoa deficiente mental na maioria dos casos tem uma vida que gira
em torno de sua incapacidade ou limitação, pois suas potencialidades e aptidões são, geralmente
desconsideradas. Nesse sentido, Paula (1996) descreve que:

Em uma sociedade complexa como a nossa, que supervaloriza a capacidade


intelectual, a competitividade, a produção, a beleza física, a independência
e a individualidade, o portador de deficiência mental que apresenta baixo
rendimento intelectual e desempenho limitado quanto à independência e à
competência social, é visto como um problema e altamente desvalorizado
frente às demandas dessa sociedade. Tal percepção advém do olhar que
esta sociedade dirige ao indivíduo diferente de suas expectativas (p. 97).

65
Nesse contexto, segundo a autora supracitada, é negado ao deficiente mental o trabalho, a
independência e a legitimação de sua sexualidade. A escola especial normalmente se torna um meio
de convalidar essa condição, conservando a pessoa em uma posição de inferioridade.
Tesini e Manzíni (1999) creem que a discriminação geralmente praticada frente às pessoas
deficientes acontece por conta do contexto social e não pela deficiência em si, já que as limitações,
geralmente, dependem muito mais do grupo coletivo do que das dificuldades inerentes à deficiência.

6.3. Deficiência Auditiva

Segundo Tessaro (2005) são encontradas na literatura algumas controvérsias quanto à defi-
nição de deficiência auditiva como se observa na figura abaixo:

66
Para Telford e Sawrey (1988), as definições quantitativas se apoiam na concepção de que
a incapacidade auditiva se mostra relacionada ao grau de perda de audição medida audiometrica-
mente em decibéis (dB). Isso quer dizer que a perda auditiva é relacionada ao déficit do ouvido do
sujeito no que se refere à faixa de frequências ouvidas da fala. Essa concepção se calca nas seguintes
classes:

67
De acordo com essa classificação, são consideradas pessoas de audição difícil as que perten-
cem às classes 1, 2 e 3, e surdas as que pertencem às classes 4 e 5.
Outra classificação de deficiência auditiva é a estabelecida segundo o padrão ANSI (1969):

Na perda leve a escuta qualquer som, desde que seja um pouco mais alto. Na
perda moderada, em uma situação convencional a pessoa tende sempre a per-
guntar “hem?", ao telefone não ouve com clareza e troca comumente a palavra
ouvida por outra foneticamente semelhante. Na Perda severa, a pessoas ouve
sons fortes como latido de cachorro, avião, caminhão etc., mas não é capaz de
escutar a voz humana sem o AASI. Já na perda profunda, a escuta se reduz a
apenas os sons graves que transmitem vibração (avião, trovão etc.) (NUNES,
SIQUEIRA et al., 1997).

Carvalho (1997, p. 23) afirma que é entendido como surdo o sujeito que apresenta a perda
parcial ou total, congênita ou adquirida, da capacidade de entender a fala por meio do ouvido. De
acordo com o grau de perda auditiva, medida em decibéis (dB), a surdez apresentar-se como:

- leve (perda entre 20 e 40 dB),


- moderada (entre 40 e 70 dB de perda);
- severa (entre 70 e 90 dB) e
- profunda (acima de 90 dB de perda)

Vale destacar que essa última bloqueia o indivíduo de escutar a voz humana e
de obter, de forma espontânea, o código da modalidade oral da língua, mes-
mo se se utilizar um prótese auditiva.

Uma definição que se baseia mais na análise funcional do que na quantitativa é a da Confe-
rence of Executives of American Schools for the Deaf, a qual entende a pessoa surda como aquela
em que a perda auditiva dificulta o sucesso do processamento de informações linguísticas por meio
da audição, com ou sem auxílio de aparelhos que fazem amplificação de som (AMIRALIAN, 1986).

68
Dentro dessa definição, os surdos encontram-se subdivididos em: congenitamente surdos e
os surdos fortuitos, ou seja, aqueles que nasceram com audição normal, mas cuja audição se tomou
não funcional, devido a um acidente ou doença (TELFORD e SAWREY, 1988).
Segundo Kirk e Gallagher (1987/ 1996), as causas da deficiência auditiva são várias, tais como:
hereditariedade, rubéola materna, nascimento prematuro, incompatibilidade de sangue entre mãe e
criança, meningite e otite média.
A deficiência auditiva compõe um dos problemas mais desafiantes para a educação em geral
e para a educação especial, pois a perda auditiva intervém seja no recebimento, entendimento da lin-
guagem quanto em sua produção. Portanto, a área de maior prejuízo para a pessoas com deficiência
auditiva está relacionada à comunicação, pois acaba dificultando muito sua convivência com pessoas
que ouvem e, logo, influencia no ajustamento social e consequentemente também no acadêmico.
Para Carvalho (1997), a pessoa surda tem dificuldades de conceituação, pela falta do código
linguístico que é utilizado no contexto social dos ouvintes, o que, consequentemente, interfere no
seu desenvolvimento intelectual, causando-lhe prejuízos acadêmicos.
Pfeifer (1998) entende a linguagem oral como a via de comunicação mais importante entre
os homens. Essa autora mostra que é subjacente às outras linguagens como a gestual, a gráfica, a
corporal etc. A linguagem oral, portanto, se mostra como a mais social e trabalha como um elo co-
mum de integração entre sujeitos.

Uma criança com deficiência auditiva terá dificultado o desenvolvimento de


sua linguagem oral e, consequentemente, seu relacionamento interpessoal será
prejudicado.

Grémion (1998) adiciona que a dificuldade mostrada pelo surdo na aquisição da linguagem
nos primeiros anos de vida, implica diretamente no desenvolvimento mental e emocional, e na sua
relação social. Por outro lado, Carvalho (1997) mostra que os problemas emocionais que atingem
os surdos são resultantes da maneira como as pessoas tendem a reagir frente às dificuldades apre-
sentadas e não da perda auditiva em si.
Segundo Tessaro (2005), o desenvolvimento, tanto intelectual quanto social e emocional do
surdo, depende em grande parte:

(...) das atitudes que os outros, principalmente os pais, apresentam em re-


lação à sua pessoa. Outro aspecto importante para o bom desenvolvimen-
to do surdo é o diagnóstico. Quanto mais cedo este for feito e se iniciar
o trabalho educacional, melhor será seu desenvolvimento global e menos
prejuízo terá no campo pessoal e social (p. 37).

Se far importante destacar que, ainda segundo Tessaro (2005) na tentativa de favorecer

69
uma melhor educação e um melhor desenvolvimento, seja cognitivo e/ou emocional para as pessoas
surdas, muitos métodos de trabalho foram e têm sido indicados e aplicados no transcorrer histórico
da educação dos surdos.
Segundo Grémion (1998), no final da década de 1970, baseada em concepções sociológicas
e filosóficas surgiu a proposta bilíngue de educação do surdo.

Essa proposta tem por intuito oferecer ao surdo a possibilidade de utilizar duas
línguas, ou seja, a língua oral e a escrita (que pertence à comunidade ouvinte)
e a língua de sinais (que pertence à comunidade surda).

Segundo Tessaro (2005), dentro dessa perspectiva, o surdo deixa de ser visto como defi-
ciente e passa a ser percebido como diferente e, segundo os adeptos dessa proposta, poderá ter um
ótimo desenvolvimento se os seus direitos linguísticos forem respeitados. Kyle (1999) complementa
afirmando que:

É relativamente óbvio que as crianças surdas deveriam ser bilíngues. Elas possuem uma
língua natura] visual e espacial que irão adquirir se forem agrupadas nas escolas. Elas vivem
numa sociedade que é dominada pela língua falada e escrita. Para alcançar o potencial que
é aparente em seu funcionamento cognitivo, precisam acessar a língua da maioria (p. 16).

Skliar (1999) contribui para a reflexão expondo que a proposta bilíngue pode ser entendida
como urna oposição aos discursos e às práticas hegemônicas, o que abre a possibilidade do reco-
nhecimento político da surdez como diferença. Esse pesquisador mostra claramente a complexidade
inerente à educação para a pessoa surda a esse nível, afirmando que a concretização dessa educação
não se implica apenas em uma decisão de viés técnico, mas também politicamente comstituída e
sociolinguisticamente abonada.

6.4. Deficiência Visual

Segundo Tessaro (2005) a deficiência visual implica uma gama de níveis de acuidade que vai
da visão subnormal chegando até à cegueira total, pois sujeitos inclusos nesse grupo mostram-se pri-
vados de um funcionamento da visão de forma satisfatória. A definição de deficiência visual baseada
no aspecto quantitativo, segundo Hallahan e Kauffman (1997), implica na avaliação da acuidade visual
e do campo visual. Uma pessoa é considerada pela lei como cega quando possui acuidade visual igual
ou menor a 20/200 no melhor olho, mesmo com correção (óculos), ou tem o campo visual limitado
a um diâmetro não muito extenso, equivalente a 20 passos. A acuidade visual de 20/200 denota que
a pessoa vê a 20 pés, lembrando que a pessoa com visão normal consegue enxergar em até 200 pés.
A acuidade visual de 20/20 é entendida como normal; a visão subnormal ou parcial é aquela

70
em que as pessoas têm acuidade visual entre 20/70 e 20/200 no olho melhor, após correção máxi-
ma (HALLAHAN e KAUFFMAN, 1997).
Segundo Tessaro (2005) as definições de deficiência visual baseada no aspecto funcional,
podem variar tendo em vista as intenções a que se destinam, pois:

Tem-se, portanto, a visão de percurso, a visão de sombra, a visão proximal e distal, e a


cegueira educacional e ocupacional. Vale ressaltar que a cegueira educacional é aquela em
que a perda visual é tão ampla que as pessoas não conseguem ser educadas por meio dela;
sua educação deve ser feita pelos sentidos auditivo, tátil e cinestésico. Conseguem ler e
escrever apenas pelo Braille (TESSARO, 2005, p. 39).

Telford e Sawrey (1988) mostram que as pessoas que têm visão parcial ou subnormal, po-
dem ser educadas com base na visão, no entanto, precisam de equipamentos de ampliação de ima-
gem, pois apenas são capazes de escrever e ler se a escrita estiver imprimida com tipos ampliados.

Amiralian (1986) ressalta que, além da intensidade de cegueira, um outro ele-


mento primordial a ser considerado se refere a época em que ocorre. Uma
criança que nasce cega, precisa fundamentalmente do tato e da audição para
formar imagens mentais e, nesse sentido, constituir e reconstituir suas apren-
dizagens. Entretanto, vale considerar que uma criança que teve visão por um
período da vida e que se torna cega tende a reter imagens visuais. Isso a que a
torna capaz de relaciona-las mais facilmente com suas imagens auditivas e tá-
teis. Uma classificação que considera esse aspecto, foi proposta por Lowenfeld
(1950, apud Amiralian, 1996). Veja tal classificação na esquema abaixo:

71
Hallahan e Kauffman (1978/1997) mostram que as causas mais frequentes relacionadas aos
problemas na visão implicam em falhas de refração.

A miopia, a hiperopia e o astigmatismo são exemplos de falhas de refração que


implicam na acuidade visual. No entanto, a miopia e a hiperopia se mostram
como os fundamentais motivos para a baixa acuidade visual. Entretanto se faz
importante destacar que que existem muitas outras doenças que propiciam a
baixa visão, como coloboma, catarata, glaucoma, dentre outras

6.5. Deficiência Física

Embora as deficiências vistas que vimos nesta unidade até o momento tenham forte com-
ponente físico, como Tessaro (2005) destaca, a expressão deficiência física tem sido mais frequen-
temente usada para nos referirmos a um impedimento de ordem distinta. Portanto, consideram-se
deficientes físicos aqueles que apresentam qualquer tipo ou grau de dificuldade corporal que leve a
prejuízo da movimentação física.
Amiralian (1996) mostra que as causas dessa deficiência são várias, como:

72
Com base em pesquisas, Amiralian (1996) mostra, fundamentado em descri-
ções médicas, uma classificação dos problemas físicos e que se compreendem
em quatro categorias:

1. Lesões no sistema nervoso central: incluem a paralisia cerebral, a epilepsia e


as escleroses múltiplas. São consideradas as condições mais incapacitantes do
ponto de vista educacional. Isso porque a capacidade do sistema nervoso cen-
tral de reagir às influências do ambiente, ou seja, receber e conduzir impulsos
nervosos, interpretar, reter, integrar e processar informações é fundamental no
processo de aprendizagem.

2. Deficiências do sistema musculoesquelético: incluem as pessoas incapacitadas


de andar, sentar ou usar as mãos, pois as más-formações no sistema musculo-
esquelético afetam principalmente os membros inferiores, a coluna vertebral
e as articulações. Referem-se ao pé torto, à escoliose, à osteomielite, à artrite
reumática e à atrofia muscular progressiva.

3. Más-formações congênitas: estão presentes no momento do nascimento e

73
podem ser hereditárias ou adquiridas no período da gestação. Levam ao deslocamen-
to dos quadris, à falta de membros e à espinha bífida.
4. Outras condições mutiladoras: referem-se a uma grande variedade de deficiências
físicas que provocam imperfeições de função. A mutilação relaciona-se com a con-
dição do esqueleto e do sistema muscular, e é provocada por acidentes, doenças
infecciosas etc.

Os avanços tecnológicos da biomedicina têm implicado na redução significativa do número


de sujeitos com deficiência física. Veja alguns exemplos abaixo que comprovam tal fato:

Exemplo disso é a redução da incidência da pólio após a criação e aplicação


em massa da vacina; Kirk e Gallagher (1987/1996) mostram que a epilepsia
tem sido controlada por meio de medicamentos que reduzem muito a inci-
dência de convulsões; isso sem falar nos os avanços que já estão aparecendo
como a nanotecnologia e que tendem a ser ainda mais promissores.

Telford e Sawrey (1988) apontam que o ajustamento emocional e social da pessoa deficien-
te física frequentemente se mostra insatisfatório. Um autoconceito positivo torna-se muito difícil, em
decorrência das dificuldades oriundas da deficiência, já que uma criança perante fatores como dores,
fadiga causada por esforços, acidentes e medo dos ferimentos ou da rejeição social, tende a não
ter percepções realistas frente às suas limitações e possibilidades. O que acaba implicando em um
autoconceito negativo que se mostra decorrente de um sentimento de incapacidade e inferioridade,
implicando frequentemente em um comportamento inadaptativo.

Segundo Kirk e Gallagher (1987/1996), um dos maiores pesos que uma pessoa deficiente
física, seja ela criança ou adulto, precisa carregar, refere-se ao comportamento de repulsa que várias
pessoas demonstram ao vê-la. Tessaro (2005) mostra que algumas hipóteses que podem justificar
essa conduta de repulsa:

(...) a condição de deficiente leva a pessoa a se dar conta de sua própria vulnerabilidade. O mais preocupante é o
fato de que essa reação negativa de muitas pessoas é percebida pelos deficientes, o que certamente interfere na
construção do seu autoconceito, pois sabe-se que este, em certo grau, é resultante das atitudes dos outros em
relação à pessoa (TESSARO, 2005, p 41).

Ainda Tessaro (2005) destaca que outra dificuldade que pode ser observada em relação à

74
deficiência física e essa se relaciona ao espaço físico, pois esse precisa ser o mais acolhedor possível,
com rampas para cadeiras de rodas, corrimão nos toaletes e superfícies não escorregadias.

As modificações ambientais em nossa realidade social precisam implicar no


fato de que nenhuma pessoa seja excluída só por ser portadora de uma defici-
ência. Entretanto, não se pode afirmar que isso vem ocorrendo amplamente.
Assim, vale perguntar: mesmo sendo clara essa necessidade e havendo exi-
gências legais, você percebe que sempre tais leis são obedecidas mesmo em
edifícios públicos governamentais e nas escolas?

Tessaro (2005) nos mostra que nos Estados Unidos, onde a legislação deixa claro que
nenhum indivíduo excepcional poderá ser excluído ou sofrer discriminação pela sua condição de
deficiente, o Departamento de Direitos Civis realizou, em 1980, uma revisão em âmbito nacional
das condições das escolas e verificou que somente 60% dos prédios escolares, 55% das salas, 51%
dos laboratórios de ciências e 24% dos toaletes eram acessíveis às crianças com deficiências físicas.
Machado, Tiene, Silva, Galheira e Machado (2000) mostram que, apesar de não localizar-se
estatísticas brasileiras como vimos as dos Estados Unidos, a situação, nitidamente se mostra menos
favorável ao deficiente físico no ambiente nacional, embora ele tenha esses direitos garantidos por
lei como o art. 227, §2° e o art. 244 da Constituição Federal (1988); art. 220, inc. I, alínea c e art.
222 da Constituição do Estado do Paraná; art. 2° parágrafo único, inc. V, alínea a, da Lei 7.853/89
e Lei Estadual 11.818/97 (Paraná), que garante o direito a logradouros e edifícios de uso público
construídos ou que serão construídos

Ser deficiente físico não significa ser incapaz, significa apenas algumas limitações
que se intensificam devido às dificuldades impostas ao deficiente, as quais quase
sempre limitam suas possibilidades, prejudicando sua interação e desenvolvi-
mento como um todo.

Outro aspecto importante e que é destacado por Tessaro (2005) refere-se à época em que
se precisa iniciar o atendimento educacional adequado da criança portadora de deficiência física.
Kirk e Gallagher (1987/1996) mostram que esse atendimento tem de ser o mais precoce possível,
recorrendo-se, portanto, a uma educação, nos anos pré-escolares, sempre de forma sistemática.

6.6. Inclusão Escolar

75
De acordo com Simon (1991), as primeiras discussões referentes à inclusão de uma forma
geral foram deflagradas por movimentos anti-segregacionistas que aconteceram nos anos 60 do
século XX na França. Apesar disso, somente no ano de 1984 é que se observou que a educação
inclusiva conseguiu se fixar na França e tornou-se algo obrigatório a ser disponibilizada para todas as
crianças desse país.
Tessaro (2005) mostra que nos Estados Unidos ocorreu algo muito parecido, pois foi no
final da década de 1970 e no início da década de 1980 que muitos alunos portadores de deficiência
passaram a estudar em salas de aula do ensino regular, ao menos por meio período. Já os alunos
com deficiências mais graves, que no passado não receberam nenhum tipo de atendimento, também
começaram a ser atendidos em escolas regulares nos bairros em que viviam. Karagiannis; Stainback e
Stainback (1999) mostram que em 1986, a Divisão de Educação Especial e Serviços de Reabilitação
do Departamento de Educação dos Estados Unidos lançou a Iniciativa de Educação Regular (REI),
que tinha como propósito desenvolver formas de atender alunos portadores de deficiência em sala
de aula do ensino regular. Entretanto, foi no início da década de 1990 que o movimento pela inclu-
são ganhou ímpeto sem precedentes.
Tessaro (2005) destaca que na Itália esse movimento data de 1971, quando uma lei preco-
nizava que o ensino deveria ser ministrado em salas regulares de ensino público, exceto nos casos
em que o aluno possuísse uma deficiência intelectual muito grave ou deficiência profunda que o
impedisse de adquirir os conhecimentos em uma sala de aula regular.
Simon (1991) mostra que em 1977 outra lei italiana estabeleceu que todas as crianças fossem inse-
ridas na escola normal, a qual teve que assumir, portanto, a função de escola para todos
Como aponta Castro (1997) o discurso da inclusão no Brasil apareceu nos anos 1960 e
1970, relativamente cedo. Entretanto, apenas na década de 1980 é que começou a se proliferar,
quando foi criada, em 1986, a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE). Trata-se de um órgão federal com o objetivo de coordenar as ações das
secretarias e instituições referentes à pessoa portadora de deficiência, e que busca harmonizar pro-
gramas, potencializar recursos e aumentar resultados.
Werneck (1997) relata que a busca de uma escola que realmente atendesse a todos, foi
documentada pela primeira vez no México, no ano de 1979. Nesse período, um grupo de países,
por iniciativa da Unesco, assinou um projeto, o qual tinha por objetivo definir e adotar medidas
capazes de combater a elitização da escola nos países da América Latina. A partir de então, outros
documentos se sucederam.
O mais famoso deles é a Declaração de Salamanca, assinada em 1994, durante
uma conferência realizada naquela cidade espanhola, que contou com a parti-
cipação de mais de 300 representantes de 92 governos e de 25 organizações
internacionais, com o objetivo de promover a educação para todos. A Declara-
ção de Salamanca constituiu um marco muito importante na história da inclusão,
porque oficializou o termo inclusão no campo da educação.

76
Segundo Goffredo (1997) e Gotti (1998), o encontro em Salamanca reafirmou a Declaração
Universal de Direitos Humanos. de 1948, que consagra o direito de todos à educação, o qual é ra-
tificado na Declaração Mundial sobre Educação para Todos e reforçado pelas diversas declarações
das Nações Unidas, que culminaram na Declaração de Igualdade de Oportunidades para as Pessoas
com Deficiência, garantindo dessa forma que todas as pessoas portadoras de deficiência façam parte
do sistema educativo.
Janial e Manzini (1999) mostra que ficou decidido na Conferência realizada em Salamanca
que todas as crianças portadoras de deficiências deveriam ser incluídas em escolas comuns, consti-
tuindo-se em uma meta a ser atingida em nível mundial.
Apesar de convidado oficialmente a participar da Conferência em Salamanca, com todas as formas
do governo espanhol, o Brasil não enviou nenhum representante. Portanto. não houve a participa-
ção brasileira nesse momento especial do processo de inclusão (Werneck, 1997).
A Declaração de Salamanca constitui-se atualmente em um importante documento que trata
dos princípios. da política e da prática da educação para as pessoas com necessidades especiais. Vem
reafirmar o direito de todos à educação, independentemente de suas diferenças. Esse documento
também deixa claro que a educação das pessoas com necessidades especiais é pane integrante do
sistema educativo (BRASIL. Secretaria de Educação Especial, 1995). A Declaração recomenda que:

(...) as escolas se ajustem às necessidades dos alunos, quaisquer que sejam suas condições
físicas, sociais e linguísticas, incluindo aquelas que vivem nas ruas, as que trabalham, as nô-
mades, as de minorias étnicas, culturais e sociais, além das que se desenvolveram à margem
da sociedade (WERNECK, 1997, p. 50).

Segundo Karagiannís; Stainback e Stainback (1999), uma mensagem claramente transmitida


por essa Conferência foi que: “A educação é uma questão de direitos humanos, e os indivíduos com
deficiências devem fazer pane das escolas, as quais devem modificar seu funcionamento para incluir
todos os alunos” (p. 21).
De acordo com Bueno (2001), foi a partir da Declaração de Salamanca que a maioria dos
países começaram a implantar políticas de inclusão no ensino regular de alunos portadores de defi-
ciências. Dois fatores foram decisivos para que isso pudesse ocorrer: a perspectiva política de cons-
truir um sistema escolar de qualidade para todos e a constatação de que todas as crianças possuem
características, interesses, habilidades e necessidades individuais, o que toma imprescindível que a
escola se adapte a elas.
O Brasil, apesar de não ser signatário da Declaração de Salamanca, vem procurando colo-
cá-la em prática. Tem assumido o compromisso político de atribuir a mais alta prioridade política e
financeira ao aprimoramento do sistema educacional, tendo por meta toma-lo apto a incluir todas
as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais (Bueno, 2001).
Tessaro (2005) frisa que essa prioridade política e financeira a favor da inclusão escolar do
indivíduo portador de deficiência no Brasil, parece estar muito mais presente no papel (texto legal)
do que na ação. Pelas dificuldades que enfrentam as escolas públicas brasileiras, torna-se evidente

77
que há muito pouco investimento, não apenas no que diz respeito ao processo de inclusão escolar
da pessoa portadora de deficiência, mas no sistema educacional como um todo.
Isso nos leva a acreditar, como aponta Carmo (2001), que a lei, a norma registrada em um
papel, tem sido vista como mais importante do que a própria realidade concreta, objetiva e possível.
Quando se acredita na inclusão apenas sob 0 ponto de vista da legalidade, desconsiderando-se o
concreto, o real restringe-se a uma prática desarticulada, descomprometida com a realidade objetiva
das escolas brasileiras, gerando a segregação, o abandono e o comprometimento da autoestima das
pessoas envolvidas nesse processo.
É importante não ter uma visão simplista da educação inclusiva, isto e', não acreditar que ela
possa se concretizar do dia para a noite. É complexa e, segundo Mendes (2002), significa uma pro-
posta de aplicação prática no campo da educação de um movimento mundial, chamado de inclusão
social. Ela surge como um novo paradigma referente a um processo bilateral no qual as pessoas que
são excluídas e a sociedade em conjunto buscam realizar de forma efetiva a equiparação de oportu-
nidades para todos. Para essa autora, o movimento pela inclusão social está intimamente envolvido
com a construção de uma sociedade democrática, na qual todas as pessoas consigam conquistar
sua cidadania e o respeito à diversidade. É fundamental a aceitação da diversidade, como também
o reconhecimento político da diferença. Cabe nesse momento lembrar que o princípio básico da
educação inclusiva consiste em que

...todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificulda-


des ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às
diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de
aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos, por meio de currículo
apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias
com a comunidade (...) dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educa-
cionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que lhes
assegure uma educação efetiva (...) (UNESCO, MENDES, 2002, p. 75).

Gotti (1998) complementa afirmando que aceitar o ideal da inclusão escolar não implica
mudanças num “passe de mágicas”, mas sim em ações de toda a comunidade acadêmica, isto é, de
professores, alunos, pais e outros na luta pela conscientização do direito à cidadania. Coloca a sensi-
bilização e a conscientização da comunidade acadêmica como pré-requisitos fundamentais para que
se consiga refletir criticamente em torno de conhecimentos, informações e sentimentos de pessoas
com deficiência. Inclusão escolar, então, para essa autora, significa um novo paradigma no marco
conceitual e ideológico, o qual precisa envolver políticas, programas, serviços sociais, comunidade
etc.
Tessaro (2005) destaca que inclusão não implica desconsiderar a diversidade/diferença, ao
contrário, significa aceitar e reconhecer a diversidade na vida e na sociedade, isto é, identificar que
cada indivíduo é único, com suas necessidades, desejos e peculiaridades próprias.
De acordo com Karagiannis; Stainback e Stainback (1999), ensino inclusivo não representa

78
apenas juntar em um mesmo espaço físico alunos portadores de deficiência com alunos conside-
rados dentro dos padrões de “normalidade”. Significa, em um sentido mais amplo, incluir todas as
pessoas - independentemente de seu talento, deficiência, nível socioeconômico ou cultural - em
salas de aula com todas as suas necessidades atendidas. Miranda (2001) complementa observando
que pensar em uma escola inclusiva significa, em um primeiro momento, pensar em uma escola para
cada um, isto e', em uma escola em que cada aluno seja atendido de acordo com suas necessidades
e dificuldades, com recursos e metodologias que propiciem o seu desenvolvimento; uma diversidade
de ensino em que todos ganham, alunos deficientes e alunos não deficientes.
Nesse sentido, Norwich (2002) contribui afirmando que quanto mais flexíveis forem o ensi-
no e a aprendizagem para a inclusão, menores os impactos negativos de o sujeito diferente se sentir
efetivamente inserido nas classes regulares.
Martins (1999), Forest e Pearpoint (1997) e Figueiredo (2002) também chamam a atenção
para o fato de que integrar/incluir representa muito mais do que inserir fisicamente pessoas deficien-
tes no ensino regular ou em um ambiente comum. Para esses autores, a inclusão implica dar outra
lógica à escola, isto é, pensar em uma escola que não deixe nenhum aluno de fora. Uma escola que
atenda a todos sem exceção, que possa ser repensada em função das novas demandas da sociedade
atual, como também das exigências do novo alunado, é que deve ser instituída.
Figieiredo (2002) complementa afirmando que inserir o aluno ponador de deficiência em
uma escola que não foi redimensionada dentro de um novo paradigma, significa dar prosseguimento
ao processo de exclusão, pois se a escola se mantém dentro da perspectiva excludente, corn con-
cepções político-pedagógicas conservadoras, os alunos serão excluídos e não serão bem-sucedidos
em sua aprendizagem e desenvolvimento. A inclusão terá possibilidade de ocorrer somente quando
se transformar a escola, iniciando por desconstruir práticas segregacionistas, e isso implica: “ques-
tionar concepções e valores, abandonando modelos que discriminem pessoas com deficiência ou
qualquer aluno e, Finalmente, invalidar soluções paliativas” (p. 68).
Norwich (2002) traz para consideração que o reconhecimento da diferença pode levar à
estigmatização, mas, em contrapartida, não reconhecê-la pode implicar na falta de providências ade-
quadas que atendam às necessidades individuais dos sujeitos portadores de cuidados especiais.
Carmo (1998) percebe a pesada e ultrapassada estrutura escolar como a principal barreira
contra a inclusão escolar. Acredita o autor que a inclusão terá possibilidade de se concretizar somen-
te se essa estrutura for superada, pois em caso contrário a inclusão não passará de mais uma boa
intenção.

79
Levine, Hummel e Salzer (1982) observam que a integração acadêmica do
aluno no ensino regular, apesar de ter sido estabelecida pela legislação, não é
algo simples e envolve questões complexas, como:

Mrech (1998) também aponta a complexidade de incluir alunos portadores de deficiência


no ensino regular. Para a autora, a inclusão apenas poderá ocorrer a partir do momento em que a
escola passar por uma reestruturação, ou seja, quando ela estiver voltada para a comunidade, for
uma escola de vanguarda, dar a oportunidade de um bom desempenho aos seus alunos, incentivar
a colaboração e a cooperação, quando for capaz de oferecer ambientes educacionais flexíveis etc.
Trabalhos como os de Martins (1999), Jusevicíus (2002) e Tesini e Manzini (1999) demons-
tram que integração/inclusão escolar dos portadores de deficiência ainda se constitui em um concei-
to não muito claro entre os educadores de forma geral, uma vez que entre eles se observam contra-
dições no discurso. Em alguns momentos os educadores se mostram claros, receptivos e confiantes
em relação à inclusão, em outros se mostram confusos, desacreditados e com pouco conhecimento.
Petean e Borges (2003) afirmam que atualmente parece ser um consenso que os professores do
ensino regular não têm preparo, seja teórico seja metodológico, para participar da inclusão escolar.
Nesse sentindo, Tesini e Manzini (1999) alertam que integração/inclusão envolve também

(...) a melhoria da formação dos professores da rede regular de ensino em relação às ne-

80
cessidades educativas especiais; a definição de uma política que venha subsidiar princípios e
práticas para as necessidades educativas especiais, criando normas uniformes sobre a igual-
dade de oportunidades para pessoas com deficiência - física, intelectual, social, emocional,
linguística ou outras -; e desenvolvimento de uma pedagogia que se ajuste às necessidades
de cada criança, ao invés de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao
ritmo e a natureza do processo educativo (p. 87).

Goffredo (1999) acrescenta ser indispensável uma reforma na formação dos docentes, pois
é importante que esses profissionais sejam capazes de identificar e atender às necessidades especiais
de aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos portadores ou não de deficiências.
Mantoan (1997) se apresenta favorável à inclusão escolar e acredita ser possível a inclusão
total, isto é, todos os alunos com deficiência serem incluídos no ensino regular, independentemen-
te do seu grau de deficiência. Não obstante, ressalta que a escola atual precisa desenvolver novas
atitudes e formas de interação, o que toma necessária a inclusão de alterações no relacionamento
pessoal e social, e na maneira de concretizar os processos de ensino e aprendizagem. Como lem-
bra a autora, é por meio do aprimoramento do ensino na escola regular e da adição de princípios
educacionais aplicáveis a todos os alunos, principalmente aos portadores de deficiência, que poderá
ocorrer a inclusão escolar dos deficientes. A autora chama a atenção para os desafios a serem en-
frentados, que são muitos. Um deles seria a fusão, e não a junção do ensino regular com o ensino
especial. Fusão significa incorporar elementos diferentes para formar uma nova estrutura, desapare-
cendo os elementos iniciais, em sua condição original.
Não obstante, Mrech (2001) destaca a importância de cuidados necessários ao incluir urna
criança portadora de deficiência em classe comum do ensino regular. Para essa autora, o aluno com
deficiência deve receber um atendimento diferenciando de acordo com suas necessidades.

A autora supracitada afirma ainda que não contemplam o conceito de inclu-


são escolar atitudes como:
- Levar um aluno à classe comum sem acompanhamento do professor espe-
cializado;
- Ignorar as necessidades e as peculiaridades de cada aluno;
- Fazer alunos seguirem um único processo de desenvolvimento, ao mesmo
tempo e para todas as idades;
- Retirar o atendimento educacional especial antes do tempo e acreditar e
esperar que os professores da sala regular ensinem os alunos portadores de
necessidades especiais sem auxílio.
Nesse sentindo, pode-se dizer que se toma imprescindível um serviço psicológico de apoio
ao docente, de atualização no uso de metodologias individualizadas, de acompanhamento do alu-
no portador de deficiência e de orientação para os pais. Petean e Borges (2003) complementam
a reflexão afirmando que se faz necessário o preparo e a receptividade da escola como um todo,
envolvendo desde o diretor, professores, espaço físico e material pedagógico até as condições e
81
expectativas da família.
Referência à complexidade de integrar efetivamente uma pessoa com deficiência ao sistema
regular de ensino é feita por Khater (2000). A autora destaca que são necessárias mudanças signifi-
cativas nos programas educacionais, nas metodologias de ensino, assim como a criação de serviços
que ofereçam a essa população experiências ricas de convivência social respaldadas em suas poten-
cialidades, além do envolvimento com a comunidade e a família.
Mazzotta (2001) também compreende a inclusão escolar como um processo complexo,
envolvendo a construção de uma educação que abranja todos os cidadãos. Implica uma ação ba-
seada no princípio da inclusão de todos, independentemente de suas limitações e possibilidades
individuais. Segundo a autora, uma educação não excludente requer a clareza de que a inclusão não
se concretiza pela retirada de serviços ou ajudas especiais de educação, mas pressupõe a ampliação
da participação nas situações comuns para indivíduos e grupos que se encontram segregados. Seria
então uma educação baseada no princípio da inclusão, e não da segregação.
Torezan (1999) revela crer na inclusão escolar, mas faz questão de ressaltar que ela acon-
tecerá somente a partir do momento em que forem iniciadas mudanças na concepção vigente do
deficiente e da deficiência. A deficiência deve ser entendida como um fenômeno socialmente cons-
truído e não como um fenômeno exclusivamente individual.
Melli (2001) mostra-se receptiva à inclusão escolar e chama a atenção para um aspecto
que considera muito importante: sob alegação de que devem ser proporcionadas oportunidades
especiais as pessoas portadoras de deficiência, a sociedade comporta-se de forma assistencialista,
com atitudes segregacionistas e preconceituosas, retirando do convívio social as pessoas deficientes/
diferentes e confirmando-as em espaços limitados, onde convivem apenas com seus iguais.
Por seu turno, Glat (1998) deixa explícito que a inclusão escolar, para ela, carece de credi-
bilidade, considerando-a uma utopia comparável à utopia do socialismo. A autora acredita que um
movimento como esse concebe uma sociedade ideal, sem problemas, a qual parece estar longe de
se consolidar.
Para Glat e Nogueira (2002), não basta uma proposta se tornar lei para ser imediatamente
aplicada, porque muitos são os aspectos a serem considerados. Não se pode desconsiderar, ignorar
as barreiras, as dificuldades, a falta de estrutura, ou seja, as poucas condições ao se implantar um
projeto dessa natureza.
Glat et al. (1998) consideram que a escola inclusiva apenas deixará o plano imaginário a
partir de condições muito especiais de recursos humanos, pedagógicos e materiais. Esses autores
apontam o despreparo dos professores, para receber o aluno com deficiência em sua sala de aula,
como uma das principais barreiras para a efetiva inserção desse aluno no sistema regular de ensino.
Acreditam que o professor, no contexto da educação inclusiva, necessita de preparo para lidar com
as diferenças, com a singularidade e a diversidade de todos os alunos.
Esse despreparo dos professores tem sido confirmado por pesquisas desenvolvidas com
essa temática. Trabalhos como de Goffredo (1992), Camelo (1999), Antunes (2001), Gasparetto
(2001) e Faleiros (2001) apontam essas dificuldades. Esses estudos evidenciam que os professores,

82
na sua maioria, não são consultados e muito menos preparados para receber em suas salas alunos
portadores de deficiência, e sentem-se inseguros, preocupados e desamparados em sua atuação
profissional.
Tessaro (2005) mostra que há opiniões controvertidas em relação à inclusão das pessoas
portadoras de deficiência em classes comuns do ensino regular. Há os que são totalmente favorá-
veis, defendendo inclusive a inclusão total. Entendem-na como algo simples que pode se concretizar
em um curto espaço de tempo. Outros, por sua vez, são favoráveis, mas não à inclusão em larga
escala, por acreditarem que nem todos os alunos portadores de deficiência seriam beneficiados por
esse processo. Há ainda aqueles que se apresentam favoráveis, mas com algumas restrições, ou seja,
percebem a inclusão como algo complexo que envolve vários aspectos, como pôde ser observado
nas posições de alguns autores citados. Existem finalmente os que se opõem totalmente à inclusão,
talvez, como aponta Miranda (2001), por entenderem a escola inclusiva como realidade idealizada,
representações de um mundo perfeito que dificilmente vai se concretizar.
As pesquisas sobre inclusão ainda são bastante restritas e não enfocam suficientemente
todos os aspectos envolvidos; são predominantemente descritivas, não oferecendo suporte efetivo
para mudança. Vê-se a inclusão na família, no esporte, no trabalho, na escola. Aqui foi feita a opção
pela inclusão na escola, razão pela qual o recorte feito destaca a produção nesta subárea.
Não obstante, cabe frisar que felizmente vem aumentando o número de pesquisas e estudos
com essa temática, tanto em âmbito nacional como internacional. Pesquisas na área são imprescin-
díveis para ampliar o conhecimento, desenvolver e testar formas que viabilizem a inclusão. No Brasil
encontram-se algumas pesquisas que tiveram como tema a inclusão escolar. Esses estudos, em sua
maioria, investigaram concepções, opiniões, pontos de vista de pais, professores e alunos sobre a
inclusão do aluno deficiente no ensino regular. No âmbito internacional também há pesquisas de-
senvolvidas acerca desse tema. Muitos desses estudos tiveram igualmente como objetivo principal
investigar concepções de pais, de professores, de alunos, bem como a eficácia e a viabilidade da
inclusão escolar.
Mushoriwa (2001), ao pesquisar atitudes de professores em relação às crianças com defici-
ência visual (cegas) incluídas no ensino regular, verificou que a maioria dos professores apresentou
atitudes negativas (sociais e acadêmicas) para com a inclusão, e que tanto os professores do sexo
feminino como os do masculino rejeitam a ideia de inclusão. Esse estudo também sugere que as
crianças podem ser incluídas fisicamente, mas serem excluídas por meio das atitudes sociais e aca-
dêmicas dos professores. Muitos dos professores participantes da pesquisa informaram que esses
alunos deveriam estar em escolas especiais e não em salas de aula do ensino regular.
Breitenvieser (2001), em seu estudo com professores a respeitoda inclusão do deficiente
mental e físico no ensino regular, também constatou a presença de sentimentos que podem ser con-
siderados negativos do ponto de vista da inclusão. Para os professores que participaram do estudo, o
aluno com deficiência representa uma ameaça, provocando-lhes sentimento de pena, repulsa, medo,
insegurança, ansiedade e impotência. Esse estudo deixou evidente que o aprofundamento e a eficá-
cia de práticas inclusivas exigem congruência entre a proposta em si e sua aplicação, iniciando-se pela

83
atenção e respeito que precisam ser direcionados à interioridade dos professores. A autora conclui
afirmando que preparação e suporte psicológico aos educadores devem integrar esse processo, a
fim de proporcionar-lhes possibilidades de mudanças de postura e atitudes em relação aos alunos
deficientes incluídos no ensino regular.
Antunes (2001), ao realizar um estudo com o objetivo de investigar o processo inclusive em
escolas públicas de ensino fundamental, obteve um resultado semelhante ao revelado nos trabalhos
citados, ou seja, os professores se apresentaram contrários à implantação do modelo de educação
inclusiva em suas salas de aula. Eles não se sentem capacitados para atender ao aluno com defici-
ência. Acreditam desconhecer as técnicas específicas necessárias aos alunos advindos da educação
especial.
Em contrapartida, um estudo desenvolvido por Sacaloski (2001), mostra urna posição con-
trária à registrada nos três trabalhos referidos anteriormente. A0 investigar as opiniões de alunos
deficientes auditivos, de alunos ouvintes, de pais e de professores sobre a inclusão escolar de defi-
cientes auditivos, constatou que, na opinião da maioria dos participantes, os alunos deficientes au-
ditivos devem estudar em classe comum e podem trabalhar e ser hem- sucedidos. Os professores
mencionaram que os alunos não ouvintes podem acompanhar a sala com desempenho satisfatório,
e mostraram-se receptivos e com atitudes positivas quanto à inclusão dos alunos deficientes na clas-
se regular. Essa pesquisadora também investigou o desempenho comunicativo/linguístico, cognitivo
e acadêmico dos alunos ouvintes e dos alunos portadores de deficiência auditiva incluídos no ensino
regular, tendo obtido o seguinte resultado: os alunos deficientes auditivos apresentaram um desem-
penho inferior ao dos alunosouvintes quanto à emissão oral, leitura, escrita, tarefas acadêmicas de
soma e subtração, e resolução de problemas.

No que se refere às pesquisas desenvolvidas com pais de alunos portadores


de deficiência quanto à inclusão de seus filhos no ensino regular, observam-se
também algumas controvérsias. Há país que ainda se mostram mais resisten-
tes, há os menos resistentes e existem aqueles que são contrários por não
acreditarem na possibilidade de uma real inclusão de seu filho.

Kasari; Freeman; Bauminger e Alkin (1999), ao investigarem a opinião dos pais de alunos
com autismo e síndrome de Down sobre a inclusão, verificaram que muitos pais eram contrários à
inclusão de seus filhos. Os pais dos alunos com síndrome de Down se mostraram menos receptivos
à inclusão do filho no ensino regular do que os pais de alunos autistas. Outro dado observado por
esses pesquisadores foi que os pais de crianças mais jovens e de crianças que já haviam participado
da educação geral se mostraram mais favoráveis à inclusão do que aqueles com crianças mais velhas
ou cujos filhos participavam então da educação especial. Em contrapartida, pesquisas desenvolvidas
por Boselli (2001) e Sacaloski (2001) revelaram que os pais são favoráveis à inclusão de seus filhos
nas classes regulares de ensino.
Quando o assunto é inclusão, vale destacar a pesquisa desenvolvida por Schramm (2001)

84
acerca da inclusão de alunos com síndrome de Down no ensino regular. Esse autor nos faz constatar
que as crianças com essa deficiência, provindas de classes econômicas mais elevadas, frequentam em
maior número a rede regular de ensino, enquanto as mais pobres, na sua maioria, frequentam esco-
las do tipo segregadas. Observou-se também que os professores demonstram certa dificuldade em
lidar com o problema da educação da criança portadora de deficiência no ensino regular e desejam
um currículo mais bem elaborado, com conteúdo que aborde a inclusão do portador de deficiência
no ensino regular de uma forma mais didática. Constatou-se, finalmente, certo descaso das autorida-
des governamentais em relação à inclusão da criança deficiente no ensino regular. A autora conclui
confirmando a necessidade de superar o preconceito em relação à pessoa portadora de deficiência
mental, em especial àquela que apresenta síndrome de Down.

Com tudo o que estudamos aqui nesta unidade podemos considerar que
ainda é difícil falar, pensar e discutir a inclusão da pessoa portadora de defici-
ência, quer no âmbito social quer no educacional/escolar. Essa sempre foi e
continua sendo uma sociedade excludente e de excluídos. Exclui não apenas
o deficiente, mas todos aqueles que se distanciam dos padrões e das regras
socialmente construídas como normais.

85
VII Unidade VII -
Educação
Especial

Objetivos da Unidade
Objetivo geral
Analisar o papel da educação àqueles que não tiveram acesso ou continui-
dade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade própria.

Objetivos específicos
Avaliar a educação de jovens e adultos e seus objetivos frente à inclusão
social.
Estimar processos de ensino e aprendizagem para jovens e adultos que
oportunizem o ampliar das ferramentas culturais, ideológicas e políticas
para todos possam viver dignamente nas realidades que os envolvem.
Unidade VII
Outro importante ponto a ser abarcado pela escola como espaço privilegiado para mu-
danças em torno de uma educação que respeite a diversidade, não só étnico-racial, mas sobretudo
frente às diferenças sociais/econômicas inerentes à realidade Brasileira é a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).

A EJA É uma modalidade da educação básica, reconhecida na LDBEN no.


9.394/1996, que no art. 37 destaca: “A educação de jovens e adultos será
destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
Ensino Fundamental e Médio na idade própria”.

Essa modalidade educacional tem por finalidade a inclusão social das pessoas que, pelos ‘mais
variados motivos’, não conseguiram ou não tiveram a chance de sequer ingressar ou, se ingressaram,
não tiveram a oportunidade de terminar a educação básica no tempo regular de escolarização.

Quando nos referimos à educação básica estamos falando do que conhece-


mos como ensino básico, fundamental e médio.

Assim vamos, nesta unidade, refletir sobre os caminhos para a superação desses ‘mais va-
riados motivos’, que muitas vezes se entrelaçam e acabam por produzir o que frequentemente se
chama de fracasso escolar e consequentemente o abandono da escola.

7.1. Educação Para Aqueles Que Não Tiveram Acesso Ou Continuidade De Estu-
dos No Ensino Fundamental E Médio Na Idade Própria

Para podermos iniciar com nossas reflexões aqui é importante que levantemos algumas
questões baseados em Souza (2012): Você já pensou no fato de, apesar de estarmos no século XXI,
tratarmos aqui de educação de jovens e adultos e não somente em educação de adultos? Quais são
os fatores que fazem os jovens buscarem essa modalidade da educação básica? O que mudou nos
últimos anos? Por que falar em EJA profissional? O que aconteceu na história de vida das pessoas
que não concluíram a escolaridade na idade adequada? De que forma a política educacional incorpo-
rou a EJA como modalidade educacional básica? Que formação possuem os professores que atuam

87
com a EJA? Quais dificuldades enfrentam no seu fazer pedagógico? E a educação popular, ainda exis-
te? Essas são algumas das questões sobre as quais queremos refletir e outras tantas surgirão entre
aqueles que têm interesse em aprofundar a temática.
Essas são questões que certamente não conseguiremos responder de imediato, mas que
precisam ser colocadas para que possamos manter sempre viva a nossa capacidade crítica frente à
realidade da educação e multiculturalismo em nosso atuar docente.
Então, para desenvolvermos nossas reflexões sobre a EJA, vale destacar que a realidade das pessoas
que não conseguiram ingressar ou mesmo terminar a educação básica porque que não tiveram aces-
so à escola na idade adequada é algo que se mostra presente e conhecido por muitas pessoas em
nosso país. Muitas dessas pessoas são migrantes que acabam por buscar oportunidades em cidades
de médio e grande porte e que possuem um capital cultural repleto de conhecimentos do mundo
da vida. Esses sujeitos, frequentemente são vistos como pessoas que anseiam pela ressignificação
dos seus conhecimentos.
Podemos, contudo, falar que essas pessoas podem ser identificadas independentemente de
características étnico-raciais, apesar de termos dados que mostram que a maior parte desses sujeitos
têm características marcantes ou traços afrodescendentes e/ou indígenas. São pessoas que, como
vimos nas unidades anteriores deste guia de estudos, são oriundos de percursos históricos e sociais
marcados pela exclusão e perdas, apesar de também serem marcados pelas esperanças.
Portanto, nesta unidade vamos refletir tendo em vista aspectos da trajetória de vida dessas
pessoas concretas e reais, para que seja possível, enquanto educadores, construirmos relações entre
os saberes e fazeres da vida e os conteúdos necessários a um processo de ensino e sobretudo de
aprendizagem que vá além do estágio em que esses sujeitos frequentemente se encontram. Um
processo de ensino e aprendizagem que oportunize o ampliar das ferramentas culturais, ideológicas
e políticas para todos possam viver dignamente nas realidades que os envolvem.
Para continuarmos nossas reflexões aqui se faz primordial, tal como faz Souza (2012), levan-
tarmos duas questões fundamentais sobre o percurso da EJA no Brasil:

Quem são os sujeitos da EJA? O que buscam?

Como mostra Souza (2012), nos dias atuais é praticamente consenso que o sujeito atendido
pela EJA possui uma vasta bagagem cultural e que os conteúdos da EJA precisam ter estreita liga-
ção com essa realidade. Ainda essa autora mostra que desde a metade do século XX, as principais
pessoas que eram atendidas pela educação de adultos eram migrantes de várias localidades do rural
brasileiro, que se dirigiam para as cidades. Nesse sentido é importante compreender que:

Na área rural havia poucas escolas e nela era difundida a ideologia de que o trabalhador

88
rural não precisava de estudos para pegar na enxada. Num período (década de 1940) em que
os levantamentos de dados demonstravam que o analfabetismo era uma das características
do subdesenvolvimento do pais, as autoridades políticas dedicaram atenção a essa parcela da
população, com o intuito de que adquirissem formação para "decifrar" os códigos da escrita
(SOUZA, 2012, p. 17).

Segundo Kleiman (2000) em meados do século XX se tinha o entendimento de que o adulto


que não ler e nem escrever era considerado deficiente e incapaz de aprender. Essa concepção deixou
de ser amplamente considerada depois da década de 1950, deixando de ser aceita nos círculos acadê-
micos no desse período, muito em função dos trabalhos de educadores e psicólogos. Mas, como revela
Kleiman (2000, p. 17), "esse preconceito não sumiu do imaginário nacional e continua influenciando o
trabalho de muitos professores, os quais, assim, justificam o fracasso de seus alunos".
Como afirma Souza (2012), é importante entender que o sujeito da EJA não é aquele que fra-
cassa, pois é preciso compreender que a ideia de fracasso escolar não pode ser atribuída ao aluno, pois:

Existem fatores estruturais, ou seja, os quais possuem raízes profundas na sociedade, que são
em grande medida responsáveis pela existência de pessoas fora da escola; outras que desistem
da escola e outras que ingressam tardiamente ou que repetem várias vezes de ano. As condi-
ções sociais e a desigualdade social, somadas às frágeis politicas educacionais, integram o rol de
fatores que contribuem para a existência de analfabetos, de pessoas com baixa escolaridade no
país e, consequentemente, para a existência de projetos e programas de EJA (SOUZA, 2012,
p. 18).

Além do mais, ainda como destaca a autora acima é importante notar que as muitas mudanças
econômicas, sociais e politicas marcaram o século XX. Já no campo tecnológico, o avanço é notório, o
que abre espaço para que novos formatos de EJA sejam realizados, sendo um deles a EJA na modalida-
de de EaD (Educação a Distância).

Souza (2012) ainda destaca que a categoria dos jovens integra grande parte dos projetos e pro-
gramas de EJA, pois:

Há um movimento na sociedade e no mundo escolar que faz com que o jovem não termine
sua escolaridade no tempo e no ensino regular. E, se os sujeitos têm especificidades, seja como
trabalhador ativo, seja como pessoa em busca de emprego, é importante que a prática educa-
tiva e os conteúdos escolares ultrapassem os limites tradicionais e que estejam articulados com
as experiências e as inquietações vividas cotidianamente (p. 18).

Essa autora mostra que no passado, os sujeitos da educação de adultos buscavam o estudo
como forma de se inserirem no mundo da produção industrial, como maneira de melhorar de emprego
e de superar a vergonha de "ser analfabeto", numa sociedade em que o processo de industrialização
estava em franco desenvolvimento.
Como afirma Melo (1997) a alfabetização da história oficial, via campanhas ou via ensino público

89
regular, portanto:
(...) tem sido planejada a partir de uma fala apropriada de grupos de trabalhadores e, por
isso, nada mais tem significado, na prática, do que uma alfabetização mecânica, funcional em
que o ato de ler e de escrever tem se transformado em simples aquisição de algumas habi-
lidades técnicas, motoras, cujo objetivo tem sido direcionado para o aumento da produtivi-
dade do sistema. A alfabetização - como mero valor de produtividade - tem condicionado
os trabalhadores a aceitarem, em muitos momentos, as regras e as imposições do capital.
Tem-se armado, portanto, um jogo de linguagem em que a apropriação e a submissão têm
adquirido várias faces (p. 41).

Signorini (2000) mostra em seu estudo desenvolvido com trabalhadores safristas da cana
que:
O que se pode verificar, de fato, é que tanto a condição de 'safrista' quanto a de "boia-fria"
determinam modos precários de inserção desses trabalhadores na comunidade local e, em
consequência disso, nas atividades socioculturalmente significativas. A condição de migrante
da zona rural de regiões não desenvolvidas do país e' um agravante nesse processo de
inserção precária na medida em que cria demandas múltiplas de adaptação acelerada do
trabalhador a ritmos e a práticas fortemente determinadas pela referência industrial urbana,
inclusive no trabalha agrícola controlado pelas usinas, com seus parâmetros de otimização
e de produtividade (p. 43-44).

Mas para podermos trabalhar o processo de ensino e aprendizagem na EJA


se faz mister compreender esses alunos e para tal precisamos, consequen-
temente, procurar sempre entender o que buscam hoje os sujeitos da EJA?

Souza (2012) nos mostra que a maioria desses sujeitos são jovens, bem entre 15 e 29 anos
e:
Alguns continuam buscando alternativas de melhorar a condição de emprego, ou seja, há
uma racionalidade técnica por trás da continuidade escolar. Alguns buscam o estudo com a
intenção de conquistar o primeiro emprego, outros estão na EJA para acelerar a obtenção
do diploma escolar, outros estão em função de repetência e desistência no ensino regular e
outros retornaram após algum tempo para os bancos escolares, com a intenção de ampliar
a escolaridade (p. 20).

Como destaca Arroyo (2007) é notório que ao longo desses últimos anos, cada vez mais a
juventude, os jovens e os adultos populares se mostram “mais demarcados, segregados e estigmati-
zados [...] a juventude popular está cada vez mais vulnerável, sem horizontes, em limitadas alternati-
vas de liberdade” (p. 6).
Souza, portanto, nos mostra que é essa juventude que tem sido o sujeito central nas salas de
EJA. Sendo assim, podemos também, como faz essa autora, as seguintes perguntas:

90
O que muda na organização do trabalho pedagógico? Os alunos estão cada
vez mais excluídos da sociedade, e qual é a tarefa que cabe à escola?

São questões que Souza (2012) chama a atenção que todos os educadores, gestores e re-
presentantes governamentais deveriam fazer, já que a tarefa vai além dos limites escolares e depende
de posição e ação política de valorização desse segmento social que vive na pele as condições prin-
cipalmente negativas do modo de produção capitalista como se observa no esquema abaixo:

Souza (2012) mostra que dessa forma, os sujeitos da EJA hoje são diversos: trabalhadores,
aposentados, jovens empregados e em busca do primeiro emprego; pessoas com necessidades
educativas especiais, para citar alguns. Daí decorre também a preocupação com o conceito de diver-
sidade cultural no contexto da EJA. Os sujeitos da EJA atualmente são o trabalhador experiente e o
jovem com outro tipo de experiência no mundo. A relação entre educação e trabalho está bastante
presente nessa modalidade da educação básica, a exemplo dos programas que atendem às deman-
das voltadas ao ensino médio e profissional.
Nesse sentido Arroyo (2007) mostra que "a EJA tem de ser uma modalidade de educação
para sujeitos concretos, em contextos concretos, com históricas concretas, com configurações con-
cretas" (p. 7).

91
Mas se a EJA precisa ser uma modalidade de educação para sujeitos concre-
tos, em contextos concretos, com históricas concretas, com configurações
concretas, por outro lado se faz importante também procurarmos entender
a quem interessa a EJA politicamente?

Souza (2012) mostra que desde 1949 acontece no plano internacional a Conferência Inter-
nacional de Educação de Adultos (Confintea), pois:

O debate nessas conferências caminha do questionamento em torno do papel do Estado


na educação de adultos até a alfabetização e a aprendizagem como direitos. No plano
nacional, foi a partir de meados do século XX que os programas governamentais e as
campanhas populares conquistaram o cenário nacional. Em meio a mudanças políticas e
socioeconômicas, a educação de adultos continua na pauta de movimentos, organizações
e instâncias governamentais. Resta analisar o que de fato tem sido feito quanto à escolari-
zação e efetivação do direito ao acesso ao conhecimento no país (SOUZA, 2012, p. 21).

Souza (2012) destaca que durante muito tempo, a EJA teve o intuito de
superar o atraso daqueles que não sabiam ler nem escrever, adotando uma
concepção instrumental de educação, sem levar em conta a experiência de
vida dos trabalhadores. Havia o interesse político de “erradicar” um dos ma-
les do subdesenvolvimento, mas não o de provocar rupturas para superação
dos reais problemas sociais e estruturais da sociedade brasileira, como a
concentração de renda e de terras.

Ainda a autora supracitada mostra que os movi-


mentos populares, em meados do século XX, focaram
atenção à educação de adultos. Paulo Freire, junto a uma
equipe de educadores empenhados com a mudança social,
é um dos educadores que sistematizou uma concepção de
educação com o objetivo de dar outra intencionalidade
política à educação e à EJA, que se contrapunha à concep-
ção instrumental. Esse educador e pensador da Educação
organizou as experiências que geraram as bases da con-
cepção dialógica de educação, a qual, na modalidade da
EJA, teria a pesquisa dos temas geradores como fonte da
prática educativa, como um dos componentes do proces-
so de conscientização, emancipação e libertação. Além do
mais ele formulou a concepção de alfabetização como ato

92
de conhecimento, compreensão do mundo e da importância do sujeito no mundo e na sua trans-
formação.

Em tempos anteriores, a educação de adultos era uma alternativa que o Es-


tado oferecia para as pessoas iniciarem ou darem continuidade aos estudos.
A educação popular constituía outra alternativa de estudo, particularmente
para os trabalhadores. E nela se assentava uma intencionalidade política, de
libertação, de conscientização e de transformação das pessoas e da socie-
dade.

Segundo Souza (2012) em tempos atuais, a EJA está presente em muitos projetos, desde
os municipais aos federais. Entretanto, parece residir uma preocupação politica com a certificação
das pessoas, com a ampliação do número de escolarizados, e não com os conhecimentos a serem
desenvolvidos nessa modalidade da educação básica. Ao mesmo tempo em que se enfatiza o di-
reito social à educação, parece haver um distanciamento em relação ao direito humano de acesso
ao conhecimento.

Podemos nos perguntar, portanto, como foi a ampliação do debate da EJA


ao final do século XX?

Para podermos buscar respostas para a pergunta acima, Souza (2012) nos mostra que tal
ampliação decorre das reflexões e projeções elaboradas nas Conferências Internacionais de Educa-
ção de Adultos (Confinteas). A primeira delas ocorreu no final de 1940, na Dinamarca; em 1960 foi
no Canadá; em 1972 aconteceu no Japão; em 1985 na França; em 1997 na Alemanha; em 2003 na
Tailândia e em 2009 no Brasil. Ireland (2010) descreveu os temas centrais de cada conferência, sen-
do possível notar que a reflexão integra a preocupação com a cooperação necessária ao desenvol-
vimento da educação de adultos; o papel do Estado; o direito de aprender; o papel da alfabetização
em relação à equidade e reconhecimento das diferenças e avaliação das metas da década do milênio.

Para saber mais sobre a Conferência Mundial, consulte o link”:


http://www.unesc0.org.br/publicucoes/copy_of_pdj7decjonltien

93
Fazendo uma retrospectiva no plano internacional, vamos constatar, mediante as contribui-
ções de Gadotti (2005, p. 34), que foi na IV Confintea, realizada na cidade de Paris, em 1935, que
emergiu uma pluralidade de termos para se referir à educação de jovens e adultos, a exemplo de
alfabetização de adultos, pós-alfabetização, educação rural, educação cooperativa etc. Assim, a de-
nominação educação de adultos perde força.
Como o leitor pode perceber, ora utilizamos a expressão educação de adultos, ora falamos
em BIA. No Brasil, foi com a LDBEN n” 9.394/1996 que a terminologia passou a ser EIA, dando
novas faces ao chamado ensino supletivo, anunciado na Lei n" 5.692/1971, e à educação popular,
nos termos em que foi discutida na década de 1960.
Em 1990, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, os
participantes proclamam a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessi-
dades Básicas de Aprendizagem.

Os objetivos da conferência mundial sobre Educação para todos foram:

94
Souza (2012) mostra que desde a década de 1990, modificações foram realizadas na legis-
lação, diretrizes curriculares da EJA foram publicadas e metas foram inseridas no Plano Nacional de
Educação (PNE). Enfim, o estudo da legislação da EJA auxiliará na compreensão das faces políticas
dessa modalidade educacional. Não menos importante é o estudo dos movimentos populares que
à EJA dedicaram atenção, pois ficará evidente outra face politica da EJA, no plano internacional de
debate sob a bandeira dos direitos sociais e da cidadania.

Devemos nos perguntar se, em meio a tantas conferências, encontros, mo-


vimentos e propostas educacionais, a EJA atingiu alguns propósitos. Portanto
podemos, frente à atuação na EJA ou reflexão sobre tal modalidade educa-
tiva, sempre nos perguntar:

Duas concepções de educação marcaram a prática educativa da EJA como mostramos na


figura a seguir:

95
Como Souza (2012) mostra, com a segunda concepção seria possível problematizar a reali-
dade da população, bem como lhe favorecer a aquisição das condições de oralidade, leitura e escrita
das primeiras palavras, frases e textos. Assim, a educação teria uma função social de ensinar a ler,
escrever e, especialmente, trabalhar com a leitura do mundo, numa perspectiva de conscientização
política.
Portanto, trata-se de duas práticas:

96
Como mostra Pinto (2000), a percepção ingênua da educação entende, portanto, o edu-
cando como "ignorante". Negando esse pensamento, esse autor afirma que “A educação escolar
ou a de adultos sempre toma o educando já como portador de um acervo de conhecimento [...]
resultados da prática social do homem (criança ou adulto) e de sua formação até o momento em
que começar a receber educação institucionalizada" (PINTO, 2000, p. 61).
Outra característica que identificamos dessa concepção é ver o educando como puro "ob-
jeto da educação". Para ele, essa é a "atitude ingênua mais frequente: supor que cabe ao educador
formar, plasmar o aluno (como se costuma dizer), concebendo-o como massa amorfa à qual com-
pete dar a forma viva ao saber" (PINTO, 2000, p. 61). São características também pensar a educa-
ção como transferência de conhecimentos finitos e percebe-la como dever moral da fração adulta,
educada e dirigente da sociedade.
Contrapondo-se a esse modo de conceber o sujeito do processo educativo nessa ação, o
autor nos esclarece a concepção crítica de educação, em que o educando é visto como "sabedor e
desconhecedor" - ele é sujeito da educação, e esta consiste em uma nova proporção entre conhe-
cimento e desenvolvimento (PINTO, 2000, p. 64).

Como mostra Souza e Mota (2007): há sempre a necessidade de se reco-


nhecer o ambiente de origem do aluno, a ‘ecologia linguística’ da sua comu-
nidade, torna-se fundamental para promover o diálogo em sala de aula.

Como afirmam Souza e Mota (2007):

A necessidade de reconhecer o ambiente de origem do aluno, a "ecologia linguística" da


sua comunidade, torna-se fundamental para promover o diálogo em sala de aula. Conside-
rando que a aprendizagem se processa pela interação (ou interação) entre os interlocuto-
res e seus textos orais e escritos (p. 507).

Baseados em Souza (2012) podemos entender que o estudo das concep-


ções de educação que orientaram a EJA em cada momento de sua trajetória
facilitará a compreensão das diferentes práticas educativas e de suas intencio-
nalidades. É buscando conhecer que se conhece. A dúvida, a interrogação, a
curiosidade e a dialogicidade são características imprescindíveis a uma prática
criativa frente às reflexões sobre a EJA.

97
Unidade VIII -
VIII Educação
Profissional

Objetivos da Unidade
Objetivo geral

Compreender e distinguir elementos básicos sobre a implantação e de-


senvolvimento da educação profissional no Brasil

Objetivos específicos

Analisar aspectos da educação profissional frente à realidade Brasileira.


Debater ideias sobre educação frente a oferta de cursos e atividades de
educação profissional no ensino básico, no técnico e no tecnológico.
Unidade VIII

Oliveira (2003) mostra que só se pode falar em Sistema Educacional Brasileiro a partir de
1930, pois foi quando ocorreu a consolidação do Estado Nacional e, em consequência disso, a
educação passa a ter diretrizes e normas legais vigentes em todo o Brasil. Nesse sentido, há de se
destacar que:

Em relação ao ensino profissional, a década de 1930 foi, também, um marco importante,


como será posteriormente explicitado; contudo, não se pode deixar de mencionar, neste
trabalho, algumas iniciativas anteriores que são importantes para a retrospectiva histórica
que se pretende desenhar. Nessa perspectiva, foram tomados como referência tanto teó-
ricos que estudaram a educação brasileira de uma forma mais geral e abrangente, quanto
aqueles que vêm se dedicando, mais especificamente, à educação profissional (OLIVEIRA,
2003, p. 30).

Ainda a autora supracitada mostra que temos atualmente uma grande falta de um maior
número de pesquisas nesse campo, principalmente de trabalhos que abarquem a pesquisa empírica.
Assim, pode-se afirmar que o ensino profissional brasileiro, destinado à formação do trabalhador,
vem se constituindo em um tema ainda pouco estudado, no âmbito da educação nacional. Talvez
por isso que a maioria dos estudiosos tem priorizado a pesquisa voltada para o ensino dedicado às
elites, que é orientado para o trabalho intelectual (OLIVEIRA, 2003).

Cunha (20003) destaca que foi no período do Império, em 1809, quando da criação do
Colégio das Fábricas, no Rio de Janeiro que se observou por um instituição que objetivava ministrar
um ensino mais prático, destinado para a aprendizagem de ofícios. Algo que se estabeleceu como
um paradigma, no que tange a criação de outras escolas semelhantes.

8.1. Implantação E Evolução Da Educação Profissional No Brasil

Cunha (2000b), mostra que mais tarde, em 1857, instala-se no Rio de Janeiro a denominada
Sociedade Propagadora de Belas Artes, que cria o Liceu de Artes e Ofícios. Esse liceu, segundo foi
logo abolido, em decorrência da necessidade de recursos que se consubstanciava, principalmente,
na carência de infraestrutura de suas instalações, equipamentos e oficinas (OLIVEIRA, 2003).
Segundo Romanelli (1988), no período inicial da República, a educação ainda representa
a própria dualidade inerente à sociedade brasileira, consubstanciada em uma desigual e intensa
distribuição de rendas, que implica em uma inevitável distribuição desigual de saberes. Na verdade,
se “oficializava a distância que se mostrava, na prática, entre a educação da classe dominante (es-
colas secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a educação do povo (escola primária e escola
profissional). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da organização social
brasileira” (ROMANELLI, 1988, p. 41).
99
Cunha (2000a) mostra que na época em apreço, observa-se por uma penetração do pen-
samento positivista que implica em um surto de industrialização e à exasperação dos movimentos
anarcossindicalistas. E é nesse contexto que:

(...) foram criadas, em 19 estados, as Escolas de Aprendizes e Artífices por intermédio da


iniciativa de Nilo Peçanha, em 1909, pelo decreto n” 7.566 de 1909. A localização dessas
escolas nas capitais e não nos polos manufatureiros evidencia uma preocupação mais po-
lítica do que econômica, representada pela necessidade de o governo federal marcar sua
presença nos estados, para barganha: cargos e vagas nas escolas, em troca de favores de
políticos regionais. A única exceção foi no Rio de Janeiro, onde a escola se estabeleceu em
Campos, terra natal de Nilo Peçanha (CUNHA, 2000a, p. 67).

Oliveira (2003) destaca que, além do propósito ideológico-político explicitado, nessas esco-
las para órfãos e desvalidos da sorte, o trabalho era entendido e abordado como algo a regenerar a
personalidade dos alunos. Essas instituições compunham um sistema autônomo e diferente da for-
ma, organização, currículo e objetivos das diversas instituições de ensino da época, que objetivavam
uma formação humanista, onde se viam distantes os conteúdos mais pragmáticos que se mostravam
mais tendenciada para a formação profissional. Eram escolas tanto precárias no que se refere à infra-
estrutura e também sem definições no que tange à sua função, já que não eram vistas como escolas
nem como oficinas.

Ressaltamos aqui que essas instituições se mostravam mais tendenciadas para


o ensino artesanal, sendo que apenas a de São Paulo, em razão do surto ma-
nufatureiro emergente neste estado que focou no setor fabril por meio de
cursos de mecânica, tornearia, eletricidade etc.

Não obstante, nesse mesmo período observamos o início das experiências de educação
profissional, no âmbito do ensino primário, nas áreas agrícola e artesanal que, no entanto, não ob-
tiveram os resultados esperados. Assim, ainda na década de 1930, quando principia a chamada Era
Vargas (1930 a 1945), observamos o marco da arrancada centralizadora do Governo Provisório,
então instaurado, e síntese, segundo Xavier (1990b), de tendências predominantes no campo edu-
cacional, efetiva-se a Reforma Francisco Campos, por meio de uma série de decretos que contem-
plavam a organização do ensino superior, médio, secundário e profissional.
Oliveira (2003) mostra que não cabe, no âmbito deste trabalho, analisar a referida reforma,
mas apenas ressaltar o que ela promoveu, pelo decreto 20.158/31, na área do ensino comercial, que
se transformou em um ramo especial do ensino médio, mas sem qualquer interlocução com o ensi-
no secundário e com o ensino superior. Seus egressos só tinham acesso ao nível superior se fossem
aprovados em exames, nos quais eram avaliados nas disciplinas do currículo do ensino secundário e,
mesmo assim, exclusivamente no curso que lhe dava continuidade, isto é, contabilidade:

100
(...) O ensino profissionalizante acabou por se situar como uma espécie de “mal necessário"
do mundo moderno, discriminado e marginalizado dentro do sistema: uma educação limi-
tada e delimitada para aqueles cujas carências econômicas impedissem o prosseguimento
dos estudos, lançando-os precocemente no mundo do trabalho. Mesmo assim, a reforma
limitou-se ao ramo comercial omitindo o ensino industrial, aparentemente priorizado no
discurso renovador. (XAVIER l990a, p. 92)

Uma década depois, mais precisamente em 1942, e objetivando dar prosseguimento ao


trabalho de renovação e elevação do ensino secundário, iniciado por Francisco Campos, elabora-se
a Reforma Capanema, em um contexto marcado pelo autoritarismo (Estado Novo) e pelo denomi-
nado "nacionalismo estratégico", defendido por Vargas.
Oliveira (2003) destaca que nessa perspectiva, a reforma organiza nacionalmente, pela pri-
meira vez no Brasil, o ensino técnico-profissional atendendo, dessa forma, às antigas reivindicações
sociopolíticas e às emanadas do setor produtivo. Conforme Ramos (1999), a referida organização
do ensino profissional se processou, também, em virtude da conjuntura da Segunda Guerra Mundial,
da expansão industrial dela resultante e da necessidade de formar mão de obra para essa área.
Segundo Xavier (l990a), no ramo industrial a Reforma parece que não atendeu adequada-
mente às aspirações relacionadas a esse ramo de ensino. Por um lado, a lei não garantia a fundação
da infraestrutura necessária uma eficaz formação da mão-de-obra, principalmente no que se refere
ao aspecto prático e instrumental do ensino, que assegurasse aos formandos desse ramo, uma colo-
cação efetiva e imediata. “Isso contribuiu para o afastamento gradual e a inadequação crescente dos
cursos de formação profissional com relação às exigências do mercado”. (XAVIER, l990a, p. 112)
Cunha (1973) destaca que a Reforma Capanema, em síntese, legitima as propostas dualistas
que visam formar intelectuais por um lado (ensino secundário) e trabalhadores por outro (cursos
técnico-profissionais), acirrando, assim, o caráter discriminatório conferido ao ensino profissional,
que permaneceu não tendo acesso amplo ao ensino superior. Assim, os egressos do ensino técnico
-industrial só poderiam concorrer aos processos seletivos de engenharia, química industrial, arquite-
tura, matemática, física e desenho. Assim, Oliveira (2003) destaca que:

Capanema criou, também, um sistema paralelo, representado, inicialmente, pela criação do


Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendiza-
gem Comercial (Senac). Posteriormente foram implantados o Serviço Nacional de Agricul-
tura (Senar) e o Serviço Nacional de Transporte (Senat), que completaram o denominado
Sistema S (p. 33).

Essa autora esclarece que, ao contrário do que foi veiculado, a criação do


Senai e do Senac não se constitui em uma iniciativa do empresariado que,
na época, resistia à instituição de uma aprendizagem sistemática, vinculando
trabalho e escola.

101
Além disso, Oliveira (2003) também mostra que os empresários também se opunham à
remuneração dos trabalhadores-aprendizes. O que quer dizer que a criação desses serviços foi uma
imposição de Vargas, que obrigou os empresários a assumirem a capacitação dos trabalhadores.
Oliveira (2003) denota também, que a reforma em apreço promoveu uma clara diferencia-
ção entre as Escolas Industriais (destinadas aos alunos que, geralmente, não trabalhavam e estavam
vinculados aos ramos técnico-profissionalizantes) e as Escolas de Aprendizes (ligadas aos recém-
criados Senai e Senac), nas quais os aprendentes eram trabalhadores, pois nas primeiras, os alunos
tinham uma formação mais completa, para um ofício que implicava em uma maior capacitação e,
por isso mesmo, maior disponibilidade de tempo. Já nas segundas, os alunos-trabalhadores tinham
um treinamento mais pontual, para exercerem melhor seus ofícios.
Mais a diante, a partir da década de 1960, vale destacar que o avanço das forças produtivas
levou à criação de cursos que objetivavam capacitar, de forma rápida, a força de trabalho para res-
ponder às novas demandas do mercado.: Essa preocupação com a capacitação dos trabalhadores
é decorrência do processo de desenvolvimento econômico que, por um lado, não se fez de forma
auto-sustentável, mas com grande endividamento externo e, por outro, tem como referência a Te-
oria do Capital Humano?
Esse desenvolvimento corresponde ao período denominado de milagre económico, que
difundia a crença no desenvolvimento acelerado do setor econômico, o que acarretou uma grande
demanda para a educação, em todos os níveis, sobretudo, no âmbito do ensino profissional, tanto
no grau técnico, quanto no superior. Embora esse último nível não se constitua em objeto deste
trabalho, é interessante explicitar que, segundo Forachi (1965, p. 21), “a educação universitária ape-
nas ratifica uma trajetória social já realizada e firma-se como instrumento de realização pessoal e
como recurso de afirmação social, exige condições socioeconômicas estáveis e consolidadas". Assim,
dificilmente alunos das classes menos favorecidas e egressos do ensino profissional tinham acesso a
esse nível.
Entretanto, e segundo Cunha (1973), os alunos do curso técnico, motivados pelo milagre
brasileiro e desejosos também de ascender socialmente, lutavam para a "possibilidade de obter ren-
da e/ou melhor preparo para ingresso nos cursos superiores". Isso, somado ao crescente aumento
de alunos oriundos da classe média e do ensino secundário, toma a demanda para o ensino superior
muito grande. Diante desse fato, o Governo Federal decide elaborar uma nova legislação para a edu-
cação (lei no. 5.692/71), que teve, entre outras prioridades, a função refreadora, isto é, a de conter
o aumento da demanda de vagas para os cursos superiores, lançando mão da denominada “pro-
fissionalização compulsória”. É interessante que, nessa nova legislação, o ensino técnico-industrial é
tomado como modelo pelos gestores das politicas públicas e essa relação paradigmática decorre
do prestígio que esse ensino foi adquirindo, se destacando, em relação aos outros ramos de ensino
técnico, sobretudo em virtude do trabalho desempenhado pelas Escolas Técnicas Federais e entre
elas se distingue a de Minas Gerais.

102
O período em apreço refere-se à fase ditatorial, iniciada com o Golpe de
1964, que representou a vitória das forças conservadoras e dos militares, que
destituíram João Goulart do poder. Nessa época, para promover mudanças
radicais na educação que se traduziram, entre outras, pela priorização da con-
cepção tecnicista] pela já mencionada Reforma do Ensino de 1° e 2° graus
(lei n” 5.692/71) e pela Reforma do Ensino Superior (lei no. 5.540/68), foram
firmados os conhecidos “Acordos MEC-Usaid”.

Posteriormente, já no período da Nova República, entra em vigor a lei no. 7.044/82, que
extingue, de vez, a profissionalização compulsória, substituindo a “qualificação para o trabalho” pela
“preparação para o trabalho". Segundo Cunha (1976), o termo "preparação para o trabalho" é
impróprio e impreciso, pois, embora mantivesse a imagem de ensino profissionalizante, permitia
“qualquer coisa".
Em 1986, entra em vigor o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico (Protec)
que, subsidiado pelo Banco Mundial, visava criar duzentas escolas industriais e agropecuárias, o que
na verdade não ocorreu.”
Em 1988, promulga-se, após um longo período de debates, de participação de educadores,
trabalhadores, juristas, políticos, enfim, de toda a sociedade civil, a Constituição Federal de 1988, de-
nominada de Constituição Cidadã, que foi um marco no âmbito educacional, por ter sido a primeira
a criar instrumentos jurídicos, com a finalidade de assegurar seu cumprimento.” Nesse clima de par-
ticipação democrática, Saviani foi encarregado de elaborar uma proposta, isto é, um “anteprojeto”,
para subsidiar a construção da desejada e necessária Nova Lei de Diretrizes e Bases. Essa proposta,
denominada de "Contribuições à elaboração da Nova Lei de Diretrizes e Bases: Um início de con-
versa", contou com a participação da sociedade, sobretudo, de educadores e legisladores. ocorre-
ram muitos debates, dos quais redundaram várias sugestões que foram contempladas, mais tarde,
no texto formal, também elaborado por Saviani. Esse teórico e seus adeptos estavam conscientes
de que o texto dificilmente seria aceito integralmente, uma vez que teria de passar pela aprovação
de um conjunto, de uma verdadeira correlação de forças contrárias, consubstanciada nos diferentes
e contraditórios interesses dos "representantes do povo", instalados na Câmara Federal.
No referido texto, Saviani propunha várias modificações na educação nacional, tendo como
“pano de fundo” uma concepção de educação baseada na tradição mítica e dialética No âmbito
referente ao ensino médio, que interessa mais a este trabalho, a meta eia avançar na direção do
ensino politécnico, proposto por Marx e Engels e renovado por Gramsci e outros teóricos. Além
de a proposta, elaborada por Saviani, ter sido formulada de forma democrática, contemplando as
várias sugestões e reivindicações dos diferentes setores societários, ela representou um fato inédito,
no âmbito da história da educação brasileira:

(...) Importa considerar que, diferentemente da tradição brasileira, em que

103
as reformas educacionais resultam de projetos, invariavelmente de iniciativa
do Poder Executivo, neste caso, a iniciativa se deu no âmbito do Legislativo
e através de um projeto gestado no interior da comunidade educacional.
(SAVIANI, 1997, p. 57)

O referido texto legal recebeu várias emendas e versões, até chegar ao denominado "Subs-
titutivo Jorge Hage", que foi "atropelado" pela Proposta de Substitutivo, apresentada ao Senado pelo
senador Darcy Ribeiro que, por estar sintonizada com a visão de mundo do governo de Fernando
Henrique Cardoso, acabou “engavetandd” o substitutivo, apresentado por Hage, e se constituindo
como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96).
Tomando Cury (1992) por base, pode-se afirmar que, a partir dos anos 90, ocorreu uma
guinada de rumos na educação brasileira e, assim, deve-se entender a vitória do Projeto do Senado
e a promulgação da nova LDB como uma das consequências do contexto que estava se delineando,
marcado, segundo Chauí (1994), pelo neoliberalismo, pela globalização, pelas novas tecnologias e
pela denominada pós-modernidade.
Assim, sobretudo a partir da década de 1990, percebe-se uma intervenção massiva de ins-
tituições internacionais no campo educacional, tais como: Fundo das Nações Unidas para Infância e
Adolescência (Unicef), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Econômica para a América
Latina (Cepal), e de entidades empresariais nacionais, como, por exemplo: Instituto Herbart Levy
(II-IL), Instituto de Educação Liberal (IEL), Confederação Nacional das Indústrias (CNI), entre outras.

Em suma, depois de termos refletido sobre o desenvolvimento da educação


provisional no Brasil podemos compreender que a criação dessas escolas tem
sido apresentada pelo Governo Federal como o melhor caminho para viabilizar
a concretização da nova institucionalidade da educação profissional no Brasil.
Nessa perspectiva, os seus objetivos são muito amplos e pretensiosos, assim
como as funções que lhes são atribuídas. Entre essas, se destacam: elaboração,
revisão, atualização e debate de ideias sobre educação profissional; prestação
de uma variedade de serviços, incluindo a oferta de cursos e atividades de
educação profissional, em todos os níveis, ou seja, no básico, no técnico e no
tecnológico; oferta de programas para capacitação de gestores e formadores
de educação profissional; assessoramento e prestação de serviços ao setor
produtivo; encaminhamento de jovens e adultos ao mercado de trabalho; pro-
moção de atividades de cunho sociocultural e de debates sobre o mundo do
trabalho. Portanto, acreditamos que esses centros poderiam representar um
papel importante na economia nacional, na medida em que promovessem a
capacitação da população economicamente ativa (PEA). Contudo, como se

104
viu, suas metas são muito ambiciosas, utópicas, impossíveis mesmo de serem atingi-
das, tendo-se em vista a realidade brasileira.”

Segundo Ferretti (1997), ser formado por esses centros não expressa necessária e dire-
tamente um aumento das possibilidades de emprego. De outro lado, a amplitude do projeto e a
multiplicidade de agências envolvidas podem tomar extremamente difícil garantir, em todos pontos,
sua organicidade e boa qualidade dos conhecimentos. Esta não é, certamente, uma questão menor,
ou meramente administrativa, na medida em que, em nome da equidade, pode estar reforçando,
na população marginalizada, em função de experiências escolares negativas, a concepção de que é
incapaz de aprender, ou de reverter sua aprendizagem em emprego.

105
Unidade IX -
IX Educação
Tecnológica
Unidade IX
Com o estudo desta unidade vamos desenvolver reflexões sobre a educação tecnológica, na
qualidade de conhecimento teórico e prático, pois entendemos que há necessidade desta modali-
dade de educação ser mais discutida e analisada na perspectiva de se procurar construir um conceito
que consiga contemplar a multiplicidade de sentidos presentes nessa área do saber.
Grinspun (1999) destaca o problema de se definir educação tecnológica, mas que, no entanto,
pode ser entendida, por um lado como algo que se relaciona ao ensino técnico-profissional e por
outro como um dos recursos e procedimentos decorrentes da chamada Revolução Técnico-Cien-
tífica. Uma revolução que tem causado transformações nos campos societário e produtivo além do
campo da educação.
Portanto, vamos aqui tomar como referência a dimensão cronológica e para tal iniciaremos a

O conceito de educação tecnológica considerada pela autora acima citada não


faz alusão ao conceito que vem sendo utilizado pelos gestores das políticas
públicas e que se encaixa em uma perspectiva verticalizada.

discussão do conceito de educação tecnológica tendo em vista o entendimento dos que, em nosso
país, o introduziram na área da educação profissional.
Oliveira (2003) afirma que o termo foi usado oficialmente, pela primeira vez, em 1973, na
publicação da lei 6.545/78, mais precisamente, no governo de Juscelino Kubitschek, que elevou três
Escolas Técnicas Federais ao status de Centros de Educação Tecnológica (Cefets). Nesse sentido,
essa legislação, já naquela época, apontava a necessidade de o país formar trabalhadores com habi-
lidades de enfrentar os desafios postos pelos avanços da ciência e da tecnologia de então e, assim,
fazia-se necessário a criação dos chamados Centros de Educação Tecnológica em “cidades-polo de
industrialização”: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.
Segundo Nascimento (1987), logo após a vigência da mencionada lei 6.545/78, parte do
grupo que a elaborou começa a questionar tanto o conceito de educação tecnológica, quanto a
necessidade de se instaura: essa educação em um país que ainda estava bastante distanciado da
sofisticação tecnológica. Esse grupo chegou, ainda, a tentar revogar essa legislação.
Analisando tanto o decreto de 1978, quanto o de 1982, Oliveira (2003) destaca que a edu-
cação tecnológica era percebida em uma perspectiva de verticalização, a intenção era: "além do ensi-
no técnico, ministrar ensino de nível superior e a formação de tecnólogos" e promover a "integração
do ensino técnico com 0 de 29 grau e com o ensino superior", conforme consta, respectivamente,
na primeira e na segunda lei.

Certamente, o objetivo de ofertar cursos de diferentes níveis em um mes-


mo estabelecimento era o de: “promover a integração ente os níveis de
ensino, entendida pelos órgãos governamentais como a principal finalidade
da educação tecnológica” (OLIVEIRA, 2003, p. 21).
107
O Governo Federal continuou o enfatizar dessa concepção por meio da Secretaria de En-
sino Médio e Tecnológico (Semtec), já que mais adiante, em 1994, em documento veiculado pelo
referido órgão, a educação profissional é definida como “a vertente da educação que se caracteriza
por formar profissionais em todos os níveis de ensino e para todos os setores da economia, aptos
ao ingresso imediato ao mercado de trabalho" (BRASIL. MEC/Semtec 1994, p. 9).
Oliveira (2003) mostra que no ano anterior, ou seja, em 1993, cria-se o Sistema Nacional de
Educação Tecnológica que “visa integrar o país no processo de desenvolvimento mundial e no uso
das denominadas novas tecnologias, visando o preparo de profissionais, capazes de absorver e gerar
tecnologia” (BRASIL. MEC/Semtec, 1994), como evidencia esta citação:

(...) A educação tecnológica guarda compromisso prioritário com o futu-


ro, no qual o conhecimento vem se transformando no principal recurso
gerador de riquezas, seu verdadeiro capital, e exigindo por sua vez uma
renovação da escola, para que ela assuma seu papel de transformadora da
realidade econômica do país. (Brasil. MEC/Semtec 1994)

Oliveira (2003) questiona o conceito de educação veiculado pelos documentos oficiais, prin-
cipalmente, por dois motivos. Primeiramente, por considerar que a educação tecnológica significa
muito mais do que uma simples verticalização. Ainda Oliveira (2003) mostra que ficou evidenciado
nesses documentos resgatar de princípios da Teoria do Capital Humano que, em síntese, considera
o investimento na capacitação do trabalhador como insumo capaz de alavancar o desenvolvimento
do país. Dessa forma, a educação tecnológica assume uma dimensão redentora, capaz de conduzir o
país à modernidade, à competitividade, ao ranking mundial, sem levar em conta a realidade do país,
sem considerar as dificuldades dos trabalhadores, tanto no que se refere à sua capacidade, quanto
às suas condições salariais e de trabalho.
Em suma podemos considerar baseados em Oliveira (2003) que no âmbito da educação
brasileira, a qualidade de ensino não vem sendo uma prioridade da nossa política educacional, prin-
cipalmente no que se refere à educação pública, em relação ao ensino fundamental e médio e, mais
especificamente, no campo da educação profissional. Entretanto, vimos algumas instituições que se
preocupavam e ainda o fazem atualmente por ministrar um ensino de qualidade.

Nesse sentido há de se compreender que tal ensino de qualidade no que tan-


ge a educação tecnológica se consubstancia na:

(...) consistência teórico-conceitual da educação ge-


ral nos seus núcleos básicos (sociopolítico, científico,
linguístico); na busca de construção da dimensão de

108
cidadania e de formação do sujeito ético-histórico; na efici-
ência da sua educação profissional que procura formar tra-
balhadores eficientes, preparados para enfrentar os novos
desafios tecnológicos e a cambialidade do setor produtivo
e do mercado; no compromisso de seus professores e dos
setores administrativo e pedagógico em garantir a apren-
dizagem dos alunos, por meio de um ensino competente,
articulado com a pesquisa e com um estágio, muito bem
orientado, e em perfeita sintonia com as empresas; e, final-
mente, o que se considera como o mais importante para
a qualidade do ensino da instituição: na integração entre o
ensino médio e o profissional, que, como foi explicitado, se
constitui na essência da denominada educação tecnológica
(OLIVEIRA, 2003, p. 27).

109
X
Unidade X -
Educação a Distância Vista
como Uma Possibilidade de
Democratização da Educação

Objetivos da Unidade
Objetivo geral

Discutir características da Educação a Distância e suas abordagens reais


e possíveis frente à multiculturalidade no Brasil.

Objetivos específicos

Valorar criticamente as possibilidades da EaD frente à educação e o mul-


ticulturalismo e suas implicações no campo do ensino e aprendizagem
formais no ensino médio e superior.
Unidade X
Estamos em uma realidade com mudanças rápidas e drásticas e que se mostra exprimida por
meio de codinomes como Era da Informação, Era do Conhecimento e Sociedade digital. Uma de
suas principais características é o uso desenfreado das Tecnologias de Informação e Comunicação -
TICs como recursos que viabilizam as mais variadas formas de serviço ou suporta múltiplos campos
de trabalho do homem.

Neste contexto, em que se busca freneticamente por interação e comunicação, o uso das
TICs, mais especificamente com o avanço do acesso à internet, denotou mudanças profundas para
a grande maioria das áreas do conhecimento, pois:

Hoje, ter computadores pessoais com acesso à internet, participar de redes sociais digitais,
comunicar-se por telefones móveis e etc., são situações destacadas como ferramentas
fundamentais para ajudar a formar os cidadãos desta nova sociedade – o cidadão digital.
Estes, para que possam usufruir de seus direitos sociais, muitas vezes, devem aprender (ou
reaprender) a utilizar tecnologias de informação e comunicação para que tenham plenitude
nesses direitos. Não se declara imposto de renda sem internet, não se usa um banco vinte
e quatro horas sem que se saiba um mínimo do sistema de informação do banco, não se
usa um bankline2 sem que se conheça um pouco de um “programa navegador”3 de inter-
net e do sistema on-line4 do banco, não se monta um currículo sem saber usar um editor
de textos. Estes são exemplos básicos de ações simples de um cidadão comum desta nova
sociedade (GOMES et al, 2016, p 1).

Esses autores acima citados mostram também que este cenário não poderia ser diferente
para a área educacional. Inseriu-se no Brasil a Educação a Distância, baseada em TICs de avançado
aspecto tecnológico, em novas metodologias educacionais, que propiciam flexibilidade de tempo e
espaço e com muitas possibilidades e modelos de acesso a cursos e capacitações. Como será vista
nesta unidade, a educação a distância frequentemente é relatada por muitos autores como uma das
grandes possibilidades de democratização do ensino superior e nesse sentido como um recurso
para uma educação que abarque o aspecto multicultural de nosso país.
O que se pretende refletir nesta unidade é baseado no analisar desta possibilidade de de-
mocratização tendo no fundo o pensamento de Theodor Adorno com relação ao seu pensamento
de análise crítica. Baseados em Gomes et al (2016) não trataremos deste pensamento à exaustão,
mas tão somente para que se tenha uma base para reflexão. Também como pano de fundo a esta
reflexão abordaremos outros autores que se apoiam no pensamento deste autor ou mesmo na
linha de análise crítica aplicada na Educação a Distância.
O que se pretende refletir nesta unidade é baseado no analisar desta possibilidade de de-
mocratização tendo no fundo o pensamento de Theodor Adorno com relação ao seu pensamento
de análise crítica. Baseados em Gomes et al (2016) não trataremos deste pensamento à exaustão,
mas tão somente para que se tenha uma base para reflexão. Também como pano de fundo a esta
reflexão abordaremos outros autores que se apoiam no pensamento deste autor ou mesmo na

111
linha de análise crítica aplicada na Educação a Distância.

Para iniciarmos nossas reflexões sobre esse tema vamos nos “desequilibrar”
conceitualmente com algumas questões que nos provocarão a uma “reequi-
libração”?

- Seria a Educação a Distância algo que representa efetivamente uma


possibilidade de acesso ao ensino superior e consequentemente opor-
tunidade para uma educação superior que abarque as diferenças sociais,
econômicas e multiculturais de nosso país?
- Você acha que simplesmente permitir o acesso ao ensino superior
representa um processo de democratização de forma efetiva ou se sim-
plesmente desencadeia um processo de semiformação?
- Cursos de graduação na modalidade de EAD podem formar o indi-
víduo para a sociedade ou facilita o acesso ao ensino superior para um
processo de semiformação?

10.1. Educação A Distância

Lévy (1999) mostra em sua obra Cibercultura que a internet passou a abarcar tecnologias
da inteligência que podem e frequentemente alteram as funções cognitivas. Esse autor mostra uma
analogia comentando que a memória é representada pelos bancos de dados, sites, portais, etc.;
a imaginação é representada pelas possibilidades de simulações; a percepção é representada por
sensores, realidade virtual e telepresença; os raciocínios representados pela inteligência artificial e
modelização de sistemas complexos. Assim, esse autor mostra que:

(...) tornam-se necessárias duas grandes reformas dos sistemas de educação e formação.
Primeiro, a adaptação dos dispositivos e do espírito do aprendizado aberto e à distância
(AAD) no cotidiano e no ordinário da educação. É verdade que o AAD explora certas
técnicas do ensino à distância, inclusive a hipermídia, as redes interativas de comunicação
e todas as tecnologias intelectuais da cybercultura. O essencial, porém, reside num novo
estilo de pedagogia que favoreça, ao mesmo tempo, os aprendizados personalizados e o
aprendizado cooperativo em rede. Nesse quadro, o docente vê-se chamado a tornar-se
um animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos, em vez de um dispensador
direto de conhecimentos. (LÉVY, 1999, p. 2)

Nesse sentido, Gomes et al (2016) destacam que é certo que a educação deste o fim de
século XX e início do XXI, com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação,

112
transformou a relação ensino-aprendizagem e fez emergir novos desafios aos envolvidos no contex-
to da educação. Desafios demandam por conhecimentos relacionados a este novo cenário, o que
implica, necessariamente, na quebra de paradigmas até então dominantes, pois:

A maioria do modelo educacional no Brasil ainda funciona no sistema que foi trazido pelos
Jesuítas no século XV, ou seja, há mais de meio milênio. A linha deste pensamento não é
destacar que o sistema educacional vigente não evoluiu, mas sim colocar que modalidade
EAD é algo diferente, novo e que mexe com a zona de conforto de todas as pessoas que
foram educadas no modelo tradicional (GOMES et al, 2016, p 3).

Neste cenário, a educação a distância é uma das variáveis que representa uma quebra de
paradigmas conforme supracitado, já que o conceito de educação a distância, no decreto 5.622 de
19 de dezembro de 2005 se mostra como uma:

(...) modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de


ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e
comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em luga-
res ou tempos diversos. (BRASIL, 2005, p.1)

Numa adaptação, Maia e Mattar (2007) destacam que a EAD se apresenta como uma mo-
dalidade de educação em que docentes e discentes estão separados e fazem uso de uma gama de
tecnologias de informação e comunicação.
Gomes et al (2016) mostram que independentemente da linha de pensamento de vários
autores principalmente no sentido da definição como modelo educacional, a educação a distância
surge sempre como uma grande oportunidade para se democratizar o ensino superior de forma a
abranger as diferenças dentre as quais pode-se destacar a multiculturalidade que compõe o nosso
Brasil. Esses autores mostram, portanto, que a EAD pode ser empregada em todo e qualquer tipo
de curso e se destacar como um ponto de transição (ou ruptura) entre o modelo educacional tra-
dicional e o modelo de educação baseado em tecnologias de informação e comunicação. O próprio
ambiente produzido pela sociedade digital (ou sociedade do conhecimento) é favorável para tal
modelo, uma vez que as tecnologias de informação e comunicação se apresentam cada vez mais
comuns no cotidiano das pessoas, além de que novas técnicas e novas profissões que surgem a cada
momento tendo em vista tal desenvolvimento tecnológico.

A EAD continua a evoluir no Brasil, porém, com as ações regulatórias do MEC, tal evolu-
ção não acontece mais de forma espantosa como ocorria em anos anteriores. Pelos dados
de 2013 do Censo do INEP/MEC, a EAD responde por 15,8% das matrículas no ensino
superior no Brasil, contra 84,2% do ensino presencial. Isso equivale a 1.153.572 matrículas
em educação a distância, do total de 7.305.977 de alunos matriculados (Planilhas 1.2 e 7.1
do Censo). Deste total de 1.153.572 alunos de educação a distância, 999.019 estão nas
instituições privadas (87%) e 154.553 (13%) estão nas instituições públicas (Planilha 7.6 do
Censo). Esses alunos estão matriculados nos 1.258 cursos de EAD ofertados por institui-

113
ções públicas e privadas pelo Brasil (GOMES et al, 2016, p 4).
Segenreich (2011) mostra que no Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010, a educa-
ção a distância foi citada como uma importante tática para tentar atingir a meta proposta no que diz
respeito ao abarcar 30% da faixa etária de 18 a 24 no ensino superior. Independente de resultados,
no PNE 2011-2020, o MEC5 continua entendendo nesse sentido que a EAD tem grandes possibili-
dades para graduação como também para pós-graduação stricto sensu seja em instituições públicas
ou privadas. Esta tendência citada pelo autor supracitado, é realmente comprovada no novo PNE
(2011- 20120) onde está relatado que os cursos a distância que forem bem avaliados passarão a fa-
zer parte do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES (Meta 12); e que ainda haverá expansão das
pós-graduações stricto sensu utilizando metodologias, recursos e tecnologias da educação a distância
(Meta 14), Brasil (2012).

Muitas experiências ligadas à educação a distância vêm sendo realizadas nos últimos anos,
seja pelo uso de novas tecnologias, pelo formato dinâmico dos materiais didáticos, pelo
tipo de interação empregada ou pelo mix de metodologias, tecnologias e atores envol-
vidos no processo educacional. O resultado deste cenário é um paradoxo na educação.
Analisando-se, por exemplo, os resultados do ENADE que é, segundo o próprio Ministério
da Educação, o que mede a qualidade dos cursos superiores no Brasil, os resultados para
a EAD são animadores, pois em muitos cursos, os alunos desta modalidade educacional
ficam à frente dos alunos dos cursos presenciais. Analisando-se a relação privado x público
e a questão mercantilista da educação – que existe, teremos cursos com péssima qualidade
de ensino, bem como, péssimas estruturas de apoio (material didático, professores, tutores,
etc.) (GOMES et al, 2016, p 4).

Ainda os autores acima citados mostram que é indiscutível que a EAD conseguiu chegar em
lugares os quais o ensino presencial não chegou e atingiu uma parte da população que até então era
somente um sonho ou intenções das políticas públicas.
Mas será que somente chegar á população mais pobre ou mesmo trazer
números expressivos de pessoas é uma resposta para a democratização
do ensino superior? Não estaríamos, neste ponto, analisando de forma
turva e somente por um viés?

É o que discutiremos, baseados em Gomes et al. (2016), pois bem sabemos que este pen-
samento, neste momento, é paradoxal, pois se temos os defensores de que a EAD representa uma
possibilidade positiva de democratização, por outro lado, seria um pensamento primário demais
apontá-la como a tábua de salvação para este cenário.
10.2. Educação a Distância como Possibilidade de Democratização do Ensino Superior

Desde sua normatização, podemos observar por muitas tentativas políticas no intuito de se
utilizar a EAD como uma modalidade para o democratizar o ensino superior, promover a cida-

114
dania e facilitar a inserção das pessoas no mercado de trabalho. Independente da intenção, fato é
que muitos autores defendem que isso já está acontecendo – como veremos neste guia, a seguir.

“A educação a distância diminuiu barreiras que impedem o acesso ao


conhecimento e à educação continuada e permanente”. (AQUINO,
2007, p.1)

Milhares de pessoas em diversas regiões do Brasil, que por motivos diversos, nunca tiveram
como fazer um curso superior, encontraram esta oportunidade através da modalidade a distância,
pois como afirmam Gomes et al. (2016):

Pessoas que gostariam de ser administradores, pedagogos, engenheiros, contadores, cien-


tistas da computação, entre tantas outras profissões, tiveram esta oportunidade através da
EAD. Seja pelo fato de não terem uma faculdade perto de sua casa, seja por não conseguir
ir a uma sala de aula todos os dias ou por qualquer outro motivo, a educação a distância
formou profissionais e tirou sonhos do papel (p.5).

Neste contexto, o desenvolvimento e a ampliação de cursos na modalidade da EAD é pro-


porcional ao avanço das tecnologias de informação e comunicação, ou seja, ela se adequa também
às demandas da sociedade atual que exigem rapidez e flexibilidade (AQUINO, p.2).
Belloni (2003, p. 5) neste mesmo sentido, afirma que a sociedade nos dias atuais demanda
por pessoas que saibam:

115
Coincidência ou não, todos os itens citados anteriormente são atributos
inerentes a alunos de educação a distância.

Portanto, ainda vale destacar que a educação a distância se revela, cada vez mais, como uma
alternativa de ensino-aprendizagem, e que, contudo : “não deve ser considerada como educação
supletiva ou sem qualidade em relação à educação convencional, e sim como uma opção moderna,
viável e que facilita a re(aproximação) das pessoas com o ensino” (AQUINO, 2007, p. 7) .
Gomes et al (2016) destacam que educação a distância tem se mostrado como algo a cum-
prir um papel fundamental no acesso ao ensino superior, porém, não pode ser entendida como a
solução rápida para um problema que se apresenta há muito tempo no Brasil. Como ressaltado por
Bielschowsky (2011), a EAD pode contribuir para o acesso ao ensino superior, pois tem um forte
componente de inclusão social, mas não podemos nos esquecer que devemos nos preocupar com a
questão da qualidade. Outro fato que se propôs a ampliar o acesso ao ensino superior por meio da

116
EAD foi a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Um projeto que envolve um consórcio
composto por muitas instituições de ensino superior federais no Brasil.
Conforme Mendes (2011, p.4) relata, a UAB foi criada em 2006 com a intenção de disponi-
bilizar cursos na modalidade de EAD para ampliar e interiorizar os cursos e programas de educação
superior no Brasil.

Você sabia que foi em 2005 que o MEC cria definitivamente as condi-
ções para uma significativa expansão do ensino superior, por meio das
modalidades a distância tanto no setor ensino público quanto no ensino
privado. De fato, tais condições foram dadas com o Decreto no 5.622,
sendo a criação da UAB no ano seguinte um dos pilares da efetivação
dos dispositivos presentes no documento (GOMES et al., 2016).

Santos (2011) nos mostra que considerado como uma modalidade de ensino em crescen-
te expansão, a EAD pode ser entendida como:

(...) uma das possibilidades de promover o desenvolvimento da educação nacional. Com


o advento da internet e dos avanços das Tecnologias de Informação e Comunicação o
ensino a distância torna-se também hoje em dia um meio propicio para a democratização
do terceiro grau no Brasil. (...) Essas políticas de diversificação de modalidades de ensino no
setor público têm propósitos democratizantes ( SANTOS, 2011, p.1).

Ainda Santos (2011) destaca que esse tipo de oferta, no setor público, ao adotar o discurso
da “democratização” do ensino, se estabelece como um recurso importante de legitimação política
para os grupos que protagonizam a elaboração dessas políticas na medida em que milhares de pes-
soas passam a alcançar o ensino superior. (idem, p. 9)
Gomes et al. (2016) mostram que juntos, setor público e privado, atendem atualmente qua-
se três milhões de alunos pelo Brasil todo (incluindo todos os tipos de cursos e modelos de EAD),
mas este número tende a aumentar cada vez mais nos próximos anos de acordo com o CensoEaD
(2011)
Nicolaio e Miguel (2010) complementa que a EAD, está crescendo de forma significativa
tendo em vista que tem:

(…) contribuindo na preparação de profissionais qualificados para bem exercer suas fun-
ções no seu espaço de atuação. Esta modalidade de ensino consegue abranger lugares
precários, onde muitas pessoas têm vontade de aprender e buscam um futuro melhor, por
meio de uma formação superior. (...) Para muitos alunos estudar a distância é a única forma
de aproximação do conhecimento necessário a uma melhor formação profissional. (p. 5)

Silva e Oliveira (2012) destacam que a EAD se mostra como algo propício para a democra-

117
tização do acesso à educação, na medida em que contribui para o acesso à formação profissional
de milhões de pessoas que não teriam acesso a uma formação universitária se a EAD não existisse.
Vale destacar que o preconceito com relação a EAD tem diminuído na mesma medida que esta
modalidade de ensino começa a se tornar popular, atingindo diversas camadas da sociedade. Gomes
et. al. (2016) mostram, portanto, que vários autores defendem que a EAD tem um papel democra-
tizador na educação e a partir disso esses autores fazem uma análise crítica desses relatos à luz do
pensamento de Theodor Adorno, bem como, de outros autores com análises críticas sobre esta
modalidade educacional.

10.3. Análise Crítica Da EaD Como Possibilidade De Democratização Da Educação

Não podemos ignorar tudo que se fala sobre EAD no cenário educacional brasileiro e afir-
mar que todas as informações positivas descritas anteriormente sejam uma ilusão coletiva. Baseados
em Gomes et. al. (2016), podemos compreender que todos os pontos levantados anteriormente
podem não ter sustentação quando de uma análise mais profunda do que vem a ser a democratiza-
ção da educação, mais precisamente sobre a educação enquanto formação no ensino superior e as
diversas variáveis envolvidas.
Baseados nos autores supracitados, iniciemos com o aspecto do uso das tecnologias. Não é
o fato de se ter na educação a distância o uso das mais evoluídas tecnologias de informação e co-
municação que teremos da mesma forma os mais evoluídos conteúdos educacionais voltados para
a formação de alunos de graduação.

Vejamos um exemplo de algum tempo atrás. Nos anos 60, a Alemanha come-
çou a usar a televisão na formação para adultos. Adorno (1963) em discussão
sobre este aspecto se manifestou com as seguintes palavras:

(...) o que é moderno na televisão certamente é a técnica de


transmissão, mas se o conteúdo da transmissão é ou não é mo-
derno, se corresponde ou não a uma consciência evoluída, esta
é justamente a questão que demanda elaboração crítica. (p. 77) .

Podemos, portanto, ainda considerar um questionamento feito por Becker que


participou de um debate com Adorno sobre este mesmo tema, onde o mesmo
questiona se a barreira à tecnologia seria uma saída para a não interferência da
mesma:
(...) parece ser um perigo que muitos intelectuais e professores
alemães não tenham televisão em casa, quando a resistência leva
o filho do intelectual ou do professora assistir à tevê na casa do
operário nas proximidades e submeter-se sem qualquer preparo
àquele veículo (p. 77).

118
Gomes et. all (2016) mostram que nesta linha de raciocínio, vertentes interessantes
para discussão:

(...) são o acesso e o preparo das pessoas para atuarem com as tecno-
logias usadas nos cursos a distância. O Brasil, país com dimensão conti-
nental, ainda não tem as TICs espalhadas de forma igualitária por todo
seu território. Assim, como falar que posso dar as mesmas condições de
acesso à educação superior através da EAD sendo que a base tecnológica
para este modelo educacional ainda é escassa, cara e rara em diversos
locais do país? Não estamos aqui colocando milhões de pessoas diante de
uma relação perversa entre ofertar uma possibilidade e ao mesmo não
dar condições a elas? Ou seja, mostramos uma oportunidade de acesso a
educação e, ao mesmo tempo, não enxergamos que esta oportunidade,
por exigência de tecnologias básicas, acaba não se tornando uma real
possibilidade para muitos. Da mesma forma, ter acesso a tecnologia, não
significa estar preparado para ela (p. 8).

Esses autores mostram que a EAD é um modelo de educação em fase de maturação


e compatibilizado com as transformações de nossa sociedade nos dias atuais.

Transformações se mostram, entretanto, constantes e necessárias – até


mesmo como ativador de nosso processo crítico. Mudanças nos proces-
sos educacionais já eram estudadas no século XVII, como afirma Barreto
(2012) citando Comenius (2006, p. 203) que assevera ‘quem não sabe,
porém, que mesmo as coisas longas podem ser abreviadas e as traba-
lhosas, resumidas?’

Barreto (2012) complementa que é preciso destacar que:

(...) a feição atual do modo de produção capitalista, não determinada, mas sem dúvida
favorecida pela utilização maciça das TIC nos termos da lógica do mercado, sobretudo o
financeiro, imprime um ritmo frenético à circulação de informações e ao seu uso compe-
titivo. Sob a máxima ‘tempo real e espaço virtual’, têm sido profundamente alteradas as
relações dos sujeitos com o conhecimento, a cultura, as práticas sociais etc (p. 52).

Segundo Gomes et al (2016) mais questionamentos sobre “essas profundas alterações nas
relações dos sujeitos com o conhecimento, a cultura, as práticas sociais” podem ser feitas:

119
Quão profundas são essas alterações para o sujeito que atua na moda-
lidade EAD? E quão preparados estão os atores envolvidos neste pro-
cesso?

E aqui não estamos somente falando do aluno de EAD, mas também dos professores, tuto-
res, coordenadores de curso e todos os outros que participam de uma equipe em uma instituição
que oferte cursos a distância. Gomes et al (2016) mostram que autores que defendem o aspecto
da democratização da educação pela EAD, destacam claramente situações ligadas ao “acesso” a
educação superior, a “quantidade de alunos atendidos” e à formação para o “mercado”, mas o pro-
cesso de democratização não está atrelado somente a oportunidades de estudo ou simplesmente
de preparação para enfrentar uma carreira profissional.

Possibilitar simplesmente o acesso à educação não é, necessariamente, formar um cidadão


consciente e emancipado. Tampouco é um processo de democracia. A democracia tem
significação moral e ideal, é porque se exige de todos uma retribuição social e porque se
proporciona, a todos, oportunidade para o desenvolvimento das suas aptidões distintivas.
A separação dos dois objetivos da educação é fatal para a democracia. Decorre daí o va-
lor da educação, pois é por meio dela que se pode proporcionar a todos a possibilidade
de se aquinhoarem de todos os benefícios da sociedade e desenvolverem suas aptidões
individuais.

Para Dewey (1936), a educação precisa propiciar um ambiente favorável para que cada
indivíduo tenha a possibilidade de desenvolver sua natureza potencialmente social.

Para que se alcance esta sociedade mais justa, mais humana e demo-
crática, Dewey (1936) destaca que a base é a educação e seu termo
norteador deve ser dado pela função educacional, ou seja, uma das prin-
cipais funções da educação é a de igualar as oportunidades para todos
independente de classe social.

Já Adorno assevera que

(...) a democracia não se estabeleceu a ponto de constar da experiência das


pessoas como se fosse um assunto próprio delas, de modo que elas com-
preendessem a si mesmas como sendo sujeitos dos processos políticos. Ela
e apreendida como sendo um sistema entre outros, como se num cardápio
escolhêssemos entre comunismo, democracia, fascismo ou monarquia; ela
não e apreendida como identificando-se ao próprio povo, como expressão
de sua emancipação. Ela é avaliada conforme o sucesso ou o insucesso, de
120
que participam também os interesses individuais, mas não como sendo a
unidade entre os interesses individuais e o interesse geral; e, de fato, a dele-
gação parlamentar da vontade popular torna esta muitas vezes uma questão
difícil nos modernos Estados de massa. (p. 34)

Malanchen (2007, p. 15) descreve criticamente a visão de que a EaD seja uma forma de
democratização do ensino e cita que “é preciso, portanto, muita atenção, para não cair no canto da
sereia existente no discurso da democratização da educação pela EAD” e destaca que:

(…) a única democracia possível numa sociedade capitalista é uma democracia burguesa
que possibilita a igualdade jurídica e política, mas não a material. Desta forma, concluímos
que o discurso da democratização de acesso à educação pela EAD, além de criar uma ilu-
são de que todos, por meio dela, podem melhorar suas vidas, carrega outra intenção: a de
formar mão-de-obra especializada para a nova fase de acumulação do capital que exige tra-
balhadores capacitados tecnicamente, criativos, eficientes e adaptáveis. Em outros termos, a
educação passa a ser vista como um instrumento para o desenvolvimento econômico, para
o ajustamento dos indivíduos ao chamado mercado de trabalho, deixando-se em segundo
plano a questão da educação como instrumento de emancipação humana, de participação,
de interferências nas questões políticas, de expressão de pontos de vista sobre o modo de
condução da coisa pública. (p.209)

Malanchen (2007, p. 211) sustenta que:

(…) o discurso na democratização do acesso à educação através da EAD, além de ser um


pensamento ilusório de que todos, por meio dela, podem melhorar suas vidas, carrega
outra intenção: a de formar mão-de-obra especializada para a nova fase de acumulação do
capital que exige trabalhadores capacitados tecnicamente, criativos, eficientes e adaptáveis.

Corroborando este pensamento, Gomes et al. (2016) mostra que po-


demos nos aprofundar mais ainda e nos questionar se esta formação é
eficiente ou deficiente? De que formação estamos falando? Formação ou
semiformação? Aqui criamos uma ligação com o pensamento de “semi-
formação” levantado por Adorno.

Bandeira (s/d) citando Adorno afirma que:

A semiformação constitui o resultado de um processo sistemático de dominação da for-


mação cultural pelos mecanismos político-econômicos dominantes. (...) Quando a pro-
dução simbólica, própria do processo da cultura, se distancia do genuíno saber popular e
aproxima-se dos interesses do mercado, convertida em mercadoria pela Indústria Cultural,
encontra-se as bases para consolidação do que, para Adorno, constitui o processo de
semiformação (Halbbildung). (p. 1). A semiformação, ao contrário do ideal da Formação,

121
que pretende ser um processo de emancipação dos indivíduos, enquanto sujeitos da prá-
xis social, produz a acomodação destes sujeitos ao status quo. Através de um narcisismo
coletivo, compensa a consciência das pessoas de sua impotência social: Não importa ser,
importa simplesmente parecer ser (...) (p. 09)

Adorno (1995) diz que a integração predomina sobre a autonomia. Se queremos lutar pela
formação, temos que lutar para resgatar a autonomia, que está sufocada, pois a cada dia mais pre-
valece a falta de autonomia.

Bandeira (s/d) citando Adorno, complementa

Se atualmente, na prática educacional privilegia-se o acúmulo do maior número de infor-


mações no menor espaço de tempo, a quantidade em detrimento da qualidade, consubs-
tanciando o processo de disseminação da semicultura, é necessário, mais que nunca, que
faça sua autocrítica, surgida de sua configuração histórica, para a compreensão dos fatores
que produziram este processo, buscando postular a partir de si sua transformação. ‘A única
possibilidade de sobrevivência que resta à cultura é a auto reflexão crítica sobre a semifor-
mação, em que necessariamente se converteu’. (p. 10)

Para Adorno (1995), o travamento da experiência deve-se a repressão do diferenciado em


prol da uniformização da sociedade administrada, e a repressão do processo em prol do resultado,
falsamente independente, isolado. "A semiformação é o espírito tomado pelo caráter de fetiche da
mercadoria". (p. 25)
Assim, analisemos também o viés da própria educação vista como mercadoria. Oliveira
(2009) comenta que a educação se transformou em “mercadoria”, algo voltado ao mercado.
Gomes et al (2016) mostram que nesta linha de raciocínio, o trabalho docente se transformou em
“insumo” e virou algo “prescrito”. Isso afasta cada vez mais a ideia de que:

(...) o professor realmente “educa”, pois isso implica em algo pré-formatado no dia-a-dia
da escola. Troca de experiência e saberes, sinergia, respeito ao ritmo de uma turma, entre
tantas outras coisas, ficam a desejar em um sistema prescrito. Tudo isso favorece uma
padronização. Assim, o professor deixa de enriquecer sua aula e passa a seguir um padrão
pré-estabelecido. A educação cada vez mais caminha para um modelo de ‘caixinhas padro-
nizadas’ (p.10).

Isso pode ser notado, por exemplo, em escolas em que os professores


devem seguir à risca o que está determinado em livros ou apostilas siste-
maticamente detalhadas sobre “como a aula deve ser lecionada” – isso
é comum na EAD.

122
Ainda Gomes et al (2016) mostram que sistemas assim podem limitar a criatividade ao
mesmo tempo que deixam outros na zona de conforto com a sensação de que o que é necessário
já está pronto pra ser aplicado. Diante deste cenário é notória a transformação da educação em
“mercadoria”, pois:
(...) quando falamos em formação a distância para atender o que o mercado quer, estamos
também colocando a EAD puramente como mercadoria. Assim temos uma mercadoria
para atender a um mercado “consumidor” de serviços educacionais. Como falar de demo-
cracia da educação e em emancipação se aqui estamos diante de um “produto” acabado,
rígido, padronizado e pronto para consumo de indivíduos que também só querem se
inserir no mercado? O mercado dita as regras, o indivíduo segue. Não estamos diante de
um processo de democracia; não pela educação. Estamos aqui diante de uma relação de
mercado, ou seja, demanda versus procura (GOMES et al., 2016. p. 11).

Tendo em vista tal concepção podemos entender que estamos perante


um modelo educacional que mais se mostra como produto, que não for-
ma o sujeito para sua emancipação e sim para o mercado. Assim, somos
voltados a pensar que estamos frente a modo de ensino antidemocrático.
Adorno, nesse sentido mostra-nos que em uma democracia, quem de-
fende ideais contrários a emancipação, e, portanto, contrários a decisão
consciente independente de cada pessoa em particular, é um antidemo-
crata, até mesmo se as ideias que correspondem a seus desígnios são
difundidas no plano formal da democracia, pois:

As tendências de apresentação de ideais exteriores que não se


originam a partir da própria consciência emancipada, ou melhor,
que se legitimam frente a essa consciência, permanecem sendo
coletivistas-reacionárias. Elas apontam para uma esfera a que de-
veríamos nos opor não só exteriormente pela política, mas tam-
bém em outros planos muito mais profundos. (ADORNO, 1995,
p. 141)

Por todos os autores destacados nesta unidade, o pensamento final que


nos cabe e que baseados em Gomes et al (2016) podemos assumir é
o de que a EAD pode ser ou também pode não ser um modelo para a
democratização do ensino superior. É imaturo demais argumentar que
esta é uma realidade já que o conceito de democracia é muito mais do
que permitir possibilidades de formação; é formar e não “semiformar”.

123
- Ainda baseados nos autores acima citados, temos ainda o aspecto
ligado a formação para o mercado, onde, numa análise rasa, vemos que
também a EAD de uma forma geral tem sido organizada em formato
padronizado para atender demandas mercantis diante de cenários que o
mercado “exige”. Portanto, para que a EAD se mostre como uma pos-
sibilidade de democratização da educação é primordial que essa moda-
lidade passe a formar sujeitos críticos de seu papel na sociedade, que se
formem não pelo mercado e para o mercado, mas que sejam reflexivos
e realmente emancipados para agir enquanto cidadãos transformadores
do seu meio social.

Considerações Finais

Com todas as nossas reflexões aqui desenvolvidas sobre o multiculturalismo e as possibili-


dades da educação de poder abarcar de forma mais igualitária toda a nossa diversidade para que,
consequentemente, possamos alcançar uma educação que objetive a transformação social de que
tanto nosso país precisa, gostaria de encerrar este guia com algumas perspectivas para o presente
e futuro da educação com tal intuito. Gostaria de trazer algumas possibilidades que as evoluções
tecnológicas de nosso tempo frente à inclusão no contexto escolar.
A evolução da tecnologia tem gerado uma revolução na maneira como nos portamos frente
ao conhecimento. A emergência da internet e a disseminação do uso dos dispositivos móveis e dos
computadores ligados em rede tem permitindo modificar a forma de gerar, armazenar e difundir a
informação. Nogueira (2008), mostra que as fontes de pesquisa aberta aos aprendentes pelas novas
tecnologias digitais de comunicação e informação, as bibliotecas digitais em substituição às publica-
ções impressas e os cursos a distância vêm aumentando gradualmente. Diante disso, vemos que as
escolas e universidades estão, de certa forma, atrasadas frente ao processo de repensar suas funções
de ensino-aprendizagem.
Segundo Nunes (1992), a abordagem conceitual para o ensino a distância já sofreu várias
transformações e os estudos mais recentes apontam para uma conceituação do que é educação
a distância. Segundo ele, a sua característica bás1ca e o estabelecimento de uma comunicação de
dupla via, na medida em que professor e aluno não se encontram na mesma sala.

Essa separação física entre professor e aluno distingue a educação a distância da presen-
cial. A influência da organização educacional (planejamento, sistematização, plano, projeto,
organização dirigida etc.) a diferencia da educação individual. Há uma necessidade de se

124
pensar na utilização de meios técnicos de comunicação para unir o professor ao aluno e
transmitir os conteúdos educativos; pensar na previsão de uma comunicação-diálogo, e de
iniciativas de dupla via; na possibilidade de encontros ocasionais com propósitos didáticos
e de socialização; e na participação de uma forma industrializada de educação, entre outras
situações que surgirão durante o processo (NUNES, 1992, p. 105).

Ainda baseados no autor supracitado, há de se considerar que essas variáveis que distinguem
o ensino a distância do ensino presencial têm evidenciado de forma crucial uma comunicação-diálo-
go, a qual, no ensino presencial, parece existir com muita ênfase. Na educação a distância, observa-
mos pela possibilidade das pessoas se manifestarem mais, sem receio de erros e sem receio de se
exporem aos outros, e isso gera novas perspectivas para essa modalidade de educação, pois:

Com o desenvolvimento tecnológico, os processos de capacitação estão se tornando cada


vez mais eficazes, pois apresentam uma linguagem interativa e processos de multimídia,
com equipamentos cada vez mais rápidos, com maior confiabilidade e capacidade de pro-
cessamento, e também a modalidade de ensino a distância pode caracterizar uma forma
de atuação para a tomada de decisões independentes e para o acesso às informações
sistematizadas, além de desempenhar um papel de aperfeiçoa- mento de conhecimentos
específicos até a formação profissional (NUNES, 1992, p. 105).

Keegan (1991) mostra que é factível providenciar um programa de educação que abar-
que tanto crianças quanto adultos. No que se refere às crianças e adolescentes, o programa deve
contemplar ferramentas para o estimular social e motivar pessoalmente cada um dos alunos. Um
programa que sejam planejados e implementados por professores-mediadores de aprendizagem
capazes de estimular e coordenar atividades ligadas à realidade concreta desse tipo de clientela.
Segundo Nunes (1992), a informação, na educação a distância, pode ser organizada de
maneira crítica e construtiva, na medida em que seja transformada em conhecimento, construindo
e fortalecendo uma mentalidade crítica e criativa no público-alvo, como também possibilitando aos
profissionais os conhecimentos sobre os avanços nas suas áreas específicas. A educação a distância
abarca um sistema de conexão e estratégias pedagógicas adequados às diferentes tecnologias utili-
zadas e que podem muito frente ao processo de inclusão das diferenças na educação de que tanto
falamos aqui neste guia.
Nesse sentido, Nunes (1992) ainda nos mostra que a educação a distância pode muito fren-
te à educação e os portadores de necessidades educacionais especiais, pois:

Ao trabalharmos educacionalmente com os portadores de necessidades especiais lidamos


diretamente com a cognição, abrindo espaços objetivos e subjetivos para que o desejo de
aprender seja construído ou resgatado. Com o uso de técnicas educacionais e de outras
ferramentas como a tecnologia informática, possibilitaremos a expressão da criatividade
e do questionamento, facilitando o surgimento do indivíduo como autor de sua própria
história (p.107).

125
A aprendizagem segundo Grispun (1999) é um processo cognitivo fluido e flexível de reso-
lução de problemas que interage continuamente com o mundo exterior. Esse autor mostra que a
operação e o desenvolvimento dessa habilidade, portanto, não depende de algo estático na criança,
mas da forma e da qualidade dessa interação. A tarefa do professor para aperfeiçoar a inteligência
dos aprendentes, seja com necessidades especiais, seja os frequentemente excluídos social, racial e
economicamente é assim não só uma questão de “despertar o que já está lá”, mas de capacitar o
aprendente a fazer novas construções cognitivas, modificar, ampliar e, quando necessário, descartar
modos de pensamento existentes, e aprender a compreender o mundo e a si mesmo de forma cada
vez mais competente.
Auxiliando esses indivíduos a elevarem sua auto-estima, podemos levar os portadores de
necessidades especiais, por meio da utilização da educação a distância, a terem uma visão positiva e
realista de si mesmos e de suas capacidades, tornando-os mais seguros, sem se preocuparem inde-
vidamente com críticas e cobranças desnecessárias. A Educação a Distância pela Internet apresenta
perspectivas de cidadania para as pessoas com necessidades especiais e pensar numa sociedade
melhor para essas pessoas é, necessariamente, pensar também numa sociedade melhor para todos
nós. O paradigma, hoje em voga, de educação para todos deve, também, ser compreendido como
o acesso de todo cidadão ao sistema educacional, e tem o seu fundamento na política nacional brasi-
leira e mundial. E fundamental que se compreenda a importância desse paradigma para a sociedade.

Você já pensou alguma vez que as pessoas frequentemente excluídas


por questões sociais, raciais, físicas, mentais que ficam fora do sistema
educacional e, consequentemente, sem acesso à cultura na vida adulta
podem encontrar dificuldades para conquistar a sua independência pes-
soal e a sua autonomia e, sendo assim, pouco ou nada contribuirão e/ou
produzirão para a sociedade e o país?

Diante dessa pergunta, nos basearemos em Nunes (1992), para sobre a igualdade de condi-
ções que o século XXI, com toda a tecnologia existente, pode nos possibilitar. Com certeza, o com-
putador, os dispositivos móveis como smarthphones e tablets e outros que podem surgir propiciam
a educação a distância por um colaborar nesse processo de inclusão.
Assim, esperamos que com nossas reflexões aqui e com tais prespectivas tecnológicas pos-
samos buscar e aprimorar a educação para as pessoas com necessidades especiais que, pelo uso de
uma tecnologia adaptada as suas necessidades, e as pessoas frequentemente excluídas por questões
sociais, raciais, físicas e mentais possam ter acesso ao conhecimento e ao processo de ensino-apren-
dizagem que lhes dará ferramentas conceituais e saberes e fazeres para exporem suas ideias e sen-
timentos a outras pessoas e sobretudo trabalharem, exercendo sua Cidadania para que possam se
integrar à sociedade de forma digna e justa.

126
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