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On the Peer Instruction methodology for teaching matrices: An experience


report in Linear Algebra course

Article · May 2018

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2 authors, including:

Katiuscia C. B. Teixeira
University of Central Florida
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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

METODOLOGIA PEER INSTRUCTION NO ENSINO DE MATRIZES: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA NA DISCIPLINA DE ÁLGEBRA LINEAR

On the Peer Instruction methodology for teaching matrices: An experience report in


Linear Algebra course

Katiuscia Costa Barros Teixeira


Francisca Cláudia Fernandes Fontenele

Resumo aiming to develop their reasoning thinking, as


well as, to promote student interaction and coo-
Neste trabalho, relatamos uma experiência peration in class. We describe how this strategy
didática vivenciada na disciplina Álgebra Linear, was implemented in the classroom and how
em que abordamos, especificamente, o conteúdo students responded to it. The results show that
de matrizes. A estratégia de ensino utilizada foi students actively participated in the classroom
inspirada na metodologia Peer Instruction, a qual se with extensive discussions with their peers and
baseia na construção de questões conceituais com more motivated in the learning content.
o objetivo de concentrar a atenção do estudante nos
conceitos fundamentais, visando ao desenvolvi- Keywords: Teaching methodology. Peer Instruc-
mento de seu raciocínio, assim como incentivar sua tion. Matrices. Linear Algebra.
participação e colaboração na sala de aula. Descre-
vemos como essa estratégia foi implementada junto 1 Introdução
à turma e como os alunos responderam a ela. Os
resultados revelaram que os alunos participaram A Álgebra Linear (AL) é uma das discipli-
ativamente da aula promovendo amplos debates nas-chave do ciclo básico dos cursos das ciências
com seus pares e mostraram-se mais empenhados exatas. Com alto índice de reprovação, tem sido
no aprendizado do conteúdo. alvo constante de preocupação por parte de pro-
fessores e educadores matemáticos, tais como:
Palavras-chave: Metodologia de ensino. Peer Dorier (2008), Dorier et al. (2000) e Rogalski
Instruction. Matrizes. Álgebra Linear. (1994), cujos estudos retratam os problemas e
as dificuldades vivenciados no ensino e apren-
Abstract dizagem dessa disciplina no cenário francês, e
o grupo americano Linear Algebra Curriculum
In the present study, we report a didactic Study Group (LACSG), que também se dedica a
experience in the Linear Algebra course, specifi- investigar possíveis caminhos.
cally the content of matrices, held in the course of Esses pesquisadores sinalizam a necessida-
Chemical Engineering at the Federal University of de de mudanças na maneira de ensinar, de modo
Ceará (UFC). The teaching strategy was inspired a proporcionar um ensino mais centrado na ação
by the methodology Peer Instruction, which is reflexiva do aluno em sala de aula e não apenas
based on conceptual questions in order to focus na exposição sucessiva de conteúdo, por parte
student’s attention on the fundamental concepts, do professor. Pensando nisso, trazemos um relato

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de experiência no qual abordamos a aplicação da Além dos obstáculos epistemológicos, tam-


metodologia Peer Instruction em aulas sobre ma- bém aparecem os obstáculos didáticos, que são
trizes, que é um conteúdo essencial na disciplina uma consequência da forma como os professores
de Álgebra Linear. Antes, porém, de apresentar lidam com essas dificuldades. Ou seja, determina-
mais detalhes dessa aplicação, é pertinente uma dos obstáculos podem constituir-se num obstáculo
breve discussão sobre o ensino da AL. de ordem didática se o entrave para sua superação
Dorier (2008) aponta que os problemas encontrar resistência por conta de escolhas equi-
no ensino e na aprendizagem estão associados vocadas feitas pelo docente. Por exemplo, ante as
ao caráter complexo e abstrato dos conceitos e dificuldades epistemológicas, a atitude, em geral,
definições da AL, bem como a fatores históricos, tomada pelos professores é a de dar menos aten-
didáticos e epistemológicos. Rogalski (1994) ção à parte conceitual do ensino e maior ênfase às
identificou que as dificuldades vivenciadas pelos tarefas algorítmicas. Desse modo,
estudantes devem-se ao excesso de formalismo
presente nos exercícios, pois, ao entrar num A algoritmização é, então, um meio
curso universitário, o aluno depara com uma de negociar a redução do conflito,
matemática bem mais complexa e formal, com permitindo diminuir o aspecto de
novidade (e evitar, ao mesmo tem-
teoremas e demonstrações rigorosas que causam
po, a dificuldade conceitual). Os
estranheza e dificuldades de compreensão de professores se ligam, via algoritmo,
seus significados. a um quadro conhecido: a resolução
Sobre isso Dorier et al. (2000) ressalta que de sistemas de equações lineares,
no caso dos espaços vetoriais. (DO-
[...] as dificuldades com o aspecto RIER, 2008, p.33)
formal da teoria dos espaços ve-
toriais não é apenas um problema
No entanto, tal atitude não supera o
geral com o uso do formalismo, mas
principalmente uma dificuldade de obstáculo, apenas o omite, pois, como possível
compreensão do uso específico do consequência desse ensino focado nas manipula-
formalismo na teoria dos espaços ções algorítmicas, tem-se a seguinte contradição
vetoriais, e a interpretação dos identificada pelo autor:
conceitos formais em relação aos
contextos mais intuitivos, como [...] muitos estudantes revelam po-
geometria ou sistemas de equações der encontrar a forma reduzida de
lineares em que historicamente eles um operador linear, mas guardam
surgiram. (p.86) incompreensões profundas sobre
as noções, tais como a soma (direta)
Essa dificuldade de compreensão do uso de subespaços, ou a noção de gera-
dores ou mesmo de independência
especifico do formalismo e da interpretação
linear, apesar de serem conceitos
dos conceitos formais caracteriza-se como um chave nos fundamentos teóricos das
obstáculo epistemológico que precisa ser supe- técnicas de redução de endomorfis-
rado, pois a não superação resulta na perte du mos. (DORIER, 2008, p.33)
sens, ou seja, perda de sentido diante da não
compreensão de significados, que é apontada Segundo o autor, esse fato constitui uma
em Rogalski (1994, p.1) como um dos problemas contradição que não consegue aceitar, uma vez
mais preocupantes do ensino da AL. que é preciso compreender as noções citadas para
Outro obstáculo epistemológico que merece poder encontrar a forma reduzida de um operador.
atenção do professor refere-se ao caráter unifica- Nesse caso, há indícios de que esses alunos con-
dor, simplificador e generalizador da AL, que não seguem encontrar a solução de modo meramente
é facilmente identificado pelos estudantes, pois, mecânico, via algoritmo, sem necessariamente
para o aluno, não é tão simples perceber que a compreender seu sentido e significado.
AL unifica, numa estrutura mais geral, conteúdos O ensino da matemática, quando asso-
vistos no ensino médio, tais como: polinômios, ciado à mera repetição de técnicas que limitam
números complexos, matrizes, funções. a exploração conceitual, tende a estimular a

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ocorrência do que D’Amore (2007) chamou de senvolveu a metodologia Peer Instruction com
fraude epistemológica, quando o aluno encontra a o objetivo de ajudar seus estudantes em uma
solução correta para um problema simplesmente melhor compreensão da disciplina de Introdu-
por reproduzir algo já feito pelo professor, mas ção à Física. Com o passar do tempo, o método
não necessariamente por “ter entendido a sua foi tendo adeptos, e hoje se encontra difundido
necessidade matemática ou lógica a partir do por diversos países, em diferentes contextos,
enunciado, não porque tenha ‘compreendido e como se pode ver na dissertação de mestrado de
resolvido o problema’, não porque tenha apren- Oliveira (2012), nos artigos de Beites e Nicolás
dido um objeto matemático” (p.10). (2013), Suppapittayaporn et al. (2008), Porter
Além disso, segundo Rogalski (1994), et al. (2011), entre outros.
muitos professores propõem atividades sem Nesses trabalhos, Oliveira (2012) elabora
justificá-las, e o aluno realiza essas atividades uma unidade didática em nível de Ensino Médio
por realizar, sem compreender o seu propósito. sobre os conceitos fundamentais de Eletromag-
Isso contribui para gerar as perdas de significado netismo, que foi aplicada no Instituto Federal de
decorrentes das incompreensões do que estão a Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Gran-
realizar. Segundo a análise do autor, as práticas dense, na cidade de Pelotas/RS. Beites e Nicolás
pedagógicas não favorecem o acesso ao signi- (2013) apresentam um material didático para o
ficado da AL, o que reforça nossa premissa de ensino da disciplina Álgebra, na Universidade
que parte dos problemas está atrelada a aspectos da Beira Interior, Portugal. Suppapittayaporn et
metodológicos que perpassam pela mediação al. (2008) aplica a PI na Tailândia, com alunos
docente. da décima série, para trabalhar os conceitos de
Matrizes é um exemplo de conteúdo da AL força e movimento. Porter et al. (2011), por sua
trabalhado em sala de aula com ênfase no enfo- vez, reportam a experiência vivenciada no curso
que algorítmico, no qual os estudantes aprendem de Ciências da Computação, em uma instituição
regras de manipulação, porém a abordagem con- nos Estados Unidos.
ceitual deixa a desejar no que se refere a uma re- Além disso, a efetividade da PI tem sido
flexão mais aprofundada sobre as relações entre demonstrada em diversos trabalhos dos quais
definições, propriedades e manipulações. Assim, se podem destacar Crouch and Mazur (2001),
compreendendo a importância dos conceitos Fagen, Crouch e Mazur (2002) e Lasry, Mazur e
para a aprendizagem e desenvolvimento do Watkins (2008), uma vez que o objetivo central
raciocínio matemático discente, consideramos dessa metodologia é explorar a interação e a
essencial que seu tratamento em sala de aula se colaboração dos estudantes nas aulas, como
dê de forma significativa. também enfatizar os conceitos. Possui como
Cientes, portanto, da necessidade de se ideal que o aluno perceba a importância das
buscar caminhos que possam melhorar a apren- teorias, das definições e dos teoremas apresen-
dizagem discente em sala de aula, principalmen- tados no decorrer da disciplina, para que, assim,
te, no que se refere à compreensão conceitual, o discente consiga apreender tais conceitos,
realizamos uma experiência com a metodologia visando ao desenvolvimento de seu raciocínio
Peer Instruction (PI), com o objetivo de verificar abstrato.
sua aplicabilidade em aulas sobre matrizes numa É baseada na construção de questões
disciplina de Álgebra Linear, na qual pudemos conceituais de múltipla escolha, que são lan-
observar seus reflexos na participação dos alunos çadas durante as aulas pelo professor para que
durante a aula, na cooperação com os colegas e os alunos analisem e apontem suas respostas
na assimilação dos conceitos trabalhados. por meio de sistema de votação. A votação pode
ser feita através de braços erguidos, cartões
2 Peer Instruction respostas (flashcards) ou clickers que são dis-
positivos eletrônicos conectados diretamente ao
No início de 1990, Eric Mazur, professor computador do instrutor. A Figura 1 ilustra um
de Física da Universidade de Havard, EUA, de- momento de votação em sala de aula.

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Figura 1 – Momento de votação em sala de aula através dos flashcards.

Fonte: pesquisa direta.

Uma aula via PI é dividida em tópicos fun- 4. Gravar as respostas individuais dos alu-
damentais do conteúdo. Para cada tópico, é dada nos (opcional);
uma breve explicação seguida de uma questão 5. Os alunos discutem sobre os conceitos
conceitual do assunto que foi exposto. Os estu- (1-3 minutos);
dantes são encorajados a refletir individualmente 6. Gravar as respostas revisadas dos alunos
sobre a solução, e, após um determinado tempo, (opcional);
acontece a primeira votação. Nesse momento, o 7. O professor informa a resposta correta;
instrutor analisa as respostas e as registra, para 8. Explicar a resposta correta (~2 minutos).
que possa fazer uma comparação. Caso não seja
pelo método dos clickers, o registro pode ser feito Outro ponto importante nessa metodolo-
através de contagem ou mesmo por fotografia. gia é que os alunos venham preparados para a
Caso a percentagem de acertos ultrapasse 70%, aula. Para isso, um material didático (resumo de
o professor pode fazer uma breve discussão sem autoria do professor, vídeo ou referência biblio-
necessidade de segunda votação. Se a percenta- gráfica) é distribuído para os alunos contendo
gem for menos de 30%, sugere que o aluno não os principais tópicos que serão trabalhados na
compreendeu o conceito. O professor, então, aula seguinte. Assim, como incentivo para a
pode explicar novamente com uma nova abor- leitura, a metodologia PI passou a utilizar uma
dagem e lançar outro teste conceitual. adaptação do método Just-in Time Teaching
O ideal de acertos é que estejam na mar- (JiTT), desenvolvido por Novak et al. (1999).
gem de 30% a 70%, indicando que a questão é Nesse método, os estudantes precisam estudar
desafiante, porém não tão difícil. Nesse caso, pe- o material e responder a algumas questões rela-
de-se que os alunos discutam suas respostas com cionadas tanto ao conteúdo quanto à dificuldade
os colegas e tentem convencê-los. Após alguns de compreensão da leitura, que devem entregar
minutos, é tempo para uma segunda votação. ao professor num prazo estipulado. Por exem-
Se a maioria dos estudantes escolheu a resposta plo, “O que você achou difícil ou confuso na
correta, digamos mais de 90%, o professor pode leitura? Caso negativo, o que você achou mais
passar para o próximo tópico; caso contrário, interessante?”. Dessa forma, além de os alunos
o professor discute a questão analisando item virem preparados para a aula, o professor pode
a item. Para cobrir um conceito-chave da aula, organizá-la com base nas principais dificuldades
gasta-se um mínimo de 15 minutos. encontradas por eles.
Para Mazur (1997), cada ponto principal Vale destacar, com base na experiência de
da aula deve seguir os passos abaixo: Mazur, que o sucesso da implementação da Peer
1. Exposição do conteúdo pelo instrutor (7- Instruction não depende do método de votação,
10 minutos); mas está intimamente associado ao empenho
2. Apresentar a questão aos alunos (~1 mi- do aluno em participar ativamente, desde o ins-
nuto); tante que recebe o material que será trabalhado
3. Os alunos pensam sobre o assunto (~1 em aula posterior até o momento que estará
minuto); em sala de aula discutindo com seus colegas a

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questão em votação. De fato, é um método de é ele que poderá guiar seus alunos a aprendiza-
ensino centrado no aluno, que enfatiza concei- gens corretas do ponto de vista científico.
tos e proporciona um ambiente adequado para
discussão e colaboração entre pares. O professor 3 Aspectos metodológicos
faz o papel de mediador, auxiliando os alunos
nas dificuldades encontradas. Visando verificar a aplicabilidade da
Os enfoques teóricos que fundamentam metodologia Peer Instruction em aulas sobre
essa metodologia são as teorias construtivistas Matrizes, realizou-se uma atividade com uma
de Lev Vygotsky (1999) e de David Ausubel turma do curso de Engenharia Química da
(apud MOREIRA, 1999). Segundo Vygotsky, Universidade Federal do Ceará, na disciplina
o desenvolvimento cognitivo do aluno ocorre Álgebra Linear. A aula durou 90 minutos e dela
por meio da interação social, ou seja, o co- participaram 70 alunos. A coleta dos dados
nhecimento vai sendo adquirido a partir das deu-se por meio de observação participante,
trocas mediadas pela linguagem, facilitadas na qual foi utilizado o diário de campo como
pela interação com outros indivíduos e com o instrumento de registro.
meio. Desse modo, a sala de aula constitui lócus Assim, o conteúdo abordado foi o estudo
privilegiado da aprendizagem em que o profes- de Matrizes, que desde 1858 teve sua importân-
sor precisa ser um fomentador de discussões e cia destacada quando Cayley (1858) apresentou,
facilitador de trocas cognitivas, à medida que em sua famosa obra Memoir on the Theory of
aborda um conteúdo do saber. Matrices, a demonstração de sua utilidade. Desde
Essa teoria está muito relacionada com a então, esses conceitos aparecem difundidos em
metodologia Peer Instruction, pois o professor, inúmeras áreas de estudo, tais como na matemá-
que tem a função de mediador no processo tica, física, engenharia, computação, economia,
de ensino aprendizagem, procura estimular o entre outras. As matrizes são essenciais na orde-
trabalho em grupos, permitindo ao aluno cons- nação e simplificação de sistemas de equações
truir seu conhecimento, participar ativamente e lineares e também fornecem novos métodos de
cooperar com os colegas. Dessa forma, há uma resolução, sendo componente fundamental para
interação professor-aluno, aluno-aluno e novo a compreensão da Álgebra Linear.
conhecimento-conhecimento prévio. A estrutura da aula foi dividida nos se-
Segundo a teoria da aprendizagem signi- guintes subtópicos:
ficativa de Ausubel, o aluno precisa ter conhe- • Definição de Matrizes e suas propriedades;
cimento prévio sobre um determinado conteúdo • Operações de Matrizes: adição, subtração
(subsunçores) para conseguir aprender signifi- e multiplicação por um escalar;
cativamente um novo conhecimento. Quando • Multiplicação de Matrizes;
um novo conceito se relaciona de maneira não • Propriedades de Matrizes.
arbitrária e não literal com informações previa- Para cada subtópico, foram selecionadas
mente conhecidas, o aluno estará transformando questões conceituais visando estimular o ra-
esse conhecimento em significado. ciocínio dos estudantes. Como essas questões
Os textos de apoio e as questões prelimi- não tinham por objetivo enfatizar problemas
nares propiciaram aos alunos os conhecimentos numéricos, evitaram-se questões que envolves-
prévios necessários para a assimilação de um sem cálculos. Foram também adequadamente
novo conceito. Dessa maneira, utilizar essa me- escolhidas as opções de múltipla escolha, com
todologia favorece uma aprendizagem em que o o intuito de que cada item abrangesse um con-
aluno conecta um novo conteúdo a conteúdos ceito ou uma propriedade a ser discutido em
prévios, ou seja, pode possibilitar uma aprendi- sala de aula. As questões foram criteriosamente
zagem significativa. coletadas de livros e sites relacionados à disci-
Convém ressaltar que, segundo Moreira plina. Ademais, foi confeccionado um resumo
(1999, p.38), “aprendizagem significativa não é si- do conteúdo com o objetivo de os alunos virem
nônimo de aprendizagem correta. Um aluno pode preparados para a sala de aula. Esse material foi
aprender de maneira significativa, porém, errada”. disponibilizado para os estudantes no primeiro
Desse modo, o papel do professor é essencial, pois dia de aula através do ambiente virtual da uni-

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versidade, SIGAA (Sistema Integrado de Gestão de 90%. Com essa alta porcentagem, não havia
de Atividades Acadêmicas). necessidade de uma nova votação; contudo com
o objetivo de promover a autoconfiança, foi soli-
4 Experiência em sala de aula: citado que os discentes discutissem e votassem
resultados e discussão novamente. Assim, depois da segunda votação,
todos foram unânimes na resposta correta.
No primeiro dia de aula, foi apresentada Em seguida, a professora apresentou as
aos alunos a metodologia que seria aplicada na operações com matrizes envolvendo adição,
sala de aula e a forma como seria desenvolvi- subtração e multiplicação por escalar, destacan-
da. Enfatizou-se a importância da participação do que, para efetuar essas operações de adição
ativa dos alunos, assim como a necessidade de e subtração entre matrizes, era preciso que as
eles virem preparados para a aula. Os alunos matrizes fossem de mesma ordem. Como essas
pareciam entusiasmados e curiosos com relação operações são relativamente simples, a segunda
à nova metodologia. Além disso, foi solicitado questão conceitual foi lançada sem a exposição
que respondessem a algumas questões, as quais das alternativas (Quadro 2), com os alunos res-
deveriam ser entregues na aula subsequente. pondendo automaticamente.
No início da aula seguinte, foi entregue
um conjunto de quatro cartões (A, B, C e D) para Quadro 2 – Questão conceitual sobre
cada aluno (ver modelo em Figura 1) e foram re- operações de matrizes.*
colhidas as tarefas solicitadas. Foi realizada uma
breve discussão a respeito de tais questões e do Teste conceitual 2: Se A é uma matriz simétrica, então
A – AT é:_______________________________________.
texto enviado. Perguntou-se a opinião dos alunos
a respeito do texto enviado, o que eles acharam e *
Resposta: matriz nula.
se foi útil. A maioria aprovou, comentando que
estava bem claro, sucinto e de fácil compreensão. Para a compreensão do próximo tópico,
Com relação às questões, eles mencionaram que multiplicação de matrizes, explorou-se a impor-
não sentiram dificuldades em resolver. tância da ordem das matrizes, ou seja, que nem
Ao finalizar essa primeira parte, foi apre- todas as matrizes podem ser multiplicadas, atra-
sentada a definição de matrizes utilizando slides vés de contraexemplos. Foram realizados alguns
e a lousa. O professor perguntou sobre os tipos exemplos numéricos para prática do algoritmo
de matrizes deixando que eles próprios exempli- da multiplicação e, em seguida, foi lançada mais
ficassem. Nesse momento, foi lançada a primeira uma questão conceitual (Quadro 3).
questão conceitual (Quadro 1).
Quadro 3 – Questão conceitual sobre produto
Quadro 1 – Questão conceitual sobre tipos de de matrizes.*
matrizes.*
Teste conceitual 3: Qual da sentença abaixo está correta
para quaisquer matrizes A, B e C de mesma ordem?
Teste conceitual 1: Qual da sentença abaixo não está a) Se a primeira linha de A for toda constituída de zeros,
correta? o mesmo ocorre com a primeira linha de qualquer
a) A transposta de uma matriz elementar é uma matriz
elementar. produto AB.
b) A transposta de uma matriz triangular superior é b) Se a primeira coluna de A for toda constituída de
uma matriz triangular superior. zeros, o mesmo ocorre com a primeira coluna de
c) A transposta de uma matriz diagonal é uma matriz qualquer produto AB.
diagonal. c) Se AB = C e C tem 2 colunas, então A tem 2 colunas.
d) A transposta de uma matriz simétrica é uma matriz
simétrica. d) Se AB = C e C tem 3 linhas, então B tem 3 linhas.

Resposta correta: a.
*
*
Resposta correta: b
Os alunos pediram mais tempo para pen-
Após pensar um pouco, a maioria dos
sar, e foi observado que eles utilizaram papel
alunos levantou a placa B, evidenciando que
e caneta na tentativa de solucionar a questão.
não sentiram dificuldades em responder a essa
Passado o tempo, 80% dos alunos responde-
questão, de modo que o índice de acertos foi

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ram corretamente, e assim foi pedido que eles Vale ressaltar que esta é uma habilidade básica
discutissem um pouco sobre a questão. Após prevista pelos alunos ingressantes na disciplina.
a discussão, 100% dos alunos chegaram à res- Por exemplo, o item (a) estava errado, porque,
posta correta. Como a resposta da questão era ao usar a lei da distributividade, não apareceria
logo a primeira alternativa, muitos alunos não a matriz identidade, e sim o número 1. No caso
chegaram a analisar as demais. O professor, por- do item (b), não é válida a lei do cancelamento
tanto, junto com os alunos, discutiu as escolhas e nem do produto por zero para matrizes. Já no
restantes. item (c), não existe divisão de matrizes.
Prosseguindo a aula, foram apresentadas Por outro lado, notamos o empenho dos
as propriedades da multiplicação de matrizes, alunos que tinham convicção da sua resposta
seguidas de exemplos. Destacou-se, através de correta em convencer os demais colegas, fato
contraexemplos, que a multiplicação de ma- esse comprovado pelo índice de acertos no se-
trizes não é necessariamente comutativa. Logo gundo processo de votação. A questão provocou
após, mais uma questão conceitual foi exposta uma discussão particularmente estimulante
(Quadro 4). entre a turma, intensificando a motivação e a
participação ativa e colaborativa dos alunos na
sala de aula.
Quadro 4 – Questão conceitual sobre
propriedades do produto de matrizes.*
Quadro 5 – Questão conceitual sobre
Teste conceitual 4: Se A é uma matriz 3 x 4 e B uma
matriz n x m, então: propriedades de produto de matrizes.*
a) existe A + B se, e somente se, n = 4 e m = 3;
Teste conceitual 5: Se uma matriz quadrada A é tal que
b) existe AB se, e somente se, n = 4 e m = 3;
A2 – 4A3 = 0, então:
c) existem AB e BA se, e somente se, n = 4 e m = 3;
a) A2 (1 – 4A) = 0
d) existem, iguais, A + B e B + A se, e somente se,
b) A = 0 ou A – 4A2 = 0
A = B.
c) A = 4
2

*
Resposta correta: c. A3
d) nenhuma das anteriores.

O índice de acertos foi aproximadamente


*
Resposta correta: d.
de 70%. Assim, foi pedido que eles discutissem
a questão, e uma segunda votação foi realizada, Por fim, lançou-se a última questão con-
atingindo 95% de acertos. Mesmo com esse alto ceitual da aula (Quadro 6) abordando também
índice de acertos, o professor analisou com os propriedades de matrizes. O índice de acertos
estudantes as demais alternativas apontando e na primeira rodada foi de 60%. Após o proces-
corrigindo os erros. so da segunda votação, esse índice aumentou
Mais uma questão conceitual foi exposta para 90%. Notamos que as dúvidas dos alunos
(Quadro 5), a qual envolvia as propriedades de giraram em torno das alternativas (b) e (d); por
multiplicação de matrizes. Essa questão gerou conseguinte, dúvida sobre a comutatividade do
consideráveis dúvidas e discussão entre os alunos. produto de matrizes.
Sua sondagem inicial gerou uma taxa de resposta
correta de apenas 10%. Nesse caso, pelos prin- Quadro 6 – Questão conceitual sobre
cípios da metodologia, deveria ser revisitado o propriedades de matrizes.*
conceito e, depois, exposto outro teste conceitual;
entretanto, foi solicitado que os alunos discutis- Teste conceitual 6: Para matrizes quadradas, então:
T
I. (A – AT) = AT – A
sem com seus pares, e após a segunda votação II. (A + B) = A2 + 2AB + B2
2

essa taxa aumentou para apenas 75%. III. (A – B)2 = (B – A)2


Durante as discussões entre pares, ob- É verdade que:
servamos que a maioria dos estudantes não a) somente I é falsa;
b) somente II é falsa;
fazia distinção entre as regras que regem a c) somente III é falsa;
multiplicação de matrizes e aquelas aplicáveis d) somente II e III são falsas.
à multiplicação aritmética dos números reais. *
Resposta correta: b

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Pode-se observar que 17% do total das o apoio docente, estavam em uma condição de
questões conceituais corresponderam a menos aprender e apreender ainda mais.
de 30% de acertos na primeira votação e que Para esse primeiro encontro, foram se-
50% do total das questões ultrapassaram 70% lecionadas questões conceituais mais simples
de acertos. A margem de 30% a 70% de acertos com o intuito de promover a autoconfiança dos
foi atingida em 33% do total das questões na estudantes, assim como motivá-los a participar
primeira votação, condição considerada ideal na sala de aula, isso justifica a elevada taxa de
seguindo os princípios da metodologia PI (ver questões acima de 70% de acertos na primeira vo-
Figura 2). tação. Para aulas futuras, pretende-se aumentar
o nível de dificuldade dessas questões e, assim,
proporcionar ricos debates em sala de aula e
Figura 2 – Porcentagem de respostas corretas
contribuir com o desenvolvimento do raciocínio
nas votações das questões conceituais.
lógico e abstrato do discente.

5 Considerações finais

Diante do exposto, a metodologia Peer


Instruction mostrou-se adequada para nosso
propósito de abordar o conteúdo de matrizes
com ênfase na exploração de conceitos. Obser-
vamos que durante a realização da atividade
os alunos foram constantemente estimulados
a participar durante as aulas, como também a
compartilhar com os demais colegas as soluções
Fonte: pesquisa direta. obtidas das questões. Dessa forma, tanto foram
observadas oportunidades de desenvolvimento
Os resultados mostram que o engaja- do raciocínio abstrato quanto do trabalho co-
mento coletivo dos estudantes na resolução de laborativo entre eles, em oposição às metodo-
problemas ficou evidente em todo o período es- logias tradicionais que concebem os discentes
tudado, apresentando uma integração crescente como sujeitos passivos de aprendizagem.
na abordagem de todas as questões propostas. Assim, os alunos puderam aprimorar seus
Dentro do ambiente de sala de aula, era comum conhecimentos e, à medida que estudaram o ma-
testemunhar os estudantes tentando convencer terial entregue previamente, refletiram em sala
seus pares de que suas respostas estavam cor- de aula sobre o conteúdo abordado e interagiram
retas. O aumento significativo de acertos após com seus pares para discutir soluções para as
discussão fundamenta o aprendizado entre os questões apresentadas. A experiência vivencia-
pares conforme ilustrado na Figura 1. da sugere que a utilização dessa estratégia de
Apesar da metodologia PI sugerir a criação ensino pode proporcionar uma aprendizagem
de questões desafiadoras que estejam dentro da mais significativa.
faixa de 30%-70% de acertos na primeira votação Salientamos que a pesquisa abrangendo a
(CROUCH et al., 2007), pode-se observar que a metodologia deve continuar a ser desenvolvida
questão abaixo de 30% de acerto foi considerada para sistematizar sua aplicação em sala de aula.
relevante e oportuna, pois demonstrou o poten- A esse respeito, num próximo trabalho, será
cial de levar os alunos a pensar, refletir sobre os apresentada uma análise mais aprofundada
conceitos e propriedades, de modo a favorecer a dos resultados aqui observados e realizado um
aprendizagem, proporcionada pela combinação estudo de questões conceituais mais complexas.
da discussão entre pares e a explicação da pro- Além disso, será implementada uma avaliação da
fessora. Diante de uma pergunta desafiadora, foi aplicação do PI ao longo de toda a disciplina, em
observado que os estudantes produziam discus- que será analisada a perspectiva dos estudantes
sões mais longas e aprofundadas e, assim, com para essa metodologia instrucional.

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

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Katiuscia Costa Barros Teixeira é Doutora em Engenharia de Teleinformática – Universidade Federal do Ceará. Professora
Assistente da Universidade Central da Flórida, EUA. E-mail: katiuscia.teixeira@ucf.edu
Francisca Cláudia Fernandes Fontenele é Doutoranda em Educação – Universidade Federal do Ceará.
E-mail: claudia@multimeios.ufc.br

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