Você está na página 1de 8

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de História

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Prova de América III

Docente: João Paulo Rodrigues


Discente: Caio Brollo Fernandes
DRE: 118143156

O impiedoso Tio Sam


Provavelmente o mundo inteiro já escutou a história de como os
Estados Unidos é formado por uma nação que preza por democracia,
nacionalismo e principalmente, liberdade. E se eu disser que não passa
de uma bela imagem para explorar? Que o meu país é uma composição
de militares gananciosos que sentam atrás de largas mesas e mandam o
próprio povo para guerra em prol de lucro? Pois bem, a história é sobre
meu ponto de vista, Henry Pickett, ex-militar da Marinha norte-americana
que participou dos eventos no pacífico no final do século XIX.

Eu nasci em 1868 no coração da Pensilvânia, Filadélfia, não por


acaso. É uma cidade históricamente importante para o meu país
militarmente. Sou neto de um ex-soldado que morreu em batalha contra
os mexicanos em 1847. Essa batalha, que anexou a Califórnia para nós,
fazia parte de um plano com intuito de continuar a expansão territorial e
também de se impor militarmente na América, principalmente
ameaçando os territórios do México recém independentes.

Após a independência mexicana ter sido reconhecida pela


Espanha em 1821, o governo, com a Doutrina Monroe, viu uma
oportunidade de expandir o território e enfraquecer a dominância
espanhola na América. Em 1846 enviou o exército para lutar pelas terras
do sul. Meu avô fazia parte do batalhão designado e nunca mais voltou
para casa, deixando para trás meu pai e outros três filhos.

Nunca tive um apreço pelo militarismo, a ideia de servir pra mim


era uma questão bastante complexa. No fundo eu não acreditava que o
destino manifesto era uma missão enviada por Deus para dizimar povos
infiéis. Porém, minha família tinha raízes militares e sempre cultivava a
honra e a importância de servir o próprio país. Meu pai e meus tios
serviram por longo tempo, então era natural que eles esperarariam o
legado continuar através de mim e dos meus primos.

Minha juventude inteira foi na base de uma educação militar,


estudei na Academia Naval e ingressei no curso de Mergulhadores da
Marinha. A água para mim sempre foi uma fuga da realidade, na época
optar pela Marinha era minha única opção de carreira militar. Eu evitaria
os confrontos terrestres comuns e focaria mais no mar, em missões de
reconhecimento, resgate ou reparos. Nos primeiros anos de serviço, tive
missões bem tranquilas e simples, porém, tudo ia mudar na minha
primeira grande missão. Lembro que as reuniões que eram curtas e
objetivas viraram reuniões recheadas de estratégias de combate e isso
me preocupava. Os Almirantes sempre reiteravam o quanto era
importante a Marinha para a América nessa nova fase. Nós, desde
sargentos, éramos ensinados que tínhamos um dever constante com
todos os americanos, era de servir e proteger a qualquer custo os
interesses da nação. Em 1890, teve um outro pânico financeiro
envolvendo bancos. O foco do país precisava mudar, a terra viria para
segundo plano e o oceano era a solução mais lógica de expansão
comercial. Os países da Ásia, portanto, se tornaram alvos.

Minha primeira grande missão veio em 1893, os Estados Unidos


estavam preparando uma missão no pacífico e precisavam estabelecer
bases militares. Havaí se despontava como uma excelente investida
para o assentamento das tropas americanas. Pelo fato de ser um
mergulhador, fui chamado para integrar o Corpo de Fuzileiros Navais no
Esquadrão da Evolução, fazendo parte do USS Boston na missão de
estreitar a nossa relação no território. Em 16 de janeiro, aportamos no
Havaí onde tínhamos a princípio, somente o trabalho de manter a paz
nas ruas. Bom, não era bem isso que viria acontecer. A elite do Havaí
era composta por descendentes de americanos e queriam o Havaí
anexado como parte da América. Mais tarde, o representante do nosso
governo no Havaí, um cara chamado John Stevens, solicitou para que
nós, os militares que embarcaram no USS Boston, protegêssemos os
negócios e as propriedades dos americanos. Eu não tinha entendido
muito bem qual o real motivo da gente estar lá até ver o desenrolar. Na
madrugada do dia que chegamos, após a patrulha, eu estava
caminhando na rua da frente do palácio quando ouvi uma discussão
acalorada em um escritório. A porta tava fechada mas a janela estava
um pouco aberta, o suficiente para olhar quem estava presente. Um era
o meu capitão, reconheci imediatamente pela voz. Os outros dois eu
nunca tinha ouvido antes. Rapidamente, pego um banco e subo para
espiar. Ao tentar identificar os indivíduos, percebi que eram três
americanos conversando sobre o reino do Havaí.

Ouço assuntos sobre democracia, plantação, anexação e o nome


da Rainha Lili'uokalani várias vezes. O mais velho deles, aparentava
estar na casa dos 50 anos estava discutindo fortemente com o sujeito
que falava altíssimo sobre como era injusto o imposto cobrado nos
produtos americanos e como um juiz renomado deveria ter noção disso.
O juiz se levanta, pega um copo de bebida, olha pra direção da mesa e
diz que os últimos recursos necessários para as mudanças políticas
acontecerem já estariam no lado de fora do palácio acampado e não
seria inteligente chamar atenção desnecessária. E que se é pra gritar e
agir como um descivilizado, era pra sair do escritório dele.

Nesse momento todos se levantam e o americano que estava


insatisfeito, ao caminhar para a porta, dispara que está enfurecido por
causa dos abusos fiscais do reino e espera a mais rápida anexação. O
capitão, também indo em direção a porta, vira e fala para o juiz que as
tropas estariam a disposição caso precisasse. O juiz, olhando para os
dois, diz que se tudo ocorrer como planejado, não seria necessário fazer
uso das tropas na tomada do poder, só precisaria do apoio da elite
haole. Nesse momento eu desço do banco e vou andando devagar pela
parede para terminar de ouvir a conversa.

O juiz abre a porta e o capitão comenta que concorda com os


haole e com o ministro John Stevens. Seria mais um país no alcance das
influências, implementação de bases militares, e principalmente uma
região estratégicamente importante para o objetivo expansionista da
América na Ásia. O juiz concorda com uma risada e diz que o dia
seguinte ia ser um grande passo para a América. Ao voltar para o
acampamento, me peguei pensando no que eu acabei de presenciar.
Pelo o que eu entendi, o foco nunca foi apaziguar e estreitar relações e
sim tomar conta do país por pura estratégia econômica/militar. Na época,
eu tinha uma convicção quase inabalável que o meu país se pautava na
democracia e na liberdade do mundo e jamais usurparia um povo antes
aliado.

No dia seguinte, fomos convocados para cercar o palácio com


permissão de ser hostil com qualquer ameaça à  vida americana. Eu
tinha uma ideia do que poderia vir a acontecer. Mais tarde recebemos a
notícia que o reino havaiano foi surpreendido com o Comitê de
Segurança. Se consistia em 13 membros da elite havaiana composta por
imigrantes e descendentes americanos a fim de tomar o poder da rainha
Lili'uokalani e instaurar um governo aos moldes democráticos, o governo
provisório foi liderado por Sanford B. Dole e Lorrin A. Thurston.

Depois que a monarquia havaiana foi derrubada, o Governo


Provisório do Havaí imediatamente enviou um tratado de anexação ao
presidente Benjamin Harrison, que o encaminhou ao Senado em
fevereiro de 1893. Porém, quando Grover Cleveland se tornou
presidente algumas semanas depois, foi revogado o tratado e ele
convidou a rainha Lili'uokalani para conversar nos Estados Unidos. É
aonde eu entro.

John Stevens, ministro da América, chega no acampamento e


entra na tenda do meu superior, o capitão Jason Powell. Logo em
sequência, meu grupo de mergulhadores foi convocado para uma
reunião em segredo. John Stevens ao lado de Jason Powell nos
apresenta uma importante missão que teríamos que fazer dentro de 3
dias no porto de Honolulu. Ele começa a explicar toda a história do
motivo da investida política e porque os havaianos estariam contra nós.
Na apresentação, disse que descobriu por fontes ligadas a realeza que a
rainha decidiu fazer uma visita aos Estados Unidos com intuito de tentar
dissolver a democracia. E o nosso objetivo era sabotar o navio e eliminar
a ameaça iminente à liberdade.

Eu estava convencido de novo nos ideais do grande Tio Sam.


Doce ilusão. Todavia, na época, tudo que o ministro discursava sobre,
encaixava nos acontecimentos perfeitamente. Então eu acreditei
fielmente no propósito de proteger a democracia, estava pronto para
servir a América. Era a nossa última missão antes de voltar, eu estava
com medo de falhar e acabar não voltando para casa. Passaram os dias
da preparação e chegou o dia mais importante desde que desembarquei
na ilha. Era noite, nossa missão era clara, mergulhar e infiltrar
secretamente no navio pela água, esquivando dos possíveis guardas e
sabotar a cabine de comando. O objetivo era cortar qualquer tipo de
comunicação que pudessem ter para isolar o alvo no oceano. A nossa
marinha iria interceptar o navio e afundá-lo. Isto feito, restava apenas
voltar para o acampamento e se preparar para ir embora. Minha
consciência tava bagunçada devido ao fato de escutar os esquemas do
golpe de Estado mas dessa vez eu tinha certeza que tinha feito o certo,
era pra proteger a América.

Chegando em casa, me reencontro com a minha família, esposa e


meus filhos e aproveito as férias que tinha recebido. Ao regressar, volto
aos tranquilos serviços da Marinha por 4 anos até 1898. Em janeiro, sou
chamado pelo capitão Jason Powell, meu antigo superior do USS Boston
para integrar novamente uma missão do Corpo de Fuzileiros Navais
como mergulhador no encouraçado USS Maine em Cuba.

Cuba sempre foi um importantíssimo território para os Estados


Unidos. Até mesmo considerado uma fronteira natural pelos políticos
desde a nossa independência. E em 1898, se configurou uma
oportunidade de fragilizar ainda mais a influência espanhola na América
e tomar para si mais uma área de controle no continente.

Assim como na minha missão em 1893 no Havaí, o encouraçado


foi enviado para proteger os interesses americanos. Foi mostrado para
nós através de reportagens e propagandas anti-espanholas que a
Espanha estava cometendo crimes e abusos contra a população
cubana, e esse conflito poderia atrapalhar toda a influência constituída
na economia açucareira e no comércio cubano. A tensão revolucionária
estava evidente ao desembarcar, o antigo anseio da população de se
livrar das garras espanholas era visto como um ponto positivo à América.
Duas semanas depois, enquanto eu e mais 4 soldados estávamos
circulando o porto de Havana, escutamos uma explosão no cais. Saímos
disparado atrás da fumaça preta saindo de uma embarcação. Quando
chegamos perto, vimos que era o nosso encouraçado. Eu desabei,
quase todos os meus colegas de farda estavam naquele recinto.
Comecei a correr desesperado para o ancoradouro para ver se tinha
algum sobrevivente ou alguém precisando de socorro. Logo vi várias
pessoas caindo no mar, gritei para as pessoas que estavam perto do
Maine para jogarem os botes no mar e pulei para resgatar os
sobreviventes junto com meu grupo de mergulhadores. Porém, uma das
vítimas que estava boiando no mar era um soldado espanhol fardado e
isso me deixou intrigado. Reportei imediatamente aos meus superiores a
situação e eles sem pensar duas vezes assumiram que se passava de
uma sabotagem espanhola.

Caos, explosão, mortes e terror. Esse era o cenário perturbador


que foi 15 de fevereiro de 1898 em Havana. Minha cabeça não
conseguia processar o tamanho do impacto que isso tinha sido. Lembro
de ficar revoltado com a Espanha e desejar tanto uma guerra para matar
cada um responsável por essa atrocidade.

Dias se passaram e rumores de guerra seguiam mais fortes. O


sentimento de ódio começou a rondar a ilha e a América como um todo.
Todos os americanos estavam esperando o comunicado oficial do
presidente da América para retaliar. William McKinley no fundo tinha
intenção de evitar uma guerra e resolver o imbróglio diplomaticamente.
Era o oposto do que nós queríamos. A pressão dos partidos, da mídia e
da população foi tão grande que ele recusou o compromisso proposto
pela Espanha e impôs um ultimato exigindo a retirada das tropas
espanholas da ilha de Cuba.

Em abril, nós entramos em guerra contra a Espanha. Mas eu


ainda estava intrigado com o espanhol morto que tinha encontrado. Não
fazia sentido sabotar para ser descoberto. Poderia ter sido um plano mal
executado que não deu tempo de fuga. Mas ele não tava com marcas de
queimaduras ou uniforme manchado de fuligem. Pensei muito também
nesse fato dele estar totalmente fardado, como se ninguém fosse
reconhecer um militar espanhol circulando o encouraçado. Algo na
minha cabeça não permitiria deixar isso para lá. Eu precisava descobrir o
que tinha acontecido de verdade.

Em uma noite, reuni meu grupo de mergulhadores e pedi para


contarem o que sabiam até o momento. Foram eles que encontraram o
corpo comigo, poderiam saber de alguma coisa. Frustadamente,
ninguém tinha informação de algo além do que encontrar um espanhol
no mar. Contudo, quando saí para pegar um ar, um companheiro
chamado Mark Johnson veio até a minha direção e disse, olhando pros
lados, que viu os responsáveis de inspecionar a cena ignorando a cabine
onde ocorreu a explosão e focar somente no corpo do espanhol. Ao
retirá-lo da água, colocaram-o em um carro e foram embora.

No exato momento, as coisas se encaixaram. Para mim, era uma


armação contra a Espanha. Perguntei ao Mark se ele conseguiu
identificar qual nacionalidade eram os inspecionadores, se eram
cubanos, espanhóis ou americanos. Mark me responde que não sabe ao
certo mas descarta a possibilidade de ser os espanhóis.

Dia seguinte, eu decido reportar para os meus superiores sobre a


nova descoberta. Imediatamente comunicam o general Richard
Coleman. Depois de algumas horas, o general aparece e pede para
todos deixarem a sala. Ao fechar a porta, me olha nos olhos e pergunta
se eu amo a minha família. Antes de eu responder, puxa um dossiê com
todas as informações sobre a minha vida como fotos, nomes,
documentos, endereço e formação acadêmica. Eu fico atônito, pergunto
para ele o que está acontecendo. Ele me responde que eu estou
interferindo em assuntos confidenciais e de ameaça à ordem. Eu nego,
digo que estou relatando informações pertinentes. Que a Espanha
poderia ser de fato inocente nessa explosão e o que faltava para
descobrir se é ou não, seria identificar a causa da morte do espanhol
estirado no mar.

O general me interrompe e diz que o corpo está fora de alcance.


Já foi encaminhado aos responsáveis pela autópsia e não era minha
área de atuação. Caso eu voltasse a perseguir essa história, eu seria
punido drásticamente. Ou como ele mesmo disse, nunca se sabe o que
acontece em uma guerra, pessoas podem não voltar. Isso me pegou
desprevinido. Foi uma ameaça nas entrelinhas, eu senti que tinha sido.

Na hora, eu sabia que tinha descoberto um grande escândalo. O


alto escalão do exército plantou o corpo de um soldado espanhol na
cena do crime para incriminar a Espanha e forçar uma guerra que sabia
que ia vencer. Isso me deu raiva demais, ver a instituição que eu mais
prazava por lealdade, transparência, irmandande e conduta ser
totalmente corrupta. Mas por qual motivo? Mais tarde fui entender o
porque.

Continuei a lutar na guerra hispano-americana por mais alguns


meses até a Espanha negociar o fim da guerra no final de 1893. O
tratado de paris esclareceu tudo para mim. Com as cessões, os Estados
Unidos assumiriam o controle de Cuba, Porto Rico e Filipinas. O Império
colonial espanhol ficaria reduzido a pequenos territórios na África ainda
mal conhecidos e explorados.

Para mim, o objetivo da grande cúpula dos militares do exército


americano era garantir o controle primordial de territórios perto da
América e ao mesmo tempo engatar influência nos territórios do pacífico
a fim de explorar ao máximos as opções asiáticas. E nada melhor que
fazer isso do que incriminar a Espanha por uma sabotagem e tomar a
força o domínio dos europeus.

Ao voltar para casa, decidi me afastar do alistamento e me mudar


para a Europa com a minha família para fugir de qualquer ameaça que
pudesse vir do exército. Eu iria viver olhando pelos meus ombros o
tempo que estivesse na América sempre a espera de alguma ameaça.
Decidi, portanto, priorizar a segurança da minha esposa e do meus
filhos. Aqui, em outro continente, eu posso finalmente contar como o
meu país é sujo e hipócrita. Desde forçar golpes de Estado a países
aliados e inofensivos à forjar pretextos para guerra, o exército não se
importa com quantas vidas americanas vão se perder, contanto que gere
lucro. O tempo que servi foi bastante conturbado e cheio de escândalos
que não foram expostos. Com isso, termino aqui minha visão sobre a
conduta do meu país no mundo, com muito arrependimento e luto pelas
milhares de famílias que perderam entes queridos para as guerras.

Você também pode gostar