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SUMÁRIO

1 SOBRE A MORTE E O MORRER ......................................................................................................... 3

2 MORTE NO CICLO DE VIDA DA FAMÍLIA ....................................................................................... 9

3 A MORTE E A PSICOLOGIA HOSPITALAR ................................................................................... 13

3.1 Intervenção do psicólogo hospitalar em processos de terminalidade e morte ..................................................... 19

3.2 O Valor da Experiência no Enfrentamento da Morte .......................................................................................... 21

3.3 O cuidado da dor e sofrimento como direito fundamental ................................................................................. 24

3.4 Dor x Alívio em Decorrência da Morte................................................................................................................ 27

3.5 A interface entre psicologia da saúde e bioética ................................................................................................. 29

4 A PSICANÁLISE NO CONTEXTO HOSPITALAR .......................................................................... 32

5 PROXIMIDADE DA MORTE E A TERMINALIDADE HUMANA ............................................... 37


PÓS-GRADUAÇÃO
6 PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO ..................................................................... 39

7 SEGUNDO ESTÁGIO: RAIVA ............................................................................................................ 40

DISCIPLINA: 8 TERCEIRO ESTÁGIO: BARGANHA ................................................................................................. 41

9 QUARTO ESTÁGIO: DEPRESSÃO ................................................................................................... 42


Ética e Morte no Contexto
10 QUINTO ESTÁGIO: ACEITAÇÃO ..................................................................................................... 43

11 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 44
Hospitalar

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1 SOBRE A MORTE E O MORRER era simples, familiar, próxima, por isso denominada morte domesticada. Contudo, omundo dos vivos
deveria permanecer separado do dos mortos, com o intuito defacilitar o percurso dos mortos até o céu
e evitar a contaminação física (pela decomposição dos corpos) e psíquica (visita dos mortos); destarte,
os cemitériossituavam-se fora das cidades.

No final da Idade Média e nos séculos XVI e XVII, o corpo dos mortos eraconfiado à igreja. Os
cemitérios ficavam nas cidades, o que demonstra que as pessoas estavam familiarizadas com os mortos,
bem como com a sua própria morte. A partir do século XII, surge a preocupação com o Juízo Final.
Este era individual e particular, portanto trazia inquietação, ao contrário dasegurança e tranquilidade
promovidas pelo rito coletivo descrito acima.

O homem tomou melhor consciência de sua individualidade; as particularidades de cada


biografia eram analisadas e avaliadas, e essa revisão adquiriu um caráter dramático, uma carga
emocional que antes não possuía. O apego às coisas e aos seres possuídos durante a vida era considerado
a grande tentação. Encontra-se presente uma aversão à decomposição, que adquiriu um sentido
macabro, de ruína do homem. Nesse período, o corpo passa a ser escondido nos caixões, pois é
insuportável aos olhos. Ressurgem as inscrições funerárias, significando o desejo de conservar a
Cada época, a seu modo, influencia o sujeito na forma de pensar e de agir. Assim, o sentido de
identidade do túmulo e a memória do desaparecido.
morte não é universal, e não se opera no vazio. Além de ser um fenômeno biológico natural, a morte
contém um aspecto simbólico. Neste sentido, qualquer visão do significado da morte será
O uso da cor preta como simbolização do luto data do paganismo.Relacionava-se com o horror
multifacetada, composta por fatores predeterminantes de ordem cultural, histórica, ética, religiosa e
dos mortos, como um disfarce para o fantasma domorto. O preto contém também o simbolismo da
psicológica. A interação desses fatores contribui para tornar ainda mais complexa e abrangente
noite e a ausência de cor para expressão do abandono e da tristeza. Esta cor facilita a lembrança de que
qualquer tentativa de compreensão da morte e domorrer. Além disso, a forma como a morte é encarada
ocorreu uma perda, e poderia sugerir às outras pessoas que tivessem uma atitude especial em relação
tem influência direta sobrea forma de seu enfrentamento.
à pessoa enlutada e evitassem falar de coisas que poderiam magoá-la. A cor não só demonstrava
tristeza, mas também criava paze serenidade interiores.
A consciência da morte não é algo inato, é um conhecimento do indivíduo, aprendido. Sendo o
saber da morte exterior, produtode uma consciência que capta o real, o homem é surpreendido pela
No século XIV, a expectativa de vida era muito baixa. Havia muito sofrimento e vulnerabilidade,
morte. Na época medieval os homens eram avisados de sua morte por sinais naturais ou uma convicção
a guerra e a peste matavam ao mesmo tempo, a Inquisição começou a usar a tortura e a morte como
íntima, e assim podiam se preparar; havia tempo para lamentações, queixas da vida, perdão dos
instrumentos oficiais de política administrativa. A morte passou a ser considerada o castigo de Deus
companheiros, orações, absolvição.
para os homens, “um terror físico e teológico”. A morte não podia ser controlada pelo sistema
tecnológico nem pelo pensamento racional, era utilizada como materialpara manipulação criativa pela
Mortes repentinas eram desonrosas. O homem, ainda integrado à natureza, aceitava a morte como arte e literatura.
uma das grandes leis da espécie, sobre a qual não podiaintervir. Os ritos contemplavam uma cerimônia
pública, organizada pelo próprio moribundo, com a participação das crianças. A morte ocorria no leito,

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Os hospitais, que outrora funcionavam como asilo, converteram-se em centros de cura, onde se
luta contra a morte. O indivíduo morre só, e a própria equipe define o momento de seu falecimento.

A morte foi dividida em cerebral, biológica e celular. São vários osaparelhos destinados a medir
e prolongar a vida. A morte não é mais considerada um fenômeno natural, e sim fracasso, impotência
ou imperícia, porisso deve ser ocultada. O triunfo da medicalização está, justamente, em mantera
doença e a morte na ignorância e no silêncio. Neste mundo em que impera a produção mercantilista, o
adoecer torna-se vergonhoso, pois o indivíduo deixa de produzir e, com isso, é excluído e ocultado.

A boa morte atual é a que era temida na Antiguidade, a morte repentina, não percebida. Os ritos
procuram ser imperceptíveis, o mais discreto possível, evitando o pretexto para as emoções. Procura-se
não exteriorizar os sentimentospara não assustar as crianças, evita-se chorar em público. Não há mais
manifestações aparentes de luto, este é solitário e envergonhado, é um luto privatizado. Já não há mais
o hábito de visitar o túmulo, cresce o número de cremações. A neutralização dos ritos funerários e
ocultação da morte fazem parte dessa incapacidade social de se lidar com ela.
A partir do século XVIII, a morte passa a ser exaltada, o homem preocupa-se menos com a sua
própria morte, e a morte romântica é a morte do outro, sualamentação e saudade. A morte comove, é
O homem na contemporaneidade, caracterizada pela valorização do conhecimento científico
admirada pela sua beleza, considerada um sublime repouso, eternidade e possibilidade de reencontro
imerso no contexto capitalista e materialista, busca respostas invisíveis para a morte e simultaneamente
comos entes queridos já falecidos.
anseia por tecnologias fúteis para retardar o fenômeno natural do morrer.

No séc. XIX passa a ocorrer um exagero do luto, evidenciando que a morte do outro é mais
A morte por ser integrante do ciclo de vida humano é uma certeza absolutae a aceitação dela por
temida que a de si mesmo. Os cemitérios saem da igreja,devido à falta de espaço e preocupação com a
parte do paciente, da família e equipe de saúde facilita oscuidados paliativos, e esses, não aceleram e
higiene e saúde, e vão para forada cidade. As pessoas passam a visitar os cemitérios, evocam o morto e
nem adiam a morte. E é através daescuta, da comunicação, da atenção e tecnologias medicamentosas
cultivamsua recordação, conferindo a ele uma espécie de imortalidade. Este século também marca o
que se busca auxiliar no alcance do conforto. A filosofia paliativista parte da ideia que se não é possível
surgimento do espiritismo, ligado a uma expectativa de vida futura.
curar, é possível cuidar. Consiste em uma tecnologia leve e de grande impacto interpessoal no resgate
da humanização nas ações em saúde.
Diante desse sentimento de intolerância da morte do outro, passou-se aesconder do doente a
gravidade de seu estado, com o intuito de poupá-lo.
A morte representa a interrupção definitiva da vida e o morrer o intervalo em que a patologia se
torna irreversível e a letalidade o resultado da mesma.
Procurou-se evitar o incômodo e a emoção forte não somente do doente, mas de toda sociedade,
pois a vida deve parecer ser sempre feliz. Entre 1930 e 1950a morte deixa de acontecer em casa e é
transferida para os hospitais, que proporcionam os cuidados mais adequados.

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Ao questionar a morte e o morrer, inevitavelmente fala-se de vida, pois são assuntos
complementares e não contrários. Trazendo à tona este tabu, espera-se uma mudança nos parâmetros
de comportamento individuais e da sociedade. Assim, pode ser que, ao lidar melhor com a morte, o
homem resgatea alegria de viver, em uma sociedade marcada pelos altos índices de depressão.Sendo a
morte um tema polêmico, configura-se como um campo de estudos fértil para a psicologia como
reflexão, ciência e prática.

O fato de estar diante da morte têm implicações para os profissionais da saúde, como: confronto
com a morte do outro, o cuidado direto com o paciente terminal o contato com a própria finitude e as
perdas e lutos vividos individualmente e/ou coletivamente pelos membros da equipe de saúde. O que
faz daquelas gerar reflexões e sentidos para o profissional que está em um constante aprendizado, a
respeito dos sofrimentos diante das perdas, do autoconhecimento, da sensibilidade e da compaixão
Destarte, uma vez que o significado das coisas tem um papel organizadornos seres humanos, é
frente ao outro e do aprimoramento de estratégias para o enfrentamento da transição da vida para a
crucial a investigação sobre o tema da morte para o psicólogo hospitalar, já que está circunscrita em
morte. Estudo mostra que é no óbito do outro que é possível refletir e buscar definições que tentam
sua atuação profissional cotidiana, influenciando a qualidade de vida do trabalhador, e a maneira como
significar o fenômeno do morrer. Um dos possíveis significados abrange a religiosidade, com suas
ele interage na sua atividade laboral.
diversificadas crenças, sentidos, identidades edisposições éticas que podem constituir sistemas de
referências estruturantes nos seres humanos.

Não se podem desvalorizar os vários recursos disponíveis na tentativa de manutenção e


recuperação da vida, mas também se faz necessário discutir e abrir espaço para novas reflexões sobre
o assunto da morte.

O óbito pode ser entendido pela vivência dos profissionais da saúde através da expressão de
sentimentos diante da terminalidade do outro, essas emoções despertadas incluem a sensação de
fracasso, perda, impotência,tristeza e medo. A equipe de saúde é composta por pessoas que expressam
suas limitações e emoções na rotina de trabalho. Pois, se trata de uma situaçãoem que o ser humano
luta constantemente com suas defesas na tentativa de distanciar-se do inevitável contato com a morte.

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2 MORTE NO CICLO DE VIDA DA FAMÍLIA Corroborando as considerações de Gudmundsdottir e Chesla (2006), verificou-se que, entre os
estudos que abordam as experiências de morte e luto no interior das famílias, há predominância
daqueles que enfatizam o impacto damorte de um dos membros da família nuclear, em detrimento dos
que buscam compreender como a família se organiza diante das perdas. A fim de exemplificaralguns dos
estudos encontrados, a seguir serão descritos alguns deles e suas implicações.

Ao se levar em consideração os fortes vínculos existentes entre as pessoas de um círculo familiar


é possível verificar que a perda de um dos seus integrantes é uma das mais árduas adaptações
experienciadas por uma família. Tanto, que dependendo de quem morre, é possível até mesmo a
ocorrência de uma ruptura no grupo familiar, podendo chegar ao extremo de um ou mais de seus
membros não conseguirem completarsuas tarefas ao longo do ciclo vital.

Conforme apontam Bromberg (1994) e Brown (2001), a fim de se obter uma melhor
compreensão acerca dos efeitos do luto dentro do círculo familiar épreciso considerar uma série de
aspectos que incluem:
A família, ao longo de sua evolução através do ciclo vital, experiencia momentos distintos em
sua formação e desenvolvimento, que passam por transições, crises e adaptações, situações que junto
a) a relação existente com a pessoa que morreu e o quanto ela erasignificativa dentro
das características individuais de cada um de seus membros definirão os modos como essa famíliase
da família;
organizará e significará a si própria.
b) a idade e o gênero;
c) a natureza da morte (acidente, doença, repentina);
Alguns estudos nacionais e internacionais mostram que a família desempenha um papel chave
d) as vulnerabilidades pessoais;
na significação da morte e, fundamentalmente, na elaboração do luto. Isso porque, muitas das
e) o contexto social e étnico da morte; e
concepções e modos de enfrentamentos presentes na vida dos indivíduos são desenvolvidas ao longo da
f) a história de perdas anteriores.
convivência familiar, na medida em que compartilham experiências, sentimentos,afetos, significados,
ou seja, na medida em que coexistem.
Nessa mesma direção, a previsibilidade ea imprevisibilidade, bem como as oportunidades de
Embora uma perda afetetodos os indivíduos da família de modo distinto, em suas interações preparação para a perda também podem afetar a intensidade e magnitude da reação ao luto, uma vez que
diárias elescompartilham a experiência do luto e, assim, afetam uns aos outros não só em suas práticas, a morte tranquila e silenciosa de um idoso acarreta em um sofrimento distinto daquele decorrente de
mas também em seus discursos e relações. Esses autoresdesenvolveram um estudo com sete famílias, uma morte trágica e repentina de um jovem.
totalizando 15 genitores queperderam seus filhos. Como resultado, obtiveram que, diante do luto, cada
família desenvolveu sua própria prática de significação e elaboração da perda, uma vez que o apoio
cultural e da sociedade foram relatados como insuficientes para auxiliá-los diante desse sofrimento.
Não obstante, apontam que, a despeito da família ser apresentada como um meio importante para a
superação da perda,poucos são os pesquisadores que enfatizam o papel do funcionamento familiar
nestas experiências.

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anos sozinho ou iniciar um novo relacionamento. Quando há forte dependência emocional, a morte de
um dos cônjuges pode levar o que continua vivo a um desespero tão intenso a ponto de cometer
suicídio, ou desenvolver doenças graves devido ao sentimento de perda emocional do próprio eu.

O peso de uma perda não aceita ou não resolvida pode se tornar um fardopara a geração seguinte,
levando à repetição de padrões familiares, com efeitoslimitadores ou incapacitantes para a família. Para
a autora, quando a morte é conflituosa, quando há um acúmulo de perdas ou quando a morte é cercada
desigilo, a recuperação da família e de seus membros é prejudicada, pois, “a mortesempre deixa um
legado, quer ele seja de fortalecimento ou de trauma, que fechaum sistema e distorce os relacionamentos
dos sobreviventes”.

O equilíbrio da família e de cada um de seus membros ao vivenciarem uma perda e um processo


de luto associa-se à capacidade da família em manter relacionamentos significativos, em não
A morte de crianças e adolescentes são as que provocam maior rupturae crises na família, uma transformar a dor e a culpa em tabu ou segredo, e em manter a flexibilidade, necessária à adaptação e à
vez que a morte de um filho é considerada uma grandetragédia, por parecer se tratar de algo não natural ressignificaçãoda vida após a etapa do luto.
e fora de lugar no curso de vida, o que gera sentimentos de frustração, impotência, dor, tristeza,
sofrimentoe intensa angústia. O segredo e o tabu que ainda cercam a morte costumamresultar em alto custo emocional que, ao
invés de proteger os membros da família, apenas evidenciam o terror de não se conseguir lidar com as
A maioria dos pais vê o filho como sua própria extensão e, muitas vezes,projeta nele os seus consequências da perda.
sonhos e esperanças, de modo a perder parte de si mesmoquando ele morre. Sentem-se fracassados por
julgarem que seu amor não foi suficiente para evitar a morte do filho e é comum o sentimento de culpa
por ainda estarem vivos, contrariando a expectativa natural de morrerem antes.

Além de ser impactante para os genitores, a morte de uma criança/adolescente também influencia
a vida dos irmãos que vivenciam tal perda. Em algumas ocasiões, os pais se fecham em sua própria
dor, esquecendo-se que o filho que ficou também necessita de suporte emocional neste momento.

Já o impacto da morte de um adulto irá depender da fase do desenvolvimento na qual a família


se encontra. Quando os filhos são independentes ou têm suas próprias famílias, o cônjuge sobrevivente
é quem terá maiores dificuldades em lidar com a situação.

Nesta etapa do desenvolvimento, a maioria dos casais está experienciando menos


responsabilidades e disponibilizam um tempo maior para aproveitarem um ao outro. Assim, quando
um dos cônjuges morre, aquele que fica precisa reorganizar sua vida, de modo a passar seus últimos

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3 A MORTE E A PSICOLOGIA HOSPITALAR isolamento, abandono e uma vida de perdas. Assim,no adoecimento são potencializadas angústias,
medos, inseguranças, raivas,revoltas, não só para doentes e familiares, mas também para o próprio
profissional da saúde, sempre preparado para a cura, mas em constante tensão diante da morte.

Nesse sentido, o psicólogo hospitalar tem como foco de sua atuação a subjetividade da tríade
paciente - família - equipe de saúde, servindo como mediador das relações, considerando o homem
como um ser integral e sistêmico, que abrange os aspectos biopsico-afetivo-cultural e espiritual.

O homem não é só um corpo, e diante da urgência orgânica que leva à hospitalização, surge
também uma urgência psíquica, e é nesse contexto que opsicólogo hospitalar realizará o seu trabalho,
perpassado por uma questão central: a morte e as várias formas que o sujeito encontra para lidar com
essa possibilidade.

A considerável evolução da medicina nas últimas décadas, com a sofisticação das técnicas de
diagnóstico e tratamento, possibilitou uma melhoriada qualidade de vida do doente e contribuiu para No hospital, não apenas seu corpo, mas tudo o que significa o controle daprópria existência passa

modificar a relação do homem com seu corpo e sua vida. O trabalho do profissional de saúde é a ser controlado pela equipe de saúde, e a família, cuidador original, atua como mero expectador.

socialmente valorizado na cultura ocidental pela ajuda e assistência dada a quem está sofrendo. Diante de tantos estressores, podem surgir mecanismos de defesa como a regressão e o calar-se, sendo
queeste é bem visto pela equipe, já que o bom paciente é aquele que aceita as orientações médicas sem

O hospital existe para a cura, entretanto, ali a morte se faz presente a todoinstante. Esta constatação, questionar.

por sua vez, muitas vezes é fonte de angústia. Aliadaa essa rotina de grande exigência emocional em
função da proximidade com a dor e a morte, a precária situação do sistema de saúde brasileiro O psicólogo hospitalar não participa diretamente no tratamento clínico, deforma que seu papel

intensifica o sofrimento do profissional de saúde, visto que este se depara cotidianamente com com o paciente é diferente em relação ao dos demais profissionais. Sua atuação é voltada à atenção

insuficiência de recursos humanos, baixos salários, precariedade de infra- estrutura, falta de a pessoa integral, procura dar voz ao sujeito hospitalizado, possibilitando a compreensão e o tratamento

medicamentos, entre outras situações. dos aspectos psicológicos, permitindo a abertura de um canal de contato com a equipe.

A morte no ambiente hospitalar é identificada como fracasso da instituiçãoe do profissional. É


negada de diversas formas: pela linguagem, através da substituição do termo morte por outras palavras
(como óbito ou parada cardíaca); pela postura de onipotência, indiferença e afastamento dos
profissionais, que procuram agir isentos de envolvimento emocional como mecanismo de defesa; no
ensino da área de saúde, a ênfase é colocada na técnica, em detrimento do aspecto emocional do
paciente. A “explicação da ciência sobre a morte (ou sobre o não-ser) está situada na perspectiva
biologicista do modelo biomédico, ou seja, ´amorte consiste, simplesmente, na paralisação total da
máquina-corpo”. A medicina contemporânea negligencia os aspectos psicossociais do processo
saúde-doença. A vida biológica foi aumentada, mas muitas vezesocorre a morte social, com

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A prática colaborativa entre membros de uma equipe interdisciplinar é essencial, considerando-
Diante de um paciente terminal, fora de possibilidades terapêuticas,percebe-se que a equipe de se a oportunidade de compartilhar as questões que permeiam o ambiente hospitalar, desencadeadoras
saúde, em sua maioria, tenta aplacar sua angústia empregando um modo impessoal no tratamento: de desgastes e que dizem respeito a valores humanos, respeito e dignidade aos pacientes. Ainda, que a
utiliza termos técnicos que inviabilizam o entendimento real da situação do paciente, de modo que ele natureza do trabalho, ao lidar com dor, sofrimento e morte, influencia a produçãode sintomas psíquicos.
fica perdido na linguagem científica; ou emprega expressões amenas (como melhorasensível, resultados A compreensão da satisfação ou adoecimento pelo trabalho pode estar no conhecimento do
são lentos, exames estão se normalizando, etc.). psicodinamismo da pulsão de morte, que pode ter três distintos destinos:

Essas posturas de negação, falso otimismo, superproteção e intelectualização podem ser  a confusão apaixonada, que “se traduz pela componente apaixonada do projeto, do qual a
encaradas como processos contra transferenciais diante do indivíduo que está morrendo. O que impera pulsão de vida (sexual) é o mestre deobras”;
são as decisões da equipe,o querer do paciente já não é mais próprio. É como se não fosse dada a esse  a realização pulsional pela percepção, no qual o indivíduo se colocaem contato com o horror
“sujeito passivo”, a oportunidade de elaborar suas autênticas possibilidades, apoderando-se de seus e o sofrimento, e a profissão funciona como um álibi de um gozo secreto através da percepção de certas
recursos de enfrentamento para revelar-se como um ser-para-a-morte. situaçõessádicas;

 sublimação, pela criação da forma como as situações serão percebidas, no qual o sujeito
Os membros da equipe muitas vezes não se permitem olhar para sua condição de seres humanos, utiliza-se da reparação de suas representações mentais, deslocando-as para objetos e finalidades
sua vulnerabilidade, suas limitações, e aceitar suaprópria mortalidade. valorizados social e narcisisticamente.

A síndrome do esgotamento profissional, ou burnout, é um exemplo a que está sujeito o No hospital, o psicólogo se depara com situações inesperadas, acontecimentos que podem
profissional da saúde que lida com o sofrimento alheio, sem que esteja, muitas vezes, preparado para destituir o sujeito de seu ancoramento significante, emergindo a angústia e o desamparo.
enfrentar tal situação. A participação do psicólogo na equipe e nas discussões clínicas permite que ele
forneça dados a respeito da dinâmica do paciente e de sua família e, assim, colabore na completude do O adoecimento pode ser visto como um momento de crise, no qual são vivenciadas inúmeras
diagnóstico e na decisão de condutas. situações de perda – de sua rotina e hábitos; da condição de saúde para a doença; da autonomia e

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independência; afastamento da famíliae do trabalho; da condição de “inteiro” para uma cirurgia, que utilizando-se de sua escuta diferenciada,o discurso do silêncio, o estar junto.
pode deixar marcas, cicatrizes, mutilações, ou ainda causar a morte da pessoa. Assim, o serhumano,
que já nasce incompleto, ao adoecer revela sua falta a ser de forma escancarada, revelando sua Considerando-se que a inserção do psicólogo no ambiente hospitalar deu-se em 1954 e, portanto,
fragilidade, para si e para os outros. Frente a essasrupturas, a morte ocupa o lugar do interdito, sendo é recente, vale destacar que sua formação ainda é falhaem relação aos subsídios teóricos que possam
encarada como vergonhosa,o que dificulta sua elaboração. embasá-lo em sua práticainstitucional, visto que a atuação no modelo clínico ainda é hegemônica.
Nessa perspectiva, o psicólogo percebe que no contexto hospitalar os ensinamentos eleituras teóricas
Para a psicanálise, essa ruptura causada pela hospitalização e os sentimentos decorrentes dessas de sua prática acadêmica não serão suficientes para embasar sua atuação, e aprende que terá de
perdas pode ser associada à castração. Este corte abrupto na cadeia de significantes do sujeito remonta aprender aprendendo, com os pacientes, sua dor, angústias e realidade, e o paciente de modo peculiar
à sua certeza vacilante, à falta de garantia. Por outro lado, a “tão temida” morte pode ser vistacomo ensina aopsicólogo sobre a doença e sobre como lidar como a própria dor diante do sofrimento.
uma possibilidade para o alívio do sofrimento vivenciado pelo indivíduo hospitalizado, já que é a única
capaz de suprimir todas as exigências do homem,ser desejante. Ora, se a vida passa a oferecer mais
desgosto que gratificações,e o futuro parece desolador, a morte surge como um alívio.

O psicólogo passa cotidianamente por essa experiência de ocupar o lugar de morto em sua
atividade profissional, visto que precisa se despir de seus ideais, valores, vaidades e sentimentos para
exercer sua função. Essa postura adotada no espaço dialético do atendimento psicoterápico favorece
que o psicólogo possa, a todo instante, rever posições e mudar crenças, desconstruir verdades,
auxiliando a evolução da cultura, impulsionando o movimento da vida.

Diante da complexidade do luto, o profissional da saúde que lida com esteprocesso também é
afetado, uma vez que é difícil ajudar ou se sentir ajudando a pessoa enlutada, o que pode ocasionar
frustração e/ou raiva. Por outro lado, o profissional pode se sentir desconfortável ao testemunhar a dor
da pessoa, abreviando o contato. Falando sobre a morte, isto se torna mais evidente, visto que é um tema complexo, pouco
discutido, no qual a teoria fala pouco da realidade vivida. Sirlei (2008) em sua pesquisa sobre a
O psicólogo, como integrante da equipe de saúde, cuida do sofrimento alheio e, muitas vezes, representação da morte para o profissional da psicologia hospitalar elenca como aptidões necessárias
não têm espaço para cuidar da sua dor, acarretando o seu próprio adoecimento. para o psicólogo ante aiminência de morte: autoconhecimento e consciência de suas limitações; que o
profissional tenha para si bem elaborado a morte e o controle de suas emoções;conhecimento teórico;
Além de desafiar a necessidade de ajudar, trabalhar com a pessoa enlutada pode atingir o supervisão de outro profissional de psicologia; atitudes como doação, compaixão, acolhimento,
profissional de outras maneiras:tornando-o consciente de suas próprias perdas, muitas vezes de forma empatia, aceitação. Diante do panoramageral que essa breve sistematização de literatura pôde permitir,
dolorosa; gerando apreensão em relação às perdas temidas; ocasionando ansiedade existencial e a constata-se queo contato próximo com a morte exerce um grande impacto no trabalho dos profissionais
consciência da própria morte; ferindo seu narcisismo e onipotência. Assim, é importante que o da saúde, podendo ou não trazer prejuízos para suas vidas profissionais e pessoais.
profissional da saúde procure resolver seus conflitos, conscientizando-se de suas limitações quanto aos
tipos de pacientes e tipos de situações de luto que pode trabalhar. Muitas vezes diante da morte de um O presente estudo não se propõe a dar conta da complexidade dofenômeno da morte; pretende
paciente, cabe ao psicólogo hospitalar colocar-se a disposição da equipe de saúde e/ou dos familiares, suscitar reflexões sobre como ela afeta as relações no dia a dia do psicólogo hospitalar, levando-se em

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consideração as dimensões éticas, e a teoria versus prática. Esse sentimento de culpa parece relacionar-se ao fato de a doença ser percebida como punição
em diversas culturas. Como estratégia de enfrentamento da doença, a religião também gera alívio ao
sofrimento, oferece o conforto que toma o espaço da fatalidade. Isso se relaciona ao fato de que a
3.1 INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO HOSPITALAR EM PROCESSOS DE
explicação oferecida sobre a doença pelos sistemas religiosos se aproxima mais do contexto
TERMINALIDADE E MORTE
sociocultural dos pacientes do que aquelas explicações, muitas vezes de uma forma reducionista,
oferecidas pela medicina. Em virtude disso, é importante que os profissionais da saúde – destacando-
No ambiente hospitalar, em situações de terminalidade e morte, o processo psicoterápico deve se dentre eles os psicólogos – levem em conta a religiosidade do sujeito enfermo ao planejar e executar
enfatizar a expressão dos sentimentos, a melhora da qualidade de vida e a facilitação da comunicação. suas intervenções, contribuindo para a manutenção de uma relação de respeito e confiança com essa
Beneficiam- se, dessas intervenções, tanto a pessoa em processo de terminalidade quanto seus clientela.
familiares, o que diminui a probabilidade de ocorrência de sintomas psicopatológicos futuros, como
depressão e ansiedade, decorrentes da perda ouluto não elaborados. O psicólogo pode estender sua intervenção à equipe profissional da instituição, ao invés de
restringi-la apenas ao doente e aos seus familiares. Frequentemente membros da equipe mobilizam-se
O ritual de despedida entre familiares e pacientes contribui tanto para a prevenção do surgimento em situações de terminalidade e morte de pessoas hospitalizadas. Em uma unidade cirúrgica, por
desses sintomas psicológicos quanto para a reaproximação da família e para a definição de questões exemplo, a equipe de saúde busca salvar vidas de forma heroica, assim, o paciente inoperável e a
do relacionamento familiar que estejam pendentes. A partir dele, é possível abrir espaços para o cirurgia não curativa representam, para eles, um fracasso.
compartilhamentode sentimentos entre os membros da família, incluindo as crianças nesse processo.

A morte de pessoas gravemente enfermas, no contexto hospitalar, pode ser considerada


previsível, de forma que o próprio paciente “prepara-se” psicologicamente para esse evento, assim
como seus familiares.As doenças progressivas, como o câncer em situação avançada ou não, trazema
expectativa de morte dentro de um período de tempo, permitindo que alguns planejamentos familiares
sejam revistos, favorecendo a intervenção psicológica.

As neoplasias indicam um modelo de doença integral, por refletirem a pessoa enferma em suas
relações pessoais, sociais e familiares. Portanto, nessa perspectiva deve-se pensar na pessoa com câncer
como a expressão de um sujeito dentro de um contexto de vida com sua construção histórica e sua rede
de relações e significados.

O câncer, que corresponde à segunda causa de mortes no Brasil, perdendo apenas para as doenças
cardiovasculares é, na verdade, “o nome genérico de um conjunto de mais 200 doenças distintas, com
multiplicidade de causas, formas de tratamento, e prognósticos”. Embora se saiba que as neoplasias
são multideterminadas, em alguns grupos sociais há uma associação do câncer como enfermidade A perda do ente querido é dolorosa para quem a experimenta e para quemobserva, pelo sentimento
punitiva, com conotação moral e religiosa. de impotência gerado. Além disso, o trabalho do psicólogo junto aos outros profissionais deve ocorrer
no sentido de uma participação ativa na definição de procedimentos e tratamentos a serem realizados.

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Para que a prática profissional do psicólogo em ambientes complexos – como é o caso do hospital, Nos primeiros casos de falecimento que acompanha, é comum que o profissional fique
onde atuam profissionais de diferentes formações e especialidades – seja bem-sucedida, é paralisado, com “vontade de chorar e sair correndo” (sic), querendo dar conta daquele fenômeno, ter
imprescindível que o relacionamento entre os membros da equipe seja caracterizado por um diálogo uma atuação que aplaque a morte, oque é impossível. “A gente tem que ser humilde diante da morte, o
cooperativo e aberto, no qual haja objetividade e clareza na proposição e justificativas de máximo queeu posso fazer é dar um apoio, eu não tenho como tirar aquela dor, eu tenho como tentar
procedimentos técnicos relativos a cada especialidade. evitar o trauma, se eu deixo essa pessoa se expressar, se eu tento desculpabilizá-la, se eu mostro
sensibilidade, se eu não deixo ela desamparada,se eu não abandono ela nessa hora...” (sic).
Contudo, parece haver algumas limitações que acarretam lacunas no estabelecimento de relações
profissionais com essas características. De acordo com os resultados do trabalho desenvolvido por Isso nos remete sobre a dificuldade do profissional de saúde em acompanhar o luto de outras
Gonçalves (2007), embora os profissionais reconheçam a necessidade de atuação de diferentes áreas pessoas. Em relação a esse não abandonar, percebemos na atuação hospitalar que muitas vezes o
no trabalho em equipes de saúde, eles demonstram apresentar dificuldades na ação interdisciplinar na paciente fica desamparado, ou por seus familiares ou até mesmopela própria equipe, nos casos em que
prática cotidiana. se encontra fora de possibilidades terapêuticas. A revisão bibliográfica mostrou que a morte é vista
pela instituiçãocomo um fracasso e que a cultura biomédica, ainda dominante, foca-se em prolongar a
vida biológica em detrimento dos aspectos biopsicossociais, o que pode levar à morte social. Sabe-se
3.2 O VALOR DA EXPERIÊNCIA NO ENFRENTAMENTO DA MORTE
que o processo de luto nãocomeça com a morte e sim com as relações existentes antes dela, que serão
determinantes na qualidade do processo de luto.

No começo da atuação profissional do psicólogo hospitalar, é tudo muito novo - o setting, o ir


ao encontro do cliente, a maneira de abordar, a atuação multidisciplinar, os termos médicos, as diversas Em relação à família, por ora observamos um abandono físico, em que opaciente fica só, ou um
patologias – o que gera uma insegurança (mais que natural) no trabalhador. Além disso, a psicologia
desamparo, visto que a cultura dissemina a ideia de quese deve estar sempre feliz, não havendo espaço
hospitalar talvez seja a única área da psicologia que tem uma proximidade tão grande com a morte,
para discorrer sobre a possibilidade próxima da morte. Essa negação também é vista nos casos em que
pois dificilmente na clínica o profissional perde de fato um paciente e, caso isso aconteça,
os familiares pedem aos profissionais que escondam do doente o seu quadro médico, atitude esta nada
provavelmente ele não morrerá na frente do psicólogo, o que acontece concretamente no ambiente
ética. Vê-se aí uma das consequências do mundo capitalista em que o doente, deixando de produzir,
hospitalar. Dessa forma,o psicólogo hospitalar precisa saber lidar com a morte.
perde o “direito” do controle sobre si e a realidade.

21 22
Com a experiência profissional, o psicólogo vai percebendo que seu papelnão é fazer com que os Em pesquisa realizada por Kovács, em 1985, com estudantes de cursos daárea de saúde (medicina,
familiares parem de chorar, saiam bem dali, tampouco dizer coisas para promover conforto, o que é a psicologia e enfermagem), os alunos de psicologia foram os que obtiveram escores mais altos de medo
visão do senso comum. Pelo contrário, é justamente o de propiciar um espaço acolhedor para que as da morte.
pessoas expressem seus sentimentos e comecem a elaborar seu luto. Não há dúvidas de que o
conhecimento advindo do senso comum tem muito valor, visto que confere significações e sentidos às A hipótese levantada é a de que os alunos respondem conforme o que lhes é esperado: médicos
mais diversas coisas, pré-interpretando aspectos darealidade tacitamente. Contudo, o saber psicológico não temem a morte e atuam como heróis para desafiá- la; psicólogos estão em contato com os
diferencia-se desse “conhecimento pronto e acabado”, até mesmo porque cada sujeito é único e sentimentos, tendo autorização para manifestá-los. Surge a dúvida: se no começo da atuação, falo
particular, e assim também o é a maneira de abordá-lo. também em experiência própria, é difícil acompanhar a dor do outro, o choro insiste em aparecer, a
vontade é de não ter que passar por essa experiência de compartilhar a morte do paciente, esse
A maturidade profissional confere ao profissional maior segurança, menosmedo; permite que ele amadurecimento profissional e melhor controle da contenção emocional não poderia também ser um
se conheça mais; trace seus limites; crie recursos de enfrentamento; maneiras de abordar a situação; o efeito da naturalização? Essa intelectualização não poderia ser considerada um mecanismo de defesa
conhecimento acerca do quefazer em determinadas ocasiões; a sensibilidade sobre quando é o momento para lidar melhor com a morte, um isolamento emocional,uma dessensibilização? Ou o “sentir menos”
deficar quieto, calado, apenas presente, à disposição; escutando tranquilamente, oque geralmente não é estaria relacionado ao fato de que a intensidade da dor está relacionada à proximidade e qualidade da
suportado pelos demais; quando deve fazer alguma consideração pertinente, entre outras situações. ligação quea pessoa tem com o falecido?
Com o decorrer do tempo, vai percebendo que lidar com a morte não é “nenhum bicho de sete cabeças”.
Para tal, teoria e prática são fundamentais e se complementam.

3.3 O CUIDADO DA DOR E SOFRIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL


A preparação do psicólogo na graduação muitas vezes é deficiente nessesentido, temas como a
percepção sistêmica da realidade institucional e do sujeitointernado e a morte (talvez um próprio reflexo
de sua negação) são negligenciados em função da ênfase dada à formação clínica.

O profissional acaba indo fazer cursos ou especializações na área hospitalar após a graduação,
muito ricas pelos ensinamentos que subsidiam a prática, além da troca de experiências e modelos de
atuação. Quando as técnicas têm supremacia, o lado humano fica obscurecido. A técnica precisa estar
baseada na relação entre pessoa e pessoa – o inter-humano”. Esta ênfase tecnocrática provoca um
distanciamento maior entre as pessoas, ainda evidente na atuação médica, masque não pode ocorrer na
prática psicológica, visto que esta é dialógica e se dá no contato com o outro.

Os médicos se escoram nos exames, nos instrumentos, na tecnologia e na farmacologia; o


psicólogo se escora na sua “tecnologia”, suas interpretações psicológicas sobre o viver do outro. Para
tal, deve desenvolver o seu poder de escuta, perceber as necessidades do outro, tornar-se disponível
para esse contato íntimo, estando atento para verificar se o“psi” não entra como defesa contra um Dor e sofrimento são companheiros da humanidade desde tempos imemoriais. Seu controle e
contato profundo com o paciente, que no momento de hospitalização encontra-se, muitas vezes, alívio constituem-se hoje em competências eresponsabilidades éticas fundamentais dos profissionais
fragilizado e necessitando de ajuda. da saúde. Essa ação éum indicador essencial de qualidade do cuidado da dor e sofrimento, bem como

23 24
da assistência integral ao paciente, no âmbito da saúde. físico, que pode ser mais facilmente identificado, controlado e dominado por meios técnicos.

A dor é um sintoma e uma das causas mais frequentes da procura pelos serviços de saúde. Em  Dimensão física: no nível físico, a dor funciona como claro marcador, alertando que
muitas instituições de saúde que hoje estão na vanguarda do cuidado integral do ser humano algo não está funcionando normalmente no corpo.
vulnerabilizado por alguma doença grave, vendo-se obrigado a enfrentar dores excruciantes, essa  Dimensão psíquica: emerge à consciência quando é precisoenfrentar a inevitabilidade
experiência de dor é reconhecida como o quinto sinal vital integrado à prática clínica. Se a dor fosse da morte; quando os sonhos e esperanças se esvaem e surge a necessidade urgente de redefiniro mundo
tratada com o mesmo zelo que os outros sinais vitais (temperatura, pressão arterial, respiração e que está para deixar.
frequência cardíaca), sem dúvida haveria muito menos sofrimento.  Dimensão social: é a dor do isolamento, que surge quando a pessoa que está para morrer
percebe que deixará de viver, mas omundo tal como conhece continuará existindo. É o sofrimento de
O objetivo da avaliação da dor é identificar a sua causa, bem como compreender a experiência sentir-se inexoravelmente tocado por um destino que não gostariade experimentar, e da solidão por
sensorial, afetiva, comportamental e cognitiva que ela representa para a pessoa, tendo em vista a saber que é impossível compartilhar plenamente essa realidade que obriga a redefinir os
promoção de seu alívio e cuidado. relacionamentos e as necessidades de comunicação.
 Dimensão espiritual: surge da perda do sentido, objetivo de vida e esperança. Todos
Hoje se reconhece que a dor é uma doença. De acordo com a definição da OMS, a saúde é um necessitam de um horizonte de sentido – umarazão para viver e uma razão para morrer. O conceito de
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou de mal- espiritualidade é encontrado em todas as culturas e sociedades. Ela se expressa na busca individual por
estar. É evidente que as condições dolorosas constituem um estado de mal-estar; portanto, o ser humano um sentido último, mediante a participação na religião ou na crença em Deus, família,naturalismo,
que sofre de dor não está sadio, e pode-se afirmar – legitimamente – que se estáviolando seu direito racionalismo, humanismo e artes. Todos esses fatorespodem influenciar o modo como os pacientes e
inalienável à saúde. profissionais da saúde percebem a saúde e a doença e como eles interagem uns com os outros.

O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece como um dos direitos dos
seres humanos um nível de vida adequado para a saúde e o bem-estar. Infelizmente, saúde e bem-estar
nem sempre são uma escolha possível, já que, em inúmeras situações, muitas pessoas, por causa da
velhice ou das doenças, sentem dor e sofrem muito no final da vida. A diferençaentre dor e sofrimento
tem grande significado, principalmente quando se lida compacientes terminais.

O enfrentamento da dor exige o uso de medicamentos analgésicos, enquanto o sofrimento pede


acolhida para fortalecer o espírito e as noções de significado e sentido da vida, pois a dor sem
explicação geralmente se transforma em sofrimento. E o sofrimento é uma experiência humana
profundamente complexa, na qual intervêm a identidade e subjetividade da pessoa, bem como seus
valores socioculturais e religiosos.

Um dos principais perigos em negligenciar a distinção entre dor e sofrimento é a tendência dos
tratamentos de se concentrarem somente nos sintomas e dores físicas, como se esses fossem a única
fonte de angústia e padecimento para o paciente. Tende-se a reduzir o sofrimento a simples fenômeno
25 26
3.4 DOR X ALÍVIO EM DECORRÊNCIA DA MORTE intensa. E nesses casos, é comum a presença de sentimentos ambivalentes naquele que cuida, surgindo
o desejo de que o doente morra para aliviar o sofrimento de ambos, despertando culpa por estes
sentimentos. “Ver a dor e sentir-se impotente para promover seualívio e o bem-estar da pessoa amada
é causa de muito sofrimento”. Portanto, quando a morte ocorre concretamente pode haver, além da
dor, alívioe culpa, pois a pessoa pode achar que não tratou o outro da melhor forma possível e com
isso não evitou a sua morte. Pode surgir também uma sensaçãode vazio, em casos de muitos anos de
dedicação com o paciente, pois nenhumaoutra atividade tinha espaço. O vazio, a ambivalência e a culpa
podem dificultaro processo de elaboração de luto.

Lidar com a perda é muito doloroso. Como visto anteriormente na históriasobre a morte, na Idade
Média a boa morte era aquela que permitia o preparo, mortes repentinas eram desonrosas. Hoje, ao
contrário do que acontecia na Antiguidade, a boa morte é esta repentina, não percebida, e os
sentimentos sãopouco elaborados em qualquer das situações.

A dor, a doença e a morte foram interditas num pacto de costumes, aprisionadas e privatizadas
no espaço hospitalar sob novos códigos e formas de relação, no qual as pessoas não sabem o que dizer
ou fazer.

Quando se fala em morte, logo se pensa em dor, e também se consideramas variáveis envolvidas,
como a idade do falecido ou se foi algo repentino, por exemplo. Todos sabemos que inevitavelmente morreremos, mas não pensamos nisso nem lidamos com
isso até que aconteça conosco ou com alguém muito próximo. Daí a importância dos ritos funerais,

Geralmente, quando o sofrimento do doente é muito intenso e o período de hospitalização é como o enterro, por exemplo, quepermitem que você veja a pessoa que faleceu e lhe ensinam que

longo, a “tão temida” morte é uma libertação, um alívio. É recebida com dor porque é uma perda, mas acabou, que aquele é o fim. “Muitas vezes as pessoas têm essa impressão da morte, de ser surreal, isso

redimensionada diante do sofrimentoprolongado (do doente e dos familiares), que acaba funcionando não está acontecendo; e se é rápido demais acho que aumenta mais ainda isso”. E os ritos atualmente

como um processo preparatório. E aí surge o questionamento sobre a intensidade da dor,do que seria são assim, rápidos demais, discretos, o que também denuncia a incapacidade social de se lidar com a

“melhor”: uma morte abrupta ou prolongada? Quando a morte é abrupta, as pessoas entram em choque, morte,de expressar sentimentos. Acompanhar uma morte nos remete à nossa própriafinitude, e são

não têm sentimento elaborado nenhum, não estavam preparadas para isso. Sendo uma interrupção, vários os medos que a acompanham, estejam eles mais conscientes ou latentes.

parece ser mais cruel, pois o falecido não teve tempo de fazer nada, se despedir, resolver conflitos,
dizer eu te amo. Kovács (2002) diz que se a morte “ocorre de maneirabrusca e inesperada tem uma
potencialidade de desorganização, paralização eimpotência.”. Em contraponto, apesar de se achar que
não há um preparo para a morte, quando a pessoa vivencia um longo processo de hospitalização, seus
familiares e amigos vão de antemão se despedindo, o que é chamado de “luto antecipatório”.

Parece que as pessoas vão sofrendo aos pouquinhos, ao invés devivenciar aquela dor de uma só
vez. Mas quando a pessoa de fato falece é aindamuito dolorido, e sofrem novamente de forma muito

27 28
3.5 A INTERFACE ENTRE PSICOLOGIA DA SAÚDE E BIOÉTICA Os códigos nada mais são do que o resultado das reflexões sobre a prática profissional, e,
considerando a crescente abertura de novos campos de trabalho para a atuação do psicólogo, é possível
que os profissionais se deparemcom novas situações-limite que criem sérios dilemas éticos a serem
discutidos. Especialmente o psicólogo que trabalha na área da saúde, com pacientes que convivem com
importantes sofrimentos físicos, deverá estar bem preparado paraenfrentar situações difíceis sob o ponto
de vista ético. Além disso, para que nossa prática seja respeitada como ciência ante outros profissionais
da equipe de saúde, deslizes éticos, de qualquer natureza, não podem ser cometidos.

De acordo com Goldim (1998), uma formação não adequada compromete o atendimento ao
paciente, sendo a educação continuada e os treinamentos em serviço formas eficazes de lidar com esse
problema. A prática da psicoterapia sugere que o psicólogo deva agir buscando a melhora do paciente
e priorizando os aspectos éticos de privacidade e confidencialidade das informações, no intuito de
estimular a sua autonomia e participação ativa no processo.

Outro aspecto referente à prática da psicoterapia nos serviços de saúde é o acesso ao atendimento,

A formação do psicólogo necessita ampliar-se para a discussão das questões éticas relacionadas destacando-se, nessa circunstância, o princípio da justiça. As pessoas com menos disponibilidade de

a saúde e integrar-se no posicionamento dos aspectos psicossociais que envolvem este âmbito. recursos financeiros muitas vezes são atendidas por profissionais sem qualificação ou supervisão. Essa
questão sugere a necessidade de reflexão sobre os aspectos éticos envolvidos na prática do psicólogo.

Atualmente, observa-se um aumento significativo no interesse pela publicação de trabalhos Dessa forma, pode-se refletir a quem e para quem o atendimento psicoterapêutico encontra-se

referentes a formação, treinamento, prática e ética do psicoterapeuta. Estudo realizado por Abreu, realmente disponível e qual o critério para a oferta desse recurso.

Piccinini, Cacilhas, Thahtman e Thormann (2000), considerando trabalhos publicados em relação ao


tema da psicoterapia no Brasil, no período de 1980 a 1998, indica que, em relação ao tema do exercício O desenvolvimento da Psicologia da Saúde, assinalada por Gonzales Rey (1997), estimulou o

profissional, a maioria dos artigos objetivaram a questão da ética. Os problemas apontados como trabalho do psicólogo no âmbito da prevenção e dapromoção da saúde, o que possibilita a oferta de

graves nos estudos foram referentes ao aspecto ético da confidencialidade, tais como danos a terceiros atendimento na rede pública. Além disso, amplia a participação desse profissional em equipes

ou ao próprio paciente, negligência e envolvimento sexual. interdisciplinares, tanto em instituições de saúde como no trabalho comunitário.

Para Contini (2001), a formação é considerada como o período de acessoao conhecimento teórico A inserção do psicólogo na rede pública faz o profissional se deparar com uma realidade

produzido pela ciência e de desenvolvimento da aprendizagem básica sobre o fazer psicológico. psicossocial muito diferente daquela com a qual ele provavelmente está acostumado. Em função da
diversidade emergente da população, a psicologia necessita acolher a diferença presente nas

O psicólogo que trabalha em instituições de saúde, conforme Medeiros (2002), deve pautar a sua comunidades. A postura ética trata-se da reflexão advinda do desafio da prática, reconhecendo os

postura pelo Código de Ética Profissional, bem comoagir conforme suas convicções pessoais, valores limites, a efetividade, a responsabilidade e o compromisso do psicólogo diante das demandas do

e princípios da formação pessoal e profissional. Além disso, deve também estar atento aos valores indivíduo na sociedade.

éticosque norteiam a comunidade. Para tanto, a ética envolve uma postura reflexiva ede respeito à
pessoa que se direciona para além da atitude coercitiva sobre a moral ou do Código de Ética.

29 30
No que se refere ao trabalho do psicólogo nas instituições de saúde, um risco para a 4 A PSICANÁLISE NO CONTEXTO HOSPITALAR
confidencialidade relaciona-se ao registro no prontuário do paciente.É dever do profissional manter
atualizado o acompanhamento do paciente, porém quais as informações que necessitam serem
registradas e/ou omitidas?

Em relação à ética nos serviços de saúde, a hospitalização e a institucionalização, muitas vezes


não voluntária, podem restringir a autonomia do paciente. Nesses casos, o psicólogo necessita levar
em consideração o contexto e a coerência ética integrada ao desejo do paciente.

Em relação ao princípio da autonomia, o terapeuta necessita estar atento no que concerne ao


respeito às escolhas do indivíduo e a sua liberdade de ação. No entanto, dependendo da etapa do ciclo
vital do indivíduo, a autonomia pode estar reduzida, como no caso das criançase adolescentes ou em
decorrência de doenças orgânicas ou mentais, bem comopor condições sociais. Ao longo dos séculos constatou-se que a medicina não era suficiente pararesponder sozinha as
muitas formas de manifestação do corpo humanos. O olhardos médicos deixava escapar algo que não

Para tanto, é necessário estar atento às questões éticas em investigação psicológica e aos direitos se apresentava para ser curado e sim para ser acolhido. A psicanálise neste contexto oferece o que tem

dos indivíduos que participam voluntariamente de pesquisas e estudos em prol dos interesses, avanços de mais valioso: a escuta.

e benefícios do conhecimento científico.


Alberti (2000) invoca o pensamento lacaniano que caracterizou a psicanálise como A última flor
da medicina para dizer que, em um determinado momento, a medicina observou que não podia tratar
As considerações e os delineamentos éticos da investigação psicológica devem ser referência
para as decisões metodológicas nas pesquisas em saúde. tudo. Lacan identifica a psicanálise como o lugar onde a medicina podia encontrar refúgio, já que ela
teve que se deparar com o fato de que haviam sintomas que não tinham nada aver com o corpo, mas
com o fato de o sujeito ser afligido pela linguagem.

É justamente com a presença da psicanálise no hospital que se possibilitaolhar o corpo doente de


forma mais subjetiva, reconhecendo que o sintoma podeser uma pista de que há algo que não consegue
ser enunciado de outra forma.

Ainda nos dias de hoje a psicanálise encontra certa dificuldade deestabelecer uma elaboração
teórico-prática que seja rigorosa fora dochamado setting terapêutico tradicional, constituído de sala,
divãs, móveis, etc.

Nota-se que o espaço hospitalar proporciona ao analista um campo parao progresso de seus
saberes. Neste campo, mais crítico pela urgência que se apresenta, sua complexidade é ainda maior em
função da possibilidade de morte, dor, sofrimentos diversos, altas imprevistas, situações que requerem

31 32
do psicanalista, ali atuante, inovação e adaptação que levem em conta o lugar em que estão
acontecendo as intervenções, propondo um aproveitamento deste ambiente onde tratamento e pesquisa
se encontram, alémde um aprofundamento teórico permanente por parte do analista.

A indagação sobre o enquadramento ou local de trabalho traz consigo uma bateria de


interrogações.

Independentemente do local, afala do paciente seja mantida e valorizada, usando a escuta como
o principal recurso terapêutico. Neste sentido, o setting não é tratado como um espaço real,pois é ele
virtual, ele é psíquico, é uma construção para que a análise aconteça. Diante da ruptura no
enquadramento, a psicanálise assume uma postura engenhosa e criativa, reconhecendo que o local de
atendimento será onde o paciente estiver. Isso porque o ambiente, o horário e a duração do atendimento
são ressignificados quando afetados por uma clínica que incluio inconsciente. Preconiza-se que o
inconsciente é atemporal e que seu funcionamento é a posteriori. Quanto a isso, a partirdo momento
em que o lugar do analista não é definido pelo espaço físico, mas por aquilo que é sua função, ele é
autorizado a sair do enquadre tradicional. Segundo ela, a construção da função do analista depende
fundamentalmente daimplicação dele com a psicanálise e com seu desejo.
Os hospitais são preparados para receber um paciente que seja submisso às regras, mas
constantemente isso não acontece, então o hospital solicita respostas, pareceres, diagnósticos e
Outra dimensão importante no hospital refere-se ao trabalho em equipe. Tal capacidade faz parte
modelos de conduta. A resposta a estes chamados se torna uma oportunidade de mostrar o que a
do ofício no hospital e vai exigir do analista uma certa dose de destituição narcísica. Freud recomenda
psicanálise pode promover neste espaço, pois esta não trabalha com a noção de cura, nem tem como
que o sentimentomais perigoso para um psicanalista é a ambição de alcançar algo que produza efeito
pretensão consolar o sujeito.
convincente sobre outras pessoas, pois isso o coloca num estado de espírito desfavorável para o
trabalho, além de torná-lo impotente contra certas resistências do paciente. Recomenda-se, também,
A presença da psicanálise em hospitais ainda suscita muitas questões. Simonetti (2011) propõe
que o analista invista em seuprocesso de análise pessoal, já que ele também é constantemente implicado
pensar a psicologia hospitalar a partir dos conceitos da psicanálise. Ele sugere que a psicologia
emseu mundo psíquico.
hospitalar encontra suas origens na psicanálise e na psicossomática: “Ao que parece, a psicologia
hospitalar, que nasceu da psicossomática e da psicanálise, vem atualmente ampliando seu campo
Após dar entrada em uma instituição hospitalar, o paciente é absorvido por ela, que assume o
conceitual e sua prática clínica, com isso criando uma identidade própria e diferente”.
controle por praticamente todos os aspectos de sua vida.Além da perda de controle, os pacientes passam
por um fenômeno conhecido como despersonalização, nele o sujeito se torna apenas mais um doente,
Dessa forma, vamos percebendo que a função da psicanálise no hospitalé recolocar a demanda
perdecompletamente sua identidade e subjetividade.
de tratamento, de forma a que o sujeito possa vir a se engajar nele, fazendo assim que ocorra fala por
parte do paciente e escuta por parte do analista. Outra indagação bastante frequente se refere a duração
do tratamento, visto que isso é uma questão difícil de mensurar. Recorro novamentea Freud. Quando
perguntado por um paciente quanto tempo duraria o tratamento, ele propôs um tratamento experimental

33 34
de duas semanas, evitandofornecer uma resposta direta a esta pergunta, não por desejar abster-se, mas O lugar do psicanalista no hospital pode ser abordado a partir de duas dimensões que não se
por reconhecer que precisa saber a amplitude do passo do caminhante antes depoder informar quanto excluem e, ao mesmo tempo, se articulam. A dimensão clínica psicanalítica e a dimensão institucional.
tempo durará a viagem. Segundo Freud, apergunta relativa à duração provável de um tratamento é A primeira se refere a ética, ao discurso e as especificidades da psicanálise. A segunda dimensão diz
quase irrespondível, isso porque o inconsciente é atemporal. respeito ao hospital com as variáveis institucionais, espaço físico, obstáculos, equipe e situações de
urgência. Desta maneira,estamos lidando com duas dimensões que se articulam. Portanto, enfatizamos
O psicanalista no hospital visa sustentar um lugar para o endereçamento das questões do que o lugar ocupado pelo psicanalista no hospital é entre a dimensão clínica e adimensão institucional.
sujeito, sendo que o que se oferece é um lugar vazio onde pode surgir o desejo. Neste sentido
entendemos que para o analista desenvolver seu trabalho no contexto hospitalar, necessariamente
precisa formalizar sua prática.Indo mais além, as autoras indicam que o trabalho analítico está em ater-
se as produções da fala do sujeito, pois, de acordo com Freud, a fala é imprescindívelpara fazer com
que o paciente relance seu discurso, afinal fazer falar é uma condição da escuta e é pela escuta que a
fala se constitui.

No hospital, o analista encontra certas variáveis que não são comuns no consultório. Ele encara
situações imprevistas, mas que aomesmo tempo convocam seu trabalho.

Tais circunstâncias apontam os desafios do psicanalista ao lidar com as particularidades do


trabalho no hospital. No entanto, basta lembrar da lição de Freud ao afirmar que a psicanálise aplicada
se sustenta a partir da psicanálise pura.

A teoria psicanalítica apoia-se no inconsciente e tem a análise pessoal como condição para
exercer a psicanálise. A formação do analista se baseia notripé da análise pessoal, estudo teórico e
supervisão clínica. Em A questão da análise leiga (1926), Freud declara que enquanto vivesse
tentaria impedir que apsicanálise fosse engolida pela medicina, ressaltando que não recomendava
formação médica para o exercício da psicanálise. Freud defende que a atividadepsicanalítica deve seguir
independente da medicina por ser uma ciência autônoma que possui teoria e prática próprias.

Afinal, qual é o lugar do psicanalista no hospital? Vimos que este lugar não é alcançado apenas
através de livros e estudos, apesar de serem essenciaispara a construção do saber. Já vimos os riscos que
um psicanalista está expostoquando se insere em um local fixado por um discurso que visa restaurar a
saúde perdida. Ele pode levar a psicanálise a se diluir entre tratamentos que proponham exclusivamente
a cura orgânica do paciente.

35 36
5 PROXIMIDADE DA MORTE E A TERMINALIDADE HUMANA terceiros. Para que se possa dar assistência adequada aos pacientes terminais, é necessário compreender
as reações e comportamentos que tanto os pacientes quanto os familiares podem apresentar diante da
proximidade da morte.

O paciente poderá reagir de várias maneiras em relação à sua doença e à terminalidade de sua
vida. Poderá aceitar ou negar; poderá ter o conhecimentode que está morrendo, mas emocionalmente se
sentir incapaz de aceitar; ou poderá aceitá-la, mas não conseguir verbalizar a situação. Segundo
Kübler- Ross, o diagnóstico de uma doença potencialmente terminal é fator de desestruturação
psicológica, fazendo com que pacientes e familiares passem por algumas fases emocionais
características. Sem necessariamente constituir um processo linear, de sequência rigorosa, já que nem
todos os pacientes o vivenciam da mesma forma, os estágios sistematizados por Kübler-Ross permitem
acompanhar o processo de morrer dos pacientes terminais, minorandoseu sofrimento.

Um deles refere-se ao doente que se encontra na etapa final de uma doença, portanto próximo da
morte. A percepçãoda morte na visão do paciente terminal é diferente em cada fase do ciclo de vida.
Segundo os autores, na infância, a morte pode ser representada conforme se modificam o pensamento
e a linguagem.

Para o adulto, a morte pode depender da experiência física e psicológica pela qual se está
passando. Já, para o idoso, a morte pode ser configurada em uma perspectiva de maior resignação. A
maioria dos indivíduos não está preparada para enfrentar a morte, incluindo os pacientes e seus
cuidadores. A falta de conhecimento sobre os aspectos relacionados ao final da vida pode tornar a
assistência a pacientes em fase terminal uma experiência apavorante para muitos profissionais. E,
quanto mais jovem o paciente, mais difícil lidar coma situação. A morte é evento “previsível” para as
pessoas idosas e, por isso, o grau de aceitação da morte desses pacientes é maior, dado ser encarada
comoa fase final do ciclo da vida.

A morte não atinge a equipe de saúde do mesmo modo, porque a percepção da perda é
determinada por fatores como idade, circunstância da morte e, sobretudo, pelo grau de envolvimento
com o paciente. Contudo, embora a morte faça parte do contexto da vida e da rotina do ambiente
hospitalar, os integrantes da equipe multiprofissional de saúde – em geral – não estão preparados para
enfrentar a morte e lidar com a perda de pacientes.

Somente os indivíduos seguros em relação aos seus sentimentos, e comatitudes naturais diante
da vida e da morte, terão atingido o estágio que lhes outorga capacidade de compreensão para auxiliar

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6 PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO 7 SEGUNDO ESTÁGIO: RAIVA

A negação é mecanismo de defesa temporário diante da morte. Ocorre com mais frequência no
início da doença, e em pacientes e familiares que são prematuramente informados acerca do seu
diagnóstico. A intensidade e duraçãodesse estágio dependem da capacidade do enfermo, e das outras
pessoas queconvivem com ele, de lidar com essa dor. Em geral, a negação não persiste pormuito tempo.
No entanto, alguns pacientes podem jamais ultrapassar esse estágio, indo de médico em médico, até
encontrar alguém que o apoie em sua posição. O mais sensato seria falar sobre a morte com pacientes
e familiares antes que ela ocorra de fato e desde que o queiram, até porque é mais fácil paraa família
discutir esses assuntos em tempos de relativa saúde e bem-estar do paciente. Ademais, adiar esse tipo
de conversa não beneficia o doente em nenhum aspecto.

Esse estágio pode estar relacionado à impotência e à falta de controle sobre a própria vida. É
muito difícil lidar com o paciente nessa fase: faz exigências, se revolta, solicita atenção contínua, faz
críticas e tem explosões comportamentais caso não seja atendido ou se sinta incompreendido e
desrespeitado. É importante que, nesse estágio, haja compreensão dos demais sobre a angústia
transformada em raiva no paciente que teve de interromper asatividades da sua vida por causa da
doença.
Os pacientes nesse estágio são difíceis de tratar. Geralmente se revoltamcontra Deus, o destino
ou alguém próximo. Uma pergunta comum é “Por que eu? Por que isso está acontecendo logo
comigo?”. Desse modo, o manejo de pacientes que se encontram nessa fase envolve a compreensão de
que a raivaexpressada não pode ser encarada como algo pessoal.

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8 TERCEIRO ESTÁGIO: BARGANHA 9 QUARTO ESTÁGIO: DEPRESSÃO

Nessa fase, geralmente o paciente tenta negociar com Deus de maneira implícita ou até mesmo
com os médicos, entrando em algum tipo de acordo que adie seu desfecho inevitável. Os pacientes
Essa fase surge quando o paciente se encontra em fase terminal e tem consciência da sua
acreditam que, por serem obedientes, alegres e não questionadores, o médico fará com que melhorem.
debilidade física; portanto, não pode mais negar sua doença. Nessa etapa, o indivíduo é muitas vezes
Normalmente, a pessoa que se encontra nesse estágio realiza promessas em sigilo, contando com a
forçado a submeter-se a mais uma hospitalização ou a outra cirurgia. Aqui a depressão assume quadro
possibilidade de ser recompensada por seu bom comportamento. Em geral, o paciente se mantém
clínico característico: desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro etc. As tentativas anteriores não
sereno, reflexivo e dócil.
deram certo: negar não adiantou; revoltar-se e fazer barganhas, também não. Dessa forma, deve-se
deixá-lo à vontade para externar seu pesare assim aceitar a situação mais facilmente. O paciente está
prestes a perder tudo e todos os que amam, por isso é importante que passe os momentos finais junto de
seus familiares e entes queridos.

41 42
10 QUINTO ESTÁGIO: ACEITAÇÃO 11 BIBLIOGRAFIA

Aberastury, A. (1984). A percepção da morte nas crianças. M.N.Folberg, Trad. In: Aberastury, A. &
cols. (Orgs.). A percepção da morte na criança e outros escritos, 128-139. Porto Alegre (RS): Artes
Médicas.

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receberam apoio podem chegar a essa fase aceitando o processo. Na maioria das vezes, o paciente Brown, F. H. (2001). O impacto da morte e da doença grave sobre o ciclo de vidafamiliar. In: Carter, B.
manifesta grande tranquilidade e pode permanecer em silêncio. Já não experimenta o desespero nem & Mcgoldrick, M. (Orgs.) As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura de vida familiar (2a
rejeita sua realidade. Esse é o momento em que os familiares mais precisarão de amparo, ajuda e ed.). (pp.393-414). São Paulo: ArtmedEditora.
compreensão, devendo a equipe responsável ter ciência do estágio pelo qual o paciente está passando.
Bruscato, Laura Wilze. (2004). A Psicologia no Hospital da Misericórdia: um modelo de atuação. In:
É importante conhecer os principais fatores implicados no processo do adoecer e morrer. Não se pode
Bruscato, W.L.; Benedetti, C; Lopes, S.R.A. (org.). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa
desistir do tratamentodo paciente, porque, ao sentir-se abandonado ou sem assistência, ele se entrega e
de São Paulo: novas páginas emuma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.
desiste também.
Camon, V.A.A. (2000). O Ressignificado da prática clínica e suas implicações narealidade da saúde.
O paciente se sentirá confortado em saber que não foi esquecido, mesmo quando não houver mais Em: V.A.A. Camon (Org.). Psicologia da Saúde. (pp. 7-21). São Paulo: Pioneira.
nada a se fazer por ele. Nesse momento, os cuidados paliativos vão ao encontro das necessidades do
Combinato, Denise Stefanoni; Queiroz, Marcos de Souza (2006). Morte: uma visão psicossocial.
paciente terminal, uma vez que podem, isso sim, minimizar a dor e o sofrimento, e ao mesmo tempo
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atender às suas necessidades básicas de higiene, nutrição e conforto, ajudando-o a manter sua dignidade
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