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A VIDA COMO EUCARISTIA

Algumas considerações sobre a unidade de vida e oração

PARA COMEÇAR
 Escutamos do povo: “Reze por mim!”
 Nosso povo sabe que rezamos
 Muitas vezes levamos estas orações para a oração litúgica: quer na Liturgia das
Horas, quer na Celebração Eucarística (intenções) ou devocional, quer na oração pessoal
 Tudo que fazemos é “material” para a Eucaristia
 O Judeu piedoso costuma “dar graças a Deus” em tudo que toca
 Assim, nada é “pagão”, mas tudo é sacralizado pelo poder da oração
 As vezes vivemos como “pagãos”: desconsideramos Deus de algum aspecto de nossa
vida

A VIDA FEITA EUCARISTIA


 A liturgia celebrada no ato litúrgico, “strictu sensu” como culto público para glória de
Deus e santificação do ser humano, abre-se para a vida
 Desse modo a própria vida se torna o cenário onde se pode experimentar e
testemunhar aquilo se oferece em cada momento celebrativo
 Por obra do Espírito Santo a existência humana, em cada uma de suas facetas,
carrega o potencial de prolongar a realidade que temos sobre o altar da celebração: o Corpo e
Sangue de Cristo
 O culto litúrgico tem duas dimensões que se encontram intimamente relacionadas e
unidas entre sí: uma vertical e outra horizontal, é por si mesmo “cruciforme”
 J. Ratzinger, ao falar sobre isso afirma que Santo Agostinho “chega a identificar
sacrificium e misericordia. Considerando as coisas dessa maneira, percebe-se também a nova
concepção ética: a vida se converte em liturgia mediante o mútuo amor humano, na
comunidade do Corpo de Cristo”1
 Somos uma “communio in sacris” mas também “communio sanctorum”

“REZAR COM A VIDA E COM A VIDA”


 Tudo que vivemos e fazemos pode e deve ser transformado em matéria para a
oração – “pão e vinho” oferecidos a Deus para que sejam transfigurados e lhe tributem glória
 É o que se pode dizer com a expressão “rezar a vida e com a vida”
 Nessa dinâmica, a mente do orante não ignora as pessoas e as realidades humanas
para refugiar-se numa oração intimista; pelo contrário, ela penetra no coração de todas as
realidades para, aí, encontrar a presença de Deus
 Dessa maneira torna-se possível a contemplação de Deus nas coisas e das coisas em
Deus
 Santo Agostinho é, assim, enfático em definir uma pessoa orante: “Ora bem quem
vive bem” (Sobre a ordem 2,19,51)2

ORAÇÃO E O OUTRO, COMO IRMÃO


 O Bispo de Hipona considera fundamental a relação entre a oração e a caridade
(nossa oração pelos outros)
 A oração é fruto e expressão da caridade; não pode haver oração onde não há

1
RATZINGER, J. O novo povo de Deus. São Paulo: Edições Paulinas, 1969, p. 44.
2
AGOSTINHO. Obras Completas. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1946, p. 687.
caridade
 Ao mesmo tempo, não pode haver desejo de se estar na presença do Pai, se não
existir um desejo de compromisso efetivo com os irmãos, uma vez que todos somos filhos do
mesmo Pai
 Finalmente, não podemos nos comunicar com o Pai, através da oração, se antes não
nos comunicamos com os irmãos
 Agostinho chega a afirmar que o amor ao próximo é condição essencial para poder
estar na presença de Deus e contemplar a sua face: “O amor ao próximo purifica os olhos para
ver a Deus” (Comentário ao Evangelho de São João 17,8)3
 A oração parte de um coração que ama e chega ao próprio coração de Deus que é
amor
 A linguagem da caridade sempre chega aos ouvidos de Deus, ainda que não seja
perceptível aos ouvidos humanos
A oração que Deus escuta e que consegue o que pede é a que vai acompanhada da caridade
e da humildade, do jejum e da esmola, da temperança e do perdão, do desejo de fazer o
bem ao próximo e não retribuir mal por mal, e do propósito de evitar o pecado e realizar
boas obras. Porque apoiada nas asas dessas virtudes, a oração se eleva mais facilmente e
remonta até o céu, onde Cristo penetrou primeiro, nossa paz (Sermão 206,3)4.
 Nas relações interpessoais, muitas vezes, o outro corre o risco de se tornar um
concorrente, um rival, alguém que precisa ser vencido “o homem é lobo do homem” (Tomas
Hobbes) – essa tem sido, em geral, a lei predominante em nossas relações competitivas
 Na oração, ao contrário, o outro passa a ser visto como um irmão com quem
podemos compartilhar e a quem somos chamados a amar
 Isso significa reconhecer que o outro é o lugar privilegiado onde Deus pode ser
reconhecido e encontrado: “Não há escada mais segura para subir ao amor de Deus que o
amor ao homem a seus semelhantes” (Os costumes da Igreja Católica I,26,48)5
 Quem reza, ama; necessariamente ama
 Amar a Deus e amar o irmão é a síntese proposta por Jesus ao afirmar que “desses
dois mandamentos dependem toda lei e os profetas” (Mt 22,40)
 O amor e a oração são como que as duas faces da mesma moeda e os dois pólos que
se atraem mutuamente, num dinamismo infinito
 Quando se ama, também se ora, e vice versa; e isso não pode ser jamais
interrompido
 A oração é vital para que a chama do amor se mantenha viva
A maravilha da liturgia vivida é, pois, o mistério da caridade divina, tornando-se o tudo da
nossa vida. Na sua fonte, no seu fluxo, nos seus frutos, esta caridade procura tudo penetrar:
o âmago do coração e o ser pessoal, o trabalho e a cultura, as relações entre as pessoas e o
tecido das nossas sociedades. Na caridade o Reino já está presente e vem ‘com poder’, o do
Senhor crucificado e ressuscitado. Mas é ela que nos impulsiona também para ir cada vez
mais longe, ‘até ao extremo do amor’ (cf. Jo 13,1) 6.

3
AGOSTINHO. Obras Completas. Vol. XIII. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1955, p. 559.
4
AGOSTINHO. Obras Completas. Vol. XXIV. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1983, p. 110.
5
AGOSTINHO. Obras Completas. Vol. IV. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1956, p. 321.
6
CORBON, J. A fonte da Liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 185.

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