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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

Texto Didático n° 01

OS MODELOS "KEYNESIANOS" DE ECONOMIA ABERTA E AS SUAS


INCONSISTÊNCIAS KEYNESIANAS

Fernando Ferrari Filho *


Novembro 1994

* Professor adjunto do Departamento de Economia da UFRGS


Abstract

This article shows the Keynesian models to an open economy, which are developed in the text-
books of Macroeconomics. After presenting these kind of Keynesian models, the article
criticizes them since these models give up Keynes' theoretical approach that is developed in
the General Theory.
OS MODELOS "KEYNESIANOS" DE ECONOMIA ABERTA E AS SUAS
INCONSISTÊNCIAS KEYNESIANAS*

Introdução

De maneira geral os livros-texto de Macroeconomia, ao discutirem as relações


macroeconômicas em nível internacional e, por conseguinte, desenvolverem os modelos de
economia aberta, costumam apresentar duas versões teóricas para os processos de
ajustamento do setor externo e da determinação da renda de equilíbrio, quais sejam, clássica e
"keynesiana". Pela versão clássica o equilíbrio do balanço de pagamentos ocorre por
movimentos tanto na oferta de moeda quanto no nível de preços, ao passo que na versão
"keynesiana" o ajuste externo decorre das modificações no fluxo circular da renda que afetam
os níveis de produto e emprego de equilíbrio.
No presente artigo, as atenções voltar-se-ão para a versão "keynesiana" de equilíbrios
interno e externo do sistema econômico.
Para tanto, apesar de ter-se ciência de que a The General Theory of Employment,
Interest and Money, de agora em diante denominada General Theory, tem como premissa
básica a análise do istema econômico a partir de uma economia fechada1, inicialmente,
formalizar-se-á um modelo macroeconômico de economia aberta, conforme descrito, por
exemplo, em Dornbusch
(1980) e Williamson (1989), no qual alguns pressupostos keynesianos sejam contemplados,
tais como, preços fixos no curto prazo e, devido à hipótese de que a economia opera abaixo da
situação de pleno emprego, produção respondendo às variações de demanda efetiva, entre
outros.
A partir da descrição do referido modelo, objetivar-se-á mostrar de que maneira as
decisões de política econômica, sejam monetária e fiscal, sejam comercial e cambial, afetam
os níveis de equilíbrios da renda e do emprego, bem como do balanço de pagamentos.
A seguir, tendo-se como base o modelo "keynesiano" de economia aberta,
procurar-se-á apresentar a sua inconsistência keynesiana, seja pelo fato de que a General
Theory analisa e explica os mecanismos de desequilíbrio e desemprego em uma economia
"fechada", seja porque o referido modelo, cuja estrutura teórica está relacionada aos diagramas
das curvas IS/LM, se distancia dos pressupostos teóricos de Keynes contidos na General
*
Este artigo é uma versão modificada de um dos capítulos da tese de doutorado do autor, apresentada e defendida na
FIPE/USP, em novembro de 1992. As idéias contidas ao longo do artigo estão sendo trabalhadas na disciplina de Teoria
Macroeconômica, ministrada pelo autor, do Curso de Graduação em Economia da UFRGS

1
A ausência de uma análise acerca do setor externo ao longo dos capítulos da General Theory, a despeito da
importância das relações externas na dinâmica da demanda efetiva, deve-se ao fato de que a atenção de Keynes estava
voltada, tão-somente, para a natureza endógena do processo produtivo, face à generalização da crise mundial, observada
durante a Grande Depressão dos anos 30.
Theory, tais como, princípio da demanda efetiva, natureza das expectativas e da incerteza e
não-neutralidade da moeda, entre outros, que constituem a essência da teoria monetária da
produção de Keynes.

1. Descrição dos modelos macroeconômicos de economia aberta

1.1. Relações básicas

Em uma economia aberta, tem-se a seguinte identidade básica que relaciona o Produto
Interno Bruto, PIB2, à demanda agregada:

Y ? C + I + G + (X-M) (1),

nos quais, como se sabe, Y representa o PIB, cuja "departamentalização", sob a ótica de
demanda, é observada em termos de consumo final do setor privado, C, investimento privado,
I, gastos do governo, G, e exportações líquidas, X - M.
A partir da identidade (1) pode-se enfatizar a absorção doméstica, tanto composta por
bens produzidos no país quanto por produtos importados, como E, tal que:

E? C+I+G (2).

Introduzindo (2) em (1), tem-se:

Y ? E + (X - M) (3).

A reordenação da identidade (3) permite apresentar o equilíbrio da economia


setorialmente, seja interno, seja externo,
como se segue:

Y- E ? X - M (4).

Pela relação acima, quando X - M for positivo o país absorve um volume de produção
menor do que o PIB, realizando, então, transferências reais para o exterior, ao passo que se M
for maior do que X o país absorve um montante de produção maior do que o PIB, captando
poupança externa.

2
Por mais que seja repetitivo, torna-se necessário ressaltar que há uma importante distinção entre os conceitos de
Produto Interno Bruto, PIB, e Produto Nacional Bruto, PNB. Enquanto o PNB se refere à produção total da economia, o
PIB está associado à produção interna, incluindo a remuneração paga aos fatores de produção dos não-residentes. A
diferença entre estas duas grandezas, por sua vez, diz respeito à renda líquida enviada para o exterior, RLE, também,
denominada serviços de fatores.
Considerando-se, novamente, a identidade (1) e subtraindo-se os impostos líquidos, T,
de ambos os lados, pode-se expressar a relação do Produto Interno Bruto da seguinte maneira:

Y - T - C ? I + (G - T) + (X - M) (5).

Re-escrevendo a identidade (5) em uma forma equivalente à condição de "poupança


igual a investimento" da teoria keynesiana, tem-se:

(S - I) + (T - G) = X - M (5a),

em que S é a poupança do setor privado em termos líquidos.


A identidade (5a), portanto, ao representar a condição de equilíbrio de uma economia
aberta, mostra que o superávit (déficit) da balança comercial está associado ao excesso
(escassez) de poupança líquida do setor privado e ao superávit (déficit) fiscal do governo.
Assim sendo, um superávit externo, representando um investimento líquido no resto do
mundo, requer que o setor privado poupe mais do que investe e o setor governamental arrecade
mais do que gaste, ao passo que um déficit comercial, significando uma entrada de capital
externo, implica insuficiência de poupança relativamente aos investimentos privados e gastos
governamentais.

1.2. Determinação da renda de equilíbrio

Endogenizando algumas variáveis da identidade (1), tem-se a seguinte relação


comportamental:

Y = c(Y) + I(i) + G + X(Y*, r) - M(Y, r), (6)

nos quais c é a propensão a consumir - 0 < c < 1 -i é a taxa real de juros interna, Y* representa
o PIB mundial e r expressa a taxa real de câmbio3.
Re-escrevendo a equação acima em termos setoriais, encontra-se:

Y = E(Y, i) + Q(Y, Y*, r) (6a)

em que E = C + I + G e Q = X - M são, respectivamente, as demandas interna e externa.


Introduzindo-se uma alíquota de importação, designada por tf, na equação (6), tem-se:

Y = c(Y) + I(i) + G + X(Y*,r) - M(Y,r,tf), (7)

3
A taxa real de câmbio pode ser expressa pela seguinte relação: r = e.P*/P, sendo que e representa a taxa nominal de
câmbio e P* e P são, respectivamente, os níveis de preçosexterno e interno.
A equação (7), por sua vez, efetuada a departamentalização" da demanda, em termos
interno e externo, pode ser re-escrita como se segue:

Y = E(Y, i) + Q(Y, Y*, r, tf). (7a)

A partir da equação (7a), os impactos no nível de renda e no balanço de pagamentos


provenientes dos comportamentos das políticas fiscal, representada por uma variação
autônoma de E, monetária, designada por variações de i, comercial, associada a mudanças em
tf, e cambial, denotada por alterações de r, são os seguintes:

dY/dEY > 0, dY/dEi < 0, dY/dQtf > 0


e
dY/dQr>=< 0,

dependendo, naturalmente, das condições de Marshall/Lerner4.


As derivadas parciais acima dizem o seguinte: (a) Quando ocorrem expansões
(contrações) fiscal e monetária, os níveis de renda e de emprego aumentam (diminuem), bem
como o balanço de pagamentos se deteriora (melhora);
(b) A elevação (redução) da alíquota da política comercial, admitindo-se que as importações
sejam elásticas, tende a expandir (reduzir) os níveis de renda e de emprego;
(c) Uma desvalorização (valorização) cambial, observadas as elasticidades preços das
exportações e importações, pode provocar uma expansão (redução) do nível de equilíbrio
interno e, ao mesmo tempo, gerar um superávit (déficit) no balanço de pagamentos.

l.3. As curvas IS/LM/BP e os equilíbrios interno e externo

Uma formalização sucinta do modelo "keynesiano" de economia aberta, segundo a


tradição dos diagramas IS/LM, pode ser representada pelas seguintes relações
comportamentais:

Y = E(Y, i) + Q(Y, Y*, tf, r) (7a)


e

4
Pelas condições de Marshall/Lerner, conhecida como abordagem das elasticidades, partindo-se de uma situação inicial
de comércio equilibrado,a melhora do balanço de pagamentos, quando ocorre uma desvalorização cambial, depende da
seguinte
relação:

Ex (Nx - 1)/Ex + Nx + Nm(1 + Em)/Em + Nm > 0,

em que Ex é a elasticidade preço da oferta das exportações, Nx representa a elasticidade preço da demanda das
exportações, Em expressa a elasticidade preço da oferta das importações e Nm é definido como sendo a elasticidade
preço da demanda das importações. A relação acima diz que o balanço de pagamentos responderá positivamente às
variações no poder de concorrência sempre que as ofertas e demandas, tanto de exportações quanto de importações,
forem elásticas. Veja, para tanto, Williamson, 1989, p.138-47.
M/P = L(Y, i), (8)

nos quais M/P é o estoque real de moeda ofertada e L representa a demanda por encaixes reais
de moeda.
As equações (7a) e (8) definem as curvas IS e LM, curvas em que os mercados real e
monetário, respectivamente, estão em equilíbrio.
Se, agora, o balanço de pagamentos, além de expressar o comportamento real da
economia, representar, também, a relação financeira do setor externo, qual seja, o mercado de
capitais, pode-se escrever a seguinte equação:

BP = Q(Y, Y*, tf, r) + CF(i, i*), (9)

nos quais BP representa o balanço de pagamentos, CF expressa a conta movimento de capitais


e i* é a taxa de juros internacional.
A equação acima, no que concerne ao comportamento de CF, diz que os proprietários
de ativos estão dispostos a moverem seus
fundos em busca de maiores retornos e de menores custos de empréstimos, de acordo com o
comportamento da taxa de juros.
Partindo-se, agora, das equações (7a), (8) e (9), a condição de equilíbrio, simultânea,
dos mercados interno e externo consiste de uma situação na qual as curvas IS/LM/BP, a partir
dos níveis de taxa de juros e renda, interceptam-se, conforme mostra o gráfico 1:

Gráfico 1: Equilíbrio simultâneo


nos mercados interno e externo

Pelo gráfico acima, o ponto A representa a condição em que os mercados real e


monetário estão em equilíbrio e as exportações líquidas não são superavitárias, nem
deficitárias.
A partir desse modelo "keynesiano" o produto da economia passa a ser determinado por
comportamentos de políticas fiscal, monetária, comercial e cambial que dinamizam a demanda
agregada. A dinamização desta, por sua vez, depende dos objetivos da política econômica
estabelecidos pelas Autoridades Monetárias, quais sejam, estabilização de preços vis-à-vis
crescimento econômico, seja interno, seja externo, entre outros.

1.4. As políticas econômicas em condições de perfeita mobilidade de capital e sob as


hipóteses de regimes cambiais fixos e flexíveis
A versão mais conhecida dos modelos de economia aberta, intitulados keynesianos,
dentro das análises IS/LM, foi desenvolvida no início dos anos 60 por Mundell e Fleming5.
Estes autores mostram como a abertura da economia afeta as dinâmicas operacionais da
políticas fiscal e monetária.
Partindo-se dos diagramas IS/LM, o modelo Mundell/Fleming supõe as seguintes
hipóteses básicas:
(a) Os países individualmente são suficientemente pequenos e, portanto, não têm condições de
alterar o comportamento das variáveis reais da economia mundial;
(b) Os bens produzidos interna e externamente são substitutos perfeitos;
(c) Os preços interno e externo são fixos;
(d) O saldo do balanço de pagamentos depende da renda e dos preços relativos;
(e) As expectativas são estáticas;
(f) Existe perfeita mobilidade de capital na economia6.
Dadas as referidas suposições, o modelo analisa os desdobramentos nas condições de
equilíbrio, interno e externo, quando, em situações tanto de taxas de câmbio fixas quanto de
flexibilidade cambial, há variações nas políticas econômicas.
Considerando-se uma posição inicial de equilíbrios interno e externo, os resultados
provenientes de políticas econômicas, quando as taxas de câmbio são fixas, são, de forma
sucinta, os seguintes:
(a) A expansão monetária provoca, inicialmente, um aumento dos níveis de emprego e produto,
visto que a redução da taxa de juros estimula os investimentos. Uma vez que a renda cresce e
os juros internos diminuem, o balanço de pagamentos tende a ser deficitário, bem como o seu
financiamento deverá ser realizado através da "queima" de reservas cambiais. A redução das
reservas, por conseguinte, desmonetiza a economia - contração da oferta monetária -,
conduzindo, por fim, a economia para o seu ponto de equilíbrio inicial, face ao fato de que
ocorre um arrefecimento dos investimentos, em resposta à dinâmica da taxa de juros. Pode-se,
portanto, concluir que a política monetária não altera os níveis de produto e emprego da
economia, bem como provoca uma perda de reservas cambiais proporcionalmente ao
crescimento da oferta monetária inicial;
(b) Uma política fiscal expansiva eleva, de imediato, a renda e a taxa de juros doméstica.
Admitindo-se que as exportações líquidas sejam pouco sensíveis à renda, há um superávit no
balanço de pagamentos que, via expansão das reservas cambiais, provoca a monetização da
economia. Esta monetização, por sua vez, dinamiza, ainda mais, a economia, face à influência
da taxa de juros sobre os investimentos. Desta maneira, a expansão fiscal ocasiona, por um
lado, uma elevação da renda e, por outro, um aumento das reservas cambiais sem, todavia,
originar desequilíbrios no balanço de pagamentos;
(c) Um aumento da alíquota das importações, supondo-se que elas sejam elásticas em relação
ao câmbio, expande o nível da renda e, simultaneamente, gera um superávit no balanço de

5
Os modelos Mundel/Fleming originaram-se, de forma independentes, a partir dos trabalhos de Fleming, 1962, e Mundell,
1963.

6
Pela hipótese de perfeita mobilidade de capital, os mercados de títulos, interno e externo, são condicionados pela
mesma taxa de retorno. Em outras palavras, as taxas de juros, interna e internacional, não podem desalinhar-se: i = i*.
Assim sendo, o movimento de capital torna-se bastante sensível à taxa de juros e, portanto, qualquer diferencial de juros
provoca deslocamentos maciços de fluxos de capital.
pagamentos. A conseqüência imediata do desequilíbrio externo será a expansão das reservas e,
via mecanismo de monetização, aumento da oferta monetária. Assim sendo, os resultados
desta política são idênticos aos resultados da política fiscal, quais sejam, maiores níveis de
renda e reservas cambiais, com a manutenção do equilíbrio do setor externo.
Em contrapartida, levando-se em consideração, mais uma vez, que há uma situação
inicial de equilíbrios interno e externo, os resultados advindos de políticas monetária, fiscal e
comercial, quando a taxa de câmbio é flexível, são, sucintamente, os seguintes:
(a) A expansão da oferta monetária eleva, no primeiro momento, o nível da renda às expensas,
entretanto, de um déficit no balanço de pagamentos. Como decorrência, torna-se necessário
desvalorizar a taxa de câmbio para que o equilíbrio externo seja restabelecido. Diante da
desvalorização cambial, as exportações líquidas aumentam, fazendo com que a economia
retorne à situação de equilíbrio externo. O resultado, portanto, mostra que os níveis de renda e
emprego são ainda maiores, comparados ao impacto monetário inicial;
(b) A expansão fiscal, por sua vez, provoca, de início, um crescimento da renda e um
desequilíbrio externo. A necessidade de se restaurar o equilíbrio do balanço de pagamentos,
supondo-se que o mesmo, face à conta movimento de capitais, seja positivo, faz com que a
taxa de câmbio seja valorizada. Desta maneira, o superávit externo se reduz, bem como
observa-se um efeito crowding-out pleno, a ponto, inclusive, de fazer com que a economia
retorne à sua situação original de equilíbrio;
(c) Políticas protecionistas, considerando-se que as importações sejam elásticas, geram
efeitos semelhantes aos provocados pela política fiscal, quais sejam, o nível de renda não se
altera e, devido à valorização cambial - admitindo-se que a mesma seja necessária para
arrefecer o superávit do balanço de pagamentos, conforme a hipótese acima apresentada - o
setor externo permanece equilibrado.
Dentro desse contexto teórico, descrito en passant, os policy makers procuram
conduzir a política econômica de maneira a expandir o nível de atividade econômica sem,
contudo, gerar crônicos desequilíbrios externos, tanto superavitários quanto deficitários.
Neste sentido, se o objetivo da política econômica consiste em dinamizar a demanda
agregada para reduzir, por exemplo, o nível de desemprego, as opções adequadas são políticas
fiscal e comercial, quando as taxas de câmbio são fixas, e monetária, na suposição de que haja
flexibilidade cambial.

2. A inconsistência keynesiana dos modelos de economia aberta

A partir da descrição dos modelos "keynesianos" de economia aberta, deve -se indagar
se o approach teórico dos referidos modelos expressa, por um lado, as idéias de Keynes
pertinentes à ordem econômica internacional e, por outro, os principais fundamentos
metodológicos contidos na General Theory.
No que diz respeito à relação entre as concepções teóricas de Keynes sobre a ordem
econômica internacional e os modelos "keynesianos" de economia aberta, deve -se reconhecer
as limitações destes modelos, seja porque qualquer interpretação keynesiana tem que ser
contextualizada conforme as idéias de Keynes - movendo-se de uma posição teórica
tradicional para uma na qual há uma forma própria de pensar de Keynes - , seja pelo fato de que
os modelos "keynesianos" de economia aberta enfatizam as especificidades técnicas da
política econômica, preterindo, assim, os aspectos políticos e institucionais na discussão das
relações internacionais, predominantes na visão de Keynes7.
Por outro lado, entende-se que os modelos "keynesianos" de economia aberta, apesar
de serem analítica e logicamente bem formalizados e operacionalizados no plano econômico,
têm um approach teórico que distancia-se das análises de Keynes contidas na General
Theory, uma vez que interpretam e discutem a teoria keynesiana a partir da estrutura básica
dos diagramas hicksianos de IS/LM, cujos pontos centrais são os seguintes:
(a) "Departamentalização" dos mercados real e monetário, quando, em Keynes, as esferas real
e monetária fazem parte de uma teoria de "escolha de ativos";
(b) Substituição da análise de equilíbrio parcial marshalliana pela de equilíbrio geral
walrasiana, em que as condições ótimas de preços e quantidades, dadas as preferências, os
recursos e a tecnologia, passam a depender de um "leiloeiro" que ajusta os mercados para uma
posição de equilíbrio;
(c) Inversão da relação causal entre investimento e poupança, apresentada por Keynes, na
dinâmica de determinação da renda;
(d) Deslocamento da análise de tempo histórico para tempo lógico, fazendo com que as
decisões econômicas dos indivíduos não sejam afetadas pelas expectativas de incerteza sobre
o futuro8.
Os trabalhos de Hicks (1937 e 1980-81) ilustram as referidas idéias. A incoerência
entre a "departamentalização" dos mercados real e monetário é reconhecida pelo próprio
Hicks, no artigo de 1980-81. Em suas palavras,

"The relation which is expressed in the IS curve is a flow relation, which ... must refer
to a period ... But the relation expressed in the LM curve is ... a stock relation ... It must
therefore refer to a point of time, not to a period" (1980-81, p.150-1).

Analisando-se a relação causal entre investimento e poupança, Hicks contraria a lógica


keynesiana do princípio da demanda efetiva ao afirmar que

" ... is impossible to increase investment without increasing the willingness to save or
the quantity of money" (1937, p.152, grifos do autor).

Quanto à "equivocada" interpretação da General Theory a partir do processo de


equilíbrio por equações simultâneas, Hicks, anos mais tarde, assume o seu equívoco ao dizer

7
Sobre as discussões e propostas de Keynes pertinentes às relações econômicas internacionais, sejam comerciais, sejam
monetário-financeiras, ver Ferrari F_, 1992, e Davidson, 1992-93.

8
Uma discussão acerca da incompatibilidade entre as teorias do mainstream, discutidas nos livros-texto de
Macroeconomia, e keynesiana, no que diz respeito, especificamente, à análise de equilíbrio e à noção de temporalidade
do processo produtivo, pode ser encontrada, por exemplo, em Dow, 1985, capítulo 5.
que o modelo de Keynes " ... was a model that was consistent with unemployment, while mine,
in his terms, was a full employment model" (1980-81, p.141).
Por quê? Porque, segundo Hicks

" ... the idea of IS-LM diagram came to me as a result of the work I had been doing on
three-way exchange, conceived in Walrasian manner ... In Walras, all markets are
cleared; but in IS-LM (following Keynes) the labor market is not cleared; there is
excess of supply labor" (1980-81, p.141-2).

Por fim, os modelos IS-LM, conforme reconsideração do próprio Hicks,


desconsideram a natureza da incerteza no cálculo de decisões dos agentes econômicos. Nas
palavras dele,

" ... there is no sense in liquidity, unless expectations are uncertain. But how is an
uncertain expectation to be realized? When the moment arrives to which the
expectation refers, what replaces it is fact, fact which is not uncertain" (1980-81,
p.152, grifos do autor). " ... the economy must be treated as if it were in equilibrium
over the period" (1980-81, p.151, grifos originais)

Neste sentido, pelas considerações acima , entende-se que as interpretações do


pensamento de Keynes sobre a dinâmica do setor externo, desenvolvidas pelos modelos de
economia aberta, apresentam algumas inconsistências do ponto de vista keynesiano.
Além do mais, deve -se ter ciência de que qualquer interpretação das proposições
teóricas da General Theory inseridas em um modelo de economia aberta, apesar de se saber
que a referida obra analisa, tão-somente, a dinâmica de uma economia nacional, tem que
considerar a concepção de economia monetária de Keynes como parte integrante da análise.
Desta maneira, no entendimento de Dow, por exemplo, as sistematizações da oferta
monetária, segundo os princípios keynesianos básicos, quais sejam, instabilidade das
expectativas e preservação da moeda como mecanismo de defesa contra a incerteza, devem
fazer parte das discussões das relações internacionais (Dow, 1986-87, p.238).
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