Provavelmente o mundo inteiro já escutou a história de como os Estados Unidos é formado por uma nação que preza por democracia, nacionalismo e principalmente, liberdade. E se eu disser que não passa de uma bela imagem para explorar? Que o meu país é uma composição de militares gananciosos que sentam atrás de largas mesas e mandam o próprio povo para guerra em prol de lucro? Pois bem, a história é sobre meu ponto de vista, Henry Pickett, ex-militar da Marinha norte-americana que participou dos eventos no pacífico no final do século XIX.
Eu nasci em 1868 no coração da Pensilvânia, Filadélfia, não por
acaso. É uma cidade históricamente importante para o meu país militarmente. Sou neto de um ex-soldado que morreu em batalha contra os mexicanos em 1847. Essa batalha, que anexou a Califórnia para nós, fazia parte de um plano com intuito de continuar a expansão territorial e também de se impor militarmente na América, principalmente ameaçando os territórios do México recém independentes.
Após a independência mexicana ter sido reconhecida pela
Espanha em 1821, o governo, com a Doutrina Monroe, viu uma oportunidade de expandir o território e enfraquecer a dominância espanhola na América. Em 1846 enviou o exército para lutar pelas terras do sul. Meu avô fazia parte do batalhão designado e nunca mais voltou para casa, deixando para trás meu pai e outros três filhos.
Nunca tive um apreço pelo militarismo, a ideia de servir pra mim
era uma questão bastante complexa. No fundo eu não acreditava que o destino manifesto era uma missão enviada por Deus para dizimar povos infiéis. Porém, minha família tinha raízes militares e sempre cultivava a honra e a importância de servir o próprio país. Meu pai e meus tios serviram por longo tempo, então era natural que eles esperarariam o legado continuar através de mim e dos meus primos.
Minha juventude inteira foi na base de uma educação militar,
estudei na Academia Naval e ingressei no curso de Mergulhadores da Marinha. A água para mim sempre foi uma fuga da realidade, na época optar pela Marinha era minha única opção de carreira militar. Eu evitaria os confrontos terrestres comuns e focaria mais no mar, em missões de reconhecimento, resgate ou reparos. Nos primeiros anos de serviço, tive missões bem tranquilas e simples, porém, tudo ia mudar na minha primeira grande missão. Lembro que as reuniões que eram curtas e objetivas viraram reuniões recheadas de estratégias de combate e isso me preocupava. Os Almirantes sempre reiteravam o quanto era importante a Marinha para a América nessa nova fase. Nós, desde sargentos, éramos ensinados que tínhamos um dever constante com todos os americanos, era de servir e proteger a qualquer custo os interesses da nação. Em 1890, teve um outro pânico financeiro envolvendo bancos. O foco do país precisava mudar, a terra viria para segundo plano e o oceano era a solução mais lógica de expansão comercial. Os países da Ásia, portanto, se tornaram alvos.
Minha primeira grande missão veio em 1893, os Estados Unidos
estavam preparando uma missão no pacífico e precisavam estabelecer bases militares. Havaí se despontava como uma excelente investida para o assentamento das tropas americanas. Pelo fato de ser um mergulhador, fui chamado para integrar o Corpo de Fuzileiros Navais no Esquadrão da Evolução, fazendo parte do USS Boston na missão de estreitar a nossa relação no território. Em 16 de janeiro, aportamos no Havaí onde tínhamos a princípio, somente o trabalho de manter a paz nas ruas. Bom, não era bem isso que viria acontecer. A elite do Havaí era composta por descendentes de americanos e queriam o Havaí anexado como parte da América. Mais tarde, o representante do nosso governo no Havaí, um cara chamado John Stevens, solicitou para que nós, os militares que embarcaram no USS Boston, protegêssemos os negócios e as propriedades dos americanos. Eu não tinha entendido muito bem qual o real motivo da gente estar lá até ver o desenrolar. Na madrugada do dia que chegamos, após a patrulha, eu estava caminhando na rua da frente do palácio quando ouvi uma discussão acalorada em um escritório. A porta tava fechada mas a janela estava um pouco aberta, o suficiente para olhar quem estava presente. Um era o meu capitão, reconheci imediatamente pela voz. Os outros dois eu nunca tinha ouvido antes. Rapidamente, pego um banco e subo para espiar. Ao tentar identificar os indivíduos, percebi que eram três americanos conversando sobre o reino do Havaí.
Ouço assuntos sobre democracia, plantação, anexação e o nome
da Rainha Lili'uokalani várias vezes. O mais velho deles, aparentava estar na casa dos 50 anos estava discutindo fortemente com o sujeito que falava altíssimo sobre como era injusto o imposto cobrado nos produtos americanos e como um juiz renomado deveria ter noção disso. O juiz se levanta, pega um copo de bebida, olha pra direção da mesa e diz que os últimos recursos necessários para as mudanças políticas acontecerem já estariam no lado de fora do palácio acampado e não seria inteligente chamar atenção desnecessária. E que se é pra gritar e agir como um descivilizado, era pra sair do escritório dele.
Nesse momento todos se levantam e o americano que estava
insatisfeito, ao caminhar para a porta, dispara que está enfurecido por causa dos abusos fiscais do reino e espera a mais rápida anexação. O capitão, também indo em direção a porta, vira e fala para o juiz que as tropas estariam a disposição caso precisasse. O juiz, olhando para os dois, diz que se tudo ocorrer como planejado, não seria necessário fazer uso das tropas na tomada do poder, só precisaria do apoio da elite haole. Nesse momento eu desço do banco e vou andando devagar pela parede para terminar de ouvir a conversa.
O juiz abre a porta e o capitão comenta que concorda com os
haole e com o ministro John Stevens. Seria mais um país no alcance das influências, implementação de bases militares, e principalmente uma região estratégicamente importante para o objetivo expansionista da América na Ásia. O juiz concorda com uma risada e diz que o dia seguinte ia ser um grande passo para a América. Ao voltar para o acampamento, me peguei pensando no que eu acabei de presenciar. Pelo o que eu entendi, o foco nunca foi apaziguar e estreitar relações e sim tomar conta do país por pura estratégia econômica/militar. Na época, eu tinha uma convicção quase inabalável que o meu país se pautava na democracia e na liberdade do mundo e jamais usurparia um povo antes aliado.
No dia seguinte, fomos convocados para cercar o palácio com
permissão de ser hostil com qualquer ameaça à vida americana. Eu tinha uma ideia do que poderia vir a acontecer. Mais tarde recebemos a notícia que o reino havaiano foi surpreendido com o Comitê de Segurança. Se consistia em 13 membros da elite havaiana composta por imigrantes e descendentes americanos a fim de tomar o poder da rainha Lili'uokalani e instaurar um governo aos moldes democráticos, o governo provisório foi liderado por Sanford B. Dole e Lorrin A. Thurston.
Depois que a monarquia havaiana foi derrubada, o Governo
Provisório do Havaí imediatamente enviou um tratado de anexação ao presidente Benjamin Harrison, que o encaminhou ao Senado em fevereiro de 1893. Porém, quando Grover Cleveland se tornou presidente algumas semanas depois, foi revogado o tratado e ele convidou a rainha Lili'uokalani para conversar nos Estados Unidos. É aonde eu entro.
John Stevens, ministro da América, chega no acampamento e
entra na tenda do meu superior, o capitão Jason Powell. Logo em sequência, meu grupo de mergulhadores foi convocado para uma reunião em segredo. John Stevens ao lado de Jason Powell nos apresenta uma importante missão que teríamos que fazer dentro de 3 dias no porto de Honolulu. Ele começa a explicar toda a história do motivo da investida política e porque os havaianos estariam contra nós. Na apresentação, disse que descobriu por fontes ligadas a realeza que a rainha decidiu fazer uma visita aos Estados Unidos com intuito de tentar dissolver a democracia. E o nosso objetivo era sabotar o navio e eliminar a ameaça iminente à liberdade.
Eu estava convencido de novo nos ideais do grande Tio Sam.
Doce ilusão. Todavia, na época, tudo que o ministro discursava sobre, encaixava nos acontecimentos perfeitamente. Então eu acreditei fielmente no propósito de proteger a democracia, estava pronto para servir a América. Era a nossa última missão antes de voltar, eu estava com medo de falhar e acabar não voltando para casa. Passaram os dias da preparação e chegou o dia mais importante desde que desembarquei na ilha. Era noite, nossa missão era clara, mergulhar e infiltrar secretamente no navio pela água, esquivando dos possíveis guardas e sabotar a cabine de comando. O objetivo era cortar qualquer tipo de comunicação que pudessem ter para isolar o alvo no oceano. A nossa marinha iria interceptar o navio e afundá-lo. Isto feito, restava apenas voltar para o acampamento e se preparar para ir embora. Minha consciência tava bagunçada devido ao fato de escutar os esquemas do golpe de Estado mas dessa vez eu tinha certeza que tinha feito o certo, era pra proteger a América.
Chegando em casa, me reencontro com a minha família, esposa e
meus filhos e aproveito as férias que tinha recebido. Ao regressar, volto aos tranquilos serviços da Marinha por 4 anos até 1898. Em janeiro, sou chamado pelo capitão Jason Powell, meu antigo superior do USS Boston para integrar novamente uma missão do Corpo de Fuzileiros Navais como mergulhador no encouraçado USS Maine em Cuba.
Cuba sempre foi um importantíssimo território para os Estados
Unidos. Até mesmo considerado uma fronteira natural pelos políticos desde a nossa independência. E em 1898, se configurou uma oportunidade de fragilizar ainda mais a influência espanhola na América e tomar para si mais uma área de controle no continente.
Assim como na minha missão em 1893 no Havaí, o encouraçado
foi enviado para proteger os interesses americanos. Foi mostrado para nós através de reportagens e propagandas anti-espanholas que a Espanha estava cometendo crimes e abusos contra a população cubana, e esse conflito poderia atrapalhar toda a influência constituída na economia açucareira e no comércio cubano. A tensão revolucionária estava evidente ao desembarcar, o antigo anseio da população de se livrar das garras espanholas era visto como um ponto positivo à América. Duas semanas depois, enquanto eu e mais 4 soldados estávamos circulando o porto de Havana, escutamos uma explosão no cais. Saímos disparado atrás da fumaça preta saindo de uma embarcação. Quando chegamos perto, vimos que era o nosso encouraçado. Eu desabei, quase todos os meus colegas de farda estavam naquele recinto. Comecei a correr desesperado para o ancoradouro para ver se tinha algum sobrevivente ou alguém precisando de socorro. Logo vi várias pessoas caindo no mar, gritei para as pessoas que estavam perto do Maine para jogarem os botes no mar e pulei para resgatar os sobreviventes junto com meu grupo de mergulhadores. Porém, uma das vítimas que estava boiando no mar era um soldado espanhol fardado e isso me deixou intrigado. Reportei imediatamente aos meus superiores a situação e eles sem pensar duas vezes assumiram que se passava de uma sabotagem espanhola.
Caos, explosão, mortes e terror. Esse era o cenário perturbador
que foi 15 de fevereiro de 1898 em Havana. Minha cabeça não conseguia processar o tamanho do impacto que isso tinha sido. Lembro de ficar revoltado com a Espanha e desejar tanto uma guerra para matar cada um responsável por essa atrocidade.
Dias se passaram e rumores de guerra seguiam mais fortes. O
sentimento de ódio começou a rondar a ilha e a América como um todo. Todos os americanos estavam esperando o comunicado oficial do presidente da América para retaliar. William McKinley no fundo tinha intenção de evitar uma guerra e resolver o imbróglio diplomaticamente. Era o oposto do que nós queríamos. A pressão dos partidos, da mídia e da população foi tão grande que ele recusou o compromisso proposto pela Espanha e impôs um ultimato exigindo a retirada das tropas espanholas da ilha de Cuba.
Em abril, nós entramos em guerra contra a Espanha. Mas eu
ainda estava intrigado com o espanhol morto que tinha encontrado. Não fazia sentido sabotar para ser descoberto. Poderia ter sido um plano mal executado que não deu tempo de fuga. Mas ele não tava com marcas de queimaduras ou uniforme manchado de fuligem. Pensei muito também nesse fato dele estar totalmente fardado, como se ninguém fosse reconhecer um militar espanhol circulando o encouraçado. Algo na minha cabeça não permitiria deixar isso para lá. Eu precisava descobrir o que tinha acontecido de verdade.
Em uma noite, reuni meu grupo de mergulhadores e pedi para
contarem o que sabiam até o momento. Foram eles que encontraram o corpo comigo, poderiam saber de alguma coisa. Frustadamente, ninguém tinha informação de algo além do que encontrar um espanhol no mar. Contudo, quando saí para pegar um ar, um companheiro chamado Mark Johnson veio até a minha direção e disse, olhando pros lados, que viu os responsáveis de inspecionar a cena ignorando a cabine onde ocorreu a explosão e focar somente no corpo do espanhol. Ao retirá-lo da água, colocaram-o em um carro e foram embora.
No exato momento, as coisas se encaixaram. Para mim, era uma
armação contra a Espanha. Perguntei ao Mark se ele conseguiu identificar qual nacionalidade eram os inspecionadores, se eram cubanos, espanhóis ou americanos. Mark me responde que não sabe ao certo mas descarta a possibilidade de ser os espanhóis.
Dia seguinte, eu decido reportar para os meus superiores sobre a
nova descoberta. Imediatamente comunicam o general Richard Coleman. Depois de algumas horas, o general aparece e pede para todos deixarem a sala. Ao fechar a porta, me olha nos olhos e pergunta se eu amo a minha família. Antes de eu responder, puxa um dossiê com todas as informações sobre a minha vida como fotos, nomes, documentos, endereço e formação acadêmica. Eu fico atônito, pergunto para ele o que está acontecendo. Ele me responde que eu estou interferindo em assuntos confidenciais e de ameaça à ordem. Eu nego, digo que estou relatando informações pertinentes. Que a Espanha poderia ser de fato inocente nessa explosão e o que faltava para descobrir se é ou não, seria identificar a causa da morte do espanhol estirado no mar.
O general me interrompe e diz que o corpo está fora de alcance.
Já foi encaminhado aos responsáveis pela autópsia e não era minha área de atuação. Caso eu voltasse a perseguir essa história, eu seria punido drásticamente. Ou como ele mesmo disse, nunca se sabe o que acontece em uma guerra, pessoas podem não voltar. Isso me pegou desprevinido. Foi uma ameaça nas entrelinhas, eu senti que tinha sido.
Na hora, eu sabia que tinha descoberto um grande escândalo. O
alto escalão do exército plantou o corpo de um soldado espanhol na cena do crime para incriminar a Espanha e forçar uma guerra que sabia que ia vencer. Isso me deu raiva demais, ver a instituição que eu mais prazava por lealdade, transparência, irmandande e conduta ser totalmente corrupta. Mas por qual motivo? Mais tarde fui entender o porque.
Continuei a lutar na guerra hispano-americana por mais alguns
meses até a Espanha negociar o fim da guerra no final de 1893. O tratado de paris esclareceu tudo para mim. Com as cessões, os Estados Unidos assumiriam o controle de Cuba, Porto Rico e Filipinas. O Império colonial espanhol ficaria reduzido a pequenos territórios na África ainda mal conhecidos e explorados.
Para mim, o objetivo da grande cúpula dos militares do exército
americano era garantir o controle primordial de territórios perto da América e ao mesmo tempo engatar influência nos territórios do pacífico a fim de explorar ao máximos as opções asiáticas. E nada melhor que fazer isso do que incriminar a Espanha por uma sabotagem e tomar a força o domínio dos europeus.
Ao voltar para casa, decidi me afastar do alistamento e me mudar
para a Europa com a minha família para fugir de qualquer ameaça que pudesse vir do exército. Eu iria viver olhando pelos meus ombros o tempo que estivesse na América sempre a espera de alguma ameaça. Decidi, portanto, priorizar a segurança da minha esposa e do meus filhos. Aqui, em outro continente, eu posso finalmente contar como o meu país é sujo e hipócrita. Desde forçar golpes de Estado a países aliados e inofensivos à forjar pretextos para guerra, o exército não se importa com quantas vidas americanas vão se perder, contanto que gere lucro. O tempo que servi foi bastante conturbado e cheio de escândalos que não foram expostos. Com isso, termino aqui minha visão sobre a conduta do meu país no mundo, com muito arrependimento e luto pelas milhares de famílias que perderam entes queridos para as guerras.