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SOCIEDADE AMIGOS DO PARQUE DAS ÁGUAS

Caxambu MG

Reafirmamos aqui o nosso posicionamento pela suspensão do processo licitatório e


cancelamento do Edital 55/2022.

Os vícios nesse edital são insanáveis neste momento; não há alternativa de emenda ou
alteração do edital que vá regularizar o processo licitatório, que possui vícios no seu
nascedouro. A começar pela concessão a iniciativa privada por 30 (repito, trinta) anos.

Em pouco tempo já ocorreram duas retificações do edital, um adiamento e três


alterações de data da sessão pública. Um processo que já dura um ano e três meses,
sem que se tenha nenhum ponto satisfatório em favor dele. Um edital extremamente
extenso, que trata de licitação para concessão de uso por 30 anos de um bem público
complexo – o Parque das Águas de Caxambu e o Balneário Hidroterápico: sua gestão,
conservação, operação, manutenção, exploração econômica e realização de
investimentos – e que relegou a população da discussão e aprofundamento de tema
tão caro a ela. É preciso começar de novo. É preciso debater, inclusive, outras formas
de parceria diferentes da concessão de uso privada. É preciso debates públicos e
formação de grupos de trabalho que discutam propostas com todos, de forma aberta e
ampla, para definir os rumos desse bem tão precioso e, não menos importante,
estratégico para nossa cidade dos pontos de vista político, econômico, cultural,
ambiental e sanitário.

Desde o final de 2021, quando a CODEMGE iniciou a apresentação dos seus ativos
para o “apetite” do mercado, abrindo “consulta ao mercado” para receber propostas
sobre as “potencialidades” do uso de imóveis pelo setor privado, incluído aí o Parque
das Águas de Caxambu e o Balneário Hidroterápico, diversas iniciativas foram tomadas
tentando um canal de comunicação para apresentar propostas que pudessem ser
alternativas à utilização privativa, no entanto, todas as tentativas restaram frustradas,
inclusive aquelas ditadas pela própria CODEMGE.

Assim foi com a manifestação de interesse, cujo resultado não foi divulgado e nem
mesmo houve retorno sobre a proposta enviada pela Sociedade Amigos do Parque das
Águas.
A conduta da CODEMGE se repetiu com a “Audiência Pública” para discussão da
minuta do edital de concessão, apesar de ter sido em horário comercial, limitando em
muito a participação, as pessoas presentes apresentaram várias questões, tanto
presencial, quanto pelo site, que foram completamente ignoradas até dia 06/out/2022,
quando ela disponibiliza no site apontamentos (que não podem ser chamados de
esclarecimentos) depois que entramos com impugnação.

Ainda, foi extremamente temerária, quando modificou substancialmente o edital, no que


diz respeito principalmente ao volume de recursos financeiros investidos pela
CODEMGE, sem justificativa, sem proposta sobre isso na audiência e, principalmente,
sem retorno à comunidade para se discutir o novo edital.

Na verdade, a CODEMGE simplesmente cumpriu etapas legalmente necessárias para


a licitação, simplesmente “invocando” o nome Audiência Pública, utilizando-a como um
“evento simbólico” e não como uma ferramenta que efetivamente aperfeiçoe o exercício
da democracia deliberativa, promovendo a participação popular no processo de
decisão da coisa pública e atribuindo à coletividade a responsabilidade de decidir sobre
aquilo que é de interesse coletivo.

Se repetiu também com a impugnação apresentada por nós, quando na sua decisão de
recusa da impugnação, a CODEMGE se contradiz em vários aspectos, além de
justificativas inverídicas, como também faz modificações no edital posteriores ao nosso
questionamento, acertando pontos questionados por nós. Como também incluem no
seu site as respostas às manifestações da audiência pública, também questionados por
nós.

Caracterizou-se, portanto, em todas as etapas do processo iniciado ao final do ano de


2021, uma inversão de valores democráticos, onde consultas e audiências públicas
deveriam estar voltadas para ouvir, escutar, debater com a população que é
constituinte dessa relação de valores, de memória, de cultura e de afeto com este bem
precioso pertencente à população desta Estância Hidromineral.

Questiona-se, portanto, a legitimidade de um processo que nada tem de legítimo, pois


não dialoga com a população. A relação que a população tem com o seu Parque e as
suas águas não estão sendo consideradas nessa decisão da CODEMGE. E não
estamos falando aqui de regramentos de direitos e deveres dos usuários, nem mesmo
de regramentos e diretrizes à concessionária de como se relacionar com a cidade. Não
se trata apenas de ganhos econômicos, essas águas públicas têm outras funções:
termais, medicinais e também a forma de relacionamento da população e uma
identificação com um atributo que pertence ao seu território. O Parque das Águas de
Caxambu, pertence ao território de uma comunidade e sua complexidade carrega
valores cultural e simbólico, oferece bem-estar, possui uma beleza natural e cênica,
agrega valores advindos da sua ambiência e na potencialidade de curas.
A população precisa ser ouvida, precisa participar e tomar parte dessa decisão.
Dialogar com a população envolvida é exigência constitucional e decorre do princípio
de democracia participativa. A participação da população não pode ser uma etapa
relegada, não pode estar restrita a reuniões de gabinete, nem a consultas públicas cujo
objetivo não é discutir de fato. Um edital e anexos com mais de 1.300 páginas, que
trata de um assunto tão complexo, embutido de uma visão meramente econômica, não
pode ser resumido em manifestações pontuais. As ações de participação popular são
um marco na Constituição Cidadã e é preciso criar condições para que, com igual
oportunidade a todos os envolvidos, se estabeleça um debate aberto sobre os rumos
desta estância hidromineral, embutido na concessão privada do Parque das Águas.

Além da violação ao princípio da democracia participativa, já citado acima, sem esgotar


todos os argumentos, alguns apontamentos que ensejaram a impugnação à
CODEMGE e o recurso ao MP MG, que resumem os pontos de insatisfação com essa
concessão e, principalmente, apontam para a abertura de discussão com a população
dos rumos a serem tomados.

1) O modelo jurídico “concessão de uso” privilegia empreendimentos privados, cujo


objetivo principal é o lucro do negócio e impede a participação da população, da
sociedade civil e o controle social. Existem outros arranjos de parceria que
precisam ser discutidos. O modo de “disputa aberta” com critério de julgamento
“maior oferta de preço”, não considera a complexidade do objeto, cujo valor é
imensurável.

2) Há um desconhecimento quanto aos reais impactos ambientais, culturais e


turísticos que resultarão da concessão. Absoluta ausência de estudos
relacionados aos impactos aos patrimônios histórico, cultural, arquitetônico e
paisagístico. Recomendações técnicas científicas são desconsideradas no
edital, como por exemplo, que não seja realizada intervenções nas zonas de
comunicação hidráulica e subterrâneas, o que não está resguardado nas
obrigações da concessionária, especialmente se considerarmos a possibilidade
de construção de bares, restaurantes e outras edificações próximas as fontes de
água do Parque.

O Parque das Águas de Caxambu constitui bem público, tombado pelo


patrimônio histórico e cultural mineiro, e qualquer uso, construção ou exploração
nos seus domínios demanda rigoroso procedimento administrativo fiscalizado
pelo IEPHA e demais órgãos ambientais, face aos recursos minerais nele
contidos. No entanto, o edital concede ampla liberdade empresarial e de gestão,
permitindo intervenções que visam apenas aumentar a lucratividade do
empreendimento.

Da mesma forma, a execução de inúmeras obras propostas, sem a elaboração


de estudos sobre os impactos ambientais, se configura como um grande risco ao
delicado e frágil solo e subsolo do Parque das Águas, que protegem as
preciosas Águas Minerais com características físico-químicas e terapêuticas
diversificadas, cada uma no seu trajeto específico, e que precisam ser
resguardadas.

Além de obras de engenharia civil, hidráulica e elétrica nas obras de


modernização, a concessionária ainda terá a liberdade de realizar investimentos
opcionais, além de promover eventos dentro do Parque. É legitimo apontar para
a necessidade de definição de critérios que estabeleçam quais atividades são
possíveis e aceitáveis dentro do Parque, de modo a garantir a proteção dessa
área, com doze fontes de água, praticamente lado a lado. A água mineral está
no centro de toda essa estrutura oferecida à iniciativa privada, estrutura esta
dotada de valor medicinal, cultural, histórico e ambiental. É preciso proteção
especial, é preciso evitar abalos decorrentes de intervenções, sob o risco de
comprometer a quantidade e a qualidade das águas minerais e,
consequentemente, a desarticulação de todo um sistema econômico e cultural
baseado nela. Quanto tempo pode esperar uma cidade, um Parque e suas
águas pela resolução de um conflito, caso ocorra um abuso, um dano causado
por alguma atividade ou um dano irreparável? Apontamos a fragilidade do Edital
em determinar, para além da exploração econômica e, por causa dela, a
garantia de que a concessão privada não irá colocar em risco o bem mais
importante da comunidade desta estância hidromineral: suas águas minerais e
sua função estratégica para a sobrevivência e desenvolvimento da cidade.

3) Insuficiência da qualificação técnica exigida para participação da licitação. Os


requisitos para participar do processo licitatório não consideram a complexidade
do Parque das Águas de Caxambu e sua gestão, exigindo-se, apenas,
comprovação de experiência em atendimento turístico ao público de 36.000
pessoas durante um ano.

O edital limita a qualificação técnica exigida apenas para atividades de


exploração ou gestão do empreendimento, enquanto temos um “objeto”
complexo e diverso que exige experiências técnicas e qualificações em
hidrogeologia, biologia, botânica, restauração, reforma, revitalização, serviços,
manutenção, operacionalização.

O Parque das Águas de Caxambu tem um significado singular e imensurável


para a estância hidromineral de Caxambu. E por se inserir num contexto
complexo, representando a base da existência e referência da população, é
condição básica e necessária que os gestores do Parque, para além do
conhecimento técnico e específico, tenham uma visão ampla de sua estrutura e
o entendimento de como todas as atividades se relacionam entre si e com a
cidade. É imprescindível conhecer suas características ambientais especificas e
uma ambiência favorável ao sistema de geração e manutenção das águas
minerais em equilíbrio. Logo, o objeto do edital, ao ignorar a complexidade do
local que se pretende conceder a ente privado, em termos que direcionam a
atuação do particular apenas para a exploração comercial e turística, coloca em
risco esse patrimônio dos mineiros e da humanidade, uma vez que se trata de
bem afeto ao meio ambiente e qualquer lesão poderá ter resultado irreversíveis
às águas e ao patrimônio histórico e cultural de Minas e de Caxambu.

O edital desconsidera que para que o Parque desempenhe sua verdadeira


vocação aliando turismo, saúde, educação, bem-estar e que promova
desenvolvimento para a cidade é necessário uma gestão integrada,
multidisciplinar e conhecedora da sua complexidade.

4) Há previsão de alto investimento público para melhoria das instalações,


restauração de fontanários e promoção do turismo a ser realizado diretamente
pela CODEMGE, o que afastaria a justificativa que embasa a concessão, de que
o poder público não teria condições. Durante os três primeiros anos a
CODEMGE aportará recursos para as obras de modernização, de restauração
de fontanários e outros espaços e também para ações de promoção ao turismo
planejadas pela concessionária.

Isso revela a ausência de justificativa para a concessão pretendida, já que o


Poder Público poderia realizar as referidas ações por sua própria conta, fazendo
outros arranjos de parceria, mantendo-se o controle e preservação do patrimônio
histórico e cultural mineiro sob a responsabilidade pública. Acrescenta-se que
esse fato torna a CODEMGE sócia da concessionária.

Há vícios e lacunas no referido edital, não submetido a debate público, não


sendo de conhecimento público e em transgressão ao princípio da transparência
que orienta a Administração Pública, já que não há a indicação dos critérios que
a CODEMGE se baseou para realizar as alterações acima relatadas, bem como,
qual seria a razão do aumento substancial no aporte de recursos, o que fere o
princípio da transparência.

Em face de disponibilidade de recursos públicos a particular, em flagrante risco


de danos ao erário, sem a apresentação de estudos e debate público, é
imperioso que ao menos se esclareça os motivos para as alterações e como se
deu o processo de decisão.

5) Prerrogativa da concessionária para utilizar o nome do Parque das Águas de


Caxambu acrescido de outras denominações e estabelecer naming rights

“(...) A atribuição de nomes aos sujeitos e aos objetos é um requisito


fundamental da construção do mundo e da inteligibilidade da comunicação. (...)
O nome pode compor a imagem de um sujeito ou de um objeto, de modo a fazer
dele parte integrante. (...) o nome deixa de ser algo „externo‟ ao sujeito ou ao
objeto, mas se torna indissociável e insuprimível à sua própria existência. (...)”
(Marçal, 2012). Segundo esse mesmo autor, não é admissível que os locais e os
espaços de relevância no processo histórico tenham sua denominação alterada
para propiciar vantagens econômicas a entidades privadas: “o bem público que
se configure como substrato material de valores coletivos transcendentes não se
destina usualmente, a uma utilização de interesses específicos. O vínculo com
valores imateriais conduz a que o bem seja, em si mesmo, uma representação
da identidade coletiva.” Assim, para Marçal (2012), a cessão onerosa do direito à
denominação de um bem público não pode comprometer aquilo que se poderia
denominar como „patrimônio comum‟ da comunidade, como referência ao
conjunto de valores que mantêm a unidade de um grupo.

O naming rights, colocado no meio de um extenso edital, sem nenhuma regra,


pode inclusive ensejar conflitos de interesse entre a atividade econômica com o
objetivo primário do Parque: águas minerais, saúde, cura, bem estar, qualidade
de vida. Por exemplo, como imaginar o nome do Parque ligado a uma indústria
de refrigerantes ou de bebidas alcóolicas? E se a incompatibilidade não for tão
evidente?

Pelo exposto e por todos os outros pontos conflitantes no edital 55/2022, discutidos por
nós nas manifestações orais em diversas ocasiões e discriminados nos diversos
documentos elaborados pela AMPARA desde o final de 2021, reafirmamos nosso
posicionamento pelo cancelamento do edital e reinício do processo com abertura de
discussão ampla e de fato participativa a partir, inclusive, do modelo de parceria a ser
utilizado para gestão do Parque. Ademais, há um processo no MPMG em andamento
cujo desfecho precisa ainda ser estabelecido, que nada mais é do que a recomendação
de suspensão e abertura de debate público.

AMPARA
Sociedade Amigos do Parque das Águas – Caxambu, MG

___________________________________
Maria Antonia Muniz Barreto
Vice-presidente

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