Você está na página 1de 18

Flavio Villaca

Nosso objetivo & publicar obras com qualidade editorial e gräfica.


Para expressar suas sugestöes, düvidas, criticas e eventuais reclamacöes, entre em
contato conosco.
N
CENTRAL DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
Rua Pedroso Alvarenga, 1046 + 99 andar + 04531-004 » Säo Paulo SP
Fone: (11)3706-1466 « Fax: (11)3706-1462
www.studionobel.com.br
atendimento@studionobel.com.br

Intra-urdan
no Brasil

Bihlioteca >
!

E PROIBIDA A REPRODUGÄO us? 22 Edicäo

Nenhuma parte desta obra poderä ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo
transmitida por meios eletrönicos ou gravagöes, sem a permissäo, por escrito, do
> > 8
editor. Os infratores seräo punidos de acordo com aLein2 9,610/98

Este livro € fruto do trabalho do autor e de toda uma equipe editorial. Por
favor, respeite nosso trabalho: näo faca cöpias.

Studio Nobel MAPESP INSTITUTE


0%
Capitulo 2

N
Espaco intra-urbano:
esse desconhecido

No amplo campo dos estudos territoriais, t&m havido nas ültimas decadas um
crescente desenvolvimento das investigacöes regionais e uma surpreendente estag-
nagäo dos estudos intra-urbanos. Estes, pouco de relevante produziram desde a de-
cada de 1970. Mesmo no periodo entre as decadas de 1930 e 1970, foram frägeis as
contribuigöes nessa ärea (embora abundassem as anälises regionais), dadas, por exem-
plo, pela economia e geografia neoclässicas (William Alonso, Brian Berry, R. E Muth,
H. S. Perloffe LowdonWingo Jr., para citar apenas alguns expoentes). Decompös-se a
cidade em värios elementos e produziu-se uma serie de estudos atomizados sobre
temas especificos, como a densidade demogräfica, as äreas industriais, as comerciais,
o preco da terra, etc.; al&m disso, produziram-se as conhecidas teorias pontuais da
localizacäo. Uma frägil visäo de conjunto, incapaz de ajudar aconstrugäo de uma base
teörica mais ampla sobre o espago intra-urbano, foi apresentada. Nesse sentido, pou-
co se avangou nas investigagöes sobre o conjunto da cidade e sobre a articulacäo en-
tre suas värias äreas funcionais, ou seja, sobre a estrutura intra-urbana.
A visäo articulada e de conjunto foi, aliäs, a grande contribuigäo da Escola de
Chicago. As tentativas de formulacäo de modelos espaciais -
täo difundidas por
Chorley & Haggett no final dos anos 60 (meados dos anos 70, no Brasil} -
tiveram
curta duragäo, pois foram atropeladas pelos estudos territoriais de base marxista
surgidos igualmente naquela Epoca e que passaram a dominar o assunto; esses es-
tudos, entretanto, vem ignorando quase totalmente o espago intra-urbano. Desde
entäo, a mais notävel tentativa de teorizacäo desse espago como um todo tenha
sido, talvez, a feita por Castells em La question urbaine. Esse autor, por&m, abando-
nou 0 campo de estudo em foco e ninguem o retomou a partir do ponto em que ele
o deixou. Pelo menos, a partir dele, näo se formou uma corrente ou escola de pensa-
mento sobre o espago intra-urbano.

17
No entanto, näo se usa a ex-
Nesta obra procura-se desenvolver a tese de que os processos que, de um expressäo espago regional se refere ao intra-regional.
pressäo espago intra-regional. Aredundäncia da expressäo espaco intra-urbano fica
lado, podem ser identificados com a estruturagäo das redes urbanas, com o elemen-
to ürbano das estruturas espaciais regionais, ou com 0 processo espacial de urbani-
evidente quando se imagina o uso da expressäo espago intra-regional. Parece ab-
surda, näo 6? Parece, näo: € absurda, pois espago regional basta, mesmo que como
-

zacäo, e de outro, os processos de estruturacäo interna do espaco urbano näo se- se queira privilegiar o componente urbano nos estudos
& a maioria dos casos
-

guem amesmalögica, näo passam pelas mesmas mediacöes (desde as macroanälises


expressäo intra-urbano tambem deveria ser absurda, espaco
Entäo a e
socioeconömicas ate as transformacöes espaciais intra-urbanas) e näo podem ser regionais.
abordados pelos mesmos paradigmas teöricos. Partindo de uma dada formacäo so- urbano tambem deveria bastar.
E curioso que pouco ou nada se fale deestrutura regional, ou dereestruturagäo
cial, para se chegar ao espaco intra-urbano, hä necessidade de passar por media- de estruturagäo e reestruturagäo urba- .
göes diferentes das requeridas para chegar ao espago regional. No entanto, nas ülti- regional, enquanto se fala abundantemente
O
nas. Por qu&? que comumente se chama de estruturagäo urbana näo € estrutura-
mas decadas t&m havido transbordamentos equivocados das anälises regionais
cäo (ou reestruturagäo) urbana, mas estruturagäo (ou reestruturagäo) regional, pois
que constituem a maioria para as intra-urbanas.
-

A fundamentacäo teörica desenvolvida para demonstrar essa tese serä ex- aborda o elemento urbano da estrutura regional, o processo de urbanizagäo enquan-
to processo do espago regional, seja de uma regiäo, de um pais, de värios pafses ou
posta a seguir, organizada em quattro itens, a saber:
do mundo.
+
aquestäo semäntica. Aqui pretende-se explicar por que € utilizada nesta obra,
a contragosto, a redundante expressäo intra-urbano; Tomem-se, por exemplo, algumas excelentes obras langadas recentemente
entre nös: Reestruturagäo urbana: tendencias e desafios (Valladares e Preteceille,
« breves
consideracöes sobre a distingäo entre espago intra-urbano e regional; urbano e regional no Brasil (Lavinas et al.
«
aespecificidade do espaco intra-urbano; org. 1990), ou Reestruturagäo do espago
org. 1993). De que tratam elas? Ou do processo geral da urbanizacäo brasileira, ou
« confusöes nas
abordagens dos espacos intra-urbano e regional. de nossa rede de cidades, ou seja, das cidades enquanto ele-
da reestruturagäo
Seguem-se depois breves consideragöes sobre a relacäo entre espaco e so- ou nacional (desmetropolizagäo, desconcentragäo re-
ciedade. mentos do espago regional
O se analisa nesses livros & a
gional, etc). Por que näo reestruturagäo regional? que
embora o ünico ele-
reestruturagäo de uma regiäo (o espago nacional brasileiro),
A questäo semäntica mento daregiäo analisado sejam as cidades. Säo, claramente, estudos de
Trata-se de entender e justificar a expressäo intra-urbano. Como veremos reestruturagäo regional.
Por outro lado -
a näo ser que espago urbano signifique intra-urbano, o que
adiante, essa questäo näo € mera e inconsegüente formalidade.
A expressäo intra-urbano näo deveria ser necessäria, pois "espago urbano" € raramenteacontece näotem sentido falar de"espago urbano" ao lado de "espago
abundantemente empre-
regional", como na expressäo "espago urbano regional",
e
uma expressäo satisfatöria. Por que, entäo, € utilizada? obras acima indicadas. Jähä decadas
inclusive nas
A expressäo espaco urbano, bem como "estrutura urbana, "estruturagäo ur- gada na literatura especializada,
as (ou reestruturacöes) regionais, nacionais ou planetäria inclu-
bana', "reestruturagäo urbana" e outras cong£neres, sö pode se referir ao intra-ur- que estruturagöes
bano. Tal expressäo deveria ser, pois, desnecessäria, em face de sua redundäncia. em necessariamente as redes urbanas, pois elas constituem principal elemento
o
das estruturas territoriais analisadas. Näo cabe, portanto, falar em "reestruturagäo
Porem, espago urbano- etodas aquelas afins estähoje de tal forma comprome-
tida com o componente urbano do espaco regional que houve necessidade de criar do espago urbano e regional", mas täo-somente em reestruturagäo do espago regio-
outra expressäo para designar o espago urbano; daf o surgimento e uso de intra- nal. O fato de, nessas obras, as cidades serem privilegiadas como elemento da estru-
e urbano', pois
urbano. turacäo regional näo autoriza nem justifica a redundäncia "regional
tais obras analisa1n) € neces-
toda reestruturagäo de uma rede urbana (que € o que
Aquilo que grande parte da recente literatura espacial progressista tem cha- Por outro lado, no Brasil urbano de hoje
-

mado de espago urbano refere-se, na verdade, ou ao processo de urbanizagäo gene- sariamente uma reestruturagäo regional.
Mundo € inconcebivel uma reestruturagäo regional
para näo falar do Primeiro
-

ricamente abordado, ou a espagos regionais, nacionais, continentais e mesmo pla- de rede urbana. No
netärio. Nos ültimos casos, espago urbano aparece como elemento de estruturas que näo seja simultaneamente tambem uma reestruturagäo
0

entanto, fala-se, por exemplo, referindo-se ao estado de Säo Paulo atual, em... eS-
espaciais regionais, nacionais, continentais ou planetäria. A urbano € af certamente
Com efeito, das duas uma: ou se estuda o arranjo interno dos espagos urba- trat6gias de desenvolvimento urbano e regional". palavra
dar a falsa de que poderia haver no estado
nos, ou se estuda o arranjo interno dos espacos Iegionais, nacionais ou planetärio. dispensävel, no minimo por impressäo
mesmo
ao
Nos dois casos, 6bvio, o espago E intra. Portanto, a expressäo espaco urbano näo
-
em questäo uma estrategia de desenvolvimento urbano que näo fosse
hä como ser diferente sö pode referir-se ao espaco intra-urbano, assim como a tempo regional, e vice-versa.

19
18
Mais correta e mais clara € aposigäo da revista Espaco & Debates. De um lado, totalmente distintos. As comunicacöes t&m efeito profundo sobre os espacos regio-
editou um nümero especial (ano IV, 1984, n. 13) sob o titulo "As mudangas na dinä- nais, nacionais ou planetärio, comparävel ao dos transportes. Entre outras razöes,
mica urbano-regional e suas perspectivas" e, de outro, sua edicäo de nümero 25 pelo fato de o espago regional ser, como dissemos, estruturado pelo deslocamento
recebeu o titulo de "Reestruturacäo: economia territörio". Em ambos os casos es-
e de energia, pelas comunicagöes e pelo transporte de mercadorias,e o dinheiro, uma
quivou-se muito bem das armadilhas quer da "reestruturagäo urbana", quer da das mercadorias mais transportadas ultimamente no espago regional, tem-se utili-
"reestruturacäo urbana e regional". zado exatamente das comunicagöes. Esta metäfora, muito utilizada, se aplicabem a
O fato € que, dada a importäncia do processo de urbanizacäo e das redes ur- essa situacäo: as comunicagödes, tal como os transportes, t&m feito com que o mun-
banas na estruturacäo regional, expressöes como espaco urbano, estrutura urbana do se"encolha". As comunicagöes, a certa altura da histöria da tEcnica, se libertaram
ou reestruturacäo urbana passaram a ser expressöes de prestigio e foram captura- dos transportes. Elas dependiam pelo menos agrandes distäncias
-
do transpor-
das e monopolizadas pelos estudos regionais. Ä vista dessa situagäo, fomos obriga- te da mensagem: transporte do jornal, transporte da carta, Foi com a invengäo do
dos anos render, a contragosto, aterminologia jä cristalizada eanos conformar em telegrafo que as comunicagöes se libertaram entäo. Harvey (1993, 220), aliäs, utili-
utilizar a expressäo inesmo que redundante espaco intra-urbano.
-
za-se de duas ilustragöes para mostrar o "encolhimento" do mundo: uma atrav&s
Essa questäo semäntica, como dissemos, näo € mera einconsegüente forma- dos transportes e outra -
a propaganda de uma empresa de telecomunicagöes -

lidade. Adiante veremos alguns de seus desdobramentos altamente problemäticos. atraves das comunicagöes.
Entretanto, a estruturagäo do espago intra-urbano € dominada pelo desloca-
mento do ser humano, enquanto portador da mercadoria forga de trabalho ou en-
Espacos regional e intra-urbano quanto consumidor (mais do que pelo desiocamento das mercadorias em geral ou
A distingäo mais importante entre espaco intra-urbano e espago regional de- do capital constante). Nesses deslocamentos, näo hä espago para as comunicagöes
riva dos transportes e das comunicagöes. Quer no espaco intra-urbano, quer no re- ou para o transporte da energia. Assim, o desenvolvimento do fransporte de energia
gional, o deslocamento de materia e do ser humano tem um poder estruturador edascomunicagöes que näoenvolveo deslocamento doserhumano tempro-
bem maior do que o deslocamento da energia ou das informacöes. A estruturagäo vocado no espago intra-urbano efeitos despreziveis, se & que tem existido. Näo co-
do espaco regional € dominada pelo deslocamento das informacgöes, da energia, do nhecemos nenhum estudo com fundamentacäo teörica e base empirica que mos-
capital constante e das mercadorias em geral eventualmente ate da mercadoria tre, por exemplo, os efeitos que a difusäo do teldgrafo teve sobre o espago
forga de trabalho. O espaco intra-urbano, ao conträrio, € estruturado fundamental- intra-urbano. Desconhecemos, igualmente, qualquer investigacäo -
e muito me-
mente pelas condicöes de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da nos teoria- que tenha abordado os efeitos a
que introducäo do telefone, ou do fax,
mercadoria forga de trabalho -
como no deslocamento casa/trabalho ,‚seja en- teve sobre o espago interno das metröpoles. Finalmente, desconhecemos qualquer
quanto consumidor reprodugäo da forga de trabalho, deslocamento casa-com- estudo sobre o impacto intra-urbano de uma das mais fantästicas invengöes de to-
pras, casa-lazer, escola, etc. Exatamente dai vem, por exemplo, o enorme poder dos os ternpos: a energia eletrica. Conjecturas hä, certamente, mas para conjecturas
estruturador intra-urbano das äreas comerciais e de servigos, a comegar pelo prö- a mente humana tem a liberdade e o infinito. E curioso registrar, en passant, e nos-
prio centro urbano. Tais äreas, mesmo nas cidades industriais, säo as que geram e sas experi@ncias permitem-nos afirmaristo, que a maioria dos estudiosos do espaco
atraem a maior quantidade de deslocamentos (viagens), pois acumulam os deslo- reage a essas colocagöes em geral täo veemente quanto impulsiva e irracionalmen-
camentos de forca de trabalho -
os que ali trabalharm -
com os de consumidores te, dada a falta de estudos objetivos e argumentos convincentes contra elas. No en-
-
os que ali fazem compras e väo aos servicos. tanto, abundam nos estudos espaciais mengöes aos "efeitos dos transportes e das
Quanto ao papel espacial das comunicacöes, trata-se de assunto que jä traz comunicacöes sobre o espaco urbano ou metropolitano", quando na verdade tais
a baila a confusäo entre as anälises dos espagos intra-urbano e regional; jä temos efeitos deviam ser apenas os dos transportes, e näo os das comunicagöes. Trata-se
aqui aoportunidade de mencionar essa questäo, que serä desenvolvida logo a se- certamente de uma indevida generalizagäo, para o nfvel intra-urbano, dos estudos
guir, mostrando como o dominio dos estudos intra-urbanos tem sido prejudicado espaciais regionais ou planetärio. A esse respeito € de se registrar que tais estudos
pela indevida adocäo de paradigmas, conceitos e metodologias tipicos dos estu- tem ignorado amplamente o fato de que, em qualquer ponto do espago intra-urba-
dos regionais. no ou intrametropolitano, os custos da energia e das comunicagöes säo iguais (ou
Trata-se de registrar o häbito dos analistas regionais de utilizar, em anälises apresentam diferengas despreziveis, quando as tem), tornando esses espagos unifor-
intra-urbanas, estes dois vocäbulos -transportes e comunicagdes e consegüen-
-
mes ou homog£neos do ponto devista da disponibilidade de energia e das comunica-
temente asrealidades que exprimem, täo amarrados quanto irmäos siameses. Igno- cöes. Com os transportes, especialmente o de seres humanos, a questäo € totalmente
ra-se assim 0 fato de que seus efeitos sobre os espagos intra-urbano e regional säo distinta. No tocante a eles, o espago intra-urbano € altamente heterog&neo.

20 21
Uma segunda distingäo nos € dada por Laborgne e Lipietz (1990, 19). Esses cios e de uma cidade inteira. Prossegue Harvey (idem, ibid.), "o trabalho ütil concre-
autores, no desenvolvimento de seus estudos segundo a linha da chamada Escola to produz valores de uso em determinados lugares". Os valores de uso säo tambem
Francesa da Regulacäo, depois de definirem como modelo de desenvolvimento o con- consumidos em "determinados lugares". Temos entäo dois espagos: o dos objetos
junto formado por um modo de regulacäo, um regime de acumulagäo e um bloco em si (produzidos ou näo pelo trabalho humano) e aquele determinado pelos locais
hegemönico, pgerguntam: sobre qual espaco geogräfico se realiza a unidade de
"...
onde estes säo produzidos e consumidos.
um modelo de desenvolvimento? Admitiremos que € possivel distinguir, grosso Aparece assim a questäo da localizacäo os locais onde os produtos säo
modo, tres niveis: regional, nacional e internacional" (Lipietz 1977,1985). Como o produzidos e consumidos. A localizacäo € relacäo a outros objetos ou conjuntos
espaco urbano ou metropolitano näo aparece, somos obrigados a concluir que o de objetos e a localizagäo urbana € um tipo especifico de localizagäo: aquela na
espaco que limita, que enquadra territorialmente uma metröpole, näo seria -
no qual as relacöes näo podem existir sem um tipo particular de contato: aquele que
pensamento desses autores um espago adequado ä anälise da unidade de um
-
envolve deslocamentos dos produtores e dos consumidores entre os locais de
modelo de desenvolvimento. Ou seja, as determinacöes fundamentais de um mo- moradia e os de producäo e consumo. Com isso, temos dois outros tipos de espa-
delo de desenvolvimento podem näo se articular espacialmente no nivel intra-ur- go: os que envolvem deslocamentos aslocalizacöes eos que näo envolvem
bano. Mais uma distinfäo aserem välidas as proposigöes desses autores entre
-
deslocamentos os objetos em si. Nestes ültimos, 0 espaco € dado por relacöes
espaco intra-urbano e regional. visuais ou por contato direto; na localizacäo, as relagöes se däo atraves dos trans-
Umaterceira distingäo encontra-se no delicado e inexplorado campo dos efei- portes (de produtos, de energia e de pessoas), das comunicacöes e da disponibili-
tos do espago sobre o social. Boddy aborda uma possivel distingäo entre os espagos dade de infra-estrutura. Note-se, entretanto, que o transporte de energia, as co-
intra-urbano e regional. Segundo ele (1976,1), definir um campo de economia
*...
municagöes e a infra-estrutura podem inexistir no espago urbano, como em aldeias
politica urbana [grifo no original] argumentar que € dentro [grifo nosso] das cida-

primitivas ou em partes de espacos urbanos algumas de&cadas aträs. O transporte
des (...) que os efeitos do espacial sobre o social säo mais fortes e emergem como de pessoas näo.
öbvios. O 'urbano' passa entäo a ser definido em termos dos efeitos particulares da Tanto para o exercicio imediato do trabalho como para a reprodugäo da forca
intensidade das interagödes entre o social e o espacial, provocadas pela forma espe- de trabalho, a localizacäo urbana? € determinada entäo por dois atributos. Säo eles:
cifica de articulagäo espacial da produgäo, da circulacäo e do consumo, na forma- « Uma rede de infra-estrutura: vias, redes de
ägua, esgotos, pavimentagäo,
cäo social". energia, etc;
Por fim, uma faixa de penumbra. Trata-se do novo tipo de "regiäo urbana", Possibilidades de transporte de produtos de um ponto a outro, de desloca-
um misto de cidade e regiäo que estaria surgindo nos Estados Unidos e que pode- mento de pessoas e de comunicacäo. Dentre essas possibilidades, a de deslo- 4
ria escapar A distingäo aquifeita.Seriaa regiäo metropolitana americana contem- camento do ser humano (para os locais de trabalho, de compras, de servigos,
poränea, polinucleada, desconcentrada e dispersa que, segundo Mark Gottdiener, de lazer, etc.) dominarä a estruturagäo do espaco intra-urbano, jä que, entre
seria uma forma de " espago de assentamento caracteristica dos Estados Uni-
"...
os deslocamentos de materias e os do ser humano, dominarä o ültimo. Por
dos..." e que ainda "... näo surgiu, em um sentido qualitativo, em outros paises, outro lado, a necessidade de deslocamento do ser humano dominarä as de
nem mesmo na Europa industrializada" (Gottdiener, 1985, 9)!. Nessa obra, o que comunicagäo na estruturacäo do espaco intra-urbano pois, como vimos, o
Gottdiener estuda ou menciona säo processos intra-urbanos, transformagöes em custo das comunicagöes por fax, telefone ou televisäo € praticamente o mes-
elementos da estrutura intra-urbana: o centro, a cidade central, os muitos centros mo em qualquer ponto do espago urbano.
(polinucleagäo) e a periferia esparsa. Analisa, portanto, a estrutura intra-urbana, As condicöes de deslocamento do ser humano, associadas a um ponto do
por mais que ela assuma a escala de uma regiäo. Trata-se de um tipo particular de territörio urbano, predominaräo sobre a disponibilidade de infra-estruturas desse
espaco urbano. mesmo ponto. A acessibilidade € mais vital na produgäo de localizagöes do que a
disponibilidade de infra-estrutura. Na pior das hipöteses, mesmo näo havendo infra-
Especificidades do espaco intra-urbano estrutura, uma terra jamais poderä ser considerada urbana se näo for acessivel
-

por meio do deslocamento diärio de pessoas a um contexto urbano eaum con-


-

De acordo com Harvey (1982, 375), espago € umatributo materjal detodos junto de atividades urbanas... e isso exige um sistema de transporte de passageiros.
os valozes de uso". Na verdade o&tambem dos produtos näo produzidos pelo traba- A reciproca näo € verdadeira. Alem disso, a infra-estrutura € produzida e pode ser
Iho, ou seja, que näo säo valores de uso simplesmente por näo terem valor, como os reproduzida pelo trabalho humano e estendida a toda a cidade. Hä paises do Pri-
oceanos ou as montanhas. Mas fiquemos por aqui. O espago € atributö de um auto- meiro Mundo em que todaterra urbana tem toda infra-estrutura; alocalizagäo, dada
mövel, do corpo humano, de uma cadeira, de um edificio ou um conjunto de edifi- pelas possibilidades de deslocamento do ser humano, näo. Ela € como as obras de

22 23
apartamento e näo predominantemente em apartamentos suburbanos como na
-

arteeantigüidades säo fruto do trabalho humano mas näo podem serreproduzidas nem em resid@ncias unifamiliares suburbanas como em
Barra da Tijuca -

pelo trabalho humano (Marx, s.d., L3, v. 6, 727). estä uma vital do es-
Os produtos especificos resultantes da produgäo do espago intra-urbano Alphaville. Finalmente -
e aqui questäo para a compreensäo
näo säo os objetos urbanos em si; as pragas, as ruas ou os edificios, mas suas loca- pago intra-urbano brasileiro ‚porqueas camadas de altarenda, quando väo para
os subürbios -
Barra daTijuca, Nova Lima, na Area Metropolitana de Belo Horizon-
lizagöes. A produgäo de edificios ou de conjuntos de edificios A Noite, o
escolhem certas localizagöes suburbanas e näo outras, como
te ou Alphaville
Martinelli, Barra da Tijuca, Copacabana, o Jardim America ou a avenida Paulista,
Belfort Roxo, Venda Nova ou Itaquera. Ao mesmo tempo, € preciso entender as im-
etc. enquanto objetos urbanos certamente € produgäo de espaco. Entretanto o
€ tanto quanto a producäo de cadeiras, ärvores, ou canetas. A produgäo dos obje- plicagöes e as consegüencias dessas localizacöes; em resumo, € preciso explicar as
tos urbanos sö pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas locali- localizagöes intra-urbanas.
Para ilustrar a especificidade do espaco intra-urbano, vejamos um ponto de
zagdes. A localizacäo &, ela pröpria, tambem um produto do trabalho e & ela que
especifica 0 espago intra-urbano. Estä associada ao espaco intra-urbano como um partida täo fundamental quanto elementar. Quais os processos socioespaciajs intra-
urbanos mais importantes e significativos e que por isso devem merecer maior aten-
todo, pois refere-se äs relagöes entre um determinado ponto do territörio urbano
gäo por parte dos estudiosos? As anälises e teorias sobre o desenvolvimento
ou es-
etodos os demais.
truturacäo (ou reestruturagäo) regionais jä hä muito responderam a essa pergunta.
O estudo das formas € sem düvida estudo do espaco urbano, mas näo & espe-
cifico do espaco urbano. Muito pelo conträrio, as formas säo atributo de todo espa- Hä um razoävelconsenso quanto A importäncia de alguns processos socioespacäais
regionais, como aqueles ligados A urbanizagäo, As relagöes entre aindustrializagäo
e
go (ärvores, cadeiras, canetas). No entanto, para explicar as formas urbanas os
ou a di-
aurbanizagäo, ao desenvolvimento regional desigual (nacional planetärio),
bairros, as direcöes de crescimento, a forma da mancha urbana, a verticalizacäo,
visäo internacional do trabalho, As relacöes entre os modelos de desenvolvirnento
densidades, etc. &indispensävel considerar as relagöes de determinado ponto,
ou conjunto de pontos, com todos os demais pontos do espaco urbano. Esperamos na definicäo acima, de Lipietz e a estruturagäo territorial regional, etc. Apenas
-

intelectual hoje
mostrar nesta obra que dominam essas relagöes, que se materializam atraves do para mencionar o caso mais conhecido bastaria lembrar o prestigio
deslocamento dos seres humanos enquanto consumidores e/ou portadores de for- desfrutado pelos estudos regionais e planetärio produzidos com base nas ideias da
chamada Escola Francesa da Regulagäo, os quais väo desde o Sunbelt x Snowbelt
sa de trabalho. E o que, em outra obra (Villaga, 1985), chamamos de localizagäo
aos centros de crescimento flexivel, como os täo difundidos casos do vale do Silfeio,
pura. Portanto, a anälise especifica do espago intra-urbano näo pode limitar-se, por
exemplo, aos estudos da producäo de escritörios na avenida Paulista ou de condo- Emilia-Romagna, Corredor M-4 e outros (Boddy, 1990).
minios verticais na Barra da Tijuca e horizontais em Alphaville; nem registrar que No entanto, e ao conträrio do que vem ocorrendo com os espagos regional e
corrente de pensa-
Säo Paulo cresce mais para o leste e Porto Alegre tem uma forma marcantemente planetärio, näo se desenvolveu, nas ültimas decadas, nenhuma
mento voltada para os processos socioespaciais intra-urbanos mais significativos, e
linear. E preciso explicar por que os condominios säo verticais e näo horizontais, e
muito menos para as conexöes entre as transformagöes das esferas socioeconömicas
vice-versa; em segundo lugar, por que produziram as localizagöes representadas pela
avenida Paulista, Barra da Tijuca ou Alphaville, e näo aquelas representadas pela e as espaciais. Estas referir-se-iam näo apenas aos efeitos das transformagöes
avenida Aricanduva, Belfort Roxo, Sapiranga (PA) ou Itaquera.* Näo basta explicar a socioeconömicas sobre 0 espago -
que € o ramo de investigagäo mais fregüente e
abertura da avenida Rio Branco, no Rio, como fruto da especulacäo imobiliäria. O desenvolvido -, mas tambem ao oposto, isto 0, os efeitos das transformagöes espa-
estudo especifico do espaco intra-urbano deverä explicar por que ela foi aberta na ciais sobre a esfera socioeconömica, muito menos fregüentes. Finalmente, pode-
riam referir-se tambem e mais corretamente -
& dialetica socioespacial (Soja,
localizacäo que foj e näo em outra qualquer. Näo basta explicar o desenvolvimento
-

industrial de Säo Paulo ao longo das ferrovias, na primeira metade do seculo XX. H 1980). Tal dialetica, entäo, € quase totalmente ignorada.
Cabe entäo reiterar a pergunta: quais os processos socioespaciais intra-urba-
preciso explicar por que esse desenvolvimento ocorreu ao longo de uma ferrovia -

a que demandava Santos -, e näo de outra-a que demandava o Rio. No caso das nos mais significativos e importantes? Por qu&? Aventemos algumas hipöteses.
1. Sexia a versäo intra-urbana do desenvolvimento regional e planetärio desi-
metröpoles brasileiras, € necessärio explicar por que as camadas de alta renda se do espaco intra-urbano? Li-
localizam em äreas mais centrais, produzindo grande quantidade de edificios de gual? Seria entäo ado desenvolvimento desigual
mitar-se-ia esse espaco A questäo centro x periferia?
* 2. Seria uma eventual tendäncia das metröpoles no sentido da descon-
Avenida Paulista, Copacabana, Belfort Roxo e Itaquera näo säo pontos de um espago geometrico tabuleiro nuvens urbanas", como
continente. As expressöes na avenida Paulista e em Copacabana säo enganosas, pois veiculam a ideia de centragäo polinucleada e da formagäo de enormes
espago tabuleiro preexistente. A avenida Paulista, enquanto espago social e ponto de grandes escritörios, € as identificadas por Gottdiener (1985), que existiriam apenas nos Estados
um espago, näo estd no espago. As avenidas Paulista e Copacabana de 1920 so um espago e as avenidas
Paulista e Copacabana de 1980 säo outro. Por isso, dizemos localizagäo representada por ... Unidos?

24 25
intra-urbanas säo as
3. Seria a chamada "decadäncia" dos centros principais (CBDs Central um lado, as transformagöes espaciais regionais e, de outro, as
as entre, de umlado, a estruturagäo
Business District)? mesmas? Por quais mediagöes passam relagöes
das diferentes cidades de um pais e, de outro, as grandes
4. Seria o surgimento de novos centros alternativos aos CBDs? do espago intra-urbano
sociais e econömicas experimentadas por esse pais, o grupo de pai-
5. Seriao deslocamento e/ou a expansäo dos centros principais antigos e a for- transformacöes
Nossa tese € de que tais
macäo dos chamados "centros expandidos"? ses ao qual este pertence e mesmo a sociedade mundial?
nacionais definidores da estru-
6. Seria a segregacäo urbana? Seria näo sö a segregacäo, mas a posigäo relativa mediagöes passam fundamentalmente pelos tragos
politica e econömica atraves
das äreas segregadas no espago urbano, como na descrigäo de Manchester tura e dos conflitos de classe e, ainda, pela dominagäo
feita por Engels (1978, 579) em The condition ofthe working class in England do espacgo intra-urbano. Tais tragos se manifestam na estrutura espacial intra-urba-
da a ser entäo o processo central definidor dessa .
in 1844 ou nas de Burgess (1968, 47) para Chicago? na por meio segregagäo, que passa
estrutura. Esses tracos säo bastante inelästicos em face de algumas transformagöes
7. Seria o deslocamento espacial das classes sociais?
8. Seria a verticalizacäo? sociais e econömicas nacionais e planetärias.
mostra que
Finalmente, quais seriam os principais elementos da estrutura espacial intra- Nossa anälise do espago intra-urbano de seis metröpoles nacionais
seus Se alterou nos ültimos cem anos, por mais que,
urbana e por que? alögica bäsica de espagos pouco
nacionalmente, sejaem
nesse periodo, o capitalismo brasileiro tenha se alterado, seja
faz aumentar o
Essas questöes elementares näo t&m sido sistematicamente expostas e de- distintas regides do pais. Claro que, se, POT exemplo, o neoliberalismo
de nossas cidades aumentaräo. Essa explica-
senvolvidas -
muito menos interpretadas ou explicadas --,
nas ültimas decadas, desemprego e apobreza, as äreas pobres € fundamental en-
pelos estudiosos de origem markista (pröxima ou remota), excetuada talvez, como cäo 6 täo verdadeira e öbvia quanto pobre. No nivel intra-urbano
sociedade e traduzidas em
jä vimos, a efemera e questionada incursäo de Castells no assunto, em La question tender como essas transformagöes säo filtradas em nossa
e näo apenas em alteragäo
-
do espago urbano.
urbaine. Portanto, os temas sobre os quais versam aquelas perguntas permanecem estruturagäo e reestruturagäo
-

os intra-urbano e regional abordare-


abandonados e elas, sem resposta. Para mostrar a distingäo entre espagoS
de notäveis analistas contemporäneos do es-
Se näo hä consenso, corrente organizada de pensamento nem investigagäo mos a seguir os pensamentos alguns
o nacional sobre a questäo, utilizando-nos
empirica sistemätica sobre espago intra-urbano, como havia, por exemplo, com a pago.Vejamos inicialmente pensamento
de de nossos mais brilhantes estudiosos.
Geografia e Economia urbanas neoclässicas; se € precärio o conhecimento desse do enfoque alguns
e Corr&a do Lago (s.d., 9) veem na pro-
Ribeiro e Queiröz Ribeiro
espago intra-urbano; se näo hä consenso sobre os processos socioespaciais intra- Queir6z (s.d.)
de ligagäo entre, de um lado, as transformagöes
urbanos mais importantes, e que por isso devem ser estudados, como € possivel mocäo imobiliäria o elemento
acreditar minimamente em qualquerteoria do espago intra-urbano? Se € limitado o macroeconömicas nacionais e, de outro, areestruturagäo intra-urbana. Desenvolvem
sobre a atividade imobiliäria no Brasil urbano, assunto mui-
material empitico e teörico sistematizado e elaborado sobre espago intra-urbano, importante investigagäo a abordä-lo. Os au-
como aceitar, para esse espago, processos socioespaciais, metodologias, paradigmas to pröximo ao espago intra-urbano, razäo pela qual säo impelidos
tores explicam por que os lucros de incorporagäo, derivando, segundo eles, de trans-
ou teorias transplantadas das anälises regionais? Procuram, entäo,
intra-urbanas.
Para finalizar, aproveitemos as observagöes acima, sobre o papel dos deslo- formagöes no uso do solo, provocam transformagöes
advento e difusäo da "moderna incorporagäo
camentos espaciais do serhumano como especificador do espago intra-urbano, para investigar as conexöes entre o recente
Nesse sentido, chegam inclusive a considerar
registrar que näo consideramos as äreas metropolitanas regiöes. Como pretende- transformagöes.
e
imobiliäria" aquelas
dinämica constru-
mos mostrar nesta obra, säo elas assentamentos, ou compartimentos territoriais essamodernaincorporagäo acausadora da segregagäo espacial.'A elitizando
intensamente os nücleos urbanos,
estruturados pelos deslocamentos dos seres humanos enquanto consumidores ou tiva empresarial concentra-se e Tenova
das e medias cidades, especialmente das capitals.
por major e e segregando essas äreas
portadores da mercadoria forga de trabalho; säo, por isso, cidades grandes
-

1980-1988, 73,8% dos in-


mais importantes e globais que sejam, e por mais que incluam värios municipios. No Rio de Janeiro, por exemplo, estima-se que, no periodo
se localizado nas zonas Norte,
Säo um tipo particular de cidade, mas säo cidades. Näo säo regiöes. Por isso, nesta vestimentos realizados pelos incorporadores tenham
as unidades construfdas no
obra, s6 nos utilizamos da expressäo drea e näo regiäo metropolitana. Sulena Barra daTijuca" (Ribeiro, 1992). Em Porto Alegre,
1982 para 65% en 1989 (Rovatt,
-

centro da cidade passam de 42% do totaldacidade ern 1992),


1992). Nümeros semelhantes podem ser encontrados para Säo Paulo (Galeno,
Abordagens dos espagos intra-urbano e regional Aracaju (Dantas, 1992), Natal (Araljo Cämara,
& 1982, e Petit Mello, 1992) e Salvador
0
Concluem Ribeiro e Lago que "em todas as capitais produziu-se
O aspecto central nesta questäo € o seguinte: as relagöes, ou as mediagöes, (Pinho, 1992)
isto 6, amoderna produ
entre as grandes transformagöes socioeconömicas nacionais ou planetärias e, de mesmo modelo de espago urbano segregado e diferenciado;

27
26
gäo de espagos residenciais para as classes medias no centro e
consegüentemente a imobiliäria? que ponto mo pretendemos segregagäo
expulsäo das camadas populares para a periferia". necessärio para o exercicio da dominagäo social por meio do espaco urbano; deco
Esses argumentos oferecem fertil material para a
investigacäo dos processos rendo, portanto, da luta de classes em torno das vantagens e desvantagens do Espaco
de estruturagäo espacial intra-urbana,
particularmente para o que julgamos ser fun- construfdo?
damental: o da segregacäo. Suscitam importantes
indagacöes quanto ao real papel Outro caso ilustrativo das diferengas de conexäo entre as transformagöes eco-
da"moderna incorporagäo imobiliäria" na segregagäo
espacial urbana, pois, afinal, nömicas nacionais ou planetärias e os espagos urbano e regional & fornecido por
tanto a produgäo imobiliäria de bairros centrais
para as classes mais altas como a uma anälise tipicamente regional: Negri e Pacheco (1994, 62) identificam tres tipos
expulsäo das camadas populares para a periferia antecedem em mulitas decadas a de aglomeragäo baseada na produgäo flexivel. Primeiramente,
"
"...as indüstrias in-
nova incorporagäo ou a"moderna producäo de
cabe indagar: estä correta a afirmacäo de que essa
espacos residenciais". Por outro lado, tensivas em design ou revitalizadas pela introducäo de conteudos 'artesanais c)
segregagäo € täo "espalhada" no com dois tipos principais de localizacäo: ou em äreas pröximas das grandes metrö-
municipio do Rio de Janeiro? Sim, porque o trecho citado se refere apenas ao muni- poles (a exemplo de Nova Iorque, Paris, Londres, etc.) ou em antigos centros [grifo
cipio, e as zonas Norte, Sul e Barra da Tijuca compreendem a absoluta maioria da nosso] 'artesanais' (como a Terceira Itälia, partes da Franga, Espanha, etc). Em se-
cidade, ou seja, 76% de sua populacäo (faltaria apenas a chamada zona "Oeste" gundo lugar, a indüstria de 'alta' tecnologia tenderia a se localizar em äreas
Bangu, Campo Grande, Santa Cruze Guaratiba). A ser välida a conclusäo, näo have- selecionadas nos subürbios das grandes cidades ou em äreas anteriormente näo
ria segregagäo no Rio de Janeiro, pois 73,8% dos investimentos realizados industrializadas (como no Sunbelt americano)". Finalmente (apoiando-se em Scott
pelos
incorporadores estariam ocorrendo numa ärea que engloba 76,5 % da populagäo. & Storper, 1990, 22/23), afirmam que"... os servicos produtivos e financeiros tende-
Melo (1990a, 169) afirma que a dinämica de um regime de riam a localizar-se no centro [grifo nosso] das grandes cidades como Manhattan, a
acumulacäo... 0
„.

que determina a forma de produgäo e


transformagäo do espaco construfdo". Isso, en- City de Londres ou La Defense em Paris".
tretanto, näo € suficiente para explicar a estruturagäo intra-urbana, comoo Negri e Pacheco näo analisam, nem pretendem analisar, o espaco intra-urba-
surgimento
de novos centros, a decadencia dos antigos, a no. Deles nos utilizamos pela ötima oportunidade que oferecem para mostrar a di-
localizacäo espacial das classes sociais,
etc. Pretendendo analisar especificamenie 4 ferenga entre a abordagem regionale aintra-urbana. Em primeiro lugar, para a and-
"Teestruturagäo intra-urbana", esse autor
af1rma (1990b, 48): "O impacto espacial mais destacado da crise fiscal lise regional, uma cidade central de uma metröpole, uma ärea metropolitana ou
&atendäncia ao
teforgo da segmentagäo dos espagos intra-urbanos definida por uma uma regiäo urbana € um "centro". Assim, a regiäo da Terceira Itälia chamada de

concentracäo
espacial de investirmentos imobiliärios nas äreas centrais dos grandes centros urba- centro. Entretanto, os autores tambem chamam a City de Londres de centro, apesar
nos". Tal posicäo € reiterada em outra de ser uma ärea exigua e de natureza completamente diversa se comparada com
passagem (1990a, 178), em que se explica o"re- 4

forgo da segmentagäo": isso consiste no resultado da queda na provisäo da infra-es- Manhattan ou com a Terceira Itälia. Por outro lado -
e isso € particularmente im-
trutura. Referindo-seäcrise dos anos 80, declara portante -, procurando o centro de Paris, os servigos produtivose financeiros pro-
que"... acrise da intervengäo
na provisäo de infra-estrutura urbana exacerba o dualismo centro versus püblica curariam... La Defense, que estä a9 quilömetros do centro de Paris. Se nas anälises
periferias
urbanas. A reestruturagäo do mercado imobiliärio na crise
implicou, por um lado, a regionais tamanhas diferengas entre "centros" näo säo importantes, nas anälises
(re)concentragäo da atividade de construgäo residencial nas äreas centrais e, por ou- intra-urbanas essa confusäo € inaceitävel. Isso por sijä revela a diferenga entre as
tro lado, a sua marcada elitizagäo...". Os, fatos, anälises regionais eintra-urbanas. Na anälise intra-urbana, näo € possivel englobar
porem, parecem contrariar essa con-
clusäo. Os anos 80 marcaram precisamente uma enorme La Defense e a City de Londres sob o mesmo conceito de centro. No nivel intra-
explosäo dos investimentos
imobiliärios orientados para as elites, sejam os de urbano, terfamos questöes da seguinte natureza: por que 0s servigos produtivos e
escritötio, sejam os residenciais, financeiros acima mencionados procurariam La Defense, e näo o centro tradicional
fora das äreas centrais dos grandes centros urbanos. Säo os casos de
Alphaville e de Paris? Por que procurariam a City (equivalente äs ruas Quinze de Novembro,
Tambore, em Säo Paulo, onde foram reälizados enormes
empreendimentos tanto
residenciais como comerciais e industriais; da avenida Luis Carlos Berrini, onde hä Quitanda e Boa Vista, em Säo Paulo, ou as ruas Sete de Setembro, Quitanda e do
empreendimentos comerciais apenas, em Säo Paulo; da Barra daTijuca ou, ainda, de Carmo, no Rio), e näo uma localizagäo suburbana equivalente a do Centro Empre-
sarial de Säo Paulo ou um "centro novo" como La Defense? Por que, em nossas me-
BoaViagem, no Recife. Poder-se-ia perguntar: sea segmentagäo dos espacos € defini-
da por uma concentragäo espacial de investimentos tröpoles, os centros tradicionais agora num sentido intra-urbano -
entram em
imobiliärios, o que entäo defini- decad&ncia e surgem centros novos? Por que a alta financa € uma das poucas ativi-
ria alocalizagäo dessa "concentragäo
espacial dos investimentos imobiliärios"? dades a se manter nos centros velhos näo sö de nossas metröpoles, mas mesmo nos
Ate que ponto a segmentacäo do
espago intra-urbano € devida.a manifesta- do Primeiro Mundo, como em Wall Street, na City? Resposta a essas questöes intra-
göes, eritre nös, de transformagöes no capitalismo global? At& que ponto decorre-
riam como quer Queitöz (idem, ibid.) urbanas näo serä encontrada nem na acumulagäo flexivel, tampouco em qualquer
da atuagäo da moderna incorporacäo
-
-

outra macroteoria do gönero. Essas macroteorias podem explicar por que 08 servigos

28
29
Gottdiener abordaria de outra maneira: referir-se-ia äs metröpoles poli-
produtivos e financeiros väo para Londres, Töquio ou Nova Iorque; podem ate expli-
nucleadas, reconhecendo, ou näo, que um, e sö um, dos centros seria ptincipal.
o
car por que aindüstria de ponta vai para a Terceira Itälia, mas näo tem condicöes de
Gottdiener usaria business centers, no plural, e näo business center. Assim sendo, das
explicar as localizacöes intra-urbanas daqueles seIvicos, nem suas implicacöes. duas uma: ou Castells e Gottdiener realmente divergem, ou entäo as cidades norte-
Passemos agora para aabordagem de estudiosos estrangeiros. Manuel Castells te es
americanas que säo as estudadas por Gottdiener säo realmen diferent das
-
-

foi o ünico dos contemporäneos de origem markista que apresentou uma proposta se refere Castells. Em r caso, cabem as se-
da Europa Ocident al äs quais qualque
de abordagem teörica abrangente do espaco intra-urbano em La question urbaine. intra-ur banas: nesse como säo as cidades
guintes indagagöes tipicamente aspecto,
Entretanto, sua proposta näo prosperou jä que ele pröprio abandonou esse campo brasileiras? Quais os processos que v&m ocorrendo em seus centros? No nosso caso,
de investigagäo sem ter deixado seguidores. Apesar disso, tem mantido algum inte-
os grandes equipamentos meiropolitanos exemplificados por Castells estariam se
resse nas questöes referentes ao espaco intra-urbano, embora sem a ambicäo de
localizando nos centros tradicionais (ou encostados a eles), como o Teleporto do
profundidade totalizante demonstrada na obra citada acima. Rio de Janeiro? Em caso afirmativo, por qu&; se näo, por qu&? Estariam se localiza
n-
Fazendo uso de uma contribuigäo recente de Castells de 1994, vamos conti- muito afastados dos centros tradicio nais como -
nos
do em centros expandidos -

nuaratecer consideragöes sobre um elemento absolutamente fundamental da es- casos das avenidas Luis Carlos Berrini, ou da marginal do rio Pinheiros em Säo
Pau-
trutura territorial intra-urbana: o centro da cidade ou da metröpole. Inicialmente, em Salvador ? Estariam se localizan do fora
lo, ou na regiäo do Shopping Iguatemi,
convem deixar claro que € necessärio estar atento para o fato de que, como acaba- como na do Centro Empresa rial de Säo
ate mesmo dos centros expandidos, regiäo
mos de ver, variam muito os conceitos e as realidades representadas pela expressäo de escritör ios constru ido na d&cada de 1970 a 15 quilö-
Paulo (gigantesco complexo
centro urbano; € preciso, pois, cautela na interpretacäo desse vocäbulo e tambem
metros em linha reta do centro principal), ou junto ao Centro Administrativo
de
na sua utilizacäo. Ele pode designar ou os chamados centros tradicionais (impro- territori ais por que v&m passand o oscen-
Salvador? Enfim, quais as transformacöes
priamente chamados de "histöricos"), como o CBD dos americanos; pode designar tros das metröpoles brasileiras e por que? Säo elas causadas pela acumulagäo
flexi-
uma ärea central mais ampla, como a que os urbanistas brasileiros chamam de"cen- e acäo das econom ias naciona is, ou pela
ve1, pela realidad pös-fordista, pela globaliz
tro expandido"; pode at& mesmo significar cidade central, especialmente no caso
nova sociedade informacional? Em qualquer caso, nossas metröpoles permaneceri-
das cidades americanas, que fregüentemente t&m ärea territorial pequena, tanto
am eventualmente com um centro principal apenas, trocando o "velho" (tradicio-
emtermos absolutos como relativos äs extensöes das respectivas äreas metropolita- intra-ur-
nal) por.um "novo"? Finalmente, as principais questöes, especificamente
nas; finalmente, em anälises regionais, pode significar äreas metropolitanas intei- banas: por que os ditos centros novos se instalam na regiäo em que se instalarn e
ras. Referindo-se äs cidades da Europa Ocidental, diz Castells (1994, 26): "O centro e
näo em outra qualquer? Qual a razäo de sua localizacäo? Quais as implicacöes
de negöcios constitui-se de uma infra-estrutura de telecomunicagöes, comunica-
consegüäncias de sua localizagäo?
göes, servigos urbanos e espaco para escritörio, baseados em instituigöes tecno- Castells discorre ainda sobre outros processos socioespaciais intra-urbanos;
lögicas e institucionais. Ele prospera a partir do processamento de informagöes e sobre a segregacäo espacial das elites nas cidades da Europa Ocidental,
diz que, 1a,
fungöes de controle. As vezes & complementado por instalacöes de turismo e via- essa classe näo foi para os subürbi os ao conträri
- o das america nas e enuncia,-

gens. Ele € o nö do espago de fluxos que caracteriza o espaco dominante das socie- sem desenvolver, uma hipötese, a nosso ver, correta: a que relacion a a localizagäo
dades informacionais"* *
"Nas cidades europ&ias, ao conträrio
intra-urbana com a dominagäo (idem, 26):
Incidentalmente, € curioso que Castells näo mencione as atividades ou sofistica das tendem a r-se
-

das americanas, as äreas residenc iais realmen te apropria


instituigöes -
culturai s como as especificas dos centros. Näo estä claro se Castells localizan do-se em äreas reabilita das da cidade cen-
da cultura e histöria urbanas,
estä se referindo a um "centro expandido" ou aum centro tradicional o CBD, por -
a estä claramente
tan tral, enfatizando o fato fundamental de que, quando dominagäo
exemplo. No caso de Nova Iorque, o centro seria a ilha de Manhat inteira ou ape-
estabelecida e aplicada, a elite näo necessita ir para o exilio suburbano, como fize-
nas a parte ao sul do Central Park? Note-se que ele tambem näo incluiu as institui- nas para escapar do controle
da popu-
ram as frägeis e amedrontadas elites america
göes educacionais nesse centro (setivesse incluido, ele estaria, obviamente, se refe- de Nova Iorque, Säo Francisc o e
tindo a um centro expandido), mas apenas atividades baseadas em instituicöes lacäo urbana {com as significativasexcegöes
Boston)".**
educacionais. Seja como for, fica claro que Castells estä sempre se referindo a um
centro de uma cidade ou ärea metropolitana. +
Embora näo seja uma dominagäo do espago urbano, como concluiremos nesta obra.
l areas tend to appropriate urban
ax "In European cities, unlike in America, the truly exclusive residentia that
ulture and history, by locating in rehabilitated areas of the central city, emphasizing the basic fact
*
"The business center is made up of an infrastructure of telecommunications, communications, urban d and the elite does not need to go into asubur ban exile
when domination is clearly establishe enforced,
services and office space based upon technology and educational institutions. Itthrives through information- as the weak and fearful American elites did to escape from the
control ofthe urban population (wi th the
processing and control functions. It is sometimes complemented by tourism and travel facilities. It is the significant exceptions of New York, San Francisco and Boston)."
node ofthe space of flows that characterizes the dominant space ofinformational societies".

31
30
Entretanto, hä uma questäo mais instigante e, para nös, questionävel näohäespaco paraarenovacäo ou localizagäo nern de äreas residenciais, tampouco
-

elaborada por Castells: a relacäo que se estabelece entre a estrutura espacial intra- de outros centros terciärios que näo os tradicionais centros principais. Tamb&m aqui
urbana e as macrotransformagöes socioeconömicas. Depois de uma räpida & preciso cuidado com o conceito de estrutura. Castells usa ao tratar de espaco
exposi- -

gäo sobre a estrutura espacial nas cidades da Europa Ocidental, afirma ele (idem, urbano -
essa palavra como sinönimo de espago urbano. Para nös, näo. Estrutura,
28) que "os randes centros metropolitanos europeus apresentam algumas varia-
quando se refere a espago urbano, diz respeito alocalizacäo relativa dos elementos
göes em torno da estrutura de espaco urbano que nös resumimos dependendo de
espaciais e suas relacöes, ou seja, dos centros de negöcios (näo sö o principal, mas
seu papel diferenciado na economia europ6ia grifo nosso]. Quanto mais baixa sua
tambem os demais) das äreas residenciais segregadas e, finalmente, das äreas in-
posigäo na nova rede informacional, maior serä a dificuldade de sua transigäo do dustriais. Castells aborda transformagöes do espaco (renovagäo do meio construido)
estägio industrial e mais tradicional sua estrutura urbana, com os antigos e consoli- como "reestruturacäo" do espago. Pode haver renovacäo do espaco sem necessaria-
dados bairros e äreas comerciais desempenhando o papel determinante na dinämi- mente haver reestruturacäo. Quando, nos primeiros vinte anos deste seculo, o qua-
ca da cidade. Por outro lado, quanto mais alta sua posigäo na estrutura
competitiva dro imobiliärio do centro de nossas cidades foi totalmente renovado com a demoli-
da nova economia europeia, maior o papel de seus servigos avancados no distrito
gäo do coloniale aimplantagäo do neoclässico e do ecletismo, näo houve alteragäo
de negöcios e mais intensa a reestruturagäo do espaco urbano. Ao mesmo
tempo, na estrutura urbana, pois esses centros näo perderam sua importäncia, sua posi-
naquelas cidades, em que a nova sociedade europeia reloca funcöes e pessoas atra- cäo, sua natureza nem localizacäo. No entanto, houve transformacäo do espaco ur-
ves do espago, imigragäo, marginalidade e contraculturas estaräo mais destaca- bano eintensa atividade imobiliäria. Quando, em Salvador, naVitöria, Campo Grande
damente presentes, lutando pelo controle do territörio a medida que as identidades ou Graca, as mansöes säo demolidas e substituidas por apartamentos de luxo, hä
se tornam crescentemente definidas pela apropriagäo do espaco".*
alteracäo do espaco construido, mas näo hä alteracäo da estrutura urbana, uma vez
Esse trecho € rico e muito se presta A exploracäo e ao desenvolvimento de
que tais bairros mant&m sua natureza, classe social e localizacäo enquanto elemen-
algumas questöes fundamentais sobre o espago intra-urbano. E preciso sempre ter tos da estrutura espacial urbana.
cuidado com o conceito de "centro"; na mais generosa interpretagäo, essa
palavra Voltemos, contudo, ao texto de Castells. Se 0 valido correlacionar como faz
designaria uma ärea bem ampla, mas certamente näo seria sinönimo de "cidade Castells-
a posigäo hierärquica da cidade com seu dinamismo imobiliärio, näo €
central", expressäo que Castells usa com fregüencia. O autor estabelece afuma clara välido fazero mesmo como tambem faz Castells -
com a localizacäo das äreas
correlagäo entre importäncia socieveconömica (o papel diferencial na economia dinämicas em termos imobiliärios. Assim, a alta hierarquia e o dinamismo econö-
europeia) e renovagäo fisica da cidade. Näo analisa, contudo, a localizacäo onde mico-imobiliärio näo implicam necessariamente que o centro urbano se renovarä.
ocorre essa renovagäo fisica. Ora, näo se pode analisar
transformagäo de estrutura Em Paris, por exemplo, esse dinamismo imobiliärio foi canalizado para fora do cen-
intra-urbana sem analisar alteragöes de localizagöes intra-urbanas. Segundo Castells,
tro na Defense. Ressalte-se que Castells fala em "distrito de negöcios", ou seja,
as cidades que ocuparem uma pösigäo hierärquica inferior na nova rede
centro num sentido restrito.
informacional manteräo uma estrutura urbana mais tradicional, com as äreas Essa anälise € valida para o Brasil? Haveria entre nös alguma relagäo entrea
residenciais e comerciais antigas antigas e consolidadas
desempenhando um posicäo hierärquica da cidade na "nova rede informacional" brasileira e sua estru-
-

papel determinante na "dinämica da cidade". Por outro lado, quanto mais alta sua
' turagäo interna? Qual a relagäo entre as transformagöes ocorridas nos centros de
posicäo na hierarquia econömica ... Maior 0 papel de seus servigos avangados no nossascidades tradicionais ou expandidos eo desenvolvimento e influencia
-

distrito de negöcios e mais intensa a reestruturagäo do espago urbano". Esse raciocf-


dessas mesmas cidades, seja no nivel regional, do Mercosul ou internacionalmen-
nio € incapaz de explicar, por exemplo, as transformacöes intra-urbanas nos cen- te? Qual a relacäo entre a posigäo hierärquica, ou qualquer outra relacäo com as
tros das metröpoles. Nessas palavras näo hä espago para centros velhos ou novos,
nem para a "decadEncia" de centros nem para o deslocamento de centros. Tambsm transformagöes socioeconömicas planetärias e a manutengäo de uma "estrutura
tradicional" de um lado e uma maior intensidade na reestruturagäo do espaco intra-
major European metropolitan centers present some variations around the structure ofurban space we urbano, de outro, como fala Castells? Repetindo nossa questäo central: por quais
have outlined depending on their differential role in the
European economy [grifo nosso]. The lower their mediacöes passam as transformagöes socioeconömicas nacionais ou planetärias
position in the new informational network, the greater the difficulty of their transition from the industrial at€ se manifestarem em transformagöes na estrutura intra-urbana de nossas cida-
stage and the more traditional will be their urban structure, with old established neighborhoods and
commercial quarters playing the determinant role in the dinamic of the ei On the other hand, the des? Para nös, passam pelas suas estratificagöes sociais; pelo desnivel de poder
their position in the competitive structure of the new higher
European economy, the greater the role of their econömico e politico entre as classes em nossas metröpoles; passam pela domi-
advanced services in the business district and the more intense will be the
reestructuring of the urban nacäo que se dä por meio do espago urbano. Manifestam-se entäo no fato de a
space. At the same time, in those cities where the new European society relocates functions and
people
throughout the space, immigration, marginality and counter cultures will be the most present,
fighting
maioria das classes de mais alta renda ocupar posigöes centrais, apesar de jä ter-
over the control of the territory as identities become
increasingly defined by the appropriation of space." se iniciado, na decada de 1970, um processo de suburbanizacäo dessas classes; no

32 33
fato de os centros de nossas grandes cidades apresentarem hä mais de cem anos periodizagäo da histöria intra-urbana da
maior parte das metröpoles e mesmo
-
em maior ou menor grau um claro e continuo processo de deslocamento das cidades me&dias do Brasil. No entanto, em termos de desenvolvimento nacio-
no mesmo sentido que as camadas residenciais de mais alta renda; e no fato de nal, o marco notävel deveria ser o periodo de administragäo de Juscelino
essas camadas apresentarem tambem hä muitas decadas uma tendäncia Kubitscheck, de 1955 a 1960, em virtude do impulso econömico e das transfor-
-

de concentragäo em uma ünica regiäo de nossas metröpoles. Como entender magöes que provocou no pais, dentre as quais se
destaca a implantacäo da in-
tais processos? düstria automobilistica.
Martha Schteigart e Horacio Torres, em texto antigo Estructura interna y Voltando A anälise do texto de Schteigart e Torres, destacamos que, com base
centralidad en metropolis latinoamericanas. Estudio de casos, in: Castells, s.d., 253 na correlagäo direta entre o desenvolvimento nacional e a estruturagäo intra-ur-
-, propöem-se a"... destacar as caracteristicas diferenciais da estrutura interna bana, näo € possivel ir- como näo foi possivel aos autores al&m de obviedades
das metröpoles latino-americanas com relacäo as modalidades especificas que ad- como esta: "A essa &poca de grande expansäo econömica, corresponde a constru-
quirem os processos gerais de desenvolvimento da sociedade [grifo nosso] nesta ärea. a abertura de eixos e avenidas. Essas
gäo de grandes edificios püblicos e privados,
Säo exploradas sobretudo as inter-relacöes existentes entre esses processos gerais obras, que configuraram basicamente a estrutura espacial do centro metropolita-
e se
eos processos urbanos, enfatizando a caracterizagäo dos centros cujo papele con- no, säo clara expressäo de um poder oligärquico que se afirma, se moderniza
teüdo social constituem elementos para a definigäo da estrutura urbana".* Em face tecidas autores, de
'europeiza'"(258)*. Näo vamos tratar das consideragöes pelos
disso, estudam Buenos Aires, Santiago de Chile e Lima. O primeiro equivoco estä urbanisticos da uma vez que
que tais obras seguiram modelos importados Franga,
em admitir-se a priori a existöncia de uma correlagäo direta entre as etapas do isso tambem se refere ao espago intra-urbano, mas näo diz respeito a estrutura
processo de estruturagäo intra-urbana dessas cidades e as etapas dos processos intra-urbana. O que cabe destacar € que se ignora (certamente por näo ter sido
globais de desenvolvimento do processo de industrializagäo, crescimento eco-
-
considerado relevante) em que parte do centro das cidades foram feitas aquelas
nömico, imigragäo europeia, etc. dos respectivos paises. Isso se manifesta no obras, e por que foram feitas nessa parte e näo em outra qualquer. Ao analisarmos
fato de adotarem, para a hist6ria do espaco intra-urbano, a mesma periodizacäo e os centros de nossas metröpoles, destacaremos que o estudo da estrutura intra-
as mesmas etapas que adotam para o desenvolvimento nacional. Tem-se aqui um urbana näo serä satisfat6rio se näo der conta das localizagöes dos elementos da
exemplo da indevida transposicäo, para a anälise intra-urbana, de premissas e estrutura nem das correlagöes entre eles e outros elementos e/ou partes da me-
metodos välidos para o estudo do desenvolvimento nacional. A premissa seria vä- centro tem sua es-
tröpole. Verernos entäo, para nossas metröpoles, que o pröprio
lida se, na melhor das hipöteses, o objeto de anälise fosse o processo de urbaniza- trutura e estä ela ligada A da metröpole como um todo. Para isso € fundamental
cäo, mas näo outro diferente o de estruturacäo intra-urbana. Pelo menos para o
-
saber em do centro säo feitos os melhoramentos, ou seja, qual&aloca-
que partes
Brasil, essa premissa näo seria välida e temos fundadas razöes para suspeitar que dos melhoramentos. Ao estudo da estrutura urbana interessa saber por
lizagäo
o mesmo se daria para a America Latina. As relagöes que existem entre, de um e näo outro qualquer,
que esses bairros e centros exibem certo arranjo territorial,
lado, as transformagöes socioeconömicas nacionais e planetärias e, de outro, a e qual a inter-relagäo espacial entre esses bairros e centros, ou quais säo seus pa-
estruturagäo do espago intra-urbano em nossas metröpoles säo especificas; näo peis espaciais. Por outro lado, as etapas do processo de estruturagäo espacial das
säo as mesmas que existem entre aquele desenvolvimento e o espaco regional ou cidades de um pais devem derivar da anälise desse processo e näo, necessaria-
na-
nacional. Al&m disso, as periodizacöes podem diferir. Por exemplo: mostraremos mente, das etapas do desenvolvimento econömico nacional ou do processo
adiante que uma das mais profundas transformagöes estruturais de nossas metrö- cional de urbanizagäo. E öbvio que o desenvolvimento da infra-estrutura regional
poles -
a chamada "decad&ncia" de seus centros estäligada ao abandono des-
-
de transportes estä ligado ao perfil e ao desenvolvimento da economia nacional,
ses centros pelas camadas de alta renda e que esse abandono foi provocado prin- mas por esse caminho explicarfamos a urbanizagäo e näo a estruturagäo intra-
cipalmente (mas näo exclusivamente) pelanova mobilidade territorial propiciada urbana. Para explicar essa estrutura, teriam que ser estudados o sistema viärio e
pela difusäo do automövel. Essa difusäo e a dita "decadencia" t&m entäo inicio, os transportes urbanos. Por exemplo: os autores af1rmam que, apesar"...do cres-
exceto no Rio de Janeiro, na decada de 1960, mas realmente se consolidam na de cimento assinalado, a estrutura bäsica da metröpole, fixada na primeira etapa, ndo
1970. Desse ponto de vista, os anos 70 seriam o marco a ser adotado em uma se alterou em seus aspectos fundamentais [grifo nosso1. Mant&m-se os tr&s setores
nos
principais definidos por eixos circulatörios, acentuando-se a suburbanizagäo
poner de manifiesto las caracteristicas diferenciales de la estructuraciön interna de metröpolis
latinoamericanas en relaciön con las modalidades especificas que adquirem los processos generales de *
A esta &poca de grande expansiön econdmica, corresponde la construcciön de importantes edifieios
desarrollo de la sociedad [grifo nosso] en esta ärea. Se exploran sobre todo las interrelaciones existentes han configurado basicamente 1 a
püblicos y privados, la apertura de ejes y avenidas. Estas obras, que se afirma,
entre esos processo$ generales y los processos urbanos, poniendo el aciento en la caracterizaciön de los estructura espacial del centro metropolitano son clara expressiön de um poder oligärquico que
centros, cuyo papel y contenido social constituyen elementos para la definiciön de la estructura urbana." se moderniza e se 'europeiza.

34 35
setores noroeste e oeste, ao conträrio da primeira etapa na qual havia sido maior a fundamental da estrutura intra-urbana. De acordo com Schteigart e Torres (262), "a
correspondente ao setor sul"(261).* forte indrcia do centro tradicional e a existäncia de uma grande classe media que
Da primeira para a segunda etapa, a estrutura bäsica da metröpole näo se permaneceu em zonas centrais incidiram fortemente na vitalidade atual do centro
alterou em seus aspectos fundamentais. Pergunta-se: por que motivo entäo perten- de Buenos Aires como nücleo comercial, cultural e de expansäo para amplos setores
cem a etapas Jiferentes? Por que existem duas etapas? Fica claro que as etapas fo- dapopulacäo. A renovagäo espontänea foi, quase permanentemente, exibindo muito
ram definidas por criterios que näo dizem respeito ä estrutura intra-urbana. Por poucas mostras de deterioracäo e obsoletismo (...)".*
que a suburbanizagäo se acentuou nos setores noroeste e oeste e näo em outros Nesse trecho dä-se como explicacäo exatamente aquilo que pIecisa ser expli-
setores quaisquer? Por que se acentuou segundo setores e näo segundo circulos con- cado. Qual a causa da "forte inercia" do centro de Buenos Aires? Estä fundamental-
cöntricos? Qual a relacäo entre tais configuragöes e os demais elementos da estrutu- mente na grandeclasse media da cidade outambem nalocalizacäo dessa classe e nos
ra urbana centro, por exemplo? Uma coisa 6 explicar o surgimento das classes menores desniveis declasse secomparados com outras metröpoles latino-ameri-
sociais; outra € explicar sua localizacäo e seus efeitos espaciais. Em Buenos Aires, o canas -
que caracterizam a sociedade argentina? Por que essa"grande classe media"
... gran desarrollo de la classe media dä un peso predominante a estos grupos en la permaneceu nas Zonas centrais, em um anel em torno do centro os cireulos con-
-

metropolia partir de la Primera Guerra Mundial (...). Sualocalizacäo abarca um amplo c£niricos -
e näo se formou e deslocou segundo um setor como a pequena classe
leque que rodeia o centro e que estrutura o conjunto de bairros caracteristicos de media brasileira? Qual a relacäo entre tamanho de classe e espacialidade de classe?
Buenos Aires. Esse tipo de configuracäo dilui as diferengas externas entre setores do EdwardW. Sojaafirma que (1980, 207) "a cidade industrial capitalista foi funda-
espago urbano, impedindo, dessa maneira, que o centro seja afogado por äreas de- mentalmente uma mäquina de produgäo e, como tal, assumiu uma estrutura espacial
terioradas. Os cortigos que subsistern no bairro sul (...) näo constituem na realida- notavelmente uniforme aquela descrita de maneira täo perspicaz por Engels, para
de, geograficamente, um anel de deterioragäo ao redor do centro, mas sim um Manchester, e mais tarde pelos ecologistas urbanos para a maioria do mundo capita-
'bolsäo'"(259).** lista"? Se, de um lado, fica claro que Soja fala da estrutura do espaco intra-urbano, por
Näo basta constatar essas configuracöes espaciais. E necessärio explicä-las e outro, ele näo esclarece eacreditamos que nem ele, nem ninguem, tenha jamais
articular a explicacäo com as transformacöes dos demais elementos da estrutura estudado essa questäo arelacäo entre uma estrutura "notavelmente uniforme" ea
urbana. Ou seja: explicagäo das transformagöes de um elemento deve explicartam- natureza industrial e capitalista das cidades a que se refere o autor.
bem as transformagöes dos demais elementos da estrutura. Ao estudo da estrutura Lipietz e Laborgne (1988, 26) em artigo denominado "O pös-fordismo e seu
intra-urbana € irrelevante como surge a classe media e qual a origem nacional de seu espaco", no qual abordam o pös-fordismo e quase nada o espago que surge de
"peso', isto &, poder politico. Interessa saber por que ela se localiza onde se localiza e repente, em näo mais de meia d1zia de frases, no finaldoartigo econcluemcom
quais as implicagöes disso. Näo se trata apenas de partir do social para explicar o es- a apresentagäo de algumas caracteristicas do espago pös-fordista. Tais caracteristi-
Pago, mas, ao conträrio, € importante tambem partir do espaco para explicar o social. cas referem-se aespacos urbanos abstratos, jä que säo apenasinferidas de suas con-
Por exemplo: dado que a classe media apresenta determinada localizacäo, pergunta- sideragöes teöricas, ou seja, säo hipöteses de proväveis desdobramentos espaciais.
se: por qu&? Essa localizagäo € fruto de seu "peso" (poder politico)? Como o poder "As consegüßncias espaciais parecem ser [grifo nosso]: a via neotaylorista estä as-
politico se manifesta na localizacäo das classes sociais e qual o efeito (se € que hä sociada a uma desintegragäo territorial e conduz a uma polarizagäo espacial e de ser-
algum; deve haver) dessa configuragäo espacialnareprodugäo de tais classes e do seu vicos as empresas de alto nivel no ceniro [grifo nosso] das grandes cidades e tambe1m
poder politico? Qual o efeito (se € que hä algum; deve haver) de uma determinada leva ä& dispersäo, em zonas rurais, de estabelecimentos especializados ou A formagäo
configuragäo espacial sobre as relacöes entre o Estado (especialmente no nivel local) de äreas produtivas especializadas e baixos salärios; a via californiana estaria associa-
e as classes sociais? Finalmentea questäo vital do centro urbano, num aspecto que daauma integracäo territorial mais estreita (...)" e, finalmente, a via saturniana indu-
serä amplamente abordado para as metröpolesbrasileiras, pois consistenum elemento ziria "...A formacäo de äreas-sistemas territorialmente integradas". A isso se limitam
as conclusöes espaciais dos autores; consistem, pois, em hipöteses.
Uma das conclusöes € surpreendente e interessa-nos particularmente. Se-
... del crescimiento senalado, la estructura bäsica de la
metröpoli, fijada en la primera etapa, no se ha
alterado en sus aspectos fundamentales [grifo nosso]. Se mantienen los tres sectores principales definidos gundo os autores, a via neotaylorista levaria a uma concentragäo das empresas de
por ejes circulatorios acentuändose la suburbanizaciön en los sectores noroeste y oeste, a diferencia de la "alto nivel" no centro das grandes cidades. Nenhum estudo sobre o espago intra-
primiera etapa en la qual habja sido mayor la correspondiente al sector sur."
**
Ellos se localizan abarcando un amplio abanico que rodea el centro y que estructura el conjunto de
barrios caracteristicos de Buenos Aires. Este tipo de configuraciön diluelas diferencias externas entre sectores la fuerte inercia del centro tradicional yla existencia de una gran classe media que ha permanecido en
del espacio urbano impidiendo de estamanera elahogo del centro por areas de deterioro. Los 'conventillos' zonas centrales han incidido fuertemente en la vitalidad actual del centro de Buenos Aires como nücleo
que subsisten en el barrio sur (...) no constituyen en realidad, geograficamente, un anillo de deterioro comercial, cultural y de esparcimiento para amplios sectores de la poblaciön. La renovaciön expontänea hä
alderedor del centro sino mäs bien un 'bolson!" sido casi permanente, exibiendo mui pocas muestras de deterioro y obsolescencia (...)."

36 37
urbano e sobre a lögica de sua produsäo, e muito menos sobre as relagöes entre mudangas socioespaciais que reestruturam o ambiente urbano (...)" possam expli-
espaco intra-urbano e modelo de desenvolvimento, foi desenvolvido e, sem maio- car asmudangas ocorridas nas regiöes metropolitanas dos Estados Unidos, caracte-
res explicagöes, tiram da anälise do modelo de desenvolvimento eventualmente rizadas fundamentalmente por um processo ao qualele chama de "desconcentracäo"
aceitävel para a compreensäo do espaco regional ou planetärio -
uma conclusäo e pelo desenvolvimento de enormes regiöes urbanas polinucleadas e esparsas. Em
de natureza gstritamente intra-urbana: a de que alocalizacäo das empresas de alto contraposicäo, tenta apresentar um "arcabouco teörico" para substituir o que embasa
nivel dar-se-iano centro das grandes cidades. Nada, absolutamente nada, das anäli- aquelas teorias e propöe a tese de que, embora reconhecendo que as mudancas
ses elaboradas autoriza tal conclusäo. Autorizariam, isto sim, a conclusäo de que provocadas pela crise cumprem um papel importante na produgäo do espaco urba-
"
aquelas empresas se localizariam "nas grandes cidades".* no, a desconcentracäo espacial € "...
consegüöncia da articulacäo contingente de
Gottdiener (1985,58) para citarum autor que se aproxima da anälise intra- seis fatores independentes (...)" (1990, 61/62), cujas origens remontam a värias de-
urbana näo € muito claro sobre a questäo das relagöes entre a estruturacäo intra-
-
cadas. Säo eles:
urbana e as grandes transformagöes socioeconömicas. Afirma de umlado"... que racismo;
ocorreram importantes transformacöes no padräo espacial e na reestruturacäo, * os
gastos militares e a permanente economia de guerra;
* o setor imobiliärio como circuito secundärio do
porque elas säo fungäo de transformagöes no sistema social mais amplo, e näo capital;
porque sejam produtos de processos internos äs pröprias localidades". A essa vi- «
aintervencäo ativa do Estado na transferencia global do valor;
säo opöe outra, a que chama de "convencional" e, para descrev£&-la, cita Robert o papel da tecnologia e do conhecimento na transformagäo das forgas de
Park, da Escola de Chicago: "A cidade € uma unidade externamente organizada produsäo;
num espaco produzido por suas pröprias leis" (idem, ibid.). Por outro lado, reco- a prätica de fazer das fontes de mäo-de-obra crit&rio para as decisöes sobre
nhece a existöncia de värios processos interativos importantes que tambem atu- localizagäo.
am dentro do ambiente urbano e que apresentam origem puramente local. "Esses
processos, entretanto, säo produzidos por necessidades que pouco t&m que ver Com relacäo ao racismo o primeiro fator acima, diz Gottdiener que nos anos
com os lugares enquanto tais e säo mais afetados pelos processos sist&micos ope- 50 e 60 muitas cidades näo sö experimentaram uma onda de imigragäo de popu-
rando em toda a parte, isto €, tanto em ambientes rurais e suburbanos como em lagäo negra, como tamb&m um räpido influxo de hispänicos de Porto Rico e do Me-
ambientes urbanos" (idem, ibid.). xico. Durante esse mesmo perfodo, a fuga dos brancos para os subürbios virtual-
As conclusöes de Laborgne e Lipietz referentes älocalizagäo das empresas de mente esvaziou as cidades de familias de classe media com filhos. Em consegüncia,
alto nivel no centro das grandes cidades devem valer para as metröpoles norte-ame- jä pelos anos 60, as äreas urbanas dos Estados Unidos estavam marcadas por divi-
ricanas, pois abordam o espaco pös-fordista. Ora, em principio, devemos aceitar a söes e problemas raciais, com uma entrada iniqua de recursos em detrimento dos
constatagäo de Mark Gottdiener (1985, 1990) de que as regiöes metropolitanas nor- bairros das minorias &tnicas eraciais. Na Europa nunca houve nada que pudesse ser
te-americanas contemporäneas säo hoje polinucleadas. Trata-se de uma posigäo de comparado aos motins ocorxidos em guetos nos Estados Unidos durante os anos 60
diffcil contestacäo, pois constitui uma simples observacäo empirica, enao umateo- e que chamaram a atengäo do mundo para essa forma de segregagäo" (idem, ibid).
ria. Nesse caso, as"empresas de alto nivel" daquelas metröpoles poderiam, em prin- Identica colocagäo jä havia sido feita em obra anterior, quando o autor tentou des-
cipio, localizar-se em qualquer dos seus värios nücleos (ou centros), näo necessari- vendaracausa dasuburbanizagäo. Declarou ele, entäo, que os gastos militares tive-
amente no certro, como concluem Laborgne e Lipietz. ?Mesmo em Säo Paulo que, ram um profundo efeito sobre o espago, como no caso da construgäo do sistema
"...

afinal, näo € täo polinucleada como uma metröpole norte-americana, as empresas interestadual de auto-estradas ligado & defesa. A pesquisa e a produgäo ligadas a
poderiam localizar-sena avenida Paulista, na avenida Luis Carlos Berrini ou no Cen- interesses militares canalizaram enormes gastos estatais para äreas suburbanas, em
tro Empresarial, a 17 quilömetros da primeira e a20 quilömetros do centro da cida- detrimento do desenvolvimento da cidade central, ajudando assim a alimentar a
de, negando assim aquelas conclusöes. virada demogräfica da cidade para os subürbios nos anos 50 e 60" (1985, 212). Se-
Prossigamos analisando Gottdiener. Em primeiro lugar, € bom recordar que gundo o autor, isso ocorreu, em parte, pela necessidade de levar os estabelecimen-
esse autor se propöe a explicar ünica e exclusivamente a forma polinucleada e dis- tos militares para longe dos grandes centros de populagäo.
persa da metröpole norte-americana, que näo encontra similar nem mesmo"...na Nas decadas de 1950 e 1960, relata Gottdiener, ocorreram dois importantes
Europa industrializada" (1985, 9). Em segundo, fez uso de uma metodologia indutiva, processos espacjais intra-urbanos nos Estados Unidos, marcando ou acentuando a
que parte de reguläridades empiricamente observäveis, procurando, a partir dai, segregacäo racial: o influxo de negros e hispänicos, que vieram ocupar as äreas mais
construir uma teoria. O autor em questäo (1990, 59) näo v& de que maneira as teo- centrais das metröpoles, ea fuga da classe media branca, com filhos, para os subür-
rias que vinculam "...a reorganizacäo do capital, nas atuais condigöes de crise, äs bios. Esse € precisamente o processo socioespacial intra-urbano que precisa ser expli-

38 39
cado. O autor parte exatamente daquilo que precisa ser explicado. Por que os po-
A conclusäo € que nem a acäo do Estado os financiamentos que sustentam
-

bres ocuparam o centro ea classe media branca com filhos produziu os subürbi-
uma politica habitacional nem os interesses do capital financeiro explicam a for-
-

os? Por que näo ocorreu o conträrio? e Gottdiener näo explica isso nem se
propöe ma da moradia ou sua localizacäo, ou seja, näo explicam a metröpole americana
a explicar. Em vez disso, admite esse processo como "dado" ea
partir dai passa a dispersa tampouco a brasileira compacta secomparadaä americana.
analisar a "entrada infqua de recursos em detrimento dos bairros de minorias et-
O mesmo equivoco que Gottdiener comete com relacäo aos subürbios mani-
nicas e raciais".
festa-se em suas anälises dos centros das metröpoles. "Mais significativa € a posigäo
Em nossas metröpoles, por exemplo, deu-se o oposto: nas decadas de 1950 e diz ele- de que "a articulacäo entre a intervencäo do Estado eo
1960 os pobres continuaram a nutrir os subürbios subequipados, e a classe media que defendo"
circuito secundärio do capital constitui a linha de frente das transformacgöes
ocupou as vizinhangas do centro. Por qu&? No caso brasileiro, a questäo espacial
socioespaciais, embora näo seja a ünica causa. Assim, por exemplo, se o sistema
intra-urbana seria explicar por que ocorreu o oposto. No Brasil, a "entrada iniqua de mundialse consolida em torno dalocalizacäo do capital financeiro nos centros prin-
recursos" privilegiou as äreas mais centrais.
Da mesma forma, Gottdiener näo explica: cipais ["downtown sections" no original] de Nova Iorque ou Los Angeles, entäo in-
centivos politicos e imobiliärios pavimentaram o caminho para esse aspecto parti-
1. por que avanguarda espacial urbana produzida pela classe media norte-ame-
cular da reestruturagäo espacial (1985, 236)."
ticana nos anos 50 e 60 assumiu a forma de subürbios com casas unifamiliares. Mais adiante (265), em sua constante e convincente critica äs teorias espaciais
Essa classe poderia morar em bairros mais centrais como as classes media e
urbanas convencionais, esse autor sintetiza muito bem sua c1ftica ao fetichismo do
media alta brasileiras. Poderia morar nos subürbios e ocupar apartamentos do espaco de assen-
na Barra da Tijuca, por exemplo. espaco: "Segundo nosso ponto de vista, uma ci@ncia das formas
tamento precisa basear-se num conhecimento da articulagäo entre organizagäo soci-
2. porque os pobres americanos moram no centro. Poderiam morarnos subür-
ale espaco. Por si s6, os lugares e as formas nada fazem e nada produzem somente
-

bios, como fazem os pobres brasileiros. as pessoas, dentro de redes de organizacäo social, t&m esse poder". Nada poderia ser
mais correto. Isso € pouco, por&m. E preciso reconhecer que as articulacöes entre a
Vejamos como Gottdiener aborda essas questöes (1985, 92 e 242). Depois de
organizacäo social e espaco devem ser buscadas em niveis diferentes, conforme
se
tessaltar que a "... construgäo e venda de residöncias unifamiliares (...) representa
trate do espaco regional ou do intra-urbano; Gottdiener charna de "vinculagöes hori-
uma atividade econömica vital nos Estados Unidos", ele afirma que a "localizagäo
zontais" äs de nivelintra-urbano; por exemplo adominagäo que, em maior ou menor
de tais mercadorias [as casas] ocorre macigamente nas äreas suburbanas de nossas
escala, o centro urbano exeice sobre o restante da cidade ou metröpole. As articula-
regiöes metropolitanas". Ora, se "dado" for utilizado como ponto de partida, entäo em escala
toda transformagäo econömica que leva a uma ativacäo do capital financeiro no cöes do espaco urbano com aeconomia, apoliticae a cultura manifestadas
nacional, chama de "vinculacäo vertical". Assim, logo a seguir (266), afirma: "Certa-
financiamento da casa pröpria leva necessariamente a casa unifamiliar suburbana
mente, centros comerciais fora dos centros velhos [older CBDs" no original] säo auto-
e, portanto, A forma metropolitana dispersa. Da mesma forma, toda agäo estatalno
suficientes como escoadouros de mercado, mas talpensamento, limitado äs articula-
sentido de uma politica habitacional que favorece a classe media & uma acäo estatal
cöes horizontais, ignora asimportantes articulacöes verticais decada lugar aos
sistemas
que promove os subürbios esparsos. 'A suburbanizacäo da casa pröpria € quase ex- da global".
hierärquicos organizacäo capitalista
clusivamente uma conseqüöncia da ativa intervencäo do Estado", diz Gottdiener Esse autor, criticando o que chama de "conventional urban ecology", muito
(1985, 243). Em seguida declara: "Tem sido fregüentemente repetido pelos analistas corretamente se recusa a encarar o efeito dos transportes sobre o espaco urbano
convencionais que o desenvolvimento suburbano ocorreu em virtude de uma de- como um determinismo tecnolögico, ou seja, como uma forga dotada de uma auto-
manda insaciävel que os americanos t&m pela casa unifamiliar". Gottdiener assim
nomia tal que atome incontrolävel pela sociedade (1985, 74). Para evitar esse risco,
contesta essa afirmagäo: "No entanto, esse enorme crescimento certamente näo te- € necessärio articular os transportes urbanos com os interesses da producäo e de
tja ocorrido depois da Segunda Guerra Mundial se näo fosse a variedade de subsidi-
classe, analisando, por exemplo, a relacäo transporte püblico x privado e a difusäo
os governamentais orientados para apoiar a oferta dessa forma particular de mora-
do automövel mais em certas classes do que em outras. Tem-se afum "gancho" para
dia". Em nenhum momento Gottdiener se PTopöe a explicar por que os subsfdios
articular o desenvolvimento econömico nacionaleo espaco intra-urbano. A articu-
estatais produzem necessariamente uma determinada forma de moradia, e näo
lagäo, entretanto, € täo verdadeira quanto remota, e hä mediagöes a considerar.
outra. No Brasil, o processo foi inverso. Os subsidios governamentais atraves do Banco
Incidentalmente, um registro suscitado por Gottdiener (1985). Se esse autor
Nacional da Habitagäo (BNH) foram responsäveis por uma forma de moradia total-
pretende desenvolver um arcabouco teörico que explique as metröpoles poli-
mente diferente: o apartamento em bairros mais centrais e os grande conjuntos
nucleadas (veja anota 5), que, segundo ele, existem apenas nos Estados Unidos, e
habitacionais suburbanos, tambem de apartamentos. se Castells (1994) pretende teorizar acerca apenas das metröpoles da Europa Oci-

40 41
variävel
enquanto -
nem mer-
se movem enquanto capital
-

dental, cabe a nös, brasileiros, procurar teorizar sobre as nossas e, extensivamente, go urbano, estas näo Os movimentos entre
mas enquanto consumidores.
sobre as latino-americanas. A partir do pensamento produzido no hemisferio norte cadoria forga de trabalho -,
-

pelo menos tal como manifestado por esses dois brilhantes representantes ,‚e
acasae
seja, queo
-

välido concluir que suas teorias näo se aplicam äs metröpoles latino-americanas.


Suas posigöes soam como um forte indicio de que a estruturagäo espacial intra- da produgäo, av.
urbana de nossas metröpoles teria determinagöes diferentes das do Primeiro Mundo. que Marx (s.d., 1.2, v. 3, 155), ao inserir o transporte na esfera
A abordagem de Harvey mostra como o enfoque regional convencional &
inadequado A anälise intra-urbana e, ao faz&-lo, revela uma pista preciosa para a
sua especificidade. A investigacäo da producäo de configuragöes espaciais que esse
autor faz em The limits to capital baseia-se na movimentacäo espacial do capital.
'O capital pode mover-se como mercadoria, como dinheiro ou como um processo
de trabalho empregando capital constante e variävel de diferentes tempos de ro- € enfocado.
e de "trabalhadores propriamente
tacäo'"(1982,376).* Ora, se nesse contexto, Harvey estuda a urbanizagäo enquanto porte de consumidores Em toda essa
varidvele da forga de trabalho.
um processo de produgäo e estruturagäo do espaco regional, € razoävel, partindo 2. Amobilidade do capital
variävel e da forga de trabalho € encarada no espaso
dessas consideragöes, admitir a possibilidade de näo ser esse o enfoque adequado a mobilidade do capital
onde, mesmo em sua mobilidade
para a anälise da estruturacäo do espaco intra-urbano. O pröprio Harvey, logo a regional, nacional ou planetärio, (380).
seguir, näo sö confirma essa suspeita como tambem fornece a pista para a solugäo otrabalhador6 "um objeto essencialmente dominado pelo capital
da questäo. Depois de afirmar que o capital pode mover-se segundo diferentes e
o trabalhador
formas, prossegue ele: "Mais ainda, a relacäo entre a mobilidade do capital varid-
vel e aquela dos pröprios trabalhadores ("labourers themselves") introduz uma objeto essencialmente dominado pelo capital"
e,como
as
No ämbito intra-urbano, as condigöes segundo quais
tal, nada mais que m
outra dimensäo na luta de classes, enquanto os problemas que se vinculam ä cir-
culagäo do capital no ambiente construido litälicos no original] tamb&m clamam
variävel" säo diferentes do nivel regional, nacional
bano de passageiros näo tem recebido daeconomia
ou planetärio. transport
politica amesma arense am.
por especial atengäo".
Ao analisar o processo de urbanizacäo, por conseguinte os espagos regionais ue
e planetärio (eventualmente do Primeiro Mundo, apenas), Harvey aborda somente
a circulagäo do capitale de mercadorias; os deslocamentos da mercadoria forga de
no-
trabalho säo claramente focalizados no nivel regional ou planetärio. Quando fala
em transportes, refere-se sempre ao transporte de mercadorias, ou de capital em m1co
suas värias formas, mas nunca ao transporte intra-urbano de passageiros. Deixa en-
täo uma pista que nos leva ä hipötese de que, se desejamos estudar o piocesso de
estruturagäo intra-urbana, deve abordar-se näo a circulacäo do capitalno ambiente
construido, sob qualquer uma de suas formas, masa circulagäo dos sereshumanos;
näo enquanto capital, mas como consumidorese talvez- portadores da merca-
ais (as
doria forga de trabalho. Näo € o processo de producäo e sim o de consumo que mais
interessa ao espaco intra-urbano. Näo € a circulagäo da mercadoria e sim ado con-
sumidor dos "trabalhadores propriamente". Diz ele: "A capacidade de movimen-
tar bens (to move goods arround) define a mobilidade do capital sob a forma de
su-
mercadoria" [ grifo nosso, 1982,376].** Para o espaco intra-urbano a questäo € mo-
ele muda,
ver people around, näo goods; em grande parte dos movimentos de pessoas no espa- mo. Em busca de um emprego, © trabalhador se move no espago regional;

*
"Capital can move as commodities, as money or as a labour process employing constant and variable verysp
capital of different turnover times."
**
"The ability to move goods arround defines the mobility of capital in commodity form [grifo nosso;
occupies a special position in economic
1982, 376]."

43
42
por exemplo, do Nordeste para Säo Paulo. Uma vez em Säo Paulo, ele luta näo mais um silencio sepulcral nas anälises espaciais. Pretendemos contribuir para "quebrar"
pela cidade do emprego pois para isso ele veio para Säo Paulo ;luta por proxi-
-
esse sil&ncio, pois qualquer anälise sobre a adominagäio como a que aqui preten-
midade ao emprego, por redugäo do tempo e custo do deslocamento na viagem da demos fazer com o espago intra-urbano näo pode prescindir da investigacäo da
residencia ao trabalho. O primeiro caso-- abusca dacidade doemprego envolve ideologia enquanto instrumento coadjuvante dadominagäo. Note-se, aliäs, que tais
movimentos espaciais que säo feitos uma ou poucas vezes na vida. O segundo caso perguntas dificilmente caberiam para o espago regional.
Nossa tese € a de que, para as metröpoles brasileiras e quase certamente
aviagem daresidencia ao trabalho envolvemovimentos que se repetem diari-
-

amente, poranose decadas, e que se ligam & reprodugäo do trabalhador. Ao conträ- tambem para as latino-americanas -, aforga mais poderosa (mas näo ünica) agin-
rio do transporte de carga, que o capital tem constantemente penetrado e revolu- do sobre a estruturagäo do espago intra-urbano tem origem na luta de classes pela
cionado, por se inserir na esfera da produgäo, o transporte de passageiros urbanos apropriacäo diferenciada das vantagens e desvantagens do espago construido e-
apresenta, noTerceiro Mundo, pessimas condigöes para o trabalhador. Tal como ocor- na segregacäo espacial dela resultante. Esta, como serä mostrado, € uma condigäo
re comahabitacäo, o capitalprocura embora nem sempre consiga desvenci- necessäria para o exercicio da dominagäo por meio do espago intra-urbano. Tal
Ihar-se dele, na medida em que representa um önus. estruturagäo sö remotamente se relaciona com as transformagöes por que tem
3. Finalmente,
Harvey analisa a mobilidade do capital dinheiro. Nesse mo- passado o capitalismo nacionale mundial nas ültimas d&cadas. A dominagäo atra-
mento dä-se Enfase äs comunicagöes e ao dinheiro-credito, jä que esse tipo de des- ves da estruturagäo do espaco intra-urbano visa principalmenteä apropriagäo di-
locamento € o mais usual e essa forma de dinheiro, aquela que mais se desloca es- ferenciada de suas vantagens locacionais. Trata-se de uma disputa em torno de
pacialmente. Sö que isso, novamente, & significativo apenas para analisar o espaco condicöes de consumo. As dificuldades para se compreender que uma disputa por
regional. Como jä dissemos, näo se tem noticia de nenhum estudo empirico ou teö- condicöes de consumo consiste no determinante principal do processo de
rico que mostre a influ&ncia das transformacöes nas comunicacöes sobre a estrutu- estruturagäo intra-urbana decorre sobretudo do fato de näo se captar com clareza
ragäo do espaco intra-urbano. Os deslocamentos de pessoas dominam täo violenta- a diferenga entre espaco intra-urbano e regional.
mente essa estruturagäo que os efeitos dos progressos nas comunicagöes tornam-se
imperceptiveis se&que existem.
E öbvio que, em ültima instäncia, tudo inclusive o espago intra-urbano
-
Espaco e sociedade
estarä ligado ao modo de produgäo ou regime de acumulacäo dominante e suas Existe uma tend£ncia generalizada a se acreditar numa inter-relagäo profun-
transformagöes, tal como se manifesta no pais onde se situam as cidades cujos es- da entre espago e formacgäo social; que as transformagöes das estruturas sociais pro-
Ppagos intra-urbanos se pretende analisar. Entretanto, 0 öbvio tambem que isso ex- vocam transformacöes no espaco. Em menor grau, hä afirmagöes -
mas poucas
plica ao mesmo tempo tudo e nada. A questäo centralna anälise de qualquertipo de demonstracöes -
de que, inversamente, o espago provoca transformagöes no so-
espago social consiste em identificar as mediacöes corretas entre as macrode- cial (ver abaixo, neste item, Soja, 1980; Lefebvre, 1970; Boddy, 1976; Gottdiener, 1985).
terminagöes socioeconömicas e esse espago social, ou seja, as forgas sociais que A maioria dos estudos socioespaciais produzidos nas ültimas decadas partem das
atuam nessas mediagöes e suas correspondentes formas de atuagäo. A ideologia, transformacöes na estrutura social (particularmente das transformagöes econömi-
por exemplo, como mostraremos adiante, desempenha um papel relativamente cas) para deduzir e explicar, entäo, as transformagöes do espago.
menor no espaco regional, mas € fundamental no espaco intra-urbano. Esse € outro A esse respeito, € possivel distinguir tres esferas nos estudos espaciais, a saber:
aspecto de fundamental importäncia na distingäo entre espaco intra-urbano e regio- 1. Os estudos tradicionais, procedentes da Escola de Chicago, continuaram
nal. Precisamente por estar muito pr6ximo dos interesses do consumo mais visi-
-
pelos neo-ecologistas ou passaram pelos pioneiros do iniciona decada de
vel e sensivelmente pröximo ,oespago intra-urbano estä sujeito a enorme carga 1970, os quais, com sua revisäo critica realizada a partir de uma base mar-
ideolögica, o que acontece menos com o espago regional. Lefebvre* nos alerta de xista, revolucionaram inicialmente a sociologia urbana, depois a econo-
que o espago € "um produto literalmente repleto de ideologias". 1 quanto A produ- mia politica e a geografia, e hoje criam campos interdisciplinares de estu-
gäo ideolögica, qual a relagäo entre espaco intra-urbano e ideologia? Qual a ideolo- do do espago, agora jä filiados a, ou afastados de, diferentes "marxismos".
gia produzida? Qual a versäo do real que veicula? Por qu&? E quanto A dominagäo: Pertence a essa esfera, por exemplo, a prestigiada Escola Francesa da
hä? Como a classe dominante brasileira, e talvez latino-americana, usa o espacgo Regulacäo. Suas anälises partem das transformagöes sociais, econömicas
urbano para fins de dominagäo e extorsäo? Isso vem se dando somente atraves da e/ou politicas e chegam ao espaco a elas correspondente, ou por elas pro-
periferia subequipada e do centro equipado? Sobre questöes desse gönero, paira duzido. Como partem do social, com forte &nfase econömica, esses estu-
dos referem-se muito a produgäo do espacgo; entretanto, apesar dessa En-
*
Trecho extraido de uma citagäo que Soja (1980, 210) faz de Lefebvre. fase econömica, quase nada discorrem sobre o consumo e muito menos

44 45
sobre a troca ou circulagäo do fruto dessa produgäo. Pouco se manifes-
espaco sobre o social: "Definiro campo da economia politica urbana* € argumentar
tam, tambem, sobre o valor produzido. Tambem quase nada discorrem
que 6 dentro grifo nosso] das cidades que os efeitos do espacial sobre o social säo
sobre o efeito do espago sobre o social.
mais fortes e emergem como öbvios. O 'urbano' torna-se definido em termos dos
2. Asegunda esfera refere-se aos estudos dos efeitos do
espaco sobre o social. efeitos particulares das intensidades das interagöes entre o social e o espacial cons-
Esses estudos acham-se menos desenvolvidos. Neste trabalho, aventuramo- titufdos pela forma especifica de articulagäo espacial da produgäo, da circulagäo e
nos um pouco nessa ärea ao colocar a segregagäo espacial das classe sociais do consumo na formacäo social".**
como processo necessärio para o exercicio da dominagäo politica e desi- Gottdiener (1985, 230) tambe&m discorre sobre uma reagäo do espago, ao afir-
gual apropriagäo dos recursos do espago enquanto produto do trabalho e mar que a "desconcentragäo" metropolitana, um processo socioespacial, "€ ambas
como forga determinante da estruturagäo intra-urbana. Estamos ai na esfe- as coisas: um produto das transformagöes contemporäneas e um processo de orga-
ra econömica ***
da distribuicäo e do consumo
-
sem düvida, mas a domi-
-
nizacäo socioespacial que reage de volta sobre outros processos". Logo a seguls,
nagäo politica e a necessäria ideologia seräo tambem enfatizadas. A con- esse autor menciona, mas näo demonstra, uma situacäo de influ&ncia do espago so-
clusäo espacial, ou melhor, a conclusäo sobre o efeito do bre o social. ****
espaco sobre o
social, a nosso ver importante, € que uma certa geografia, uma certa confi- Para Lefebvre 0 espaco "reage de volta" sobre as relagöes sociais; Boddy de-
guragäo espacial (a segregagäo) se faz necessäria para viabilizar aquela do- clara que dentro [grifo nosso] das cidades "os efeitos do espacial sobre o social se-
minagäo e aquela producäo ideolögica. Sem essa configuragäo, seria talvez riam mais fortes e emergiriam como öbvios". Soja (1980, 207) procura desvendar as
impossivel ouextremamentedifici adominagäoea desigual apropri- bases de uma dialetica socioespacial
agäo. Trata-se, portanto, de um estudo dos efeitos do espago produzido so- As relacöes entre, de um lado, aprodugäo, a circulagäo eo consumo do espa-
bre o social. Este trabalho pretende mostrar que a segregacäo € uma deter- go ede outro osefeitos do espagosobreosocial oumelhor, dasrelagöes dialeticas
minada geografia, produzida pela classe dominante, e por meio da qualessa entre espaco e sociedade constituem o desafio ainda a ser enfrentado pelos estu-
-

classe exerce suadominagäo atraves do espaco urbano. A dos socioespaciais.


segregacäo € um
Processo necessärio para que haja tal dominagäo. Os processos que vamos abordar aqui decorrem do estudo do espago intra-
3. Finalmente, hä uma terceira esfera, talvez a mais correta, mas urbano das metröpoles brasileiras. Temos, entretanto, fundadas razöes para acredi-
que se encon-
tra num estägio extremamente rudimentar: os das dialeticas tar que tais processos ocorrem tambem nas demais metröpoles da America Latina.
relacöes entre
espaco e sociedade. A esse respeito, Soja (1980) e Gottdiener (1985) discor- Na verdade, estamos inclinados a acreditar que as metröpoles latino-americanas
ern sobre a necessidade de uma anälise dialetica das relacöes espago-socie- constituem um campo privilegiado de anälise do espago intra-urbano. Com efeito,
dade mas pouco avancaram nesse campo. o grande desnivel social entre as classes nas metröpoles latino-americanas faz com
torno das
que nelas seja realgada aquela faceta da luta de classes que € travada em
es-
Se hä uma inter-relacäo entre o espago e o social, deve haver efeitos do condicöes de produgäo/consumo do espago urbano, isto €, em torno do acesso
espaco do urbano.
sobre o social. Isso näo significaria, ern absoluto, conferir autonomia ao pacial As vantagens ou recursos espago
espaco nem Os contrastes sociais, econömicos e de poder politico caracteristicos das me-
cair no seu fetichismo. Lefebvre (1970; citado por Soja, 1980, 210; e por
Harvey, 1976,
306), por exemplo, afirma: "Podem as realidades do urbanismo ser definidas como tröpoles latino-americanas produzem uma estrutura espacial e uma dinämica
algo superestrutural, na superficie da base econömica, seja capitalista, seja socialis-
ta? Näo. A realidade do urbanismo modifica as relacöes de *
Grifo no original. Boddy cogita a possibilidade de um conceito amplo de "economia politica", mais de
producäo, sem ser sufici- acordo com a tradicäo marxista do que, por exemplo, Gottdiener, para quem "economia politica" €
ente para transformä-las. O urbanismo torna-se uma forca de "If
praticamente um ramodaeconomia.Essa cogitagäo estäna seguinte manifestagäo: politicalof Marxian
economy is
produgäo, como a
ciöncia. O espago e a organizagäo politica do espago expressam defined as the science of the modes of production, and as implying the centrality
relacöes sociais, conceptualizations of the processes of the production and circulation
of commodities, class structure,
mas ao mesmo lempo reagem de volta sobre estas" [grifo nosso].* Martin and the then
Boddy ideology state,
+ "Tg define a field of urban* political economy is to argue that it is within [grifo nossol cities that the
(1976,1), numa passagem jä citada, formula a seguinte hipötese sobre o efeito do in
effects of the spatial on the social are strongest and emerge as obvious. The 'urban! becomes defined
terms of the particular effects of the intensity of interactions between the social and the spatial, brought
"u Can the realities about by the specific form ofspatial articulation of production, circulation and consumption in the social
of urbanism be defined as something superstructural, on the surface ofthe economic
basis whether capitalistorsocialist? No. The reality ofurbanism modifies the relations of formation."
production without *=*
is both, a product ofcontemporary changes and a process of sociospatial organization which reacts
being sufficient to transform them. Urbanism becomes a force in production, rather like science.
Space back on other processes."
and the political organization of space express social
relationships but also react back upon them !grifo "The hegemony of Late Capitalist relations requires the reestructuring of space' just as much as the
nosso].
latter depends on the social forces of the former."

46 47
socioespacial intra-urbana muito mais exacerbadas e, por isso, mais fäceis de serem Capitulo 3
captadas do que a metröpole desenvolvida.

Notas Os processos espaciais


1. A expressäo "metropolitan region" utilizada por Gottdiener näo equivale A nossa expressäo "regiäo de conurbagäo
metropolitana"., A tegiäo metropolitana A qual esse autor se refere näo existe, como ele enfatiza, fora dos
Estados Unidos. Lä, a expressäo equivalente A regiäo metropolitana seria metropolitan area. A utilizagäo
por Gottdiener da expressäo"regiäo" deveserentendidacomoa designagäo de um estägio deurbaniza9ao
regional, acima do das äreas metropolitanas tradicionais.
2. Värias das consideragöes feitas aqui valem tambem para o espago regional. Consideraremos, entretanto,
apenas o espago intra-urbano.
3. SOJA, Edward W. "The socio-spatial dialectic". Annals ofthe Association of American Geographers, June
1980, n. 2, v. 70. p. 207. A passagem foi repetida em Geografias pös-modernas, p. 125.
4. Em outro artigo sobre o mesmo tema (1990,17) os autores säo particularmente enfäticos ao afirmar de
maneira reiterada que o espago por eles abordados säo regiöes e paises.
5. Novamente, acreditamos ser importante recordar ao leitor a especificidade da"polinucleagäo" da regiäo
metropolitana americana, para evitar precipitadas comparacöes com as brasileiras. De acordo com
Gottdiener, nem mesmo as metröpoles da Europa industrializada, apresentam um grau de dispersäo e
polinucleagäo comparävel ao das metröpoles norte-americanas. Essa "polinucleagäo" € um processo
A expressäo metröpole, entre nös, estä por demais associada importäncia
&
diferente do da formagäo dos nücleos terciärios de nossas metröpoles, como os centros de Copacabana,
urbano. Por extensäo, o mesmo OCOITe
Meier, Nova Iguacu, Santo And1e, Boa Viagem, Pinheiros, etc. social, econömica e cultural de um nücleo
Neste trabalho,
com as expressöes drea metropolitana processo de metropolizagäo.
e
tanto esse mais importante que ele seja. Neste capi-
näo nos preocupa aspecto, POT
fusäo de äreas urbanas
tulo, particularmente, preferimos a expressäo conurbagäo-
aos nossos objetivos.
por acreditarmos ser ela mais adequada e as contra-
A seguir serä analisada a expansäo espacial dos nücleos urbanos
essa e os limites polftico-administrativos munici-
digdes ocorridas entre expansäo
muito menos, o
considerar a importäncia dos nücleos e,
pais. Isso serä feito sem Neste trabalho, a Grande
fato de serem eles ou näo äreas metropolitanas "oficiais".
säo äreas metropolitanas tanto
Santos, a Grande Vitöria ou a Grande Florianöpolis
Säo Paulo. O conceito de ärea metropolitana que
quanto o Grande Rio ou a Grande € aquele que nasce da
adotamos & o do Bureau ofthe Census, dos Estados Unidos;
entes fisicos e socioeconömicos
contradigäo entre, deumlado, as cidades enquanto
e, de outro, as cidades do ponto
de vista politico-administrativo. Nesse sentido näo
hä que hierarquizar tais nücleos urbanos.
em crescimento ab-
Seräo descritas as värias formas pelas quais uma cidade
vezes pertencentes a outras
sorve e/ou gera outros nücleos urbanos A sua volta, äs
de cidade. A par-
unidades politico-administrativas, formando um tipo particular em
ünica a corresponder,
ticularidade estä no fato de que, a uma cidade, passam
da
Isso näo havia entre n6s ate por volta
termos de Brasil, mais de um municipio.
um e apenas um _
muni -

decada de 1920. Ate entäo, a uma cidade correspondia


-

Nos Estados Unidos, tais"cidades" säo chamadas de äreas metro-


cipio, e vice-versa. No Brasil hä inüme-
Statistical Areas.
politanas ou SMSA Standard Metropolitan
-

Vitöria, Goiänia, etc. -


que
ras conurbagöes -
Santos, Florianöpolis, Campinas,

49
48

Você também pode gostar